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O SINDICALISMO BRASILEIRO da confrontacao 4 cooperacao conflitiv: nas JAcoMe Roaicurs Profesor do Departamento de Economia da USP presente trabalho discute os dilemas vividos pelo sindicalismo brasileiro frente as transformagdes econdmicas que esto ocorrendo no mundo do trabalho e destaca, de um lado, a trajet6ria do chamado “novo sindicalismo” c, de outro, alguns aspectos dessas ‘mudangas ¢ seus impactos no trabalho ¢ na organizagio, dos trabathadores. O sindicalismo esta vivendo uma grave crise em todo © mundo que, no entanto, nao atingiu ainda a atividade trabalhista no Brasil. Ora, qual a especificidade do sindi calismo brasileiro que vem Ihe permitindo ~ até o mo- mento ~ passar ao largo dessa crise sem precedentes em que se encontra a agio sindical internacional? © marco para o entendimento desse processo possi- velmente se encontra no ano de 1978, perfodo extrema- mente significativo para a democracia e o sindicalismo brasileiros. Pela primeira vez, depois de muitos anos pa- ralisados em sua ago sindical e politica, os trabalhado- res retomaram a iniciativa frente ao Estado e ao patronato. Isso nao significa que a prética sindical tenha se inter- rompido nos anos imediatamente anteriores a 1978. Nao havia visibilidade, ago de massas, grandes greves, mas cexistia toda uma atividade, por assim dizer, pequena, 1o- calizada, em muitos aspectos invisfvel, de setores ponde- raveis do movimento sindical. Esses “impulsos” da pra- xxis sindical foram bastante significativos quando da eclosio grevista no final da década de 70. O exemplo da, Oposigao Sindical Metaltirgica de Sao Paulo! e do Sindi- cato dos Metaltingicos de So Bernardo, desde 0 inicio dos anos 70, marcam muito bem esses aspectos. Qual te- ria sido a singularidade desse amplo movimento de mas- ‘sas que criou, entre finais da década de 70 e inicio de 80, dois instrumentos importantes para.a organizacio dos tra- balhadores — a Central Unica dos Trabalhadores (CUT) © 0 Partido dos Trabalhadores (PT) ~ © que, além disso, passou a ter uma incidéncia extremamente significativa na esfera pidblica brasileira? Este artigo trata dessas ques- tes? Observando a trajet6ria dos trabalhadores de 1978 até rnossos dias, o que se desenha com mais nitidez.€ seu per- fil como ator social ¢ politico. Vale a pena lembrar que 0 Partido dos Trabalhadores tem seu bergo no sindicalismo de So Bernardo e, em geral, na pratica sindical de oposi- go A estrutura sindical que vicejou pés-78, mas que jé vvinha se mostrando fragmentariamente desde o final dos, anos 60. E 0 caso da Oposigio Sindical Metalirgica de ‘Sio Paulo (capital) que, posteriormente, passou a se au- todenominar Movimento de Oposigaio Metaltirgica de Paulo (MOSM/SP). De outra parte, sua lideranga maior, Lufs Indcio Lula da Silva, foi presidente do Sindicato dos Metaltirgicos de Sfio Bernardo do Campo ¢ o principal expoente desse movimento. Apenas onze anos depois do surgimento do chamado novo sindicalismo, ele conseguiu passar para 0 segundo turno da eleigdo presidencial de novembro de 1989, obtendo 31 milhdes de votos; na eleigao seguinte, de outubro de 1994, conquistou 30% dos votos: e, além, disso, 0 PT elegeu dois governadores nesse ano, Vitor Buaiz, no Espfrito Santo, ¢ Crist6vam Buarque, no Dis- trito Federal, ¢ uma bancada significativa de deputados estaduais e federais. Estes fatos nos ajudam a pensar que a demanda trabalhista por liberdade sindical, contra o ar- rocho salarial e contra a ditadura na produgao era muito ais que isso. Representava a luta por novos direitos no espaco da produgio, assim como a busca de cidadania na, esfera politica. Aparentemente, esse era o sentido do (© SIoICaisMo BRASiRo: DA CONRRONTAGAO A COOMERACKO CONFLTIA movimento trabalhista e do sindicalismo no Brasil em 1978. De alguma forma, esse processo ocorrido em nosso pats deixou tragos profundos no cendrio politico brasileiro. A retomada da iniciativa dos trabalhadores no final da dé- cada de 70, depois de 14 anos sufocados pelo autoritaris- mo militar, significow a entrada na cena pablica de am- plas camadas das classes trabalhadoras que desde 1964 no conseguiam se fazer ouvir na sociedade brasileira, Esse foi, sem diivida, 0 segundo momento importante no processo de transigao politica por que passava o pats primeiro protesto de massas ocorreu em 1974 com as, eleicdes parlamentares de novembro, quando o tnico par- Lido de oposigao, o MDB (Movimento Democritico Bra- sileiro), obteve uma vit6ria esmagadora nos grandes cen- tros urbanos, principalmente na regio centro-sul.