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(© 2005 by Gre Mari Feiandes Butencourt © Dirios de pubs CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 — Perdizes 105014000 = Sio Paulo ~ SP ‘Tels (11) 3864-0111 Fans (11) 3864-4290 conezecorezedivora.combr ‘worw.cortezeditora.com.br Diresio José Xavier Cotes Editor Amir Pedade Preparacio Alexandre Soare: Santina Revi Oneide M. M, Expinosa Edigio de Arte Mauricio Rindeika Seolin Papeis da capa Atelier Luiz Fernando Machado Iustragao de capa Antinio Carlos de Pidua ‘Dados Intemacionais de Catalogaso na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira o Livo, SP Bras) Biveneour, Circe Maria Ferandes Ensino de hist: frdmeros © mods /Citee Maia emandes Bitenoourt — 2. ed, —Sio Paulo: Cortez, 2008 — (Colegio doce em forma, Série ensino funder noedeno Ante Joaquim Severino, Selma Garo Pimen) ISBN 978-85.249-1069-2 Biblografia 1. tistria — Estado ¢ensinoL Severino, Anti Josguim I, Piment, Seime Gado, Il Tito 1V. See 45240 cop-s07 Indios para calalogo sistematico: |. Histria Estado e sino 907 Impresso no Beasl ~ stembro de 2008 CiRcE Maria FERNANDES BITTENCOURT Ensino de Historia: fundamentos e métodos televisivos, filmes, jogos de videogame corresponde a uma realidade da vida moderna com a qual criangas € jovens tém total identificagio, e tais suportes merecem atengao redobrada € métodos rigorosos que formu- lem priticas de uso nao alienado, Outro problema decorrente das tecnologias a ser utilizadas nas escolas relaciona-se as desigualdades das condigées de trabalho e da realidade escolar brasileira, © uso de computadores, notadamente, pode transfor- mar-se em mais um meio para erguer barreiras entre 05 que tém acesso a esses produtos ¢ os demais alunos das precirias escolas piblicas das periferias das gran- des cidades e das reas mais carentes do Pais. Assim, © consumo das novas tecnologias pode ser mais um instrumento de exclusio social e cultural, sitwacéo que provoca diferenciagbes até mesmo entre as diversas ge- rag6es de professores. Diante do mundo tecnuldgico vivido intensamen- te pelas atuais geracées, existe um compromisso peda- g6gico que nao se pode ignorar. Temos de concordar com os argumentos positivos de McRobbie sobre os jovens criados sob a égide das “emergentes culturas da imagem” ¢ sobre o reconhecimento das possibili- dades educacionais ¢ politicas dessas geracées pelas contradigdes inerentes a essa “nova cultura popular”: [Nao existe como voltar atrds... Para as populacdes trans- Jixadas em imagens que sdo elas préprias realidades, nao existe nenhum retorno a um modo de representagao que politize de alguma suposta forma direta, “digna”. A série televisiva Dallas estd destinada a se situar ao lado de ima- ‘gens da revolta negra (provocada pelas imagens impres- sionantes do espancamento de Roney King pela policia de Los Angeles) (Green e Bigun, 1995, p. 239). Tal constatagao impeliu as atuais propostas curri- culares a incluir os suportes tecnolégicos nos métodos de ensino, os quais, conseqiientemente, precisam ser analisados em suas possibilidades paradoxais: pelas suas contribuigées e pelos problemas deles decorrentes. 2. Propostas curriculares de Histéria: caracteristicas gerais A partir do fim da década de 80 do século XX cria- tam-se varias propostas curriculares de Histéria para © ensino fundamental ¢ médio, as quais circulam pelos Estados € municipios além dos PCN, que sio tesultado da incorporagéo de parte dessa produgio. Vsispropostas tém em comum algumas caracte- tisticas, a saber: + walteragéo nas formulagées técnicas dos textos cur- riculares, que passaram a apresentar fundamentagées sobre o conhecimento historico e sobre os demais t6- ppicos da disciplin * 1 preocupacéo com a implementagéo dos curricu- los, buscando sua legitimidade junto aos professo- res, justificando sua produgio e procurando dilu formas de resisténcia aos documentos oficiais; + 4 redefinigao do papel do professor, fornecendo-Ihe maior autonomia no trabalho pedagégico, concep- Gio esta expressa na auséncia de um rol de conteti- dlos estabelecidos de forma obrigatéria para cada série on ciclo; * a apresentacdo mais detalhada dos pressupostos teé: ricos e metodolégicos do conhecimento histéricos +a fundamentagéo pedagégica baseada no construtivis- ‘mo, expresso de maneiras diversas, mas tendo como Histon nas ATUA's porostas CURRICULAR {Pu = Hn woot ran Bur onc rna 2 Histona principio que o aluno € sujeito ativo no processo de aprendizagem; As comemoracées € festas comemorativas ainda farcm parte dos contetidos, embora caiba lembrar Ue esto sendo introduzidos outros representantes Ai ciedade brasileira, como noe festejos do Dia do Indio (19 de abril) ou do Dia da Consciéncia Negra (20 de novembro). Entretanto, dentre as caracteristicas das propostas. mais recentes, destaca-se a Uevisio de a Histéria e a Geografia serem objeto de ‘wtucdo a partir das séries iniciais, em substituigao aos Eauuclos Sociais, e apresentarem uma organizacio dos tontetidos baseada em eixos tematicos. Existe a preocupagao de introduzir nogées € con- teitos histéricos a partir dessa fase escolar, os quais aerao progressivamente trabalhados ao longo de todo tw ensino fundamental e médio. Os PCN de Histéria, toy quais de certa forma consolidam essa tendéncia, tém como conceitos bisicos a cultura, a organizacio fuxial © do trabalho e nogoes de tempo/espaco histé- tls, a serem introduzidos a partir do processo de allabctizagio, ‘\ nogéo de tempo histérico é apresentada por meio da noyio do antes e depois, do conceito de geragao e do tinccito de duragdo. Dessa forma, as propostas curti sulares visam desenvolver nos alunos, de mancira rudual, uma nogo de tempo histérico que nao seja {puicndido apenas como 0 do tempo cronolégic [ \lgumas das propostas visam também alrerar a orga- {hlzacio dos circulos concéntricos pela introdugao de uma concepgao de histéria local ou de “histéria do Augie” que procura estabelecer articulagées entre 0 mais priximo (ouo vivido do aluno) ¢ a histéria nacional, Hgional e geral ou mundial. Os estudos de Histéria Hm como base o desenvolvimento intelectual do edu- tando, e dai a recomendagio de introduzir 0 contet- do a ser estudado por um problema situado no tempo * a accitagao de que 0 aluno possui um conhecimento i sobre os objetos de estudos histéricos, obtido pela historia de vida e pelos meios de comunicagio, 0 qual deve ser integrado ao processo de aprendizagem; * a introducio dos estudos histéricos a partir das séries iniciais do ensino fundamental. 2.1. PROPOSTAS CURRICULARES PARA OS DIFERENTES NIVEIS Oensino de Hist6ria, conforme o disposto em al- gumas propostas curriculares dos Estados e munici pios e nos PCN, esta presente em todos os niveis de ensino e, com a Geografia, constitui uma das bases essenciais do conhecimento das ciéncias humanas a partir das séties iniciais até o término do ensino bésico. Embora se mantenham as caracteristicas gerais assina- ladas anteriommente, é possivel identificar as especifi- cidades das propostas curriculares de Histéria para os diferentes niveis de ensino. Apresentamos, a seguir, de ‘maneira sucinta, algumas caracteristicas mais gerais dessas propostas, ressaltando, entretanto, que varios dos problemas apontados serio abordados com maior profundidade em capitulos posteriores. a) Historia para alunos de primeira a quarta série As formulagées para o ensino de Historia a partir das séries (ou ciclos) iniciais do ensino fundamental sofrem variacées, mas visam ultrapassar a limitacdo, de uma disciplina apreendida com base nos feitos dos herdis e dos grandes personagens, apresentados em atividades civicas e como figuras atemporais. A nog de tempo Foc ¢ aad profndidade Pate, Capital 113 1+ Panre — HistOMA SSCOUAR:PAFL DE UMA DISCLINA _ Na exio 3, "Oaidano€ Istria local, do 2 Pare ‘Copal fem questo origin € arenes Som maioesderahamenas teoricoe com exerpls da rie exo. 4 presente, buscando