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A Transmutação Do Literário Ao Televisual em Contos Da Meia
A Transmutação Do Literário Ao Televisual em Contos Da Meia
SÃO PAULO
2008
2
SÃO PAULO
2008
3
FICHA CATALOGRÁFICA
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª Drª Anna Maria Balogh, obrigada por ter
gentilmente me acolhido e, com todo o seu conhecimento e experiência, ter me
apontado os rumos para esta pesquisa.
“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas
na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos
inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
(Fernando Sabino).
RESUMO
ABSTRACT
FRANÇOZO. P.E. The transmutation from the literary to the televisual in Contos
da Meia Noite: maintaning the oral narrative. 2008. 134 p. Dissertation (Master's
Degree in Communications) - Universidade Paulista, São Paulo, 2008.
Lista de ilustrações
Pág.
Nº figura Enunciado
34
Figura 1 – Relação contínua entre a oralidade e a escrita ....................................
43
Figura 2 – Os gestos e expressões dos atores ......................................................
43
Figura 3 – Tereza Freire apresenta a cabeça do Programa ..................................
43
Figura 4 – Ambientação dos Programas ................................................................
70
Figura 5 – Os gestos e expressões dos atores ......................................................
71
Figura 6 – Tereza Freire apresenta a cabeça do Programa ..................................
Figura 7 – Cenário com fundo preto e o trabalho de iluminação, sombras e
73
projeções ...............................................................................................
74
Figura 8 – "Cantiga de esponsais": projeções que marcam a temática do conto ..
Figura 9 – Projeções de flores e o besouro pontuam a narrativa de Mário de
75
Andrade .................................................................................................
75
Figura 10 – Projeções de traça: parte circundada ...................................................
77
Figura 11 – O figurino dos atores .............................................................................
Figura 12 – Mudanças constantes nos planos e movimentos de câmera marcam
78
os diferentes personagens nos três contos ..........................................
79
Figura 13 – A perda voluntária do foco expressa dramaticidade às cenas ..............
80
Figura 14 – Variações de câmera dão dinamismo à narrativa .................................
Figura 15 – Mudanças no ponto de vista da câmera mostram os diferentes
81
personagens .........................................................................................
82
Figura 16 – Fusões, textura e projeções reforçam o conflito do protagonista .........
Figura 17 – O emprego do travelling para expressar os sentimentos de mestre
82
Romão ...................................................................................................
83
Figura 18 – O trabalho de iluminação em "Cantiga de esponsais" ..........................
83
Figura 19 – Ênfase no gestual do ator .....................................................................
84
Figura 20 – Cenas iniciais de "O besouro e a Rosa" ...............................................
85
Figura 21 – Alternâncias de planos, luz e projeções ................................................
85
Figura 22 – As três câmeras pontuam o olhar do ator para os "ouvintes da
história" .................................................................................................
86
Figura 23 – Uso do travelling para dar tensão à cena .............................................
86
Figura 24 – O uso da textura denota a ilusão e o engano dos personagens ...........
87
Figura 25 – As câmeras acompanham os gestos de Abujamra ...............................
87
Figura 26 – Alternância das câmeras dá o ponto de vista do narrador e dos
personagens .........................................................................................
88
Figura 27 – Uso abundante de fusões e a iluminação marcam os momentos de
tensão ...................................................................................................
88
Figura 28 – A mudança de Rosa: um clima de mistério às cenas ...........................
89
Figura 29 – Abujamra busca a cumplicidade do espectador ...................................
10
89
Figura 30 – O encerramento do conto .....................................................................
90
Figura 31 – Ponto de vista de dentro da tapeçaria ..................................................
Figura 32 – Gestos e planos de câmera ilustram o diálogo entre os dois
91
personagens .........................................................................................
91
Figura 33 – Inclinamento da câmera demonstra a inquietação do protagonista ......
92
Figura 34 – Primeiro e primeiríssimo planos e a iluminação: atmosfera de
suspense ...............................................................................................
92
Figura 35 – Expressões e gestos do ator para descrever a tapeçaria .....................
93
Figura 36 – Momento de inquietação em "A caçada" ..............................................
93
Figura 37 – Mudanças de plano e projeções pontuam o trecho de tensão do conto
Figura 38 – Trabalho de alteração das três câmeras e ênfase nos gestos de
94
Abujamra ...............................................................................................
94
Figura 39 – Aproximação e alterações dos planos de câmera ................................
95
Figura 40 – O trabalho de câmera traduz os sentimentos do protagonista .............
96
Figura 41 – Clímax do conto: gestos fortes e o uso de fusões e textura .................
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13
5 CONCLUSÃO 107
ANEXOS
ANEXO A – “CANTIGA DOS ESPONSAIS” ......................................................... 113
ANEXO B – “O BESOURO E A ROSA” ................................................................ 117
ANEXO C – “A CAÇADA” ..................................................................................... 122
ANEXO D – PARATEXTUALIDADE ..................................................................... 126
13
1 INTRODUÇÃO
Pode-se verificar nos três Programas da série que compõem o corpus desta
pesquisa - “Cantiga de esponsais” (Anexo A), “O besouro e a Rosa” (Anexo B) e “A
caçada” (Anexo C) – um trabalho altamente elaborado no que diz respeito ao
desempenho dos atores-narradores, a composição dos seus gestuais, expressões
faciais e entonação de voz, bem como sua interação com as câmeras, contribuindo
para o registro dos vários pontos de vista (personagens e narrador) ao longo do
conto exibido.
Contos da Meia Noite foi uma série pensada e concebida em detalhes, nada
nela era por acaso: a ambigüidade do nome, que remete à obra Machadiana e à
toda a mística que esta hora representa; o cenário propositadamente único, com
fundo preto – neutro – conferia ao unitário um ar misterioso, típico da meia noite; a
“cabeça” ou introdução do Programa com seu caráter didático contextualizando o
conto exibido, seu autor e período literário, preparava o espectador para a narrativa
e lhe propiciava um melhor entendimento literário. Além do trabalho primoroso de
efeitos visuais como sombras, fusões e projeções de imagens (que faziam alusão ao
núcleo temático do conto apresentado), iluminação, bem como as trilhas incidentais
e efeitos sonoros empregados nos Programas no sentido de reforçar e pontuar
trechos da narrativa apresentada. Todo este trabalho atribuiu à série características
diferenciadas e qualidade única.
15
igual ao das pessoas mais velhas: usavam e dividiam as roupas e cômodos com os
adultos, faziam os mesmos trabalhos e freqüentavam os mesmos ambientes,
transitando entre os mais velhos, as crianças entravam em contato com tais
narrativas e se sentiam atraídas por este universo. Em outro extrato social, as
governantas vindas da camada popular deram uma contribuição primordial nesse
contexto, narrando contos folclóricos para os filhos dos nobres que ficavam sob seus
cuidados.
compreensível, perde sua força enquanto história e seu poder como veículo de
expressão de uma posição moral. Edgard Allan Poe defende a verossimilhança
como um componente de máxima importância para a ficção.
− pode ser real ou fictícia – tudo está no conjunto de uma mesma ação. “[...] a
ficção freqüentemente se reveste de uma ‘retórica do real’ para obter sua
verossimilhança imaginativa. [...]” (BRUNER, 1997, p. 52). Realidade e ficção não
têm limites precisos, não se referem só ao factual ou possui um compromisso
com o real;
∗
Conto de Lygia F. Telles que faz parte do corpus desta pesquisa.
19
Ambos estabelecem o que se pode constatar – inclusive nas três histórias que
fazem parte do corpus desta pesquisa – que a figura do narrador onipresente e
onisciente é capaz de olhar para a trajetória do protagonista, retratá-la e retirar desta
trajetória todas as lições com as quais vai “ensinar” aos leitores e/ou ouvintes.