* A avalanche de votos oposicionistas nas eleigies de 1974 foi o primeiro grande protesto vivo, de amplitude até entdo desconhecida, contra 0 autoritarismo no pés- 64. E 0 grande centro desta contestagao eleitoral contra 0 regime militar foi Sdo Paulo, em particular a Capital e a Grande Sao Paulo, De certo modo, as camadas médias ¢ pobres reagiram, enfim, contra 0 regime autoritério e sua politica econOmica através do voto plebiscitério. Aparen- temente, 0 povo brasileiro se posicionou contra um mo- delo cconémico que, naquele momento, excluia a grande ‘massa da populagio de seus beneficios.* Independentemente do que os “magos” do regime ti- ‘nham em mente na fase iniciada com o governo do gene- ral Emesto Geisel, de distensio “lenta, gradual e segu- ra”, 1974 funcionou como um bumerangue: a0 mesmo tempo que atingiu o centro do poder por sua extensio & profundidade, trouxe A tona formas variadas de orgai zagiio da sociedade civil. Foi um impulso importante, com um efeito multiplicador considerdvel nos anos seguintes, para a definicao dos destinos da incipiente abertura poli- tica que se iniciava, 0s acontecimentos de novembro de 1974, no entanto, foram “preparados” por varios eventos. No plano estri- tamente econdmico, destaca-se a crise do petréleo e seu impacto em nosso pafs. No plano politico, foram rele- vantes a luta dos parlamentares do MDB, notadamente a sua ala mais progressista e democratica, ¢ a “antican- didatura” de Ulysses Guimaraes e Barbosa Lima Sobri- hho & presidéncia e a vice-presidéncia da Republica em 1973, que serviu de pretexto a uma pregagio cfvico- democritica por todo o pais, em que denunciavam o regi- ‘me militar-autoritério e conclamavam a sociedade civil & luta pela democracia. Finalmente, no plano sindical, vale lembrar as mudangas ocorridas desde a primeira metade dos anos 70, que se manifestaram mais claramente a par- tir de 1978. Em setembro deste mesmo ano, os metaltigicos de S20 Bernardo realizaram seu primeiro congresso. Nesse even- to, foram definidos os principais pontos programéticos de atividade sindical: 0 contrato coletivo de trabalho, liber- dade sindical c uma lei basiea do trabalho que contem- plasse seus direitos fundamentais (Antunes,1988:17), © segundo momento dessa reagio generalizada das camadas assalariadas contra as dificeis condigdes de vida ¢ trabalho a que foram submetidas pelo regime militar e por seu reconhecimento enquanto atores politicos foi a eclosdo do movimento grevista, primeiro em Sao Bernar- do, © posteriormente atingindo o pais inteiro a partir de 1978. Nao foi por acaso que esse movimento comegou em ‘Sao Paulo e, em particular, na regido do ABC paulista, ‘Tendo como principais caracteristicas a critica 4 estrutu- ra sindical e a defesa da livre negociagdo entre patrdes e empregados sem a ingeréncia do Estado, propugnava 0 afastamento do poder piblico da esfera das relagoes de trabalho, ao mesmo tempo que desenvolvia uma prética de organizacao pela base, tentando fortalecer o sindicato a partir das tabricas. A diego desse movimento era formada por trabalha- dores jovens, grande parte deles migrantes de regi6es mais pobres, especialmente do Nordeste, operétios industriais, de primeira geracdo, sem relagdes com a esquerda tradi- cional e sem a visio ideolégica do sindicalismo nacio- nal-populista do periodo pré-64, que tinha muito presen- te atemitica nacionalista. Decorréncia das transformacdes econdmicase sociais por que passou o pais no periode do regime militar-autoritério, esse movimento operstio e sin- dical é expresso também do novo perfil da classe traba- thadora. E esse novo sindicalismo, posteriormente conhe- cido como sindicalismo auténtico, que irrompe na regio, do ABC paulista, juntamente com o movimento grevista, em 1978, Embora este movimento possa ter um significado qua- litativamente diferente da vitéria da oposigao emedebista de quatro anos antes, ambos