em tempos passados as respostas para as indagacdes feitas. A problematizacéo do estudo historico inicia-se sempre pelo Jocal, que se torna ob- jeto de andlise constante, ¢ néo mais em apenas uma das séries, dependendo do tema a ser estudado. Para, efetivar o estudo do local, a proposta fundamenta-se na historia do cotidiano e aproptia-se de seus méto- dos, com o objetivo de inserir as ages de pessoas} comuns — homens, mulheres, criancas ¢ velhos — na constitui¢o histérica, € nao exclusivamente as agbes de politicos ¢ das elites sociais. Diferentemente das propostas baseadas nos circulos concéntticos, que também utilizam a historia local como forma de introduzir 0 aluno na compreensio do} mais préximo, a preocupacio maior, na atualidade, estabelecer articulagdes constantes, nas diferentes séries, entre 0 local, 0 nacional ¢ o geral ‘Ao se estudar as populagées indigenas, por exem: plo, fundamentando-se no conceito de cultura qui inclui as nogées de diferencas e semethancas, deve-s principiar pelo conhecimento do grupo indigena q| ‘antes ocupava o lugar atual de vivéncia do aluno, ad- quirindo informagoes sobre as caracteristicas dess povo que viveu e criou uma cultura propria — lingua, habitos alimentares, rituais e festas —, para em segui da, na apreensio do depois, saber o que aconteceu co! clea partir do contato com o branco (desapareceu o migrou, foi escravizado...) e quais as marcas ou regis tros ainda existentes no presente sobre a populacic nativa, Posteriormente, é importante estudar outr grupos indigenas de outros espacos e de outros tem pos, para o aluno poder descobrir 0 que de diferent 0 que de semelhante hé entre aquele povo indigent que ocupava 0 local atual e os outros povos que vi ram antes ou ainda vivem em outros lugares do Bras b) Historia para alunos de quinta a oitava série ‘As propostas para as séries ou ciclos finais do ensi no fundamental mantém, como nas anteriores, a ca- tuterizagao disciplinar, ministrada por um professor eapecialista, Dessa forma, os fundamentos tedricos € mnctodolégicos sto apresentados de mancira que expli- lem os pressupostos da Historia a ser ensinada, Geralmente esas propostas se posicionam contra fn pressupostos que presidiram as anteriores e buscam liar o atual estigio da producio historiogréfica. A maior parte delas baseia-se em uma histéria social ou nox iocultural, conforme se verifica pela bibliografia e pela constante relac¢ao com os conceitos tidos como isicos para o conhecimento hist6rico escolar. Assim como para as séries iniciais, os conceitos séo onsiderados a base para 0 conhecimento histérico ¢ husca-se a coeréncia entre os objetivos da disciplina e ‘on findamentos historiogréficos e pedagdgicos: “Com how, « aluno estant construindo um instrumental concei- til que permitird a identificagao das diferencas e de thus formas préprias de realizagdo na Histéria; estard tani superando 0 egocentrismo ¢ o individualismo na tompreenséo do cardter social da experiéncia humana” (GELIRJ, 1994, p. 77). A opgio pela histéria sociocultural é justificada pela ic de conceitos selecionados como fundamentais, des- Huura procura substituir o de civilizagio, que funda- Jmencou, segundo uma ética eurocéntrica, a Histéria colar, e desta forma se justfica a importancia da his- Aria cultural: “... essa histéria cultural tem por objetivo pibilitar aos alunos compreender que os homens, para pbreviver, se relacionam com a natureza e entre si, € Hirota mAs ATUASPROPOSIAS CURBCULARES us Pam = Herb wey mans oo ume vac 6 (que neste processa produzem cultura, que abrange, portand te, todas as munifestasoes histbricas dos grupos humanos (SEE/RJ, 1994, p, 76). Enos PCN: As articulagées entre a concepgio de Histéria aca- fdémica ea de Histéria escolar, diferengas essas im- plicitas em varias propostas e explicitas com mais detilhes pelos PCN, aparecem em dois outros tépicos dos curriculos. Os métodos de ensino sao destacados goo elementos decorrentes de uma concepsio de historia associada a uma concepsao de aprendizagem, ¢ disso advém a apresentacio dos limites do uso dos livios didéticos como instrumentos pedagégicos exclu- Alvus ©2 necessidade de recorrer a documentos portado- res de outras linguagens, sendo comuns as sugestoes de utilizagao da literatura, de textos de jornais, das Imagens, miisica, etc. nas aulas de Histéria. As caracteristicas das propostas do ensino de His- WWiria para esse nivel de ensino também podem ser bservadas no que diz respeito &s finalidades da disci pilina e & selecdo de conteiidos por temas, caracteris- thas que serio apresentadas a seguir por serem comuns 4 tuilos os niveis de escolarizagio. 0 aprofiundamento de estudos culturais, principalmen no didlogo da Histéria com a Antropologia, tem contribul do, ainda, para um debate sobre os conceitos de cultura de civilizacao. Alguns historiadores rejeitam o conceito civilizagdo por consideré-lo impregnado de uma perspecti va evolucionista e otimista face aos avangos e domini tecnol6gicos, ito é, com uma culmindncia de etapas su sivas em diregdo a uma cultura superior antecedida periodos de selvageria e barbaiie, Nessa linha, os historic dores valorizam a idéia de diversidade cultural e multili cam as concepedes de tempo (Brasil, 1998, p. 32) Para as séries finais do ensino fundamental, 0 domi nio dos conceitos ou dos denominados conceitos-chaa torna-se relevante para assegurar a sistematizacao d contetidos, pelo fato de nao existir um elenco de con. tetidos predeterminados para cada uma das séries algumas das propostas basearem-se em eixos temiticos ou temas geradores. As propostas curriculares séo consensuais em outr aspectos referentes aos fundamentos teéricos da His téria. A impossibilidade do estudo de “toda a histéri da humanidade” € considerada como ébvia, 0 que nio significa, no entanto, que nao haja preocupaca com uma concepsio de totalidade em sua aborda- gem. Existe um cutidado em explicitar que 0 ensino da disciplina nao pode se apresentar de forma frags mentada e que é preciso manter como meta a apreen+ sio, por parte do aluno, de uma visio da histéri como processo. © ato de recorrer aos temas e a conceitos serve exatamente para conceber a idéia dé totalidade e de processo. ©) Histéria para 0 ensino médio no médio, segundo a Lei 9.394/96, deve ser prcsidido por uma educagéo geral formativa ¢ ndo propedéutica, sem a preocupagio com a especializa- ao profissional, mas tendo como objetivo central o pcparo para o exercicio da cidadania. Os PCN de Historia, tinico texto curricular publicado apés 1996 para o ensino médio, de acordo com essa proposicio, procurou articular a formagao para a cidadania com 0 dominio de informagées € conceitos histéricos bé- icos. Uma pesquisa sobre 0 ensino médio de Paulo Faluardo de Mello aponta para as seguintes carac- teristicas dos PCN para esse nivel: Ocnsi Histon NAS ATUAIS ROROSTAS CURRICULARS 7 Panny == Harem pecouam ear ot una omc rin _ _ Histo nas ATUAIS PROPOSTAS CURRICULARES 118 ‘A dnfase dos textos dos PCN reside na articulagdo entre os contetidosexpressos em informacdes e conceitos e de como proceder para compreendé-los e analisé-los, dimensionan- do 0 saber escolar com o saber fazer ao mesmo tempo que admite einclui como pressuposto a ser explicitado que este saber nao é neutro. Desta forma é intrinseco do contetido programético de cada disciplina a inclusdo de atitudes ¢ valores e habilidades a serem trabalhadas na pratica esco lar. Nessa perspectiva, para cada disciplina & necessério| estabelecer as relagdes entre os contetdos explicitos e com cits bdsicos com as formas pelas quais os alunos adquirem «se apropriam desses contetidos (Mello, 2000, p. 141). lhistrico. A histéria social tem como pressuposto a Jauperagao de uma visio histérica inspirada no mar- alamo estrucuralista, que privilegiava as andlises das Infra-estruturas econdmicas ¢ das lutas de classe, ¢ a Inclusio das experiéncias cotidianas permeadas de valores