Obviamente, tais lições não são, necessariamente, explicitadas ao receptor, mas
podem ficar nas entrelinhas, na forma e no tom como o narrador conta a história
destes personagens.
[...] Assim definido, o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe
dar conselhos: não para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos
casos, como o sábio. Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma
vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a
experiência alheia. O narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo
que sabe por ouvir dizer). [...]. O narrador é o homem que poderia deixar a
luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida.
[...] (BENJAMIN, 1994, p. 221).
− que as ações dos personagens possam criar relações entre estes e dar
andamento à narrativa;
como afirma Nádia Gotlib (1991), atua como uma “explosão” que resultará em uma
realidade muito mais ampla.
Edgar Allan Poe (1973) atesta que o conto é o gênero literário em prosa que
melhor exercita o talento do escritor. Segundo Poe, a narrativa breve do conto
possibilita a sua leitura de uma única vez, sem pausas ou intervenções que podem
anular ou atrapalhar as impressões do leitor sobre a obra, sua concentração; além
de permitir que o escritor desenvolva plenamente suas intenções – sejam elas quais
forem – operando o efeito único e singular, poderá inverter os eventos e combiná-los
da maneira que cause melhor impacto.
Esta diacronia destaca dois tipos: a oralidade mista – entre os séculos X e XIII
– período no qual se destaca o trabalho dos cantores e contadores profissionais. E,
posteriormente (entre os séculos XVII e XIX), a oralidade de segunda, com a
transposição de fábulas, contos e lendas das tradições orais para os livros.
Uma vez que toda sociedade humana possa ser considerada um sistema de
comunicações, deve ser levar em conta a voz e a escrita como as técnicas utilizadas
para a transmissão das mensagens e a forma de diferenciação destas mensagens,
as diversas estruturas sociais, ou, políticas e estéticas.
Aqui serão relatadas algumas destas estruturas que permitirão ilustrar melhor
a importância e a força da oralidade e do contar histórias, bem como a relevância
política, social, cultural e estética da oralidade através dos tempos.
26
[...] No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era
Deus... Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito... [O Verbo] era a
verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. [...] (SÃO JOÃO,
1).
discípulos, como é o caso do cego Niccolo d’ Arezzo que cantava para o povo de
Florença as guerras de Rolando e de outros cavaleiros andantes.
Outra forma de contar era a que, num pequeno grupo aristocrático, uma das
pessoas presentes – homem ou mulher – fazia a leitura para os demais reunidos em
volta.
transmitir, com a sua voz, uma virtude e também transferir uma valentia ancestral
aos guerreiros que se preparavam para o combate.
Na Europa as tradições escritas têm origem a partir do século XI. Porém, até
meados do século XII, a escrita é o único veículo do saber mais elevado, já a voz é
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quem exerce o poder. A partir dos séculos XII e XIII, ocorre o inverso: o poder vem
da escrita e, da voz, a transmissão viva do saber. Nos séculos XV e XVI, até o
século XVII, ambas as forças ainda existiam sem que uma eliminasse totalmente a
outra. Somente a partir desse período irá existir uma oposição entre forma pura – a
Arte e a Ciência – e sujeito, o artista, que exigirá a mediação didática do livro.
O autor opõe-se ao estilo dos Grimm, uma vez que trabalhou mais com
questões trágicas, “numa busca pela fidelidade ao real”. Um claro exemplo, é o final
de Chapeuzinho Vermelho; para os irmãos Grimm a menina e sua avó – engolidas
pelo lobo mau – são resgatadas de sua barriga por um caçador; já na versão do
escritor francês, ambas são devoradas pela fera.
− Chapeuzinho Vermelho;
− Pequeno Polegar;
− Cinderela;
− Gato de Botas;
− Barba Azul.
mudanças de conteúdo moral. Esta obra foi traduzida para 160 línguas.
− Chapeuzinho Vermelho;
− Joãozinho e Mariazinha;
− Pequeno Polegar;
− Branca de Neve;
− Rapunzel;
− O Gato de Botas;
− Cinderela;
− A Bela Adormecida;
− Os músicos de Bremen.
arte de contar histórias (na qual está presente a origem do conto) e a força da
oralidade em suas frentes mais expressivas – a fim de registrar a importância deste
suporte primário (a oralidade) para a elaboração e propagação das narrativas –, por
meio do trabalho de cantores, poetas, jograis e menestréis, alcançando status social
por toda a Europa medieval. E, a partir do século XVII, quando a tradição oral
popular torna-se objeto de estudo e registro por parte de folcloristas, filólogos e
escritores, como é o caso do pioneiro Charles Perrault e dos intelectuais irmãos
Grimm, permitindo-se considerar que os contos e fábulas vindos da tradição oral
possam ter sido um dos primeiros tipos de transmutação, uma vez que foram
recolhidos, adaptados e transpostos da oralidade para o literário.
TRANSMUTAÇÃO NARRATIVAS DA
PARA A TV TADIÇÃO ORAL
=
Maior Alcance de Público
ESCRITOÎORAL ORALÎESCRITO
↓ ↓
Suporte TV Suporte Livro
=
Abrangência do
Conhecimento
Para finalizar, é oportuno colocar o sábio parecer de Lotman, que relata sobre
as mudanças ocorridas nos textos e nos paradigmas culturais através do tempo.
35
1
LOTMAN, Iuri, apud BALOGH, Anna Maria (citação da orelha do livro Conjunções, Disjunções,
Transmutações, 2005), Revista Critérios, La Habana, 1994.
Citação original em espanhol.
36
Este capítulo faz um relato da trajetória do meio televisão e sua relação com o
objeto de estudo desta pesquisa, por meio dos seguintes temas:
− Narrativas seriadas: o unitário – este tópico trata dos tipos de narrativas seriadas
existentes na televisão e seus principais formatos e tipos de programas que
utilizam estes formatos diversos; trata, também, das características e
especificidades do formato unitário – do qual faz parte o Programa Contos da
Meia Noite – e seus diferenciais dentro deste contexto unitário;
− Quem conta um conto ... – faz uma exposição sobre a história (data da estréia e
sua duração), descrição e características da série (atores e autores
participantes), sua recepção junto ao público, crítica e comentários publicados
em veículos impressos e on-line na época de sua exibição;
3.1 TV e oralidade
E com esta missão de contar, a televisão herdou do rádio sua força oral, com
suas mensagens fortemente calcadas na oratória verbal. Como assinala Arlindo
Machado (2000), a disposição da TV para o discurso oral mostra as duas faces de
uma mesma moeda: de um lado leva a televisão para o caminho de produções com
custos mais baixos e que primam pelo gosto popularesco, como os reality shows
39
Embora Contos da Meia Noite não se trate de uma adaptação, mas sim de
uma transposição – como será visto neste capítulo – o que Sandra Reimão coloca é
oportuno, pois ilustra o procedimento de sincretização em que o Programa encontra-
se inserido: a passagem dos sinais e símbolos gráficos do suporte livro para um
conglomerado de imagens e sons do suporte TV. Para que haja esta sincretização, o
Programa opera a transmutação ou tradução inter-semiótica2 a qual se estima a
passagem de um texto caracterizado por uma substância da expressão homogênea
(a palavra) para um texto cujas expressões são heterogêneas, no que diz respeito
ao visual e ao sonoro. É oportuno colocar que neste estudo são usadas duas
expressões para designar o processo de “passagem” do texto literário para o
televisual: transmutação e transposição.
