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CAPITULO III Triplice Vértice Fundante do Privado A separacao une. Classificages, dicotomias"® e divisses organizam o sistema, e cumprem relevante funcao veiculada através da linguagem. Na 6tica do modelo classico, ha uma dicotomia inicial que 159. As dicotomias padecem de maior sustentacdo quando confrontadas com a realidade concreta na contraprova da historia. E por af que se vé, com acerto, a adequada critica: “Nunca existiu um critério de rigor logico € satisfatrio capaz de designar claramente a distingdo, pretendida pela dogmética juridica, entre Direito Piiblico e Direito Privado. A separaci de cunho eminentemente pratico, esté estabelecida desde o Direito Ri mano e tem por fungdo — como também tém os outros virios conceitos, divisdes e classificagdes — estabelecer dogmaticamente seguranga € cer teza para a tomada de decisio, Mas qualquer critério que se buscasse para a diviséo ndo conseguia apresentar de forma definitiva uma eventual linha divisoria que existiria entre os dois ramos disputados. : = O interessante neste assunto é que ndo se vislumbrava a linha divisé- tia a0 nivel de realidade juridica concreta, a0 nivel de aplicagéo real € cfetiva do Direito; tampouco se conseguia fazé-lo em nivel tedrico ¢ abstrato, Toda tentativa revelava-se frustrada". (NUNES, Luiz oa izzatto. Manual de introdugdo ao estudo do Direito. 3. ed. rev. atual. ampl. Sao Paulo: Saraiva, 2000, p. 120-121.) 141 =z Digitalizado com CamScanner ON separa o conjunto de regras de Direito Privado ¢ de Direito Puiblico.' Esta dicotomia esté assentada em alguns refer. enciais, como, por exemplo, a qualidade do sujeito. Tratando-se de particulares as relagdes seriam de Direito Privado e, se num dos pélos dessa relacao figurassem pessoa, como o Estado ou 0 Municipio, apresentar-se-ia relacao jurj. dica de Direito Piiblico."*' Hé outro referencial também dis. cutivel ao lado da qualidade do sujeito. E a natureza da rela. gio juridica, segundo a qual, se foi o vinculo marcado pels subordinacio, isto é, por uma supremacia juridicamente le- gitima de uma parte sobre a outra, como no caso do fisco em relacao ao contribuinte numa obrigacio tributéria, estaria in- serido no Direito Pablico. No Direito Privado, relacées sio, em regra, marcadas pelo sentido de coordenacio, ou seja, si0 pélos de uma relagao juridica que nao estabelecem desde 0 inicio, na sua esséncia, compromisso de prioridade ou supre- macia de um sobre o outro. Referenciais precérios, dicotomia que serve antes para explicar didaticamente a separacao de regras como fenéme- 160. As seqiielas positivas da nova geografia que desenha o Direito Publico € 0 Privado sio sentidas em diversos territ6rios do saber juridico. Neles, quando se apreende as possibilidades dessa cartografia recente, emergem conclus6es importantes, como a que propée: “[..] reconocer que seme- Jamte influencia de los principios constitucionales en las relaciones juridi- cas privadas significa una revalorizacién de la persona humana, la cual armonizada en su doble dimensién individual y social, esta conformando realmente un Derecho Civil Constitucional”, (ENRIQUEZ, Emilio Riose- $0. El derecho civil y la constitucion ante la jurisprudencia, Santige: Juridica de Chile, 1996, p. 9.) 161. A delimitacio de campo piblico e Privado na tipificacao das pessoas juridicas sempre desafiou a inteligéncia juridica, como foi reconhecide erm impar in el obra pelo Professor Lamartine Corréa de OL- fronteinas 1 en or#M9S as dificuldades no estabelecimento rigoroso de ronteiras que permitam qualificar, com Possivel seguranga, quando wma Pessoa juridica deva ser considerada de Direito Privado, quando de Dire" to Pablico”. (OLIVEIRA, J. Lamarti ise da peso juridica. Sio Paulo: Saraiva, 1979, p33) aca 142 Digitalizado com CamScanner no juridico € para marcar uma divisio.'® Dois segmentos de pelacoes Te procuram levantar fronteiras na organizagéo do sistema do Direito Privado, assentado no contrato, patrimé- nioe familia, elementos que compéem um triplice vértice,! a base fundante do privado. 162. A separagdo entre 0 Direito Ptiblico e 0 Privado continua suscitando critica e reformulacao, coerente com novas percepcées tedricas de outros desenhos normativos: “a estrutura dogmética que dominou as grandes codificagdes européias do século XIX, e gizou as linhas mestras do sistema juridico patrio, baseia-se na summa diviso herdada do direito romano, que estrema 0 direito publico e o direito privado. Inspirado pelas idéias jus- faturalistas que exaltavam o individuo, o direito civil assegurava a liber- dade de contratar ea franca apropriacdo dos bens, ao passo que a doutrina dos direitos humanos, concebida a partir do século passado, engendrou mecanismos de protecdo do individuo em face do Estado. Cuida-se, pois, de duas faces da mesma moeda. A sublimacio do individuo no direito civil - dé-se pela autonomia da vontade, enquanto as garantias fundamentais, concebidas pelo direito publico, afastam as ingeréncias do Estado da es- fera privada”. (Direitos humanos e relagées privadas. In: VI SEMINARIO NACIONAL DE PESQUISA E POS-GRADUAGAO EM DIREITO (1997: Rio de Janeiro.) Rio de Janeiro: Faculdade de Direito da UERJ, out. 1997. p. 62.) Na esteira da superposicio desses espacos privado piblico, h4 uma premissa fundante: “Impée-se, finalmente, uma nitida separacdo conceitual, no plano interpretativo, entre os valores sociais e os valores econémicos que presidem o ordenamento; entre a pessoa juridica € a pessoa humana; entre a Iégica de mercado e a légica existencial, concernente ao cidadao, para o qual hé de se voltar, em tltima anilise, toda a ordem juridica contemporanea”. (Ibidem, p. 75.) Essa é a perspec- tiva que deve presidir uma leitura critica dos direitos subjetivos. 163. Varios aspectos fazem sentir as transformages contemporaneas nos ttés pilares do Direito Civil, do que, nos direitos reais, se tém exemplos ifregistrados na doutrina: “El desarrollo tecnolégico y cientffico lleva tam- bitna la aparicién de nuevas necesidades de utilizacién de los predios, que alteran los esquemas cldsicos del Derecho de servidumbres. Basta pensar a aso aéreo de energia eléctrica o en el paso subterrdneo de sleaductor lecables, para comprender lo anacrénico de las normas del Cédigo civil & configuran tinicamente como servidumbres el paso de personas o de en les y la conduccién del agua. La utilizacién de material trans'c! 8 muros de revestimiento de los edificios ha dado lugar a situaciones {eno se encontraban amparadas por las normas sobre las medianerias 0 a ‘ bre luces-y vistas, De lo expuesto como esbozo se deduce un claro colora 143 Digitalizado com CamScanner 3.1, Pilares de Base «ito Privado (mesmo a luz do novo CCB de 2002) oO Direito ambito dessas relagdes entre particulares, e se projeta pee erature juridica que sé disp6e a organizar esses dal fag suas projesoes: O sistema se organiza a pila artir desses elementos, como se infere adiante. / Para a nogao de contrato!™ é necessario primeiro ter um que imponem un nuevo Derecho de cosas’ ientos 1 70, as. Derecho ty masifcacén social. Teenloga y dee cho privado: dos esboz0s. Madrid: Civitas, 1979, p. 125.) Essas alteragées (internas) nao esgotam as transformagées (externas) que sao estruturais. ‘As mudangas conjunturais tem relevo (como aquelas apontadas por Diez- Picazo), sem embargo, as titularidades reclamam novos papéis em ques- toes de fundo, a exemplo das ligadas & propria razdo de ser da patrimo- nializagao das relagdes juridicas. 