culturais, das representagées simbélicas que Interferem nos confronts sociais e nas agdes politi e1y, Incorpora assim as contribuigdes tanto da histéria gonhecida como “neomarxista”, de ingleses como E. ‘Thompson ¢ do italiano Ginzburg, como das ten- déncias da “nova histéria” francesa, No que se refere aos conteddos, a preocupagio imaior com a efetivacao da proposta, ao se conside- tur o sistema educacional brasileiro e suas praticas. (Qs limites para mudangas significativas de contetido «le método de ensino para o nivel médio sio bastante tumbecidos. Os alunos do ensino médio, em sua mai tla, Gm como meta a continuidade dos estudos, ¢ parte eles pretende seguir cursos universitérios que exigem teloyoes mais ou menos rigorosas, dependendo do curso # «li universidade, Embora estejam sendo propostas tnuidangas nas formas de acesso ao nivel universitario, tox exames vestibulares das grandes universidades brasi Ielrss ainda s4o os referenciais para a maioria das esco- usc professores, As andlises realizadas no referido estudo de Eduardo de Mello sobre o ensino de Histéria para o nivel médio Indicam 0 predominio da organizacio de estudos his- Wricos em conformidade com o programa dos exames Yestibulares. Os livros didsticos, em sua maioria, so procluzidos para atender a essa situacio. Os exames ves- bulares, por efetuarem uma selegao de alunos, orga- fnlam seus programas de acordo com uma proposta onteudista e abrangente. As condigées atuais de efeti- ‘wuyio de proposta de ensino médio vinculam-se assim A Hist6ria proposta para 0 ensino médio pel PCN mantém a organizagio dos contetidos por temasi mas sem elenci-los ou apresentar sugestdes, como foi} feito para os demais niveis. Tem como preocupasai maior aprofundar os conceitos introduzidos a partis das séries iniviais © ampliat a capacidade do educan- do para 0 dominio de métodos da pesquisa histéri escolar, reforgando o trabalho pedagégico com pro: postas de leitura de bibliografia mais especifica sobs 6s temas de escudo e com a possibilidade de dominar processo de producéo do conhecimento histérico pel ‘uso mais intenso de fontes de diferentes naturezas. Ni inclui, entre seus objetivos, a formaco de “um hist. riador”, mas visa dar condigées de maior autonomi intelectual ante os diversos registros humanos, assi como aprofundar 0 conhecimento histérico da socie: dade contemporinea. O cuidado com a formulacao das tendéncias hist ricas também permanece, para que 0s conceitos prop tos como base do estudo sejam trabalhados de form: coerente, Permanece a tendéncia de fundamentos apoia: dos na histéria social ¢ cultural, que, entre outr aspectos, visa introduzir diferentes sujeitos no faze Esse endéncas Isorogrific edo aad na Pare, pice ng 120 a mudangas tanto no proprio sistema seletivo para 0} ingresso no ensino superior como no complexo sistema| de avaliacao da escola. Outro aspecto que tem sido debatido é a proposta controvertida dos PCN sobre o papel das disciplinas} na constituicao dos saberes escolares. Os PCN sa apresentados por “reas de conhecimento”, ¢ nes sentido a Historia, ao lado da Geografia, da Sociologi da Antropologia, da Politica e da Filosofia, € pai integrante das denominadas “ciéncias humanas e su: tecnologias”. Uma interpretagio dessa proposta detect a diluigao dos conhecimentos das ciéncias human em diversos contetidos nao disciplinares ¢ a perda di aprofundamento dos conceitos, informagées e méto: dos que fazem parte de cada uma das disciplinas. indefinigéo do conceito de interdisciplinaridade acar: reta problemas porque, em intimeras situagGes, a co1 trugio ea definigéo das grades curriculares nas escok ea distribuigao das cargas didaticas de cada érea ou di ciplina escolar dependem da visdo que as autorid: educacionais tém sobre a relagao entre “Area de conhe: cimento” e disciplinas escolares. Além de prejuizos n que diz respeito ao aprofundamento de conceitos meétodos dos diversos componentes das areas, hi refl x0s, a longo médio prazo, na prépria formacao d docentes. mais repetidas por professores em suas explicagées ini- leluis sobre 0 porqué da disciplina na escola. As finali- dacles do ensino de Histéria nao se limitam a essa frase, tendo, evidentemente, mais complexes, ¢ algumas pro- astas curticulares procuram explicité-las. Como foi apresentado em capitulo anterior, a His- thria serviu inicialmente para legitimar um passado que inpilicasse a formacao do Estado-nacéo e para desen- volver 0 espitito pattidtico ou nacionalista. A contri- uiigio do seu ensino para a constituigao da identidade permanece, mas jé nao se limita a constituir e forjar tna identidade nacional. Um dos objetivos centrais do ensino de Histéria, na atualidade, relaciona-se & sua contribuigéo na cons- tuigio de identidades. A identidade nacional, nessa perspectiva, € uma das identidades a ser constituidas pela Hist6ria escolar, mas, por outro lado, enfrenta ulna © desafio de ser entendida em suas relagées com w local eo mundial. A constituicéo de identidades associa-se & forma- qo da cidadania, problema essencial na atualidade, to se levar em conta as finalidades educacionais mais xmplas e 0 papel da escola em particular. A contri- buigio da Histéria tem-se dado na formagio da cidada- hia, associada mais explicitamente & do cidadéo poli- to. Nesse sentido & que se encontra, em intimeras propostas curriculares, a afirmagio de que a Historia deve contribuir para a formagao do “cidadao critico”, termo vago, mas indicativo da importincia politica da disciplina. A formacao de um “cidadao critico” conduz Alnda a explicitages sobre 0 conceito de cidadao, lem- brando que a Histéria escolar, como afirma 0 tlulor André Segal, ‘forma cidadaos comuns, indivt- duos que vivem um presente contraditdrio, de violencia, dexemprego, greves, congestionamentos, que recebe informa- es simultdneas sobre acontecimentos internacionais, como 2.2. SOBRE OS OBJETIVOS DO ENSINO DE HISTORIA As proposts curriculares, para todos os niveis di ensino, tém-se preocupado em responder & perguntai “Por que estudar Histéria?” “Estuda-se Histéria para compreender o presents ¢ ctiar 0s projetos do futuro” € uma das frases mi encontradas em textos relacionados ao assunto € HistONA NAS ATUAS pROPOSTAS CURRICULARES 121 1 Pa = Hordeum rar oe una once 122 Uma formagdo humanistica moderna abrange reflexdes e estudos sobre as atuais condigdes humanas, mas que se Jundamenta nas singularidades e no respeito pelas diferen- (as étnicas,religiosas, sexuais das diversas sociedades (.). A perspectiva histérica permite uma visdo nao apenas abrangente ao estabelecer relagdes entre passado—pre sente na busca de explicagdes do atual estégio da humanidade, como permite identificar as semelhancas € diferencas que tém marcado a trajetdria dos homens no planeta Terra, (..) significa rever as relacdes entre homer € natureza e também situar, no tempo, as permanéncias de conflitos geradores de violéncias de diferentes niveis € ‘em diferentes locais, dentro das casas, das favelas, nos sgrandes centros urbanos, nas éreas rurais ou em campos de batatha (Brasil, MEC, 2002, p. 51). 