2
O conceito desenvolvido por Roman Jakobson é aplicado por Anna Balogh com muita propriedade para
designar de forma mais abrangente e coerente a operação de adaptação literária para o televisual e
cinema, in Conjunções, Disjunções, Transmutações. Annablume, 2005.
41
que Sandra Reimão se refere como a diferença entre os dois suportes no âmbito da
questão da autoria.
∗
Conforme será explicado mais adiante neste capítulo no tópico Programa Contos da Meia Noite – da
criação ao encerramento de suas exibições.
∗ ∗
Estes componentes serão aprofundados no capítulo 4 que relatará os efeitos audiovisuais do
Programa.
43
que a [hora] meia noite traz consigo, o tom dos narradores ao contar as histórias e a
cor preta sempre presente no cenário, nas roupas de Tereza Freire, nos créditos e
encerramento (Figura 4).
Figura 2 – Os gestos e expressões dos atores Figura 3 – Tereza Freire apresenta a cabeça do
Programa
Outro diferencial do Programa era sua abertura, com uma forte característica
didática, na qual a atriz e apresentadora, Teresa Freire, fazia uma contextualização
da obra transposta em termos de autoria, obra e recepção de público e crítica; como
uma espécie de prefácio ou orelha de livro. Sendo assim, o público cativo e atento
de Contos da Meia Noite – por meio desta introdução – tinha a possibilidade de
traçar comparações e entender melhor os períodos literários, autores e obras,
proporcionando uma melhor compreensão sobre a Literatura Brasileira e seus
principais autores, ao mesmo tempo em que desfrutava de um entretenimento de
qualidade.
[...] às vezes, a leitura de um poema por parte de um ator pode não soar
bem, pelo fato de que o poema pede para ser lido, cantado, gritado ou
simplesmente visto, mas não pede para ser “interpretado”. contém em si
todo seu universo, seu sentido (um deusinho, eu diria) e, também, sua
interpretação. acréscimos o diminuem.ressalva: o grande artista
surpreende. [...] (ALMEIDA, A., 2004).
∗
Weblog - trata-se de qualquer registro freqüente de informações, usado também como diários de Internet,
mas pode ter qualquer tipo de conteúdo e ser utilizado para diversos fins, dentre os quais as pessoas
dão opiniões e comentários sobre os temas apontados na página.
46
[...] com a prosa parece ser diferente. a idéia sendo sempre a mesma,
contar histórias (a menos que o escritor complique as coisas, o que não é
incomum), o ator desliza em campo mais amigável. [...] (ALMEIDA, A.,
2004).
[...] prova disso são os contos da meia noite da tv cultura. programa com
dez minutos diários em que grandes atores brasileiros interpretam alguns
dos nossos melhores contos. já há alguns meses, programo meu vídeo para
gravar as leituras. minha preferida é a maria luísa mendonça. ontem, ela
extrapolou com o conto “aranha”, de orígenes lessa e o visual de mortícia
que lhe cai tão bem. [...]. (ALMEIDA, A., 2004).
[...] ai... agora, to vendo o jô, cada vez mais chatinho - não na forma, mas
no conteúdo - competindo c a carmina burana no som [intervalinho pra
maria bethânia q já estava ficando rouca]... propaganda do big brother 3,
vixe! ver o pedro bial fazendo fofoca de lavadeira em horário nobre é outro
papelão inacreditável. certo, não tenho net, sky e nada desses atenuantes.
não, não desligo a tv. mania, eu tenho uma ilusão, eu e o elvis, q a tv faz
companhia. dá um movimento na casa... mesmo q eu faça uma competição
tão injusta como essa: jô soares x carl orff... [bom, ele perderia pra qqer um
dos meus cds mesmo... agora vai tomar um laço do vitor – o ramil...] [...]
(AMBROSINI, L. B., 2004).
[...] anyway, tdo isso é só pra dizer q tem um programa surreal perdido na
tv. contos da meia noite. todo dia, como o nome diz, à meia noite, um conto
de pesos pesados da literatura brasileira é apresentado por um peso
pesado das artes dramáticas. vale pra qdo vc estiver a essa hora de bobeira
em casa. tv cultura, of course. já ouvi, mario de andrade, orígenes lessa,
rubem fonseca [o mestre], e outros q eu ainda não conhecia [assim vou
domando a minha ignorância...]. acabo de assistir a julia gam apresentar o
solfieri, do álvares de azevedo. [maldito, q eu aprecio tanto. aliás, como
todos os da geração dele.] [...] (AMBROSINI, L. B., 2004).
21/04/2004 - 04h00
Análise: TV pública deve mostrar independência
ESTHER HAMBURGER especial para a Folha de S.Paulo
A TV pública no Brasil é mais importante do que parece e deveria oferecer
parâmetros independentes de governos e anunciantes.
Em um momento em que as emissoras comerciais, em crise financeira, se dedicam
a repetir fórmulas superficiais e sensacionalistas, caberia às TVs públicas –
estaduais e federais – atender o interesse dos espectadores.
Acompanhamos apreensivos mais um capítulo na crise da TV Cultura. O conselho
da Fundação Padre Anchieta, que mantém o canal de televisão e as emissoras de
rádio, optou, na última segunda-feira, por evitar o confronto entre o atual presidente,
candidato a um terceiro mandato, e o ex-Secretário da Cultura do Estado, seu antigo
superior, que lhe opôs resistência.
O que chegou a ser anunciado como um embate entre defensores de concepções
diferentes da coisa pública acabou em um acordo de cavalheiros.
Uma rápida mudança de estatutos garantiu a criação de remuneração para o
Presidente do Conselho, abrindo a possibilidade de acomodação dos dois
candidatos. As eleições foram adiadas para o dia 10 de maio.
Certamente bem-intencionado, o Conselho Curador composto por representantes de
organismos estaduais e municipais ligados à educação e à cultura, além de
personalidades, se dispôs a colaborar mais intensamente com a emissora.
O comunicado oficial da reunião, à qual compareceram 32 dos 40 membros,
menciona comissões consultivas de trabalho compostas por profissionais idôneos e
de reconhecida competência. Uma lista completa dos membros do Conselho
Curador está disponível no site da emissora (www.tvcultura.com.br).
Infelizmente, no entanto, nada foi mencionado quanto ao programa de gestão e/ou o
conceito de programação que se pretende com a reformulação. O modelo de
parceria funciona? Programações de qualidade como "Contos da Meia-Noite"
deveriam ser pensadas para o horário nobre?
Na ausência de conteúdos substantivos, a criação do cargo remunerado aparece
como a informação mais relevante, o que é constrangedor.
A sociedade espera que o Conselho da Fundação Padre Anchieta e os candidatos à
direção tomem a iniciativa de propor rumos substantivos para superar uma crise que
se arrasta.
Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP.
50
A série Contos da Meia Noite foi produzida entre os anos de 2002 – com um
período de interrupção – 2003 e 2004, perfazendo um total de oitenta de nove
contos produzidos e exibidos, estreando no dia 8 de dezembro de 2003.
O programa foi concebido pelo vídeo maker mineiro Eder Santos que
inicialmente apresentou à TV Cultura um projeto para um interprograma (programete
exibido nos intervalos comerciais) com poesias. Mas por questões ligadas ao SBAT
(Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), direitos autorais e também pelo fato de a
poesia sofrer algumas resistências por parte do público, buscou-se uma alternativa,
uma evolução em relação à idéia inicial; Walter Silveira – na época o diretor de
51
O nome do programa foi criado por Eder Santos e Walter Silveira e Fernando
Martins acha excelente a idéia de ambigüidade que “Contos da Meia Noite” possui,
fazendo uma alusão à obra Machadiana. Inclusive, o selecionador (amante confesso
da obra do escritor), alega que – com exceção de Paulo César Pereio – deu a todos
os atores ao menos um conto de Machado de Assis para interpretar.