164. A imbricacao nos pilares de base do sistema juridico privado também recolhe fontes romanas. Familia e patriménio revelam o pai e 0 proprie- tirio, mais ainda, desvelam paternidade e propriedade. A isso alia-se 0 contrato, vestimenta juridica dos negécios, expresso concreta dos vincu- los romanistas: “fazer negécios em Roma néo significava aviltar-se; a usura € 0 comércio ndo eram apandgio exclusivo de uma classe ou ordem espe- cializadas, burguesia, libertos ou cavaleiros; a nobreza e os notaveis nio eram todos proprietérios absentefstas, senhores indolentes; a autarcia, © mito filos6fico, néo constitufa a finalidade de sua gestio e eles nao se cava explorer superficialmente seus dominios para tira aquilo sariehen pases Posigdo: queriam aumentar sua patrimOnio, 8% shes dink los os meios. A grande palavra nao era autarcia, nem éncia, nem rebaixamento, mas negocismo nobre; trio, o chefe de empresa, nessa época, era ot de fe cismo nobre; 0 patrio, familia significa case ¢ de a nee la familia , expressdo em que ° termo que a economia pertencia vida pri Um negocismno patrimonitl, EOP hoje em dia, quando se fala conta © ae absolutamente nio Goce: 98 atores econdmicos sio peso legitimo capitalismo andnimo. Entre nds existem, portanto, méquinas as Morais chamadas firmas ou sociedades; Privadas se empoleirant sok nies due produzem dinheiro e pesste micos eram as préprias Shans esses recursos, Entre eles os atores econ” uma firma de importagdo-exporteche eno ra familia, Eat is Patrimont eta € revendem seus f? oe sendo o que era S 5 Continuava send, itulos a outros. Entre os romanos, lo 144 © que era se seu proprietério abandonav® 6 Digitalizado com CamScanner conjunto de principios regras que com ceito de relagio juridica, a teoria desse sob o nome de parte geral. Esta visa exat cfpios © FeBTAS, COMO, Por exemplo, sobre inte < negdcios jurfdicos, e também diretivas articul: pretaglo dos com que o contrato vilido funcione. Nelas, a he as para fazer fem adequadamente explicitada para inaenicts de sujeito rutura que impulsiona a dindmica do coniedte aun contrato desenvolve uma expressio de in i soa no espaco de uma certa liberdade.'65 Essa ea, ea 2 go que se prop6s a superar o dogma da vontade na pana tizacdo de personalismo ético. A questo esté no limite ae tundente dessa configuracao juridica, que se reconhece es completa e imperfeita. Os contratos pressupGem “vontades”' e, por isso mes- mo, pressupdem a existéncia de alguém que manifeste essa vontade; daf ser imprescindivel a relagao de sujeito: o sujeito em si mesmo nao é suficiente, sendo necessario colocé-lo em relacdo com outro, donde surge a relago juridica. Essa idéia vai vincular sobre o que recaem poderes e deveres, portanto, nesse sentido, emerge também a nocio de objeto, que passa do mesmo modo que as demais, uma expressio dos compéem a base do Direito Privado. Poem, 4 luz do con- sistema, codificada ‘amente tratar prin- esti a ser, pilares que (VEYNE, comércio maritimo e aplicava toda a fortuna em bens de raiz”. op.cit., p. 141.) ° 165 £ nas ligGes do professor OLIVEIRA ASCENSAO que se enconi taldiretiva: "© homem nao estd isolado. A autonomia exerce-se ot rela- 40 a0s outros, E exerce-se muito freqdentemente comt as outros. Surgem- nos assim as formas de colaboragao. ; O instrumento tipico para 7 realizacdo desta cooperagao € 0 contra to", (OLIVEIRA ASCENSAO. Teoria geral --» P- 13: espelho invertido quan- de Atont juridicos tem a ade produtora de efeitos jur og ‘aif etencia também gera conseduen chs seemplo sumulado: ons falta de manifestacao, ord go colhe-se © ‘elevantes, Sobre essa expressiva dimensio cOUT™ gages dna fo ‘dor na locagio | responde por obrigas "esultantes de aditamento ao qual ndo anult- 145 Sw Digitalizado com CamScanner se refere 4 pessoa, NOGAO nao ne. a mesma que aquela incorporada Pelo feng. * Reconhecidamente no modelo classico, a reconhecido esse status de sujeito de toda Pero de sujeto & nogdo que impera em corte, ditto ade que projeta para 0 ambito do sistema jodi. Nese sentido, nem tudo e nem todos ingressam oa Peso é um conceito elaborado a partir da associacig con ares juridico, ser a que se atribuem direitos e obrigacdes. Este é 0 portico conceitual, para ser Pessoa pe- rante o Direito, € preciso “ter direitos e obrigacoes. Antes de captar 0 ser, apreende-se pessoa como criagao modelada pela ordem juridica. Fica, entao, clara esta idéia de corte entre pessoa como realidade auténoma e anterior ao sistema juridico. Esses exemplos estao formulados de acordo com as fon- tes do direito romano, mas uma leitura contemporanea reco- nhece que, do ponto de vista tedrico, nao temos mais a morte civil como tal ordenamento jurfdico. Por outro lado, basta recolher materiais da realidade contemporanea para apreen- der versio muito prépria das distingdes, que ainda permane- cem. Isso parece ficar evidenciado na afirmacao do professor Manuel Antonio Domingues Andrade, segundo o qual, como visto, todo o sujeito de direito é necessariamente pessoa em nN eaters a inversa ndo seja teoricamente exa- lidade juridica, e anota a Fe one econ ere eee es an oy scree escreveu: " Sao condigées, 8020 ou sobre 0 exercicio dos direitos i influern sobre com a idade, © sexo, a enfe, lireitos. Exemplifica a seguir midade, a posico na familia, a condigao de naci ional ou de es| i ich de uma associacéo, a ‘trangeiro, a posigéo de membro comerciante” ¢ cy lacdo com o domicflio, a qualidade de ncluiu: “esses estados ou qualidades carac- Sujeito, obviamente, cessariamente meno juridico. Re« nem toda pessoa © 146 Digitalizado com CamScanner terizam juridicamente 0 sujeito, dando-lh dida de direito e obrigagdes” 167 Nessa dimensio, arremata uma tratar a vicissitudes das relacées juridicas em geral, 0 pro- fessor Emilio Sa ; 0 hascimento de um direito importa sempre @ oe ae 20 sujeito e, portanto, a sua aquisi- gio, visto que qualquer direito € adquirido com base na valo- ragéo de uma ordem juridica, e que nenhum direito é inato no sentido de poder preexistir a essa ordem juridica”.!8 Esta afirmagao é de uma gravidade transcendental, nado imune a criticas. Se, de um lado, se reconhece uma certa virtude no sentido de que isso organiza formalmente o sistema e lhe confere uma certa dose de seguranca no trafego das relagoes juridicas, por outro lado, a época contemporanea esté marca- da pela presenga de certos fenémenos que nio se contém nessa ordem de idéias. E fica mais evidenciado do que nunca que o sentido formal que testemunha a nocio de sujeito de direito, é um sentido rente a concepgao dominante dos valo- tes de uma dada sociedade. No livro de Michel Miaille, uma afirmagao resume: “Fica- se pois com a nogdo que a categoria juridica de sujeito de direito ndo é uma categoria racional em si. Ela surge num momento relativamente preciso da histéria e desenvolve-se como uma das condigoes de hegemonia de um novo modo de producdo.”'®? Liga-se o sujeito de direito a esse dado momen- to da histéria, em que houve uma certa insergao econdmica, politica e cultural. Nao h4 uma categoria que tenha transita- do durante todos os tempos, através dos séculos, como apta Para exemplificar todos esses modelos. le uma nogdo e me- derradeira observacio, ao 167 ANDRAL it, p- 30, 167. ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Op. cit, P: '68. BETTI, op. cit., p. 51. hee 169, MIAILLE, atk Introdugdo critica ao Direito. Lisboa: Estampa, 1988, p. 119." 147 Digitalizado com CamScanner 3.2. Conceito, Moldura e Sistema Ao se comegar a estudar Direito Civil, explicita-se 9 sip. nificado etimoldgico da palavra pessoa’, base do Conceito de sujeito. “Persona”, originariamente méscara explicada Pelo professor Miguel Maria de Serpa Lopes: “A palavra pessoa, em Roma, servia para designar a mascara tragica que engros. sava a voz do ator e também a nasearaleios ancestrais que se apresentavam nos cortejos ftinebres”.!”° Esta € a origem: “To. mando o sentido juridico é para as pessoas que o direito fo; feito”; “persona” foi conceituada progressivamente como sendo ser humano capaz de direitos e obrigacées. Isso parece evidenciar que na exata medida em que se ne- cessitava de um conceito para colocar no centro dessa moldura do sistema juridico, esse conceito nao foi um sentido material em si, da pessoa, e, sim, algo que era sobre o ser; depositada esta mascara que se colocava sobre a face, emergia algo externo ao proprio ser. Esse Direito nao se compadece da nogao mate- rial de pessoa. E a nogio formal que reduz a de pessoa a um complexo de normas, ou centro de interesses. Serpa Lopes explica essas diferencas entre conceito ma- terial e conceito formal da pessoa: No conceito de pessoa, duas posigdes existem no campo doutrindrio: ou se considera a tecedura meramente formal, isto é, aquele centro ao qual o ordenamento juridico imputa atos ou fatos juridicos capazes de levar a uma aquisigao de direito ou uma assuncao de obrigagdes. Esse € 0 conceito Kelseniano de pessoa, Portanto, é 0 conceito formal ou, 20 Contrario, 0 conceito de Pessoa exige no direito a prépria materialidade mesma que € tal homem ¢ por extensio, @ Pessoa por nascer,!7! — 11 i Janeisc es Miuel M. de Serpa, Curso de Direito Civil, 6. ed. Bi & janeiro: F, Bastos, 1988, v. 1 246. 