44s guernas, que deve escolher seu representante para oct par cargos politicos institucionais”. Esse individuo que} vive © presente deve, pelo ensino de Histéria, ainda| segundo Segal, ‘ter condigées de refleir sobre tas aconter cimentos, lacaliza-los em um tempo conjuntural sural, estabelecer relacées entre os diverse fatos de o politica, econémica e cultural, de maneira que fig preservado das reagées primdrias: a célera impotente confusa contra os patroes, estrangeires, sindicatos ou abandono fatalista da forga do destino” (Segal, p. 103) ‘Assim, a finalidade de uma formagao politica atribul da ao ensino de Historia esta articulada a outra signifi cativa finalidade: a da formagio intelectual. A forma fo intelectual pelo ensino da disciplina ocorre por intermédio de um compromisso de criagio de instru ‘mentos cognitivos para o desenvolvimento de um “pen: samento ctitico”, o qual se constitui pelo desenvolvi mento da capacidade de obseroar e descrever, estabele relagées entre prexente—passado—presente, fazer compara fies ¢ identificar semelhangas ¢ diferengas entre a dive sidade de acontecimentos no presente no passado. Na proposta dos PCN, além das duas finalidades, foi acrescentada uma mais geral: a formacio huma: nistica dos educandos. Em documento sobre as fina: lidades do ensino na educagio de jovens ¢ adult (EJA), a preocupacdo com uma formagio humanisti ca para as atuais geracdes corresponde a compromis} sos gerais da sociedad, e essa formacio nao pode se confundida com a formacio das “humanidades” de pes riodos anteriores, promotora de uma educagao enci clopédica, destinada a determinados setores cconom- camence favorecidos ¢ & constitui¢io de uma elit “jluminada”, inica responsavel pelos destinos polit cos do Pais ¢ justificadora das desigualdades sociais de direitos. A moderna concepgio de formacéo humat nistica tem como pressupostos outros valores e com: promissos: 2.5. TEMAS PARA © ENSINO DE HISTORIA A inovagio das propostas curriculares que mais tem aulo alvo de questionamentos, com aceitagio e resistén- tin por parte dos docentes, € a que se refere 20 estu- do organizado pelos cixos temiticos. A opgio pela Hisiéria tematica, como também se denomina, é jus- Ulicada, nas propostas curriculares, por variados Imotivos, mas sobretudo como resposta aos desafios ide um ensino histérico que pretenda atender as neces- aklacles da nova geracio. AA primeira proposta curricular a conceber um ensi- hw dle Histéria baseado em remas foi feita pela Secre- turia de Educacéo de Sao Paulo em 1986. Foi uma Proposta muito polémica, por romper com as divis6es dos "grandes periodos histéricos” e, valorizando as lutas ¢ movimentos sociais, introduzit uma histéria social em substitui¢éo a uma histéria politica sob a égide do Fstado-nacio. Apesar de nfo ter sido efetivada, serviu como referéncia para outras tantas, em Estados e prefei- ttras, assim como para os PCN, em ambito nacional. HistOMA MAS ATLAS PROPOSTAS CURRICULAR 123 1 Paate — Hiroma SScOUAE PBF. DF UMA DHCILINA CE Repneade Habis, orgaiagio de Marcos Ad Sika (Ro de Jancir: Marco Zero, 1984), O emi de Hii: age, Ade Conciio Cabin ‘utc (Sho Paul: Bese, 1986) 08 “Anais do I Emon Perpatoa do Enno de Hise (Sto Pl, FAUSP, 1988), Pode perch came reaagio de tbalhos Inedscpinates em somo demas com, como comprova a Aiseragio de meseado de Ru Gal Perfo ra ine eres tis als de apa (S20 Palo, TRIUSP, 19 Pegi, Hit Govgra em wen do vernal sc utbana de probe da gu 124 Em 1990, a Reorientagdo curricular pela via da inter-| disciplinaridade, proposta pela Secretaria de Educacio| do municipio de Sao Paulo, optou pela Histéria funda-| mentada em temas geradores, segundo os pressupostos} freirianos —lembrando que Paulo Freire era, na oca+ sido, secretirio de Educagao da capital paulista. O ‘gerador caractetiza-se por um trabalho pedagégico bas tante radical, uma vez que abarca todas as disciplin: ¢, para o tema se tomnar objeto de estudo, hé uma me dologia calcada nos principios freirianos em torno do estudo da realidade. Os desafios para a sua instauracio| foram virios, tendo em vista que, pela primeira ver, se criava uma proposta de trabalho com tema geradon, © qual originariamente era voltado para o processo de alfabetizagao em um ensino informal ¢ passava entao| a ser incorporado por toda uma rede escolar seriada| (todo 0 ensino fundamental). E importante salientar que as propostas surgidas nos curticulos em torno da Histéria por temas no foram| fruto de idealizacdes de um grupo de intelectuais ow educadores. No decorrer dos anos 70 ¢ 80, em varias escolas da rede publica, notadamente, professores jé| comegavam a trabalhar com temas a fim de atender as especificidades de seu piiblico escolar e &s precérias condigées de trabalho com as quais se defrontavam. Algumas das praticas escolares desse periodo foram publicadas ¢ cram muitas vezes apresentadas em en- -contros de professores. A implementagéo da proposta de Historia por temas, no entanto, nao tem sido uma tarefa facil, ‘ocorrem equivocos que merecem ser analiszdos com cuidado, considerando ser preciso entender corre- tamente a “tradigao escolar” ¢ saber realizar uma inovagio sem perder referenciais importantes dessa uadicao. Na Franca, a proposta curricular dos anos Histon NAs ATUA PRovOsTAs CUARICULA 10 que tinha como pressuposto a Historia tematica facassou, segundo um de seus proponentes, 0 histo- Frlador Le Goff, pela permanéncia dos principios orga- izacionais dos contetidos tradicionais da Histéria [incar ¢ cronolégica. Os temas centrais “historia da Agricultura” e “histéria dos transportes”, indicativos das Aries iniciais correspondentes ao terceiro ciclo entre Inds, acabaram por se converter em uma histéria ape- hs linear, que se iniciava na pré-hist6ria, com a criacéo di agricultura, e passava pelos sistemas agricolas (ou de transporte) nos demais periodos histéricos. De maneira semelhante, a experiéncia com o tema getidor em algumas séries em Sao Paulo conduziu a eatuclos tematicos verticalizados sobre um tinico con- trio, © tema gerador resulta de um problema social- incnte vivido pelos alunos ¢ pela comunidade Cnstitui o eixo que problematiza os diversos contetidos tls diferentes disciplinas, mas sem se transformar em conteiido tinico e exclusivo a ser trabalhado durante tudo 0 ano letivo. Foi 0 caso, por exemplo, dos temas geradores “moradia” ou “lixo”, cujos elementos, embora dlevessem constituir 0 tema problematizador, se conver- terum no tinico contetido a ser desenvolvido no decorrer tle todo 0 ano letivo, por todas as séries. Muitos planos tle estudo focalizaram os temas “moradia” ou "lixo” em cada um dos periodos da histéria brasileira, da co- lbnia a fase republicana, evidentemente nio situaram 1 problematica em contextos mais amplos, deixando dle estabelecer relagées sociais, econdmicas, culturais © politicas. Esse entendimento da Histéria organiza da por temas acaba por retirar contetidos tradicionais jue ndo poderiam ser excluidos dos estudos escolares, iantém a linearidade e 0 sentido do “progresso hist6ri- co” que se critica e, pretensamente, se deveria superar ¢ 125 Hinson sonar DCs ISCIIN ainda gera descontentamento entre os alunos, saturados de um tema tinico no decorrer de todo 0 ano escolar. A organizacio do estudo de Histéria por temas produz assim varios problemas que precisam ser es- dlarecidos. Um deles & 0 de distinguir entre Historia ematica, tal qual os historiadores a concebem na tea lizagio de suas pesquisas, ¢ Histéria ensinada por eixos temdticos. Essa distingao fundamental tem sido pouco explicitada nas propostas curriculares, 0 que induz a varios equivocos na pritica escolar. ‘A Historia temética, normalmente produzida pela pesquisa de historiadores — que estabelecem o tema a ser investigado ¢ delimitam o objeto, 0 tempo, 0 espago ¢ as fontes documentais a ser analisadas —, caractetiza a produgio histérica académica. Cada tema é pesquisado em profundidade, sendo a andlise verti- calizada, em meio as diversas possibilidades oferecidas, por intermédio de um maximo de documentagio a ser selecionada segundo critérios préprios, a qual é interpretada de acordo com determinadas categorias ¢ principios metodoldgicos. O tema ¢ precedido por exaustivas leituras bibliograficas ¢ por criticas tanto da bibliografia quanto da documentacio. Os contetidos histéricos escolares organizados por cixos teméticos ou temas geradores obedecem a outros critérios que nao se confundem com a Historia temé- tica. Os eixos teméticos ou os temas geradores sio indicadores de uma série de temas selecionados de acordo com problemiticas gerais cujos principios, esta- belecidos ¢ limitados pelo publico escolar a0 qual se destina 0 contetido, sio norteados por pressupostos pedagégicos, tais como faixa etatia, nivel