Por outro lado, Fernando revela que a questão da cessão dos direitos autorais
para o Programa teve suas particularidades, pois havia circunstâncias variadas: em
alguns casos os próprios autores detinham seus direitos; outros, a editora e, ainda,
situações em que autores já falecidos os detentores dos direitos autorais são os
seus familiares/herdeiros. E o selecionador relata que houve ocasiões em que não
foi possível a exibição de determinados contos, por questões orçamentárias, pois a
Fundação Padre Anchieta dispunha de poucos recursos para pagar direitos autorais
que “extrapolavam” o orçamento do Programa. Como foi o caso de Guimarães Rosa,
cujas filhas queriam um valor elevado para a cessão dos direitos do escritor e de
Graciliano Ramos – não pela cobrança de uma alta soma pelos familiares –, mas por
questões burocráticas no espólio do autor. Já os herdeiros de autores como
Monteiro Lobato e Mário Neme, foram amplamente receptivos ao projeto, assim
∗
Na prática existem Programas mais extensos, com média de duração de dez a vinte minutos, incluindo a
introdução (cabeça) do Programa.
52
A equipe era muito enxuta com três pessoas que vinham de Belo Horizonte: o
próprio Eder Santos – que ficava no switcher –, Marcelo Braga, que conferia os
textos, pois não havia roteiros e Evandro Rogers, diretor de cena (e fotografia), além
de Fernando Martins – responsável pela seleção dos contos – e alguns poucos
funcionários da TV Cultura de apoio à produção.
com roupas alusivas à narrativa apresentada, uma vez que a sugestão para tal foi da
própria atriz.
Quanto à escolha dos escritores, a seleção foi realizada, sobretudo, pelo nível
de excelência e qualidade dos autores. Foram eleitos aqueles cujas obras são de
extrema relevância em nossa literatura.
− O ator Raul Cortez ficou entusiasmado com o projeto e quis participar de Contos
da Meia Noite. Na ocasião isso não foi possível, pois a emissora estava
aguardando recursos para voltar a produzir os Programas. Tempos depois a
agenda de Raul não batia com as datas das gravações e ele nunca gravou ...
− Walter Silveira, após ter todos os programas gravados, fez uma parceria com a
Editora Abril e a Imprensa Oficial do Estado para a comercialização em bancas
de jornal de Contos da Meia Noite. O material seria composto por um livro com o
texto do autor (a princípio os de domínio público), com uma explanação sobre
autor e obra, entre outros dados, elaborada pelo corpo pedagógico da Editora
Abril e o DVD, com o respectivo conto exibido no Programa. A parceria envolvia a
Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, que entraria com o DVD, a Editora Abril,
com o conteúdo do livro pedagógico e a Imprensa Oficial do Estado faria a
impressão do material. Tinham sido selecionados os dez primeiros contos que
formariam o 1º volume da coleção. Entretanto, com a chegada de Marcos
Mendonça na direção da emissora, o projeto foi cancelado, sendo que já havia
sido confeccionado um “boneco” (protótipo) do 1º volume, que apenas aguardava
aprovação final para a impressão e posterior comercialização.
3
Fonte: Site TV Cultura.
60
Tabela 2 – Sexo
Sexo Porcentagem
Masculino 48%
Feminino 52%
[...] O locutor postula esta compreensão responsiva ativa: o que ele espera,
não é uma compreensão passiva que, por assim dizer, apenas duplicaria
seu pensamento no espírito do outro, o que espera é uma resposta, uma
concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução, etc. [...]
(BAKHTIN, 2000, p. 291)
Este capítulo tem por objetivo fazer uma análise de conteúdo dos recursos
audiovisuais presentes no Programa. Tais recursos – diferentemente de outros
formatos televisivos – se prestam a ancorar o texto narrado e servem para enfatizar
e apoiar determinadas passagens do conto. O recorte para a realização desta
pesquisa é formado por três contos da série cujos autores são nomes de grande
relevo da Literatura Brasileira, pertencentes a épocas e períodos literários distintos:
− “A caçada” – Lygia Fagundes Telles – conto que integra o livro Antes do Baile
Verde de 1965.
− Rosa – heroína do conto de Mário de Andrade – moça muito ingênua, tem medo
e se recusa a casar com João, um padeiro apaixonado, o “bom moço”. Mas
transforma-se totalmente após o ataque do besouro; termina a história casando-
se com o pior dos homens, Pedro Mulatão, um bêbado e cafajeste e, como o
próprio narrador conta, foi muito infeliz.
Esta é, também, a razão pela qual os três contos foram selecionados para
fazer parte do corpus desta pesquisa. São narrativas pautadas por temas instigantes
e originais, cujos componentes principais são o mistério e a solidão. Tecidas de
forma criativa e envolvente, as três narrativas conseguem extrair da essência
humana sentimentos que falam a todas as pessoas, que suscitam em seus leitores e
ouvintes/espectadores elementos que operam e nutrem sentimentos e mitos como o
medo, o fracasso, o belo e o feio, o bom e o mau, a dor, a solidão, a tristeza, o
casamento, o desespero e a morte.
maestro habilidoso em reger composições alheias, mas sem a menor vocação para
criar as próprias, ou ainda, pode-se fazer a seguinte indagação: “Quem já não
conheceu um ‘mestre Romão’?”; trata-se de uma ficção perfeitamente crível. Em “O
besouro e a Rosa” permite-se imaginar uma história que pode ser a mescla de
fantasia e realidade. Teria mesmo existido uma “Rosa”, que de uma decepção
sofrida (leia-se na história de Mário de Andrade ser deflorada por um besouro!)
decidiu se entregar a um cafajeste, a um Pedro Mulatão? Já o conto “A caçada” traz
a marca da ficção em toda a sua construção, mas é de uma riqueza narrativa
imensa na qual o fantástico vai envolvendo o leitor e tornando a narrativa
completamente verossímil, realizando o que Bruner coloca sobre a especialização
da narrativa em construir ligações entre o excepcional e o comum.
De fato, nestas histórias é o narrador que fica bem. Como visto no segundo
capítulo, Bruner fala sobre o objetivo das narrativas ser, antes de tudo, o de explicar
e tais explicações nem sempre são condescendentes com o protagonista retratado,
mas sim o narrador que sai melhor. Nos três contos o narrador relata os fatos, mas
não participa das tragédias dos protagonistas. No caso de “O besouro e a Rosa”, a
postura do narrador (na figura do ator Antônio Abujamra) é até bem irônica ao contar
as desventuras da jovem Rosa.
produtos diferenciados, que saem da linha de produção e das mesmices vistas nas
grandes emissoras.
Este quarto capítulo, conta ainda, com informações obtidas por meio de uma
entrevista por telefone – realizada em 03 de março de 2008 – com Evandro Rogers,
um dos proprietários da produtora mineira responsável pela finalização de Contos da
Meia Noite, a Emvideo. Evandro foi sócio de Eder Santos por vinte anos e (junto
com ele) um dos idealizadores do Programa, além de assumir a direção de fotografia
da série.
[...] Las estructuras no son cosas inertes ni objetos estabes. Surgen a partir de
una relación que se estabelece entre el observador y el objeto (...) Al contacto
con mi pregunta es cuando las estructuras se manifestan y se hacen sensibles
en un texto fijado hace mucho sobre la página del libro. Los diversos tipos de
lectura eligen y sacan del texto estructuras “preferenciales”. [...]4
(STAROBINSKY).
uma nova forma ou suporte: a televisão, na qual se tem uma atualização destes
planos de conteúdo e de expressão a partir das escolhas realizadas em termos de
som, imagem, palavra (oral), luz, etc. Trata-se de estruturas narrativas que possuem
um código comum, o que justamente favorece a transposição do literário para o
televisual.