171. Ibidem, p. 248, ‘ 148 Digitalizado com CamScanner Se a nogao de pessoa surg . normas, duas conclusées emnargeinr i um complexo de partir do ordenamento juridico, logo, a peed 86 ha pessoa a ceito anterior; segunda, todas as pessoas sio, poacher pessoas juridicas porque, evidentemente, sé ope aE definida enquanto tal pelo ordenamento juridico. ee Mesmo anotando-se a idéia da imuterl ade dante da concepcio de pessoa,'”? urge examinar comer ue projeta para 0 mundo do Direito, e, ainda mais, ant ce projeta num conceito de personalidade juridica. Quando fe diz que alguém pode ser titular de direitos e obrigacées e ae tem aquilo que se chama de aptidées genéricas para contrair obrigagées, estamos diante de um fenémeno de personalida- de juridica. ‘A idéia da personalidade convive exatamente como dies a quo e dies ad quem da existéncia; convive com 0 sentido da vida e da morte, o principio e a terminagio da vida. O pro- blema esté em saber 0 comego e o fim da vida para o Direito. O Direito, a Biologia, a Psicologia e tantas outras ciéncias, nio tém os mesmos conceitos sobre a vida que comega ou sobre quando se dé 0 infcio da geragao. Basta para 0 artigo 2° do novo Cédigo Civil, nascimento com vida da pessoa para Ihe atribuir o status de ser portador da per sonalidade juridi- 172. No que concerne a concepsio juridica de pessoa come. sujeito, paten- “Estas posiciones tedricas teia-se a necessidade de reconstrucio critica: elaine sobre las cuales no nos detenemos los juristas actuales con el i i lo spt ritu critico, porque la personalidad juridica de todos los hembra not parece un principio incontrovertible en cada uno de mista sis fe | conquista del género humano, toman importancia ae lar ee plano practico observamos la ‘fragilidad de este post lo ie feces trisis de barbarie”, (CANCINO, Emilssen Gonaélet 0 viversiDAD tos de persona y hombre en la tradicion romanistica In: ON atin EXTERNADO DE COLOMBIA, La Br 0 sasoumento teaercano, Bogs 801995 tc del Hm racién privatistic ¢ 1 bases dogmdticas de las escuelas des fines del siglo pasado éste, debe superarse”. (Ibidem, p- 46- Digitalizado com CamScanner a questéo de saber se o de jurfdica, 0 que sig- nao é sujeito de direito. 0 sistema juridico, é colhido er dizer que © natimorto nao direito. on | oem personalidade juridica, nao é su- io 9 vio para outro sujeito, nem para vos. Eles ficam num estado tran- e passa com a heranga jacente, ‘0 deixa herdeiros, até o mo- nos termos do novo Cédigo porum embalo ins Jo insula jturo nai os bens na jei' orém, i oy cendentes VI nenhum dos as e St sitério, que é 0 mesmo qu ‘ou seja, S€ falece alguém que na icipio recolher, ento de o Municipio rect do ne Civil hd um estado transitério, em que aquilo nao pertence a ninguém. E claro que hé uma curadoria, ou seja, hé admi- A rigor, nao hé titular desse bem em nistragio desse bem. : estado transitorio. E o mesmo que sé passa quando determi- nado titulo de crédito ao portador tiver sido abandonado e quando for evidente 0 abandono. O abandono implica uma deixa, e com ela constitui a res derelicta ou a deriligao, que é a saida do bem da sua esfera juridica. Ha certos estagios transitérios que implicam essa figura dos chamados direitos sem sujeito. Isto esta mais propriamente exposto pelo professor Car- los Alberto da Mota Pinto: “para chegar 4 conclusao que nao E possivel no Rosso sistema, utilizar essa expressdo sem CO- pier eal es que no nosso sistema, a todo ° pieckso ter elsuit dirs ujeito”.” Para se tornar sujeito € ‘algum direito e para existir o direito é drio que ele se ligue a um sujei Sect eito é necess Sujeito, entdo, nao hé direito sem sujeito 173. O Direito Civil como di do se indentificava: "OMe? © individuo abstratamente configura” Tomano-ge rel ani ito civil, ao k Seed Netiah dee © civil, a0 longo de sua hist6 mundo vlegido do logge fl identificado como o Tocus normative Pr Direito Civil. p. 99) © "I". (LOBO. Constitucionalizacao do VW + MOTA PINTO. Teoria geral 150 : +p. 205. Digitalizado com CamScanner e nem sujeito sem direito, E & por j outra ordem de idéias, quando ‘din tem que haver sujeito do poder Fy Nao se descortinando um sujeito heranga jacente, abandono de titul parece prefertvel relagio juridica estados de vinculacao dos bens, na direitos subjetivos. ’ ssa ake ita teconbecer gue a eepria do : ee ade, cria-se, entao, “rea- lidade teérica”, 0 estado de vinculagio; estado q the uma qualidade que significa que aquele bem por hanes ica quele dado momento transitério, nao se encontra vinculado a qualquer sujeito. A expresso quer dizer exatamente o oposto daquilo que ela sugere: nao hé vinculagéo transitéria que cle sugere uma se ha relacao juridica Sujeito da obrigacio” 175 (nas hipsteses referidas: lo de crédito ao portador) imperfeita sob a tese dos io chegando sequer a existir 175. Ibidem, loc. cit 176, Repensar © Direito Civil pode remar para questées nucleares. Os juristas tém se indagado sobre o minimo nuclear permanente do Direito Civil. Para alguns, é 0 conceito de pessoa; para outros, a propriedade, 0 contrato e a familia. Ambas as vertentes podem apontar numa interessan- te direcdo, desde que se tenha uma visio critica tanto da primeira quanto da segunda, uma vez que, com efeito, consoante se pode verificar, “el centro de gravedad sobre el que bascula todo esse Derecho es la persona, on relacién con los demas; y, por tanto, en sus relaciones mds personales (y éllo nos conduce a la familia), o en las relativas a la atribucién y utiliza. tion de los bienes (lo que nos conduce al concepto de patrimonio). De este modo, esse minimo se centra en la persona humana organizada en socie- dad, y gira en torno a los conceptos de persona, familia y paren denotando-se, em tal percepsao, a remessa do juridico para einer que nao sio apreensiveis, por si s6, pelo Direit A Ds ae ante que este Derecho se funda en categorias parnanenie, nen las crea. La persona, la familia y el patrimonio s? desarrol aw cats histrias, bado proceso histérico; pero en si no son simples — como hé apuntado i Py + ir jue suponen como . juridicas, econémicas o culturales, sino a eae " Fenontes a la propia Hemandée Gil — catogorias morales 147 "Carag Martines de. El de LDAZ, naturaleza humana". (AGUIRRE Y AL} 991, p. 30-31.) recho civil a finales des siglo XX. Madrid: Tecnos, 1991, P . 1 Digitalizado com CamScanner sujeito algum. Elimina-se, aparentemente, alguma ince. coms wa. , 4 prese: “ Essa ordem de idéias que estava e esté presente no Nascj. turo, no comego da vida, em seu ee jurfdico, tambe ‘ sente ao final da vida, no fenémeno da ausén. pode estar presente de um modo geral, coloca fim a vid cia. A morte biolégica, de ‘bilidlade da ¢ Vida, Entretanto, a falta ou a impossibilidade da comprovacig 4, morte bioldgica gera a necessidade muitas vezes de provar ¢ selar a morte, ainda que biologicamente nio seja possivel,f hé intimeras circunstancias nesse sentido due sugerem esse procedimento; uma delas é a necessidade de administrar bens. Aquele que desaparece do seu domicilio, no deixando procurador ou mandatério, pode ter reconhecida a morte presumida ou 0 infcio da sua auséncia provocado em juizo, Infere-se, entéo, que neste modelo todos estéo num lugar juridico, e os que dele se demitem ou nele nio permanecem por razdes involuntirias podem estar na categoria de ausen- tes. Assim, ali esto, mesmo nao estando fisicamente. A auséncia se desdobra em trés etapas fundamentais: ad- ministracéo provisdria ou curadoria provis6ria; sucessio pro- vis6ria, e, por ultimo, a sucessao definitiva, E evidente que hé mecanismos intermedidrios em cada uma dessas fases para nao deixar o patriménio sem alguém que por ele zele e o administre. Nao h, a rigor, sujeito, mesmo na fase da sucessio Proviséria, em que os herdeiros Ou sucessores tém a imissio na Posse, e nao sao eles ainda os titulares formais daquela massa de bens. Os herdeiros s6 Passam a Ser sujeitos desse Patriménio a partir da sucessio definitiva. E, mesmo assim, € possivel imaginar o regresso"” a neat entre o virtual e o real: “Nao é dificil concluit, postr vive, sente © trace tise Civil descreve nfo corresponde aquelt ave 150s Intengda de es 208908 dias. E que os valores pessoas correspondéncte napa esenhecida a sua dignidade no encont™ Pessoa, como sujeita pease? de uma figura que o sistema pretende com a ° sujeito de direito, Esse sujeito que a lei civil define come Digitalizado com CamScanner daquele que jé teve a stra auséncia declarada e as seqtielas que so possa trazet imonial ¢ ; orca Pp rT no campo patrimonial e no pessoal e A personalidade projeta o plano nao apenas da titularid de do direito, como também no exercicio. E aqui eer ? nogio de capacidade. O capaz, do ponto de vista do direito, éaquele que tem aptidio genérica para ser sujeito de direitos ¢ obrigacoes. Nao obstante, 0 fato de ter essa capacidade abstrata ndo significa que tenha a capacidade concreta, ou seja, 2 capacidade dita de exercicio, ou de gozo dos seus direitos. Esse exercicio é aquele que o