escolar, tempo pedagégico dedicado a disciplina, entre outros sspec- tos. © tema gerador ou eixo temético nao pode litaitar © contetido, mas deve servir para estabelecer e ordenat outros temas (ou subremas), que precisam ser abran- gentes tanto no tempo quanto no espago. Cada eixe Histon as AAs ents cH AS tenuitico & indicativo para 0 estudo de cada série ou «ivlo ¢ pressupde a delimitacio dos conceitos bisicos. (Os contetidos, desse modo, decorrem do eixo temi- tuo com flexibilidade para as diferentes situagdes ¢s- volares, sendo garantido, nesse processo, 0 dominio «los conceitos fundamentais a ser estudados. A diferenciacao entre Histiria temdticae Historia por caxos temdticos & necessitia para evitar equivocos como ‘os que ocorreram com algumas propostas recentes de vosino de Histéria, Sua importancia reside na formu- lato de um projeto educacional com maior flexibi- lulade, tendo em conta as criticas relativas & impossi- bilidade de ensinar “toda a histéria da humanidade”. \nse constatar que nao se pode ensinar “toda a histéria «a humanidade” ¢ que a histéria ensinada é fruto de ecortes dependentes das probleméticas do presente, « proposta de uma Histéria calcada em eixos temé- \icos tornou-se uma opsi0, Os recortes da “histéria sl humanidade” foram elaborados de acordo com uma concepgio eurocéntrica que, na situagio da nossa so- civdade, so insuficientes para atender As finalidades sla disciplina, ndo mais centradas na constituigao ex- lusiva da identidade nacional segundo os principios «le uma histéria politica que tinha como sujeito exclu- © 0 Estado-nagio. Ao se pretender a constituicao ule identidades entendidas em sua pluralidade — iden- ‘idade individual, social, étnica, sexual, de género, de ulade, assim como regional ¢ nacional —, os temas escolares precisam ser alterados, A selegio tematica proposta pelos PCN visa ultra- passar os problemas acima apontados, ¢ surge assim a preocupagio em discernir a histéria temdtica, produ- rida pelos historiadores, da histéria por eixos temdticos ‘ou temas geradores, produrida pelos curticulos escolares. Lox Os temas de ensino de Histéria propostos pelos PCN sio, por outro lado, articulados aos temas trans- versais: meio ambiente, ética, pluralidade cultural, sati- de, educagio sexual, trabalho ¢ consumo. Essa propos- ca de temas interdisciplinares gera novos desafios para o ensino de Histéria. Um deles ¢ articular os contetidos uradicionais, como os de uma histéria politica ou eco- némica, com contetidos caracteristicos de outras dis- ciplinas, como € 0 caso do meio ambiente ou questées de sade. As propostas atuais, dessa forma, exigem um traba- Iho intenso do professor, uma concepsio diferenciada desse profissional, como um trabalhador intelectual que, juntamente com seus alunos, deve pesquisar, estudar, organizar e sistematizar materiais didéticos apropriados para as diversas condigdes escolares. Sugestées de atividades --49~ 1) Anilise de texto Algumas reflexées sobre identidade nacional, nagio € nacionalismo “Entre 0s varios problemas que se colocam em torno da idéia de Nacéo, em primeiro lugar existe sua relagio com a Historia: a Nacéo produz— ou € pro- duto da — Histéria? Para certas correntes historiogré- ficas, 0 cardter nacional (clima, cerritério, caracteris- ticas psicol6gicas, etc.) designa algo permanente que se encontra para além das vicissitudes histéricas. De acordo com essas tendéncias, a Nagao produz a histé- ria, Para outros, a Nagao € a cristalizacao de determi- nismos tanto histéricos como politicos (ligados ao Estado). Deste ponto de vista, 0 Estado faz da Nagao Pistoia ws 1a wes CRI AS unt instrumento que se presta a miiltiplos usos. E é assim que 0 Estado utiliza a Nagao para consolidar- «, legitimar-se e reforcar-se. Vor outro lado, todo povo necessita outorgar-se una identidade que Ihe dé coesio, defina seus valores « pautas de vida; ora, a identidade nao é algo dado ¢ imutivel, mas constrdi-se mediante um processo his- wwrico em uma série de acontecimentos significativos sine se gravam na meméria coletiva e acabam por configurar o que se denomina identidade nacional. Assim, o conceito de Nagio esta originalmente rela- stonado com o de identidade cultural e histérica de unt povos com 0 advento do Estado-nacio (complexa vitidade que engloba territério, politica, sociedade, sultura, histéria, assim como elementos miticos e reli rexos), a Nagao acabe por identificar-se com 0 Estado, onfusio que beneficia este iiltimo ¢ ao grupo que sletém 0 poder, porque assim legitima seus fins ¢ inte- resses, confiscando esta nogio ao povo e em muitas swcasides usando-a para atuar contra os interesses deste. Var isso podemos assegurar que a identidade nacional wm um estaruto ambiguo: serve para dar coesio social wc identidade a um povo ¢ também para dar legitimi- «lade a0 Estado. (...) Uma dimensio em que se pode abordar 0 nacional «a de distinguir Nagao e nacionalismos poderiamos sliver que a Nagao € um instrumento tanto de cons- «iéncia histérica do povo coma de consciéncia politica ligada ao Estado, enquanto © nacionalismo é uma lorma ideolégica, um tipo especifico de ideologia po- litica; pode ser também a expressio de uma reacdo ante © desafio estrangeiro ao que se considera como uma ameaga para a propria identidade e ainda impli 1a busca de uma autodefinigio, uma auto-afirmagio tyne busca suas raizes e autojustificacao no pasado.” 140 Hint 1 At HEFL DE UM DSCIRINA REVUELTAS, Andrea. Identidade nacional mexicana. In: SILLER, Javier Perez et al. Identidad en el imagi- nario nacional: reescritura y ensefianza de la historia, Puebla (México): Instituto de Ciencias Sociales y Hu- manidades; Braunschweig (Alemanha): Institut Georg- Eckert, 1997. 2) Anilise de curriculos Esta atividade visa & andlise de propostas cur- riculares, considerando-as documentos fundamentais a0s quais os professores devem ter acesso e sobre os quais devem promover debates com seus pares. As propostas curriculares sto documentos oficiais que exigem procedimentos especificos, ¢ a sugestio é uma andlise comparada de propostas curriculares — a do Estado onde 0 professor ata com as propostas de Llistéria dos PCN —, seguindo os métodos de: a) anilise externa: cuando e por quem a proposta foi elaborada (sob qual governo e quais politicas pa- blicas? Como foi composta a equipe de elaboragio? Professores da rede e das universidades e récnicos das Secretarias de Educacio participaram em que con- digdes?); by) andlise interna: estrutura geral da proposta (partes integrantes — introdugio, apresentagio dos objetivos, contetidos, métodos ou sugestoes didticas, avaliagées ¢ bibliografia). E importante destacar nesta parte as con- cepeoes implicitas ou explicitas de Histéria, apren- dizagem, professor e aluno. Bibliografia APPLE, Michael. Educagdo e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. Histone sas ua Pane CR HAS KARRETO, Elba Siqueira de Sa. Tendéncias recentes «lo curriculo do ensino fundamental no Brasil. In: (Org). Os curriculos do ensino fundamental punt as escolas brasileiras. Campinas: Autores Asso- + tdos; $40 Paulo: Fundagao Carlos Chagas, 1998. ISIU'TENCOURT, Circe M. Fernandes. Propostas cur= riwulares de Histéria: continuidades ¢ transformacées. lu: BARRETO, Elba Siqueira de Sé (Org,). Os cur varnlos do ensino fiondamental para as escolas brasileira, Campinas: Autores Associados: Sao Paulo: Fundacao Carlos Chagas, 1998. ___.. Identidade nacional e ensino de Histéria do Ira, In: KARNAL, Leandro (Org.). Historia na sala ir aula: conceitos, praticas ¢ propostas. Sio Paulo: Contexto, 2003, IRASIL, Ministério da Educagio (MEC). Pardmetros urriculares Nacionais: Historia (ensino fundamental — |) a4 séries). Brasilia: MEC/SEF, 1997. _.. Ministério da Educagao (MEC). Secretaria de ' ducagio Fundamental. Pardmetros Curriculares Nacio- nus; Histéria, Brasilia: MEC/SEF, 1998, __. Historia e Geografia, ciéncias humanas e suas swenologias: livro do professor (ensino fundamental ¢ édio). Brasilia: MEC/Inep, 2002. GREEN, Bills BIGUN, Chris. Alienigenas na sala de aula, In: SILVA, T. T. (Org.). Alienigenas na sala de sla: uma introdugio aos estudos culturais em edu- 10. Petrépolis: Vozes, 1995. MELLO, Paulo Eduardo Dias de. Vestibular e curri- «ul: 0 saber histérico escolar e os exames vestibulares sla Fuvest. 