Contos da Meia Noite tem por base o formato unitário e, na verdade, opera
com a própria natureza do gênero conto: unidade de tempo, lugar e ação e o foco
voltado para um elemento, personagem, acontecimento/situação e emoção. Além
disso, há um único ator para interpretar a história e a espacialização emprega um
espaço único, tópico e utópico.
71
[...] Quando João soube que a Rosa ia casar teve um desespero na barriga.
Saiu tonto para espairecer. Achou companheiros e se meteu na caninha.
[...] sentado na guia da calçada [...] podre de bebedeira. [...] Ele partiu
chorando alto, falando que não tinha a culpa. Depois deitou-se no capim
duma travessa e dormiu. [...] Dor-de-cabeça, gosto ruim na boca... E a
vergonha.”
– o parágrafo que descreve as mazelas de João é extremamente grande na história
Neste conto, porém, o ator acrescenta uma frase que não faz parte do texto
original: “Pedro Mulatão era um infame, até gatuno, Deus me perdoe! Rosa não
escutou nada. [Ela queria Pedro Mulatão]. Bateu o pé.” A frase em destaque não
faz parte da obra original de Mário de Andrade, foi acrescentada ao texto para que o
ator-narrador desse maior ênfase à situação em que a protagonista irá ingressar.
Dentro dessa organização proposta por Dondis, têm-se nos três Programas a
presença da instabilidade, uma vez que as projeções concorrem para uma
formulação visual extremamente inquietante e provocadora, bem como a
irregularidade, que busca dar ênfase ao insólito e ao inesperado. Há, ainda, a
fragmentação, na qual existe uma decomposição dos elementos visuais em partes
separadas, conservando sua individualidade, mas que mantém uma relação entre si.
As projeções caracterizam-se, também, pela espontaneidade, cuja técnica traz
emoção, impulsividade e liberdade. Além disso, perceber-se a existência da ênfase,
que procura realçar apenas um elemento contra um fundo em que predomina a
uniformidade. Pode-se considerar, também, que as fusões de imagens são
responsáveis por denotar, nas três narrativas, os estados passionais dos
personagens.
como o diálogo entre estes personagens. Havia um trabalho de direção para que os
atores interagissem com as câmeras, todo o tempo, com o objetivo de expressar
estes pontos de vista.
Nos três Programas há mudanças rápidas e constantes de planos e nos
movimentos das três câmeras que vão se alternando para marcar as falas dos
personagens e as do narrador, como também, para dar o tom da história e sublinhar
passagens que necessitam de ênfase (Figura 12). Observa-se, neste trabalho de
câmera, um jogo com a terceira dimensão do espaço para a obtenção de um efeito
dramático. Estas alterações constantes (presentes nos três Programas analisados)
modificam a todo instante o ponto de vista do espectador sobre a cena e, segundo
Martin (2003), exercem um papel semelhante ao da montagem (em se tratando de
cinema), além de ser um dos elementos essenciais que confere estilo à obra.
[...] Quando o homem intervém, coloca-se, por menor que seja, o problema
daquilo que os estudiosos chamam de equação pessoal do observador, ou
seja, a visão particular de cada um, suas deformações e suas
interpretações, mesmo que inconscientes. Com muito mais razão, quando o
diretor pretende fazer uma obra de arte, sua influência sobre a coisa filmada
é determinante e, através dele, o papel criador da câmera (...) é
fundamental. [...] (MARTIN, 2003, p. 24).
Há várias cenas nos três Programas nas quais são utilizadas o primeiro plano
do rosto humano. Este recurso é mais adequado para expressar o poder de
significação psicológico e dramático do conto apresentado. O primeiro plano do rosto
é, neste caso, o ponto de vista do espectador por intermédio da câmera, é utilizado,
também, um enquadramento anormal, no qual existe o objetivo de passar impressão
de desconforto e angústia diante do fato narrado. E, como assinala Martin, (2003, p.
39): “[...] a câmera sabe bem esquadrinhar as fisionomias, lendo nelas os dramas
mais íntimos [...]”.
O conto inicia com o ator entrando em cena – plano médio – como se fosse o
regente de uma orquestra: “Imagine a leitora que em 1813, na Igreja do Carmo,
ouvindo uma daquelas boas festas antigas, que eram em todo o recreio público e
toda a arte musical” e, em seguida, o plano de conjunto (ou médio) alterna-se com
closes do narrador, que variam entre o lado esquerdo e direito, conferindo
dinamismo à cena (Figura 14).
[..] – Pai José, disse ele ao entrar, sinto-me hoje adoentado. [...]
[...] – Sinhô comeu alguma coisa que fez mal... [...]
É importante ressaltar que em várias dessas cenas há, também, o jogo com
as projeções de partituras e violoncelo, texturas e fusões de imagens, marcando
partes do conto em que o conflito do protagonista é evidente, sugerindo o mesmo
sentimento ao espectador (Figura 16):
[...] Nada, não passava adiante. E, contudo, ele sabia música como gente.
[...]
[...] Mestre Romão, ofegante da moléstia e de impaciência, tornava ao
cravo, mas a vista do casal lhe suprira a inspiração, e as notas seguintes
não soavam. [...]
No que diz respeito ao emprego das luzes, em certas passagens deste conto
é operado de modo a dar impressão de uma apresentação musical (no começo do
Programa, como visto na Figura 14). Há a presença de uma luz branca ao fundo do
cenário que ocupa o canto esquerdo do quadro, conferindo às cenas uma atmosfera
83
Na passagem do conto: “Rosa viera para a companhia delas aos sete anos
quando lhe morreu a mãe. Morreu ou deu a filha que é a mesma coisa que morrer.”
– há uma pequena distorção e um aumento na imagem do rosto do narrador. A
ênfase neste trecho da narrativa dá pistas ao espectador de um dos principais
fatores que marca a personalidade de Rosa. Os planos de câmera vão se alternando
à medida que o narrador descreve a protagonista com plano americano, projeções
de luz sobre o ator, passando para um plano mais descritivo (plano médio) e o plano
geral, deixando à mostra o cenário (Figura 21).
85
[...] Quando descobriu que não podia mais viver sem a Rosa, confessou
tudo pro pai.
– Pois casa, filho. É rapariga boa, não é?
– É, meu pai.
– Rosa!
– Vem cá!
– Já vou, sim senhora! [...]
[...] Foi então que João pôs reparo na mudança da Rosa. Estava outra.
Inteiramente mulher com pernas bem delineadas e dois seios agudos se
contando na lisura da blusa que nem rubi de anel dentro da luva. [...]
87
[...] Mas daí em diante não jogou mais os pães no passeio. Esperava que a
Rosa viesse buscá-los da mão dele.
– Bom dia!
– Bom dia. Por que não atirou?
– É... Pode sujar.
– Até amanhã.
– Até amanhã, Rosa!”
– Rosa, olhe aqui. O moço veio pedir você em casamento.
– Pedir o quê!...
– O moço diz que quer casar com você. [...]
A partir da mudança de Rosa, após ser atacada pelo besouro, o ritmo das
fusões de imagens e das mudanças de câmera são impostas pelo clima de mistério
que domina esta parte da narrativa (Figura 28):
[...] Agora caminha mais pausado. Traz uma serenidade nunca vista ainda
na comissura dos lábios. [...] Com efeito Rosa mudou. É outra Rosa. É uma
Rosa aberta. [...]. Dona Carlotinha tem medo de lhe perguntar si passou
bem a noite. Dona Ana tem medo de lhe aconselhar que descanse mais. [...]