sujeito deve fazer, por si, se puder. A ccapacidade se subdivide em dois momentos fundamen- tais: o primeiro € aquele em que 0 sujeito exercita 0 direito que integra a esfera juridica por si mesmo; © segundo se dé quando ele tem personalidade juridica e capacidade de direi- to, todavia, ndo tem capacidade de exercicio por si, mas como 0 direito Ihe pertence, ele pode colocar esse direito no tréfego juridico. Nao podendo decidir sobre isso, o sistema juridico arma uma moldura instrumental para viabilizar esse trafego, e 0 faz mediante os institutos da representacio & da assisténcia. Tratando-se de incapaz absoluto, 0 sujeito é repre- sentado; tratando-se de incapaz relativo, é assistido. E para isso que servem OS artigos 3° e 4° ‘do novo Cédigo Civil, ou 10 sujeito de direito jo. com fr je condigdes nimo di .o homem definid e mesm ter tido o mi Jo mundo sem ivéncia. are de paralelo cerse, de um lado, 0 que se pode denominar pessoa codificada ou sujeito virtual; do Indo opost hao sujeito real, que corresponde 3 pessoa verdaderamente N71 vista sob o prisma de sua propria naturer’ | digndade”. (MEIREL SS Ten he Prisms fer na codificacao cil asieira: do sujelto vz” clausura patrimonial. In: FACHIN, Lul ason [cor Repens Re damentos do Direito Civil brasileiro vonremporaned: Ri novar, 1998, p. 91.) 153 tal é o homem, mas ess muitas vezes passa pel necessérias 4 sua sobrev! Tracando-se uma esP' Digitalizado com camScanner Seja, para fazer a distingao clara do rétulo entre o incapaz absoluto, aquele que nao tem qualquer grau do exercicio, _ aquele que é incapaz relativo. A palavra relativo quer dizer que os incapazes relativos 0 sio em relacao a certos atos.!78 A curatela, quer seja a dos relativamente incapazes, quer seja a prépria curatela da patologia da sanidade, fronteiriga ou transitéria, é um instituto juridico de representagdo dos incapazes que permite, no caso concreto, uma mensuragio da impossibilidade do exercicio. No hd regra geral que sempre faca do curatelado interditado para todos os efeitos; estar interditado para os efeitos que a sentenga da interdicao de- clarar. O procedimento da curatela se ata sempre & verifica- go do caso concreto. E € por isso que o sistema juridico adota a seguinte formulagio: a regra é que todos sejam capa- zes. Tanto é assim que, no sistema do Cédigo, nao ha rol de capacidade, e nao se encontra no Cédigo uma definicéo do que seja, exatamente, a capacidade. O Cédigo, nesta matéria, estabeleceu a excegio, ou seja, 0 rol dos incapazes. E 0 feza partir de alguns jufzos de exclusao juridica, como de diminui- ¢4o da capacidade de exercicio, ao distinguir, como j4 men- cionado, os incapazes. Os atos praticados por relativamente capazes, na esfera do artigo 171 do NCC, sao reputados como atos anulaveis. Essa capacidade, portanto, reveste a idéia de ser para o Di- reito, ou seja, a capacidade é 0 modo de ser perante 0 Direito, 178. Por exemplo: a pessoa com dezessete anos quer vender algum im6- vel, deveré estar assistida pelos pais, mas se esse mesmo cidadio de dezessete anos quer fazer um testamento, fard.sozinho, porque para esse ato, ele jf tem a capacidade plena. Portanto, o incapaz relativamente, € incapaz para certos atos. E 0 que se deduz do artigo 1.860 do Cédigo Civil brasileiro. O prédigo, por exemplo, é um incapaz relativo, mas a prodiga- lidade, que pode submeté-lo a uma tutela pela dilapidacio imotivada dos bens, promovida por exemplo pelo cénjuge, pode obstar que o prédigo pratique certos atos de disposicdo do patriménio. Mas se ele quiser pra- ticar algum outro tipo de ato, como o de promover o divércio, evidente- mente que poderd fazé-lo. 154 Digitalizado com CamScanner e compreende, no plano das pessoas tidas naturai i uma outra dimensio que é a dimensio do estado i ri ae seguida, nesse plano, aparece a ligacdo a um d: db a eyean dizer identidade,'” coloca-se a pessoa diante i umsientidi See inh canna ee rude se aparta, para esse efeito de configuragio, a pessoa 3.3. Aquele outro Ser ‘A seara juridica molda outro ser possjvel, sujeito criado pelo proprio Direito. Foram vencidas todas as teorias negati- — 179, A imutabilidade do designativo, estampada em texto legal (artigo 58 dh Lei n. 6.015/75, “Lei dos Registros Pablicos"), vem sendo mitigads, tm casos expressivos e justificaveis, pela jurisprudéncia, arrostando a definiggo segundo a qual “o nosso Direito consagra o principio da imuta, bilidade relativa do nome”; referindo-se a adequacio da identidade sexual 3 identidade psicossocial de transexual, escreveu coerentemente Maria Berenice Dias: “A razoabilidade € a ‘busca da adequacao da norma juridica e da solugdo encontrada & realidade concreta e seus valores, diz Marga Barth Tessler, asseverando que a razoabilidade deve prevalecer, também, para afastar a hipocrisia de uma sociedade na qual transformamos transe- eivis em simbolo sexual feminino, mas nio lhes damos 0 direito a docu- mentos de mulher. Assim se justifica a juiza do Tribunal Regional Federal da 4° Regido, ao confirmar sentence que deferiu direitos 2 um casal de homossexuais. ; - ‘Apés a realizacao da cirurgia, que extirpa ou constr6i os 6rgios geni- tais aparentes, adaptando 0 sexo anatémico identidade psicossocial, questio de outra ordem se apresenta. Tnquestionavelmente aflitiva a s tuagéo de quem, com caracteristicas de um sen tem sua documenasto declarando-o como pertencente ao genero corporal em que foi csi 1a do”. (DIAS, Maria Berenice. Unido hromassexwal: 0 preconceito & 2 a Ga. Porto Alegre: Livraria do Advosado, 2000, p. 110). Sabre o tera exemplar de tese de doutoramento, sob titulo “Limites « possbilidades do direito de redesignacdo do estado ‘sexual”, com 331 pins is SZANIAWSKI, defendida em 1997 junto Programa de Pés Grades? em Direito da Universidade Federal do Parants posteriarments fr tala pele Eaitore Revista dos Tribunals, sob © meso titulo, 155 - — | Digitalizado com CamScanner vistas da pessoa juridica e ie ultrapassadas as que negavam, nio téncia da pessoa juridi jurfdica pudesse ermine sujeito, mas que a pessoa Nio & mais por mena da semelhanga da pessoa natural, chamada concepgio or; anicista di de Pesto" dine se chega § e centro de poderes, Banicista da pessoa juridica, organismo a A pessoa Juridica, sujeito que se faz. construido, emerge ealidac le juridica, teoria pragmiatica que nao a confunde. nem por similitude decalcada, coma Pessoa natural. A pessoa j ca constitui uma “realidade”, possuidora de personali- dade ou capacidade. E é ela que se distingue dos individuos que a constituem entidade socialmente relevante. Nao é tan- givel, nem apreensivel fisicamente, nao obstante, subsiste e € constituida como um complexo. Aqui hé algo fundamental para se compreender essa organizacao juridica. As pessoas juridicas podem ser compostas de “outros individuos” ou de bens. Espelhava o artigo 20 do Cédigo Civil de 1916, consoante j4 remarcado, que os sécios nao se confundem com a socie- dade, ao se referir as sociedades de pessoas, as associagées, as fundagées.'®° A fundacio, alids, é definida por um patri- ménio afetado para um certo fim, uma universalidade de bens afetados. Bem afetado é aquele que tem uma destinagao especial, juridicamente relevante. Pessoas juridicas também formam outras pessoas juridicas. Isso significa, claramente, 180. CC, 1916, art. 20: “As pessoas juridicas tém existéncia distinta da dos seus membros. § 1°. Nao se poderao constituir, sem prévia autorizay do, as sociedades, as agéncias ou os estabelecimentos de seguros, mon- i ‘micas, salvo as cooperativas e os sindicatos profissio~ nais e agricolas, legalmente organizados. Se tiverem de funciona no Dis trito Federal, ou em mais de um Estado, ou em territrios nio c ae dos em Estados, a autorizacao seré do Governo Bede a ay. a Estado, do governo deste. § 2°. As sociedades enumeradas no art 00 por falta de autorizagio ou de registro, se nfo reputarem pe pace ndo poderdo acionara seus membros, nem a terceiros; mas responsabilizé-las por todos os seus atos.” tepio e caixas econ 156 Digitalizado com CamScanner amt Prépria pessoa juri- dica, constitui outras pessoas juridicas. Tudo isso organiza o sistema, e também mostra que sio Conceitos que devem dar conta de todas essas entidades. Esse mister, porém, esté fora de alcance, como sera visto. Antes, cabe verificar como tais sujeitos abarcam juridicamente os respectivos objetos. 3.4, Estatuto Juridico do Objeto O objeto se abriga sob uma relaco juridica, a primeira “realidade” e tentativa de definir 0 que se entende Por esse plano da configuracao juridica que é preliminar sob a nocéo de patrim6nio.'