2000. Dissertagao de mestrado — FE/USP, Sav Paulo. MOREIRA, Antonio Fi da (Org,). Curriculo, cultura e sociedade. Cortez, 1994. POPKEWITZ, Thomas S. Histéria do curriculo, regu- lacao social e poder. In: SILVA, T. Tadeu da (Org). O sujeito da educagdo: estudos foucaltianos. Petropolis: Vores, 1994. RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Estado de Educagio. Plano basico de estudos: anos iniciais da a. Rio de Janeiro: COGP/Coeb, 1994. ROCHA, Ubiratan. Historia, curriculo e cotidiano es- Sao Paulo: Cortez, 2002. SACRISTAN, J. Gimeno. O curréculo: uma teflexio so- bre a pritica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ; SILVA, Tomar. Tadeu Paulo: SILLER, Javier Perez et al. Identidad en el imaginario nacional: reescritura y enseianza de la historia. Puebla (México): Instituto de Ciencias Sociales y Humanida- des; Braunschweig (Alemanha): Institut Georg-Eckert, 1997. Parte Meétodos e contetidos escolares: uma relacaéo necessdria Conteddos histéricos: como selecionar? Atualmente, uma das maiores dificuldades dos professores de Historia é selecionar os contetidos Iuist6ricos apropriados para as diferentes situacées escolares, A autonomia do trabalho docente inclui, entre outros aspectos, a escolha dos contetidos hist6ricos para as diferentes salas de aula. Trata-se de optar por manter os denominados contetidos \wadicionais ou selecionar contetidos significativos para um publico escolar proveniente de diferentes condigdes sociais e culturais e de adequa-los a situagdes de trabalho com métodos e recursos didéticos diversos. As atuais propostas curriculares, como foram apre- «rwtadas, nao sio idénticas umas as outras: tém certa se melhanga em relagao aos fundamentos pedagégicos, mas so diversas em contetidos € nos critérios para «lctinir os prioritérios. Hé propostas que oferecem uma selegio considerada de “contedido tradicional”, basea- ulos concéntricos, que ordenam os estudos «lo mais préximo ao mais dist « estudo de Histéria do Brasil para posteriormente onganizar os estudos da Histéria Antiga & Contem- porinea. Outras propostas curriculares apresentam contetidos organizados por eixos tematicos ou temas yeradores, conforme o demonstrado anteriormente, € igem que se estabelegam critérios de selegio mais slinos inte € se traduzem como complexos. i de ho endo diet rlemas do luna € ‘condico oil ¢ Mineo 1 CONHLNIOS ISCOLARIS: UMA RILACKO MCISSAMA ser problema constantemente debatido pelos historia- dores, ¢ na atualidade hd defensores da importancia ¢ da necessidade do “retorno & narrativa”. Walter Benja- min (1892-1940), em seus escritos sobre os narradores ca historia, nao descarta a importincia da narrativa, da apresentagio dos acontecimentos, para que, com base no relato, se possa refletir sobre seu significado € interpreté-lo. E famoso o exemplo desse autor relative 20 episddio narrado pelo historiador grego Herddoto: Quando o rei egipcio Psammenit foi derrotado e reduzido ao cativeiro pelo rei persa Cambises, este resolvew hurmi- har seu cativo, Deu ordens para que Psamumenit fosse pos- to na rua em que passaria o cortejo triunfal dos persas. Organizou este cortejo de modo que o prsioneiro pudesse ver sua filha degradada é condigao de criado, indo ao poco com um jarro, para buscar égua. Enquanto todos os egip- ios se lamentavam com esse espetdculo, Psammenit ficou silencioso e imvel, com os olhas no chao; e, quando logo em seguida vi seu filho, caminkando no cortejo para ser executado, continuou imével. Mas quando viu urn dos seus servicais, um velho miserdvel, na fila dos cativos golpeou 4 cabeca com os punhos e mostrow os sinais do mais pro undo desespero (Benjamin, 1986, p. 203-204), Houve muitas interpretagées para a atitude do im- perador. A narrativa oferece tais possibilidades porque no traz a interpretacdo, mas apresenta o episédio com detalhes e particulatidades dos personagens e de suas agées, de modo que, com base nesses elementos, se possa refletir sobre 0 ocorrido ¢ sentir emocdes diante do relato, Walter Benjamin insistiu na forca da narrativa e criticava a forma pela qual, na época con- temporanea, as noticias sobre 0 mundo chegam até nés por informagées sucintas que nao dio margem para a interpretacao da historia. “O episddio narrado’, diz-nos Benjamin, ‘atinge wma amplitude que nao exis- te na informagéo.” € certo que as narrativas criam identidades, por- «jue os personagens sio apreendidos de forma mais humana”, com sofrimentos, alegrias ¢ dividas «ais como ocorrem com todos os seres humanos. As expe- rigncias passadas podem set compartilhadas com quem vive no presente, despertam maior empatia com os fitos e criam afinidades. Contar ou falar sobre o pas- sudo é uma forma de criar dentidades, afirma o filésofo francés Paul Ricoeur. Este autor nos indica as dife- rengas e as semelhangas entre a narrativa como ficcio ca narrativa histérica, A narrativa histérica possui inteligibilidade por se caracterizar por uma operacio jue corresponde a uma totalidade orginica, empo- ral, com um titulo no inicio, um meio, um fim, um conjunto com tempo bem determinado dentro de uma ordenagio linear. Os debates entre historiadores para evitar confu- soes entre a historia de carater cientifico ea ficcional tam sido uma das tnicas sobre 0 papel da narrativa na escrita da histéria. A hist6ria narra acontecimentos que necessitam ser explicados e situados em determi- nadas probleméticas que levam a uma compreensio temporal. Os cracos da narrativa hist6rica distinguem-se pela intengio de aprofundar a realidade, pela busca documental e cuidado metodolégico, pela extensio dle seu projero e de suas problematicas (provenientes da histéria-problema), que evidenciam personagens representativos de grupos sociais, ¢ pelas temporali- dades mais complexas. Existe uma responsabilidade dla narrativa historica que é diversa daquela de caraver ficcional e no pode ser abolida. E tal responsabilida- de existe também no easino. A utilizagio de uma histéria narrativa no ensino decorre de determinada concepgio histérica ¢ nio rant as ‘venom can SOARES HLA LAS pode se limitar a despertar interesse pelo pasado nos alunos. A narrativa histérica é ponto inicial, ea partir dela existe a possibilidade da compreensio dos acon- tecimentos por meio das ages dos sujeitos. Algumas colegdes didsticas produzem uma hist6ria ficcional criada para despertar em jovens alunos o interesse pelo passado, construindo enredos com personagens prin- cipais e coadjuvantes, de maneira semelhante ao que é realizado nas tramas de novelas de televisio. As crit cas a essa forma de narrativa recaem sobre um enten- dimento de histéria ou sobre a permanéncia de um historiciomo que pretensamente reconstitui o passado, ‘mas nao confere formas de reflexio sobre os aconteci- mentos nem fornece condigées de interpretagio deles. Os acontecimentos séo apresentados de forma mais amena ¢ emotiva, com personagens divididos entre bons e maus, herbis, vitimas e carrascos, que se movi- mentam em uma hist6ria maniqueista, com linguagem criada para facilitara memorizacéo do contetido, mas nio para se tornar objeto de interpretagio, de ques- tionamentos e indagacées sobre os sujeitos € suas agdes. 