∗
Esta frase não consta no texto original de Mário de Andrade.
90
4.3.5 “A caçada”
A narrativa de Lygia Fagundes Telles tem efeitos visuais mais comedidos (se
comparado aos outros dois contos aqui analisados), possui um destaque maior na
interpretação de Antônio Abujamra e no emprego das câmeras. Os gestos do ator,
bem como os planos, movimentos e ângulos de câmera, além da iluminação,
demonstram que, neste Programa, optou-se por uma produção e atuação mais
“artesanais”, lembrando a figura tradicional do contador de histórias.
[...] A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus
panos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas dos dedos, o
homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou vôo e foi
chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas. [...]
[...] – O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la.
– Parece que [hoje] está mais nítida...
– Nítida? – repetiu a velha, pondo os óculos.
– As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela? [...]
– Não, não passei nada, essa tapeçaria não agüenta a mais leve escova, o
senhor não vê? [...]
[...] Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado,
apontando para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o
segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque [...]
[...] – Parece que hoje tudo está mais próximo – disse o homem em voz
baixa. – É como se... Mas não está diferente?
A velha firmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los.
– Não vejo diferença nenhuma.
– Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta.
– Que seta? O senhor está vendo alguma seta? [...]
93
[...] E por que tudo parecia mais nítido do que na véspera, por que as cores
estavam mais fortes apesar da penumbra? Por que o fascínio que se
desprendia da paisagem vinha assim vigoroso, rejuvenescido? [...]
[...] Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. [...]
Sentiu o corpo moído, as pálpebras pesadas. [...] Levantou a gola do paletó.
Era real esse frio? Ou a lembrança da tapeçaria? ‘Que loucura!... E não
estou louco’ [...].
94
Figura 38 – Trabalho de alteração das três câmeras e ênfase nos gestos de Abujamra
[...] Seus dedos afundaram por entre os galhos e resvalaram pelo tronco de
uma árvore [...]: penetrara na tapeçaria [...]
– chegando ao clímax do conto e, conseqüentemente, na aceleração do ritmo da
narrativa:
“Era o caçador ou a caça? Não importava, não importava sabia apenas que
tinha que prosseguir [...] caçando ou sendo caçado. ‘Não... ’ – gemeu, de
joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos
apertando o coração. [...]
Constata-se que tais efeitos e/ou trilhas são responsáveis pela demarcação
do ritmo e por intensificar alguns trechos da narrativa, contudo sem que tais recursos
se sobreponham ao texto narrado e à voz dos atores.
[...] Chama-se Romão Pires; terá sessenta anos, não menos, nasceu no
Valongo, ou por esses lados. É bom músico e bom homem; todos os
músicos gostam dele. Mestre Romão é nome familiar, e dizer familiar e
público era a mesma coisa em tal matéria e naquele tempo. [...]
[...] – Bom-dia!
– Bom-dia. Por que não atirou?
– É... pode sujar.
– Até amanhã.
– Até amanhã, Rosa! [...]
[...] As informações são as que a gente imagina, péssimas. [...]. Rosa chora.
[...]. Dona Ana e dona Carlotinha cedem com a morte na alma. [...] As duas
solteironas choraram muito quando ela partiu casada e vitoriosa [...]. Rosa
foi muito infeliz. [...]
[...] Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. [...]
Sentiu o corpo moído, as pálpebras pesadas. [...] Levantou a gola do paletó.
Era real esse frio? Ou a lembrança da tapeçaria? ‘Que loucura!... E não
estou louco’ [...].
O clímax da história é marcado por um narrador que alterna entre uma voz
sóbria e desesperada, até a conclusão da narrativa:
“Cantiga de esponsais”
“[...] a causa da melancolia de mestre Romão era não poder compor, não
possuir um meio de traduzir o que sentia.” Nesta passagem em que é relatada a
tristeza do personagem principal em não ter vocação para compor suas próprias
músicas, ocorre uma inversão dos instrumentos que fazem parte da trilha incidental,
na qual o violoncelo faz o solo e o cravo o acompanhamento, conferindo um tom de
sofrimento que traduz o sentimento do protagonista.
“O besouro e a Rosa”
Esta narrativa tem o seu começo pontuado por uma seqüência de notas de
um acordeom, que à medida que a protagonista, Rosa, é apresentada passa a se
alternar com uma mistura de outros instrumentos, dos quais se destaca o som de um
piano.
“A caçada”
Na parte do conto em que o personagem começa a ter uma visão mais clara
da tapeçaria entra o som de uma harpa – que a princípio é dedilhada – denotando a
intenção de uma revelação, que é explicitada na fala do personagem: “Parece que
[hoje] está mais nítida...”
“Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. Parou meio
ofegante na esquina.” É um momento do conto em que o protagonista está
atormentado e cheio de dúvidas. Os efeitos sonoros saem de cena e há um aumento
na freqüência da trilha incidental, cujo som que mais se destaca é o glissando
vigoroso da harpa.
5 CONCLUSÃO
Por meio desta pesquisa concluiu-se, também, que a série Contos da Meia
Noite no período em que foi exibida trouxe contribuições sociais importantes, tais
como a conservação e a propagação da oralidade em sua concepção mais próxima
à contação de histórias tradicional, acrescida de recursos audiovisuais. Apresentou
literatura nacional de qualidade a um maior número de pessoas, ainda que em uma
108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATAÍDE, V.P. Narrativa de Ficção. São Paulo: MacGraw-Hill do Brasil, 1974. p. 15-
20, 49-50, 91-97.
BAKHTIN, M.M. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000. p. 279-358.
DONDIS, D.A. Sintaxe da linguagem visual. 2. ed, São Paulo: Martins Fontes,
1997. Capítulo 6. p. 132-160.
GOTLIB, N.B. Teoria do Conto. 6. ed, São Paulo: Editora Atlas, 1991, 95 p.
110
MACHADO, A. A televisão levada a sério. São Paulo: SENAC, 2000. p. 68-75; 85-
87; 98-203.
______ . A arte do vídeo. 3. ed, São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 15-17; 50-53; 89;
116-136.
MARIA, L. O que é conto. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 8-23, 39-40, 53-54, 65,
84-86, 91, 96.
POE, E.A. Hawthorne (Twice-Told Tale). In: Ensayos y Criticas. Madrid: Alianza
Editorial, 1973. p. 125-141.
Audiovisuais
Webgrafia
Artigos
Websites e Weblogs:
CANTIGA DE ESPONSAIS
Imagine a leitora que está em 1813, na igreja do Carmo, ouvindo uma daquelas
boas festas antigas, que eram todo o recreio público e toda a arte musical. Sabem o
que é uma missa cantada; podem imaginar o que seria uma missa cantada daqueles
anos remotos. Não lhe chamo a atenção para os padres e os sacristães, nem para o
sermão, nem para os olhos das moças cariocas, que já eram bonitos nesse tempo,
nem para as mantilhas das senhoras graves, os calções, as cabeleiras, as sanefas,
as luzes, os incensos, nada. Não falo sequer da orquestra, que é excelente; limito-
me a mostrar-lhes uma cabeça branca, a cabeça desse velho que rege a orquestra,
com alma e devoção.