*! Hi relagdo estreita entre objeto e patrimé- nio, logo, o que pode ser objeto do direito estaria inserido no ambito do patriménio. Esta idéia remete a alguns caminhos, dentre eles o de permitir fazer a distingao inicial bésica entre aquilo que se entende por patriménio e o conjunto de direi- tos que dizem respeito a um dado sujeito. Compreendida a definigdo de objeto na idéia de patri- ménio, a nogdo que viria a seguir é a de que o patriménio Pertence a um determinado ente, quer seja natural, quer seja juridico, Esta ligagio do patriménio a determinado ente faz com que pessoas naturais ou juridicas se circunscrevam, do ponto de vista da sua titularidade, a uma determinada esfera juridica. O objeto, assim, integra a moldura da titu- laridade. —__ 181. A pessoa nio pode ser objeto de atos ou negécios juridicos. Essa 6 a nicdo congruente da melhor doutrina: “En el acto juridico la persona Se distancia del objeto, pues el contenido de dicho acto (conjunto de reglas pilisposiciones privadas) difiere netamente del contenido del derecho (am- '0 de poder sobre algo: una conducta humana — exigible —, una cosa y ala persona o ciertos aspectos de ella).” (BUERES, Alberto J. Objecto 4 negocio juridico, Buenos Aires: Hammurabi, 1986, p. 59.) 157 mm Digitalizado com CamScanner Essa esfera juridica é fundamental para explicitar circuns- tancias que necessariamente nao integram a esfera de cunho patrimonial. H4 “objetos” que nao se circunscrevem a essa nocio de patrimonialidade da coisa em si mesma concebivel. Com isto hd, no plano do Direito, direitos subjetivos que podem se enquadrar na esfera juridica, mas nao no ambito estrito do patriménio. A reflexdo que surge é a de nao acatar ou circunscrevé-la 4 materialidade das coisas que integram o patriménio de al- guém. A nogio de esfera juridica pode transcender esta ma- terialidade objetiva das coisas ditas méveis e das iméveis. Esta a razdo, portanto, dessa visdo inicial segundo a qual o patriménio integra mas nao esgota a esfera juridica de uma pessoa natural, ou de uma pessoa jurfdica propriamente dita. Isso constata uma relacio estreita que se estabelece entre 0 objeto e um determinado titular, quer seja objeto de cunho patrimonial, quer seja um objeto que integre 0 segmento da esfera juridica que nao seja patrimonial, sempre liga essa no- cao a um dado titular, e esse pode ser o titular de uma coisa ou de determinado comportamento.'® A titularidade nao se esgota no conceito de apropriagéo material, ou seja, € possi- vel uma titularidade sobre certas circunstAncias, as quais nao se reduzem a um conceito bdsico ou elementar de coisa. A temitica das titularidades compreende varias nuangas e especializagdes. Tem especial destaque, nesse sentido, o 182. O contrato veicula objetos suscetiveis de transito impulsionado pela vontade que ganha, no contratualismo, foros de autonomia. E a expresso de um paradigma de certa racionalidade impressa no comportamento juridico. As codificagées inscreveram-na na base das respectivas estrutu- ras: “A disponibilidade de interesses privados, conforme lancaram idéia os Cédigos Civis francés (1804) e italiano (1865), decorre do contetido de extensa autonomia legada as partes em suas relagées juridicas, em especial a contratual. Tinha-se, na esséncia de tais textos, uma estrutura contratualista que hoje ndo pode ser mais aceita sem ressalvas”. (NALIN, Paulo R. Ribeiro. Responsabilidade civil: descumprimento do contrato € dano extrapatrimonial. Curitiba: Jurué, 1996, p. 52.) 158 Digitalizado com CamScanner feel 183 . ‘ direito do autor,'* de relevancia contempordnea indiscu- tivel. / A nocdo de objeto aparece ligada a um dado titular, e essa titularidade, ou recai sobre uma coisa, ou sobre um bem, podendo ser também titularidade de um comportamento.'* As obrigagdes, mesmo as que recaem sobre coisas, como a obrigacao de restituir, nao tém a coisa como o seu objeto imediato. Na verdade, o que se deseja imediatamente é um determinado comportamento, e, se nao fosse assim, o pere- cimento da coisa levaria ao perecimento do direito.'®> Isto mostra que certas circunstdncias, em que hé objeto da rela- cao jurfdica, nao suscetiveis dessa apropriagéo corpérea, e 183. Dois vértices estruturam o campo autoral: “O Direito de Autor esté estruturado com base em duas grandes prerrogativas: o direito moral de autor € 0 direito patrimonial de autor”. (DE MATTIA, Fabio Maria. Aspectos do direito autoral no interesse do professor universitério como conferencista e publicista. Revista de Informagdo Legislativa, Brasilia, a. 34, n. 135, p. 61, jul./set. 1997.) 184, Por exemplo, se alguém, no plano dos direitos reais, diz que Antonio 6 titular do bem que lhe pertence pelo direito de propriedade, evidente- mente, esta € a titularidade no sentido mais exato da apropriaco. A apropriagao lato sensu significa uma fruicao de direito. O usufrutudrio também tem esse sentido, pois o bem dado em usufruto esté sob a sua posse direta. A apropriacao aqui estabelece um vinculo juridico entre 0 titular e a possibilidade do desfrute de uma dada coisa. Porém, ha situa- ges em que isto se coloca no ponto de vista do comportamento, € isso se passa no terreno obrigacional. O objeto imediato da obrigagio nio éa coisa suscetivel de apropriagéo, € 0 comportamento do devedor que sa- tisfaz os interesses do credor. 185. Por exemplo, Antonio se compromete a levar uma carga de pescado do porto ao armazém. Se entendéssemos que essa carga, que é a coisa apropridvel, fosse 0 objeto tinico da obrigacao, 0 perecimento da carga levaria ao perecimento do direito, e, classicamente, se entende que nio hé objeto sem direito, e em principio, ndo haveria, no perecimento, nem direito nem objeto. Nessa perspectiva, 0 objeto dessa obrigacao € 0 trans- Portar, e nao a carga, o que se trata de um comportamento, Tanto é Cal que, por motivo imputavel ou ndo a0 devedor, a carga desaparecendo, a obrigagao perdura, e por isso mesmo 0 direito permanece. 159 Digitalizado com CamScanner portamento no ambito das obrigacées, conferindo uma outra dimensao da titularidade. Diferente do que se passa no usufruto, onde h4é um desfrute sobre a propria coisa, na obrigagao, 0 credor tem ° direito de exigir a prestagao por inteiro, e na impossibilidade, exigiré o equi- valente, mais perdas e danos. O estudo critico da teoria do Direito Civil da conta de quanto é incompleto o exame do objeto. Ordinariamente, vem uma dicotomia classica que leva em conta uma ordem de colocacéo dos bens calcados em diversas classificacgées, mas que apresentam um referencial basico que é 0 da mobi- lidade. Por isso distinguem-se os bens em méveis e iméveis. E 0 estudo dos bens, na teoria do Direito Civil, é centrado nessa divisdo. A partir dai, abre-se um grande capitulo que chama 0 objeto do direito ou da relagao juridica. E isto por- que se tem a contengio do objeto de um direito isolado e nao se vé o sujeito da relagao. Em verdade, nao € 0 objeto apenas um objeto da relacao juridica. Eis que a titularidade das coi- sas em si mesma nao tem sentido. A titularidade insular das coisas é uma linha demarcatoria da titularidade alheia.'®* que se ligam a um com 186. Tecnologias recentes explodem o conceito tradicional do objeto ju- ridico, expondo contradicées e perplexidade, a exemplo do que se passa na gestacao de substituicdo: “[...] 