1.2, DE UMA HISTORIA ECONOMICA A UMA HISTORIA SOCIAL No decorrer do século XX, a produgio historiogri- fica passou a disputar espago com as novas ciéncias sociais que se constituiam na busca da compreensio da sociedade, especialmente a Sociologia, a Antropo- logia ea Economia, Como conseqtiéncia dessa disputa, houve uma renovacio na produgio historiogréfica com paradigmas que visawvam ultrapassar o historicismo. O historiador Ciro Flamarion, ao sintetizar as tendéncias desse percurso historiogrifico, identifica duas filia- ‘goes basicas entre os anos de 1950 ¢ 1968: & Escola dos Annales e 20 marxismo. cove A Excola dos Annales, inaugurada por Mare Bloch Lucien Febvre, centrou-se na produio da histéria- jwroblema para fornecer respostas as demandas surgidas to tempo presente. Esse grupo de historiadores in- u-se contra a histéria politica, centrada em agées puedes € no poder bélico como motor da histé- ia. As producées dessa corrente giravam, sobretudo, cam torno de uma histéria das mentalidades coletivas, samo o pensamento da burguesia relacionado & Refor- na Protestante, na perspectiva de entender as ages individuais em contextos mais amplos. ‘Também surgi- Lum as tematicas econdmicas sobre aspectos mais gerais sla sociedade, destacando as formas de ocupagio social em grandes espacos, em torno de mares e oceanos. Fernand Braudel ocupou-se do Mar Mediterrineo, Vierre Chaunu ¢ Frédéric Mauro do Ocearo Atkintico. I istoriadores franceses, na trilha de uma macro-histé- via, passaram a trabalhar com grandes estatisticas, re- sistrando a producio econémica de regides ou de jperiodos histéricos em cifras e tabelas, comparando e \lestacando as diferengas e semelhangas tanto das con- sligbes de infra-estrurura quanto da prépria populagio. O paradigma marxista desenvolvido paralelamen: te ao do grupo dos Annales tem como principio 0 caréter cientifico do conhecimento histérico, € 0 enfoque de sua andlise € a estrutura e a dinamica das sociedades humanas. A anzlise marxista parte das estru- \uras presentes com a finalidade de orientar a préxis social, € ais estruturas conduzem a percepgio de fatores formados no passado cujo conhecimento é itil para a :wacio na realidade hodierna. Existe assim uma vincu- lugio epistemol6gica dialética entee presente passado, Para 0 estudo das sociedades humanas, 0 marxismo utiliza como conceitos fundamentais modo de produ io, formagio econdmico-social € classes sociais. As em none os cone anna 45 prob Panis Mi LanON CONDOS ECOHARIS: UMA ELACAC NECESARIA cerca dee Saeece sk a, em Saber we de ale Lae de Cisse M rad ob € mudangas sociais ocorrem nao por individuos iso- Jadamente, mas pelas lutas sociais. As liberdades e op- {goes das pessoas sao limitadas pela forcas produtivas, existindo uma delimitacao estrutural herdada da histé- ria anterior. As andlises preponderantes dos historiado- res marxistas dos anos 70 recairam sobre as tematicas econdmicas e a sociedade por elas determinadas. Apesar das diferengas entre os marxistas e os adeptos dos Annales, Ciro Flamarion identifica as aproxima- Ges entre os dois grupos. Dentre os pontos basicos apontados destacam-se 0 abandono da histéria cen- trada em fatos isolados ¢ a tendéncia para a andlise de fatos coletivos e sociais, a ambicéo em formular uma sintese histérica global do social, a historia entendida como “ciéncia do pasado” e “ciéncia do presente” simultaneamente, a consciéncia da pluralidade da tem- poralidade — tempo do acontecimento, da conjun- tura e da longa duracao ou da estrutura. O impacto do marxismo entre os historiadores foi bastante intenso, variando entre tendéncias mais voltadas para a historia econémica e as ligadas a uma histéria social — neste caso, sobretudo dos historia- dores ingleses como Eric Hobsbawm, Perry Anderson ¢ Cristhopher Hill, No ensino de Histéria, a tendéncia marxista foi marcante a partir do fim da década de 70 e ainda per- manece como base da organizacio de contetidos de varias propostas curriculares e de obras didaticas. Os periodos histéricos delimitados pelos modos de pro- dugio tém servido como referéncia, e, notadamente, estuda-se 0 tempo do capitalism O denominado “materialismo histérico” serviu de base para a claboragao de muitas obras didaticas, condigio que consolidou a organizagio de contetidos da historia das sociedades do mundo ocidental pelos Contiunes usroncor: Come sic nonant modos de produgao ¢ pela luta de classes. Os conteti- «los escolares foram organizados pela formagio econd- rnica das sociedades, situando os individuos de acordo vom 0 lugar ocupado por eles no proceso produtivo. Kurguesia, proletariado, aristocracia s40 0s sujeitos so- siaiy que fornecem visibilidade as ages da sociedade, «os confrontos entre os diversos grupos sociais expli- «am as mudangas e permanéncias histéricas, As criticas a certas produgGes marxistas, especial- mente as da linha estruturalista, néo tardaram, O ugestivo titulo Miséria da teoria ou um planetdrio de vrs — uma critica ao pensamento de Althusser, do historiador inglés E. P, Thompson, marcou uma série «le eriticas veementes a uma vertente estruturalista que joduziu conceitos estiticos por intermédio de mode- lus explicativos pretensamente vilidos para qualquer soviedade em diferentes tempos ¢ espagos. A partir de Thompson comesou a aparecer uma produgie his- \oriografica marxista com énfase em contetidos sociais, uticulando o conceito de classe social a0 de cultura. Uhompson estava ‘convencido de que nao podemos en- sender classe social a menos que a vejamos como uma Jormaséo social ¢ cultural, surgindo de processos que sé podem ser estudados quando eles mesmos so constitut- ‘los durante um considenivel periodo historico”, concluin- clo assim que “elas é uma formagéo tanto cultural como cvonémica” ¢ € “definida pelos homens enquarto vivem sua propria histéria” (1987, p. 12-13). Em decorréncia dos debates suscitados, houve, entre os marxistas, renovagéo importante sobre a concep- io de poder. Este era entendido sempre em suas relagdes com 0 Estado, ¢ os novos estudos passaram a preocupar-se com outras esferas de lutas e de domi- nagio. A produgao da histéria social incorporou as lutas € os movimentos sociais provenientes de dife- rentes setores da sociedade. 147 Lax [Mion © caNteune SCOLAMES LAL LACH NCHA Os movimentos secias, tais como os ferninistas, os ambientalistas, os étnicos ¢ 0s religiosos, seus confron- tos ¢ lutas com as discriminagées e preconceitos, além da continuidade das lutas por direitos trabalhistas, situaram a histéria social no centro das probleméticas das pesquisas hist6ricas. No Brasil, particularmente, 6s temas sociais propiciaram a incorporacéo de novos sujeitos, provenientes dos setores populares, sendo esta produgio conhecida como “histéria dos vencidos”. Parte dessa historiografia foi introduzida pelas pro- postas curriculares ¢ pela produgio didética, mas tem sido questionada por possibilitar intexpretacées de caritet maniqueista — os bons ¢ os maus —, sendo 108 vencidos geralmente apresentados como grupos do- minados totalmente e transformados em nio-sujeitos histéricos, como ¢ © caso das populacées indigenas da América Na Franca, seguidores dos Annales multiplicaram seus objetos de investigacio, surgindo uma variedade de temas préximos da Sociologia. Essa producio, ée- nominada de nova histéria, acabou, por sua ver, sendo alvo de uma série de criticas pelo cariter fragmentério de seus objetos de estudo, nio havendo preocupacio com uma hist6ria de carter mais global, ¢ pela ausén- cia de fundamentagao teérica ou solider. nas catego- rias de andlise (atores sociais, cultura popular, etc.). Foi atribuida a essa produgio o titulo de “histéria em migalhas’, em rarao do predominio da micro-hist6ria ¢ da auséncia de preocupasées politicas ou de articu- lagio mais estrutural da sociedade. 