Chama-se Romão Pires; terá sessenta anos, não menos, nasceu no Valongo, ou por
esses lados. É bom músico e bom homem; todos os músicos gostam dele. Mestre
Romão é o nome familiar; e dizer familiar e público era a mesma coisa em tal
matéria e naquele tempo. "Quem rege a missa é mestre Romão" — equivalia a esta
outra forma de anúncio, anos depois: "Entra em cena o ator João Caetano"; — ou
então: "O ator Martinho cantará uma de suas melhores árias." Era o tempero certo, o
chamariz delicado e popular. Mestre Romão rege a festa! Quem não conhecia
114
mestre Romão, com o seu ar circunspecto, olhos no chão, riso triste, e passo
demorado? Tudo isso desaparecia à frente da orquestra; então a vida derramava-se
por todo o corpo e todos os gestos do mestre; o olhar acendia-se, o riso iluminava-
se: era outro. Não que a missa fosse dele; esta, por exemplo, que ele rege agora no
Carmo é de José Maurício; mas ele rege-a com o mesmo amor que empregaria, se a
missa fosse sua.
Acabou a festa; é como se acabasse um clarão intenso, e deixasse o rosto apenas
alumiado da luz ordinária. Ei-lo que desce do coro, apoiado na bengala; vai à
sacristia beijar a mão aos padres e aceita um lugar à mesa do jantar. Tudo isso
indiferente e calado. Jantou, saiu, caminhou para a rua da Mãe dos Homens, onde
reside, com um preto velho, pai José, que é a sua verdadeira mãe, e que neste
momento conversa com uma vizinha.
— Mestre Romão lá vem, pai José, disse a vizinha.
— Eh! eh! adeus, sinhá, até logo.
Pai José deu um salto, entrou em casa, e esperou o senhor, que daí a pouco
entrava com o mesmo ar do costume. A casa não era rica naturalmente; nem alegre.
Não tinha o menor vestígio de mulher, velha ou moça, nem passarinhos que
cantassem, nem flores, nem cores vivas ou jocundas. Casa sombria e nua. O mais
alegre era um cravo, onde o mestre Romão tocava algumas vezes, estudando.
Sobre uma cadeira, ao pé, alguns papéis de música; nenhuma dele...
Ah! se mestre Romão pudesse seria um grande compositor. Parece que há duas
sortes de vocação, as que têm língua e as que a não têm. As primeiras realizam-se;
as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a
ausência de um modo de comunicação com os homens. Romão era destas. Tinha a
vocação íntima da música; trazia dentro de si muitas óperas e missas, um mundo de
harmonias novas e originais, que não alcançava exprimir e pôr no papel. Esta era a
causa única da tristeza de mestre Romão. Naturalmente o vulgo não atinava com
ela; uns diziam isto, outros aquilo: doença, falta de dinheiro, algum desgosto antigo;
mas a verdade é esta: — a causa da melancolia de mestre Romão era não poder
compor, não possuir o meio de traduzir o que sentia. Não é que não rabiscasse
muito papel e não interrogasse o cravo, durante horas; mas tudo lhe saía informe,
sem idéia nem harmonia. Nos últimos tempos tinha até vergonha da vizinhança, e
não tentava mais nada. E, entretanto, se pudesse, acabaria ao menos uma certa
peça, um canto esponsalício, começado três dias depois de casado, em 1779. A
115
mulher, que tinha então vinte e um anos, e morreu com vinte e três, não era muito
bonita, nem pouco, mas extremamente simpática, e amava-o tanto como ele a ela.
Três dias depois de casado, mestre Romão sentiu em si alguma coisa parecida com
inspiração. Ideou então o canto esponsalício, e quis compô-lo; mas a inspiração não
pôde sair. Como um pássaro que acaba de ser preso, e forceja por transpor as
paredes da gaiola, abaixo, acima, impaciente, aterrado, assim batia a inspiração do
nosso músico, encerrada nele sem poder sair, sem achar uma porta, nada. Algumas
notas chegaram a ligar-se; ele escreveu-as; obra de uma folha de papel, não mais.
Teimou no dia seguinte, dez dias depois, vinte vezes durante o tempo de casado.
Quando a mulher morreu, ele releu essas primeiras notas conjugais, e ficou ainda
mais triste, por não ter podido fixar no papel a sensação de felicidade extinta.
— Pai José, disse ele ao entrar, sinto-me hoje adoentado.
— Sinhô comeu alguma coisa que fez mal...
— Não; já de manhã não estava bom. Vai à botica...
O boticário mandou alguma coisa, que ele tomou à noite; no dia seguinte mestre
Romão não se sentia melhor. É preciso dizer que ele padecia do coração: —
moléstia grave e crônica. Pai José ficou aterrado, quando viu que o incômodo não
cedera ao remédio, nem ao repouso, e quis chamar o médico.
— Para quê? disse o mestre. Isto passa.
O dia não acabou pior; e a noite suportou-a ele bem, não assim o preto, que mal
pôde dormir duas horas. A vizinhança, apenas soube do incômodo, não quis outro
motivo de palestra; os que entretinham relações com o mestre foram visitá-lo. E
diziam-lhe que não era nada, que eram macacoas do tempo; um acrescentava
graciosamente que era manha, para fugir aos capotes que o boticário lhe dava no
gamão, — outro que eram amores.
Mestre Romão sorria, mas consigo mesmo dizia que era o final.
— Está acabado, pensava ele.
Um dia de manhã, cinco depois da festa, o médico achou-o realmente mal; e foi isso
o que ele lhe viu na fisionomia por trás das palavras enganadoras: — Isto não é
nada; é preciso não pensar em músicas...
Em músicas! justamente esta palavra do médico deu ao mestre um pensamento.
Logo que ficou só, com o escravo, abriu a gaveta onde guardava desde 1779 o
canto esponsalício começado. Releu essas notas arrancadas a custo e não
116
concluídas. E então teve uma idéia singular: — rematar a obra agora, fosse como
fosse; qualquer coisa servia, uma vez que deixasse um pouco de alma na terra.
— Quem sabe? Em 1880, talvez se toque isto, e se conte que um mestre Romão...
O princípio do canto rematava em um certo lá; este lá, que lhe caía bem no lugar,
era a nota derradeiramente escrita. Mestre Romão ordenou que lhe levassem o
cravo para a sala do fundo, que dava para o quintal: era-lhe preciso ar. Pela janela
viu na janela dos fundos de outra casa dois casadinhos de oito dias, debruçados,
com os braços por cima dos ombros, e duas mãos presas. Mestre Romão sorriu com
tristeza.
— Aqueles chegam, disse ele, eu saio. Comporei ao menos este canto que eles
poderão tocar...
Sentou-se ao cravo; reproduziu as notas e chegou ao lá....
— Lá, lá, lá...
Nada, não passava adiante. E contudo, ele sabia música como gente.
— Lá, dó... lá, mi... lá, si, dó, ré... ré... ré...
Impossível! nenhuma inspiração. Não exigia uma peça profundamente original, mas
enfim alguma coisa, que não fosse de outro e se ligasse ao pensamento começado.
Voltava ao princípio, repetia as notas, buscava reaver um retalho da sensação
extinta, lembrava-se da mulher, dos primeiros tempos. Para completar a ilusão,
deitava os olhos pela janela para o lado dos casadinhos. Estes continuavam ali, com
as mãos presas e os braços passados nos ombros um do outro; a diferença é que
se miravam agora, em vez de olhar para baixo.
Mestre Romão, ofegante da moléstia e de impaciência, tornava ao cravo; mas a
vista do casal não lhe suprira a inspiração, e as notas seguintes não soavam.
— Lá... lá... lá...
Desesperado, deixou o cravo, pegou do papel escrito e rasgou-o. Nesse momento, a
moça embebida no olhar do marido, começou a cantarolar à toa, inconscientemente,
uma coisa nunca antes cantada nem sabida, na qual coisa um certo lá trazia após si
uma linda frase musical, justamente a que mestre Romão procurara durante anos
sem achar nunca. O mestre ouviu-a com tristeza, abanou a cabeça, e à noite
expirou.