fenémenos estio relaciona- dos. Os trabalhadores, enquanto expresso de uma certa organizagio da sociedade civil, procuram se afirmar na critica politica econdmica do governo, na luta contra os baixos saldrios e pelo direito de greve, na defesa da ne- gociacio direta com o patronato e pela autonomia e li- berdade sindical, trazendo para a esfera da politica am- plos contingentes que até entdo pareciam adormecidos e expressando um forte sentimento oposicionista ante ore- ime militar. As grandes greves, precedidas de assembléias plebis- citérias dos operdtios no estéidio de Vila Euclides, em So Bernardo, mosiravam a existéncia de um outro ator, até aquele momento excluido do cenério politico, mas que ‘ko Pauro ex Pesrscrvs, 93) 1995 queria participar. Esse foi, sem diivida, o sentido mais, geral da emergéncia dos trabalhadores a partir de 1978 no Brasil. Esse fato desempenhou um papel importante na transigo politica naquele momento: as classes traba- Ihadoras queriam ter uma participagao mais significativa nas novas regras do jogo que estavam sendo gestadas no Brasil. Oriundo dos setores industriais mais modernos da economia nacional, esse movimento social, que em seu desenvolvimento se transformou em movimento politico, representou, naquele momento, uma novidade na cena politica brasileira Relacionada ao clientelismo estatal historicamente pre~ sente, &s vezes sob outras formas, em nossa tradigao po- Iitica ~ 0 que ajuda a explicar uma certa fraqueza dos partidos e, por extensdo, do sistema partidério enquanto canal de expressio legitimo da sociedade civil junto a0 Estado -, a fragmentagio de atores politicos e sociais no cendrio nacional vigorou durante muitos anos no Brasil. Depois de vérios anos de um regime autoritario pro- fundamente excludente, mas que durante certo perfodo apresentou uma performance econémica muito favorivel, ‘ partir da qual a antiga fragio dirigente apoiada nas for- gas armadas buscava alguma legitimidade, o pais viu sur- gir movimentos sociais e politicos que despontaram por toda a sociedade. Do ponto de vista dos setores trabalhistas, e até de uma parcela significativa do empresariado, o que se buscava, a partit das demandas colocadas para o conjunto da so- ciedade, era uma redefiniglo de suas identidades cole- tivas. E essa questo era bastante pertinente para as clas- ses trabalhadoras: eam atores & procura de sua identidade coletiva como forma de obterem um espago de interven- do na esfera piiblica. H nesse contexto que se afirma de forma mais significativa o papel desempenhado pela Central Unica dos Trabalhadores no cenério sindical brasileiro, AS ORIGENS DA CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES De um lado, havia ativistas da Oposicao Sindical, que faziam parte de grupos politicos de ideologia socialistae que, em sua grande maioria, eram origindrios de tendén- cias de esquerda que, no dobrar da década de 60, e, prin- cipalmente, no inicio dos anos 70, buscaram fazer um ajus- te de contas com seu passado militante, tentando chegar as “massas” através de atividades nos bairros ou nas fé- bricas. De outro, havia um punhado de sindicalistas que faziam acritica destrutura sindical es condigées de vida e trabalho em que viviam ponderdveis parcelas das clas- ses trabalhadoras, a partir das condiedes coneretas da vida cotidiana, ou seja, pela prética. As discordancias deste se- gundo grupo com vétios aspectos da politica sindical que regia o modelo corporativo no Brasil decorriam da expe- iéncia no interior da “maquina” sindical. Vale dizer que, salvo rarfssimas excegdes, estes sindicalistas nao tinham maiores relages com aesquerda e, normalmente, se auto- intitulavam independentes.‘ Daf sua visio pragmatica ini- cial que, posteriormente, se politizard. Apesar de todas as diferencas entre os padrdes de ago sindical das duas, correntes do movimento operdrio, aparentemente 0 que as aproximava em suas formas de atuagiio era a estreita relagio de ambas com a Igreja Cat6lica. A Igreja exerceu uma influéncia muito grande junto 4s ativistas sindicais durante todo 0 chamado perfodo de resisténcia ao regime autoritétio. Esse fato é funda- mental, em primeiro lugar, para a compreensio da mu-

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