1,3, ENTRA EM CENA A HISTORIA CULTURAL Paralelamente a essas duas correntes, a marxista € a nova histéria, no decorrer dos anos 80 do século Contre somos cone SIUC ONARE XX, muitos historiadores aproximaram-se dos sujei- tos e objetos de investigagao da Antropologia. O en- contro da Historia com a Antropologia foi significa- Livo para a compreensio da propria nogao de histéria, 6s pesquisar 0 cotidiano de mulhe- res em Sao Paulo Mo século XIX, deu a conhecer uma histéria da condig=o feminina que possibilita recupe- raros preconceitos. as formas de trabalho escravo diverso do realizado nas grandes propriedades rurais, as dificul- dades ¢ a margindlizagio de mies solteiras, trabalha- doras urbanas qu desempenharam papel histérico Conrevvos sToncos: COMO SELEUONART 165, 2 Pagre ~ Mér0008 & CONTEUDOS ESCOLARS: UA RELACKO NECSSARA| 166 semelhante ao de muitas mulheres atuais, criando os filhos e participando de uma economia informal que axé os dias atuais desafia os especialistas em histéria econémica ¢ os economistas. Os estudos da histéria do cotidiano conduziram historiadores franceses, brasileiros ¢ argentinos, entre outros, 4 elaboracao de coletaneas sobre a histéria da i privada, tendo, entretanto, o cuidado de no situar os temas da vida cotidiana de forma isolada dos con- textos histéricos e dos temas tradicionais. Por exemplo, os autores da obra Histéria da vida privada no Brasil advertem que a reconstituigao de aspectos cotidianos e da vida privada fez-se no processo histérico da for- maco brasileira, Nao se pretendeu a reconstituicao de habitos, gestos e amores como se estes nada tivessem que ver com a organizacao mais ampla da sociedade, da economia, do Estado A historia do cotidiano, além da historia social, esta intimamente ligada 3 hist6ria cultural. Um autor im- portante que trabalha o cotidiano na circularidade entre cultura popular ¢ cultura erudita é 0 italiano Carlo Ginzburg, que em seu instigante livro O queijo ¢ 05 vermes recupera a vida de um moleiro italiano perseguido e mozto pela Inquisicao. Para narrar os episédios da vida do moleiro Menocchio, Ginzburg localiza e apresenta a conjuntura da época da Reforma, do poder da Igreja Catélica, e situa as transformagées ocasionadas pela invengao da imprensa em parte sig- nificativa da sociedade européia do século XVI. ‘A histéria do cotidiano também € objeto de estudos dos que pesquisam a denominada histéria das mentalidades, notadamente os seguidores da histéria nova francesa. Le Roy Ladutie, em seu livro Mon- taillou: cdtaros e catdlicos numa aldeia francesa (1294- 1324), recupera 2 mentalidade dos camponeses, sua Contev00s stoncos: Como sLECONARE tcligiosidade, costumes, trabalho ¢ formas de sobre- vivéncia, enquanto outro medievalista, George Duby, apresenta em Guilherme, 0 marechal a mentalidade dlos cavaleiros feudais, com seus tomneios, valores, dis- putas por terras e poder. Autores brasileiros, em hordagens semelhantes, dedicaram-se aos estudos da religiosidade e suas manifestagoes diversas, como fes- Las ¢ rituais de enterro, as quais foram reconsticuidas para demonstrat as articulagées entre a cultura euro- ¢ a africana, a constituigéo de um catolicismo popular e a constante presenga do candomblé. Os autores que se ocupam da histéria do cotidia- ho, mesmo com posturas diversas em seus funda- mentos teéricos, buscam recuperar as relagées mais complexas entre os diversos grupos sociais, estabele- cendo conexées entre conflitos didrios que se inserem cm uma forma de politica contestatéria, e identificar vs lutas de resisténcias a mudangas, 0 apego a tradi- cies. A importincia da histéria do cotidiano pode ser cxpressa pela afirmagao de Agnes Heller em seu livro O cotidiano ¢ a historia: AA vida cotidiana é a vida do homem inteito; ou seja, 0 homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Neta, colo- cam-se “em funcionamento” todos os seus sentidos, todas 4s suas capacidades intelectuais, suas habilidades mani- pulativas, seus sentimentos, paxdes, idéias,ideologias.(.) Repetimos: a vida cotidiana ndo ¢ alienada necessaria mente, em conseqiéncia de sua estrutura, mas apenas em determinadas circunstancias socais. Em todas as épocas, existiram personalidades representativas que viveram uma cotidianidade ndo-alienada; ¢, dado que a estrutu- ragao cientifica da sociedade possibilita o final da aliena: ao, essa possbilidade encontra-se aberta a qualquer ser hhumano (1985, p. 17). Dente a vs oan sobre es remiin, dexacam-a A mare Eom fests fcbrerereie ‘popular no Bra do sls IK. de Joo Jost dos Reis (Sie Palo: Ci. dan Lets, 1991) O dab Tre de Santa Cn, Info Alin: donorelgi colina — séclos XVIXVIL, de Lara de Malloe Souza (Sto Palo: Cia. dae Laas, 1986). 2" Panne ~ MéTO00s § CONTEUDOS ECOLARES: UMA RELACAD NECESABLA 168 ‘A introdugao da hist6ria do cotidiano como obje- to de estudo escolar requer que se explorem as pos- sibilidades inerentes do cotidiano, sem se limitar a constatar 0 “real” ou as motivagées possiveis para alu- nos pouco sensibilizados com a Histéria escolar mais tradicional. O cotidiano deve ser utilizado como obje- to de estudo escolar pelas possibilidades que oferece de visualizar as transformacées possiveis realizadas por homens comuns, ultrapassando a idgia de que a vida cotidiana ¢ repleta e permeada de alienacio. 3.2. MEMORIA E HISTORIA LOCAL A histéria local tem sido indicada como necesséria para o ensino por possibilitar a compreensio do en- toro do aluno, identificando o passado sempre pre- sente nos varios espagos de convivéncia — escola, casa, comunidade, trabalho e lazer —, ¢ igualmente por situar os problemas significativos da histéria do presente. A histéria local geralmente se liga 4 histéria do cotidiano ao fazer das pessoas comuns participantes de uma histéria aparentemente desprovida de impor- tancia ¢ estabelecer relagdes entre os grupos sociais de condigbes diversas que participaram de entrecruzamen- tos de hist6rias, tanto no presente como no passado. A histéria local, por outro lado, tem sido elabora- da por historiadores de diferentes tipos. Politicos ou intelectuais de diversas proveniéncias tém-se dedica- do a escrever histérias locais com objetivos distintos, € tais autores geralmente sio criadores de memérias ais do que efetivamente de historia. A meméria é, sem diivida, aspecto relevante na configuracéo de uma his- {éria local tanto para historiadores como para o ensino. O papel do ensino de Histéria na configuracio iden- titéria dos alunos € um dos aspectos relevantes para considerar a0 proporem-se estudos da histéria local Muitas vezes esta tem sido objeto de estudo escolar, preservando, no entanto, os mesmos pressupostos nor- teadores da histéria nacional. A histéria local pode simplesmente reproduzir a histéria do poder local e das classes dominantes, caso se limite a fazer os alunos conhecerem nomes de personagens politicos de outras Gpocas, destacando a vida e obra de antigos prefeitos ce demais autoridades. Para evitar tais riscos, é preciso identificar 0 enfoque e a abordagem de uma historia local que crie vinculos com a meméria familiar, do trabalho, da migracio, das festas A questéo da meméria impée-se por ser a base da identidade, e é pela meméria que se chega & histéria local. Além da meméria das pessoas, escrita ou recupe- rada pela oralidade, existem os “lugares da meméria”, ios piiblicos expressos por monumentos, pracas, edi ou privados, mas preservados como patriménio hist rico. Os vestigios do passado de todo e qualquer lugar, dle pessoas e de coisas, de paisagens naturais ou cons- truidas tornam-se objeto de estudo. A relagao entre hist6ria local e meméria foi obser- vada com propriedade por Maria Cindida Proenca, a0 propor essa abordagem para professores portugueses: ‘Se o conhecimento histérico¢ indispensdvel na construgao de identidade, sob o ponto de vista pedagdgico-didético € importante ter emt conta 0 tratamento da meméria longa das populacoes, que nos permite explicar diferentes ritmos de evolucdo, 0 estudo da meméria coletiva de diferentes rupos de pertenca, a pesquisa das memérias locais nos diferentes dmbitos de duracées, a reabilitacao da meméria do trabalho, numa sociedade ocidental que sempre ignorou ou desprezou 0 trabatho manual, ea meméria do tempo curto do acontecimento, que caracteriza o estudo da histéria do século XX (1990, p. 24) ConTEODOS ws16NCOS: COND SLECIONART

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