0 objeto imediato do pacto efetuado entre as partes é, em tiltima andlise, a obtencéo da vida humana pela concepgio, desenvolvimento na gestacio e nascimento, seguidos da ces- sio de direitos (e deveres) inerentes 4 maternidade. A vida humana é direito indisponivel protegido pelo Estado, nos termos do art. 5°, caput, da Constituigdo Federal. S6 por essa razio, é de se considerar inadmiss{- vel, perante o sistema legislativo vigente no Brasil, o ajuste efetuado com tais propésitos". (MEIRELLES, Jussara. Gestagdo por outrem e determi- nagdo da maternidade: “mie de aluguel”. Curitiba: Genesis, 1998, p- 82-) Ademais, hé outra critica. Nesse modelo s6 tem sentido dizer que Anto- nio é titular de uma coisa para dizer que Bernardo nio é 0 titular daquels coisa. Se houvesse apenas um sujeito, o direito de propriedade privads nio teria esse sentido, ndo seria necessério demarcar a fronteira da titula- ridade. A definicdo da titularidade leva em conta afastar os outros ¢O™ aquela visio cléssica de que o fato que se passa é 0 direito do titular vinic® 160 Digitalizado com CamScanner ag pewertly ah ae iversas perspectivas, seja fea de transmi: oe na vontade N 0 & possivel deixar de reconhece radica a classificagio basica dos be i insuficiente. Bee distingao calcad: através da qual definem-se os imévei ' ry méovels ala possibilidade deseo impossibilidade, por forca alheia sem que haja a destruicto desu ou remogio Aqui, aquela definicfo de bem mével, na ae substincia. Cadigo Civil no artigo 82" destoa um pouce de téeniea legislativa do resto do Cédigo, e se presta Dyer fins: armar esse referencial classificaté aes or a 5 6rio bdsico para a teoria do Direito Civil e criar um estatuto juridico das coisas, cen- trado nessa ordem de idéias. ‘ Designa esse estatuto coisas que compoem, nessa rubri- ca, um regime juridico, principios e regras que pertencem a uma ordem normativa. Princfpios e regras de uma ordem especial que é, obviamente, a do sistema jurfdico. Liame ou vinculo que cria um estatuto que sé refere ao conceito clis- sico de bens. O Direito funda o sistema basico de Direito Privado; contém um conjunto de principios e regras, que submetem, sob um vinculo especial, a determinados sujeitos Is-@ imévai © IMéveis se articula em de alienagao, seja na T que nessa distinga “ness Gio ns do Direito Civil, ¢ é a na idéia de mobilidade do. Hoje, © direito se de inclusio € respeito- e nio em objeto de emente, esté supera’ operar um juizo da relagdo juridica e exclusivo, o que, evident mostra em relagio a outro, para Daf porque a marca em objeto direito, 187, A transferéncia dominial expli do dominio dos moveis faz-se pela trac iméveis pela tradicdo solene, el eee tivo, no competente Registro && méveis”. UM" 'g. ed. re Curso de Direito Civil: teoria geral das obrigagdes- Paulo; RT, 2000, p. 57-) 188. NCC, art, 82: “Sio move! Pri, ou de remogao por fora destinacdo econdmico-social. 16 icita essa diversidade: “A transferéne essa ita entrega do objeto, © dos tradi ho Mi natecul, deat aus VEDO, Alvaro Villaga- ee vy, atual, S40 dle movitmento PS {a substincia ov a is os bens e alheia, se™ alteragio 4 Digitalizado com CamScanner as coisas, comportamentos ou bens apropriados. Deduz-se que a apreensao juridica do que seja objeto nao é tao simples quanto aquela que esté na parte geral do Cédigo Civil. Se, com essa dimensao mais complexa, torna-se possivel reconhecer que nela hé um regime juridico a que esses bens esto submetidos, é evidente que existam determinados re- quisitos de acesso a esses bens. Além disso, coisas e compor- tamentos ingressam nesse estatuto juridico como objeto. Es- ses requisitos, por sua vez, ndo estao claramente colocados nem codificados no sistema, nem na doutrina. Em suma, nem todos os bens ou todas as coisas podem ser objetos de uma relagdo juridica. E aqui que tem sentido de exclusio a classi- ficagdo basica das coisas fora do comércio e do dado como estando no comércio. Ha um sistema construido nesse acesso ao estatuto de coisas, significando que o ordenamento juridico faz recair uma definicgéo apontando ou permitindo que esse bem ou esse comportamento possa estar no trafego juridico. Eis por- que res in comercium, quer dizer coisas que estao no trafego juridico, ou seja, aquelas coisas que podem ser apropriadas, ou os comportamentos que geram obrigacGes. Tal configuracao atende ao requisito de ingresso: a possi- bilidade de circular no trafego juridico. Hé coisas que estéo fora desse trafego juridico, no entanto, é 0 proprio Cédigo Civil que remete determinados bens, pela sua “propria natu- reza”, para fora desse trafego juridico. Note-se 0 quanto é artificial essa ordem de idéias, pois se € 0 legislador que esté dizendo que aqueles bens nao sao apropriados, parece um tanto ilusério dizer que estao fora do trafego juridico pela sua natureza. 3.5. Qualidades do Objeto em Transito Aquilo que transita no direito como objeto, bem como ° que deixa de transitar, depende de uma escolha prévia de 162 Digitalizado com CamScanner yalores. Os he estao fora dessa “ atuto jurfdico nao os colocg est Se 0 bem ae torna inallentvat * ossibilidade d adquire tal caréter porque o sistema jece de v alguém, a0 se apropriar daquele bem ico py suridico. Aqui hé um dado ates jut que se constréi.!*9 Ha certos comportamentos que podem nao esta tido basico da prestacio assumida, contudo, alin’ fego jurfdico. Por isso, No comportamento fola-se em d E no plano das obrigacées, ha deveres Principais e deveres acess6rios. Quer seja 0 dever principal, quer seja acessérlo, todos integram 0 conjunto dos deveres, independente da sua previsdo convencional. O que se quer sustentar é que, se o comportamento obe- dece a um desenho jurfdico, hé deveres e condutas que sobre tal padrao se impéem, mesmo que o Direito possa ter a pre- tensio de esgotar as possibilidades das relagdes pessoais e sociais. Ainda assim, ingressa nesse trafego das relagdes juridicas, como objeto, algo que, direta ou indiretamente, seja susceti- vel de valorag3o pecunidria. Esse sistema est4 fundado na supremacia do patriménio formado por coisas € nele, nomea- damente, o patriménio imobilidrio. E nesse cédigo do patri- ménio imobilidrio se liga a idéia dos bens e a suscetibilidade de serem convertidos em dinheiro. E isso se aplica tanto as coisas quanto ao comportamento. Essa “l6gica” de conversio Comercialidade” porque 6 le trafego, ‘ontade, s6 ermite que do trafego integram o tré- a i0-s6 dos 189. O regime jurfdico das titularidades nao sila Peed de uit titulares atuais, presentificados na posicao de ve oto lado da garantia Patriménio. Mais que isso, tal estatuto deve, também, , também, #0 Ie clo de um patamar digno de bens materiais indispensévels Mi gl nodes nar vias reais de acesso a essa esfera juridico Paes «propiedad social los bienes deben beneficiar a todos ls hombres", ito 6 "PreP T ie), de los medios de produccién, que no es privada, (exe izados”. (RANGEL, ni pica (del Bsa) sino os trabajadores oeanat ds A eg Jesis Antonio de la Torre. El derecho a tener dereew’l G4 95.) derechos humanos en México. Aguascalientes: " 163 Digitalizado com CamScanner em dinheiro traz algumas interrogagées quando determina- dos direitos, que integram a esfera juridica, e que nao sio objeto de direito,'” sio violados, e sua violagéo permite a reparacao pecuniéria, mesmo nao integrando o patriménio e nem podendo ser objeto de direito. Classicamente, transita 0 que é suscetivel de aferigdo pe- cunidria, Uma determinada coisa é suscetivel de apropriagao porque é passivel de ser convertida em dinheiro, assim tam- bém os comportamentos.'®! Dotados de certa “autonomia”, esses bens ou interesses sao suscetiveis de transitar juridica- mente e de serem avaliados pecuniariamente, por si mesmos. Tém em si uma certa “autonomia” nesse plano de valoracao dos negécios juridicos, espago da “autonomia privada” para a auto-regulamentacéo! dos interesses particulares. Aqui, 190. A percepcao da propriedade cobre téo vasta pretensio teérica que, nao raro, desborda da corporalidade material e almeja, com equivoco, abarcar 0 que nao se reduz (nem deve se restringir) condigdo de objeto. Atenta est4 a doutrina para registrar essa inquietacao: “No puede sostener- se que se haya violado el derecho de propiedad que los recurrentes tienen sobre su nombre, puesto que el nombre es un atributo de la personalidad, ‘osea, uno de los llamados derechos personalissimos, que no es dable incluir dentro del concepto de propiedad por no poderse disponer de ellos arbitra- riamente, Son derechos irrenunciables, imprescriptibles, intransferibles, intransmisibles e inembargables y, ademds, son originarios e innatos”. (ENRIQUEZ, op. cit., p. 62.) 