117
ANEXO C – “A Caçada”
123
124
125
126
ANEXO D – PARATEXTUALIDADE
Contos à meia-noite
Sei que não deveria, mas vou explicar do que se trata: à meia-noite (como parece
óbvio) um ator lê um conto. Não posso dizer que todos os contos são bons, ou que a
escolha dos atores é digna de nota, nem nada disso. Só assisti o programa uma vez,
e foi às 00:00 de hoje, quando Antônio Abujamra (que não me agrada muito, na
verdade, mas dessa vez se saiu muito bem) leu um conto intitulado “Uma vela para
Dario“, do Dalton Trevisan.
O conto de hoje será narrado pela Beatriz Segall. Estarei atento diante da TV, quero
ver se o quadro realmente presta ou se eu apenas tive sorte de pegar um episódio
muito bom.
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Porra, faz anos que não assisto TV Cultura. Costumava colocar minha irmã
para assistir Castelo Ra-Tim-Bum e acaba vendo junto. Lembro uma vez que
minha irmã perguntou porquê determinado personagem chamava-se Beth
127
Frígida.
- É como você deve ser até se casar - respondi.
Bah, eu assisto o Contos todo dia… vira e mexe tem uns textos do M+ario de
Andrade ou mesmo do Oswald muito bons… Eu gosto dos com o Pereio. M-á-
x-i-m-o
Eu gosto do Alto-Falante, já faz um tempo que não assisto, mas costuma ser
legal..
O texto narra a história de Mariana, viúva há mais de um ano, que permanece fiel à
memória do finado marido e recusa sistematicamente qualquer possível
pretendente.
Mossoró-RN, de 2003
Um conto à meia-noite
Tobias Queiroz
Da Redação
tobiasqueiroz@omossoroense.com.br
Não há programa melhor para um fim de noite. E adjetivá-lo de imperdível, não seria
nenhum exagero. A literatura perfeitamente casada com a TV, num dos mais bem-
sucedidos programas de teledramaturgia surgido no ano passado. "Contos da Meia-
Noite", série dirigida por Eder Santos, apresenta mais uma nova fornada de
programas inéditos pela TV Cultura, a partir de amanhã.
Prepare o vídeo cassete para ficar por dentro do que há de melhor na literatura. São
mais de 100 contos interpretados (ou lidos, se preferir) por um seleto time de atores.
São nomes como os de Marília Pêra, Antônio Abujamra, Matheus Nachtergaele,
Maria Luisa Mendonça, Beth Goulart ou Giulia Gam, que fazem toda a diferença.
Eles fazem a leitura dos contos, a partir de padrões cenográficos inusitados.
Sentado numa cadeira, balançado-se num trapézio, ou até mesmo em pé, o
ator/atriz usa e abusa de todos os recursos cênicos dispostos. Se expressam,
gesticulam, movimentam-se, gritam, falam, mexem com o tronco, e naturalmente,
131
extraem do texto toda a ação e emoção que possa contê-lo. Uma breve nota
introdutória, apresentada por Teresa Freire, com os nomes do autor e do conto dão
a abertura do programa. A receita parece simples. Mas é exatamente por isto que é
eficaz.
A diferença nesta salutar experiência (já que, desde tempos remotos, a TV insiste
em fazer adaptação literárias) é que o ator/atriz não se apossa do personagem. Ele
apenas fica no lugar do autor. Em vez de transpor o universo do escritor e
transformá-lo em conteúdo, aproxima o espectador a maravilhosa experiência da
leitura. E mais: a falta de cenário e de caracterização do ator/atriz exigem o máximo
de imaginação. O mérito da série é transformar-se, de fato, numa ferramenta para o
espectador olhar aquele texto em particular.
A crítica de TV da Folha de São Paulo, Bia Abramo, disse que o programa é "um
achado no sentido pedagógico, que sempre foi associado à idéia de usar textos da
literatura para a televisão. Para ela, esta seja talvez a experiência mais bem-
sucedida de todas.
Para complementar o quadro, as idéias de Evandro Rogers, homem responsável
pela belíssima fotografia, entram em perfeita sintonia com a montagem, que ora,
sobrepõe imagens, ora explora a aplicação de texturas e de sombras, criando um
clima cenográfico alusivo aos textos. Com tantos êxitos o programa, "Contos da
Meia-Noite", tem somente um ponto negativo: o horário. Exibido de segunda a sexta-
feira, sempre à meia-noite.
Para quem não tem assinatura de TV a cabo (já quem em Mossoró o sinal da
Cultura não é aberto), e possua antena parabólica, a única opção de assistir a este
"achado", de no máximo 10 minutos de duração, é a TV Educativa ou pela Paraná
Educativa. As duas repetem o sinal da Fundação Padre Anchieta.
TV em Transe
14/12/2003
Christian Moreno
Contos da meia-noite
Quem disse que televisão e literatura não combinam? Provando que essa união é
perfeitamente possível, a TV Cultura estreou na segunda-feira (dia 8) a série Contos
da Meia-Noite, onde grandes atores interpretam, em formato de monólogo, textos de
autores brasileiros consagrados - Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles, Dalton
Trevisan, Orígenes Lessa, entre outros.
Mesmo em meio a uma grave crise, a emissora mostra que possui fôlego para ser
criativa e oferecer programas de bom nível ao telespectador (a série é uma parceria
com a Imprensa Oficial do Estado de SP). Ao todo serão cem contos, exibidos de
segunda a sexta, sempre à 0h.
Não pense que temos aqueles monólogos chatos e entediantes. Os textos são
curtos, por vezes bem densos, valorizados pelas atuações dos atores e por um
trabalho primoroso de produção e edição.
Os artistas foram escolhidos a dedo: Antonio Abujamra, Marília Pêra, Maria Luisa
Mendonça, Matheus Nachtergaele, Giulia Gam e Beth Goulart. Na terça-feira,
Abujamra interpretou com a costumeira maestria o conto ZAP, de Moacyr Scliar, que
fala justamente da relação doentia e de dependência entre homem e televisão.
O diretor Eder Santos conseguiu encontrar o ponto de equilíbrio. A edição, que
dispensa a linguagem alucinante de videoclipe, valoriza ainda mais o texto.
Completa-o ao invés de desviar o foco da narrativa - um risco que se corria numa
adaptação desse tipo.
O Contos da Meia-Noite merece muito ser conferido. Poucos minutos que valem
mais, por exemplo, que horas e horas de Boa Noite Brasil (aquele troço que o
Gilberto Barros comanda na Band).
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Flashbacks
Já que falei em linguagem de videoclipe, em uma hora o programa 107,7 na TV, da
Santa Cecília TV, passa mais clipes dos anos 70 e 80 que a MTV numa semana
inteira. Enquanto o dito ‘canal musical’ deixa seu rico arquivo mofar, o 107,7 na TV
não esquece os flashbacks - e também reserva bons especiais, como o da banda
Marillion (que eu nunca vi em destaque na MTV), levado ao ar recentemente.
O pior do esporte
Neste domingo termina a temporada futebolística. No período de férias, é normal a
dificuldade para pautar os telejornais esportivos, nos quais o futebol aparece
invariavelmente como carro-chefe. Mas imagino que isso não seja problema para o
Globo Esporte, já que sua especialidade são as piadinhas sem graça em detrimento
da informação – o que obriga os apresentadores a seguir o estilo ‘bobo alegre’. O
auge foi na semana passada, quando se fez o maior alarido para eleger o mascote
do programa! O telespectador podia escolher entre Gato Mestre, Raposinha e
Pitaco. Putz! Notícia que é bom, nada.