191. Por exemplo, o devedor tinha que transportar 0 pescado e nao 0 transportou; quanto “vale” o nao transportar? E isso que se responde quando se propée uma reparacio pelas perdas e danos, pelo inadimple- mento, e por forca de uma obrigagio. As vezes, o devedor faz exatamente essa conta: somam-se perdas ¢ danos a cléusula penal. © comportamento de fazer ou de nao fazer é suscetivel de valoragio pecuniaria. Vé-se, no Direito, 0 paradoxo exposto pelo avesso, 192. Tem lugar de destaque nas propostas da doutrina juridica a fungio social do contrato: “Por esse principio os contratos desempenham um relevante papel na sociedade, nacional ¢ internacionalmente, considerada. Pelos contratos, os homens devem compreender-se e se respeitar, para que encontrem um meio de entendimento e de negociagio sadia de seus interesses e no de opressio. Para que esse espirito de fraternidade nos 164 Digitalizado com CamScanner “utonomia do objeto” 6 a possibilidade de um determinado objeto ser suscetivel de avaliagio pecunidria por si s6. E nesse movimento que se estuda a distingio classica dos bens divisiveis e indivisiveis. H4 bens que ao serem reputados em si mesmos, podem ser divididos e outros que nao podem. A divisao e a indivisio nem sempre constituem um “dado” da propria natureza. Nao raro, a lei estabelece a divisibilidade ou a indivisibilidade. De modo que a divisdo ou a indivisio de um bem decorre, na verdade, do sentido da “autonomia” do objeto. Ha certas hip6teses nas quais a indivisibilidade deriva da vontade das pessoas. Hd a hipétese daqueles que, a0 adquirirem um de- terminado bem, fixam a indivisibilidade por um certo perio- do. Hé um condominio “forcado”, nao no sentido de lei, mas no sentido que deriva de um consenso desses cond6minos. Tal consenso, porém, passou previamente pelo filtro da vali- dade. Entao, nesse sentido, quando se fala em autonomia dos bens suscetiveis 4 valoragao, o que sé quer dizer é que a metade de um quadro nao tem essa autonomia referida ante- riormente. A completude desse arcabouco néo engloba apenas um estatuto de ingresso do objeto na relagao juridica; esse Direi- to também se preocupa, no sistema juridico, em estabelecer como as coisas saem do certos requisitos para determinar tréfego jurfdico, e esta saida esté intimamente ligada 4 nocao de titularidade. Esta se perde quando hé uma coisa abando- nada ou quando hé algo que tem sobre si a auséncia da titu- do direito interno, tem os Estados mo- dernos langado mao de normas cogentes, interferindo nas contratacdes, com sua vontade soberana, para evitar esdes. De futuro, certamente, no plano internacional, deverd existir um sistema juridico de ordem publica, para que se cofbam abusos nas contratagoes, preservando-se, ete pe cipalmente, a propria dignidade dos pove® em desenvolvimento’. (2% VEDO, Alvaro Villaca. Principios gers de direto contratual aP ichuis divida externa dos paises em desenvolvimento. Revista da Faculda Direito, Sio Paulo, v. 92, P- contratos se preserve, nO ambito 100, 1997.) 165 Digitalizado com CamScanner laridade. No Direito, tanto a perda quanto a auséncia de titularidade estdo no estado transitério, intervalo na defini- io de quem seja o respectivo titular. E para ser titular é preciso ser reputado sujeito de um direito em face de um contrato! ou de uma posigao juridica. Esse liame amalgamado entre a pessoa ¢ a coisa, ou entre a pessoa e 0 comportamento, se reflete bem no estabeleci- mento da perda da coisa com a auséncia da titularidade, me- dida do sentido de que néo hé coisa sem titular. A perda significa uma deixa voluntiria, o bem que saiu da esfera juri- dica de alguém. Perda qualificada corresponde a uma deixa voluntiria, 0 que nao se confunde com a rentincia, que é fruto de uma declaracao expressa de um nao querer. E 0 caso da rentincia a heranca, por exemplo, em que hé abdicacdo ou “rentincia translativa”, no direito das sucessdes. A rentincia abdicativa é uma rentincia em favor de outro. A translativa, que no é renincia, € uma cessao de heranga. Em ambas, ha uma declaragao expressa. Nessa perspectiva, para detalhar a classificagao dos bens, verifica-se que 0 estatuto juridico, que permite explicitar a divisio classica desses bens, é aquele que sempre levou em conta 0 ponto de vista do sujeito, ou seja, a divisdo dos bens, a sua caracterizacao'4 como objeto de direito, é algo que se 193. A compreensio juridica que opera entre a declaragio e a vontade, espelhada na hermenéutica contratual, pode estabelecer, na divergéncia, litigio, e reclamar definigéo de sentido e alcance pela intervencéo do Judicidrio. Os caminhos para tanto, todavia, nao so demasiadamente elastecidos, consoante se infere da jurisprudéncia dominante no Superior Tribunal de Justica: “STJ. Samula 5. A simples interpretagio de cléusula contratual nao enseja recurso especial.” 194. A linguagem designa e classifica, utilizando-se de conceitos e catego- tias. O discurso juridico, desse modo, exclui, inclui, explicita ou oculta. O exemplo é contundente: "De las formas posibles dle discriminacién, la que afecta a la mujer responde a un criterio agravado por dos circunsta cias: la inmutabilidad, referida al hecho de que un cierto rasgo esté biolé- gicamente determinado, y la visibilidad, 0 ‘inmutabilidad fenomenol6si- 166 Digitalizado com CamScanner gssenta no sujeito. Este se organiza para dizer o que transita eo que nao transita juridicamente. Eis essa racionalidade dos modernos sujeitos de direito: tudo aquilo que fizer parte do acto juridico passa a ser apropridvel. ‘As relagdes que se travam sao as que defluem da condigao do sujeito relacionado com outro e estes decidem qual é 0 pacto, dominante segundo seus interesses. Essa idéia, que até hoje se projeta, recebeu a contraparti- da do professor Michel Serres.'®> Trata-se, af, de uma titula- ca’, en el sentido de una caracteristica generalmente observable a terceras onas y que no puede ser facilmente acultable. Raza y género son casos paradigmdticos de ambos fenémenos". Tal ilacdo é suficiente para revelar ngo apenas a discriminacao concreta como também a segregacao no dis- -.] el pensamiento por analogia en el contexto de una teoria Jeminista detecta parecidos de familia entre instancias de subordinacién que hablan, en definitva, el lenguaje estereotipado de ‘lo femenino’ desde 41 decir masculino del derecho". (ALONSO, Gabriela L. “Como en casa en [a existencia ...” Consideraciones sobre la normativa internacional en torno a los derechos de la mujer y el papel de la teor‘a feminista contem- porénea, Revista Juridica de la Universidad de Palermo, a. 1, n. 1, p. 115; 146, abr. 1996.) 195, "Pensamos o direito a partir de um sujeito de direito, cuja a nogao progressivamente se ampliou. Nao era qualquer um que outrora tinha acesso a ele. A declaracao dos direitos dos cidadaos deu a possibilidade de todo o homem em geral ter acesso aos estatutos de sujeito de direito. O contrato social entdo se completava mas encerrava-se em si, deixando fora o mundo, enorme colegio de coisas reduzidas ao estatuto de objetos passiveis de apropriagdo. Razio humana maior, natureza exterior menor. O sujeito do conhecimento e da ago, goza de todos os direitos ¢ set objetos de nenhum. Ainda que nao tiveram acesso @ nenhuma dignidade juridica, isso porque, desde ento, a ciéncia tem todos os direitos. Ou Seja, nés, pessoas, entrando nessa categoria de sujeito, definimos portan- to, o sistema que atende a nossos interesses.” Ele acrescenta: “E por isso que necessariamente entregamos as coisas do mundo a destruigao. Domi- nadas, possuidas no ponto de vista epistemoldgico, menores it ‘consagra- sio pronunciada pelo direito. Elas nos recebem como anfitria, sem as quais amanha deveremos morrer. Exclusivamente social, nosso contrato Se torna mortifero para a perpetuacao da espécie, a sua imortalidade objetiva e global”, (SERRES. O contrato natural ..., p- 48.) 167 Digitalizado com CamScanner ridade que envolve uma apropriagao fisica, a imediata, e a outra, jurfdica, mediata. Além disso, 0 saber! que conforma 0 objeto também ¢ objeto de clausura da linguagem. Através dela sio estabelecidos lugares no sistema juridico. Quando se menciona “coisa mével”, 6 um conceito que permite dizer que a mesma se transmite com a tradigéo. Portanto, 0 possuir epistemolégico significa se organizar em torno desses concei- tos, e deles tirar princfpios e sistematizar as coisas € os sabe- res sobre elas. Isso mostra, com algum assombro, o fato de captar e cooptar o que interessa, € emoldurar os interesses, prisionei- ros dos conceitos. E 0 arranjo que se faz para o sistema juri- dico. E, ao assim fazer, os conceitos também passam a ser objeto. Contudo, a diviséo basica dos bens nao é juridica, e sim econémica. O jurfdico apenas comparece para dar cober- tura aos bens de producio, de uso e de consumo, de acordo com concepsao politica, e para se estabelecer o regime dos mesmos. O exame dessas categorias passa, por isso, pelo conheci- mento e andlise da concepgio politica, remetendo-a 4 econo- mia de mercado, ou ao sistema socialista da apropriagao. A divisao de bens de produgio, de uso e de consumo, é, na verdade, a grande divisio que esta sob a configuragao clssica dos bens. Quando esse tema escapa ao ensino, é 196. Os conceitos aprisionam as possibilidades emancipatérias do Direito, consoante se observa, com efeito, em questio central como é a titularida- de fundiéria apreendida sob definices previamente colocadas ao servigo de opgdes nao neutrais: “Proprietério ¢ aquele que tem 0 direito de usar, gozar, dispor e reaver a coisa de quem injustamente a possua, 0 que se deve ao direito real sobre o imével, oponivel contra todos (erga omnes). Nao se pode entender que hi uma relagio entre a pessoa, o proprietério € a coisa, o que existe € uma subordinacio da coletividade, indefinida, a0 direito do dono da coisa, uma obrigagio de nao fazer a qual todos deve se submeter (ad alterum).”" (VARELLA, Marcelo Dias. Introdugdo a0 direito a reforma agrdgria: o direito face as novas so Sao Paulo: LED, 1998, p. 175.) 168 Digitalizado com CamScanner como se essa divi io nascesse dela mesma, de al emsie por si justificadora. E nece: 1, de alguma causa ; ssdrio revelar a tei i nsi tt c ia anter a essa classificagéo, que € tecida para nao ser qquestionsda, e Ip S a, mas deve passar pelo crivo de andlise que desnude a suposta neutralidade dos conceitos jurfdicos.!9” H4 ; DI s.!"” Ha carga eletiva axio- logica na concepgao, na classificagdo e na qualificacio d objeto que conforma a definicao dos bens. ° 3.6. O Corpo do Objeto Nessa qualificagdo jurfdica, circunstancia a se verificar é a corporeidade, ou a corporificagdo do objeto. Este precisa ser lotado num determinado corpo juridico. Corpo nao quer dizer apenas possibilidade de ser tangivel, de ser apreensivel fisicamente, mas também compreende objetos incorpéreos. Neste ponto, o sistema claramente se deu conta de que se os bens materiais séo corpéreos. HA coisas que nao sio corpé- 197. E isolado 0 conhecimento juridico que se fecha dentro dos muros epistemolégicos pelo proprio Direito edificados. Essa insular juridicidade tem 0 elogio da precisio técnica e da cientificidade. Tem exatidio rele- gada quando se indaga dos fins e dos destinatérios desse instrumental técnico, e, enfim, quando se certifica da razao de ser de tal ciéncia, embora sob 0 risco de uma certa impugnagio, como se lé: “Si potra certamente objettare che similli indagini ‘esulano dalle competenze specifi- che del giurista: a questo rilievo si pud opporre non tanto la considerazione ovvia della difficolta di segnare confini netti tra i settori diversi della cultura; ma vale piuttosto precisare la portata che sul piano metodologico assume quest'attenzione anche alle valenze non strettamente giuridiche di merale. Cid serve ad evitare el ris fenomeni cosi interessanti sul piano ge? ( é él chio frequente di isolazionismo, nel quale pud incorrere la scienza giuridi- ca, ma consente anche di tener fermi ilimiti Heenle dell’indagine, ae do i auali si perderebbe il pregio essenziale de la coerenza scientifica (MAzzU, Calo. Proprieta e societa pluralista. Milano: Giuffre, 1983, p. 311). E justificavel tamanho zelo e receio, seguranga que pouco asegura sobre bases tio frageis como aquelas que elevaram premissas Ce eyes ao papel de verdades perenes n° corpo dos cédigos que demandam pet manéncia ¢ inalterabilidade. 169 Digitalizado com CamScanner reas e que podem ser objetos de direito. Um exemplo tipico € 0 direito autoral, que na antiga expressdo era propriedade imaterial. Por isso se admitiu, obviamente, a imaterialidade, porque a corporificagao, 4 luz dos valores de seu tempo,'* nao dé conta do conjunto de bens reputado como objeto de direito. Esse corpo juridico é dotado de singularidade, da qual emerge a questéo atinente a especificidade dos bens. Para organizar o sistema era necessdrio apreender 0 conceito de bem tinico e, ao lado de tal conceito, a possibilidade de ser substitufdo. Fundamental para o trifego juridico, a dinamica das relacées juridicas sabe se um bem pode ou nao ser subs- tituido por outro. Daqui nasce a idéia da fungibilidade, mar- cada na divisdo dos bens fungiveis e dos infungiveis, e que se projeta no comportamento. ‘A infungibilidade nao decorre apenas da materialidade exterior de determinado bem; hé outros valores a serem con- siderados que podem tornar aquele bem infungivel depen- dendo da circunstancia apta ao transito juridico.'” 198. E fundamental a localizacio histérica das leis porque ali, no momento de sua formulacdo, emergem os fatores sociais, politicos, econdmicos & culturais dominantes. Nesse sentido, a propésito do Cédigo Civil brasi- Ieiro, assim reconheceu Orlando GOMES: “No periodo de elaboracio do Cédigo Civil, o divércio entre a elite letrada e a massa inculta perdurava quase inalterado, A despeito de sua ilustracio, a aristocracia de anel re- presentava e racionalizava os interesses bésicos de uma sociedade ainda patriarcal, que nao perdera o seu teor privatista, nem se libertara da estreiteza do arcabouco econémico, apesar do seu sistema de produgio ter sido golpeado fundamente em 1888. Natural que o Cédigo refletisse as aspiragoes dessa elite”. (Raizes hist6ricas e sociolégicas do Cédigo Civil brasileiro. In: . Direito privado: novos aspectos, Rio de Janeiro: R, Bastos, 1961. p. 33) 199. O Direito “reconhece” atos, fatos ou circunstincias, € somente 0s assim aceitos gozam 0 privilégio da inclusio no sistema, Tal juizo que implica excluséo aparece claramente na definigdo de ato juridico: “O ato juridico € 0 ato licito de vontade capaz de criar, resguardar, transferir, modificar ou extinguir relagdes na érbita do direito. Representa uma 170 Digitalizado com CamScanner Essa idéia de substituir im, da prestagdo de servigos. Determinacte ensoes 8 exemplo 7 ‘erminante ni zy le serv! a i 10 Contra! - tagdo d igo, a qualidade profissional é earner de pres: isso re- Jevante, uma eleigao no pl; ogi daquilo que é fungivel’e oa comportamentos, ¢ dé a A nogao que distingue os aoa hiram miveis leva em conta a duracio des bene nao consu- respectivo uso, a consuntibilidade, ae ee oy bens cujo uso fisico ou jurfdico acarreta a ene ilidade; substancia. Nao se cogita mais apenas do oan tido, ma eo objeto almejado, enfim, do direito a ter patrimé- Uestbs Gate Wearrcat cdeursss Pie ie waa da : icdo juridica de uma dada coisa. O fato de o bem ser consumivel, ou seja, ser destrutivel logo no primeiro uso, no sentido juridico ou nao, é relevante para a atribuicao de direitos. Um exemplo repercute nos direitos reais: usufruto que recai sobre determinados bens que devem ser devolvidos ao fim do usufruto. A configuragao do usufruto convive com a idéia de consuntibilidade. Tanto : é assim que, se houver usufruto de coisa que se destréi pelo | de usufruto dito impréprio. O usufruto m a destruicao pelo uso exercicio, trata-se propriamente dito nao compactua co! durante o perfodo desse exercicio. E essa ordem de idéias que se conecta a compreensao diferenciada do préprio sentido do patriménio, como objeto de direitos subjetivos. a0 individuo capaz de, rdenamento juridico confere ade, criar relagdes 2 que o dieito empresta im com a ordem social”. (RODRI- do Paulo: Saraiva, 1981. v. ly P prerrogativa que 0 © por intermédio de sua vont validade, uma vez. que elas se conforme GUES, Silvio. Direito Civil aplicado. 156.) i neo, como desta- 200, Ruptura e mudanca sinalizam emporai empo cont ; ae mia reformista sinala a tendé: rio: “ ‘bate aos privilégios assir ndénc n ca Cao ar: "combs #2 ar SI DY” Civil, 13, ed. Rio de Janeiro: Forens® 1998. v. 4, p- 7.) 17 Digitalizado com CamScanner pretensio”! de discipli- tes ao objeto, mas um {dica, muito E claro que o Cédigo Civil tema nar todas essas circunstincias atinen’= | conjunto significativo escapa da disciplina juri i i aparenta. mais complexa do que aquilo que ; _ Daf por que, sob esse embalo, arrostada a crise € decodi. ficada a base da teoria tradicional, abre-se Dea pensar novos pardmetros que enfrentem tal comp a ade. Vencida a primeira etapa da investigagado em curso, t aa se agora a cena de personagens que buscam propor a retlexao paradigmas contemporaneos. i contundente: “O Cédigo Civil brasi- leiro, um tanto individualista, timido, e menos politico, mais sentimental do que 0s outros, porém mais ‘sociével’ e menos ‘social’ do que deveria ser, serve para que se Ihe descubra a intimidade daquele pensar por si.” Contudo, nao operou, com essa critica, uma reconstrugao metodolégica. ‘Ao contrario, incidiu no mesmo caminho: "Na evolucdo mental (psicol6- gica e demopsicoldgica), 0 empirismo corresponde ao pluralismo das sensacées, ao discreto, ao fragmentério do conhecimento primitivo, de fato em fato, sem perceber o geral; o racionalismo, ao monismo das generalizacées, a0 a priori que a primeira fase nos deu; a ciéncia, que vem depois, é a passagem inteligente, segura, resignada, dos dados em geral. Ora, se queremos regra metodolégica, nao temos de pedi-la a hist6ria, mas a ciéncia jé formada.” (PONTES DE MIRANDA. Fontes e evolugdo do direito civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 9.) Tal critica mantém sua atualidade diante da nova codificagao civil. 201. A critica 8 codificagao civil foi 172 Digitalizado com CamScanner

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