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RESENHA

KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Editora


Cobogó, 2020. Capítulo: A Máscara.

Alanys Silva Noleto1

Grada Kilomba é escritora, psicanalista, professora, artista e teórica, que tece obras,
publicações, performances e palestras sobre a descolonização discutindo temas como raça,
gênero e classe. Suas memoráveis obras são: Memórias da Plantação: episódios de racismo
cotidiano (2008) e Grada Kilomba: Secrets to Tell (2017). É formada na Universidade Livre
de Berlim, na Alemanha e no ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais
e da Vida, em Portugal. Atualmente, leciona aulas na Universidade Humboldt em Berlim nas
áreas de Estudo de Gênero e Estudos sobre o pós-colonialismo.

Neste capítulo, Grada busca trazer, relacionando à psicanálise, a forma como o racismo age e
opera estando vinculado aos pensamentos das pessoas, causando impacto na vida de homens e
mulheres negras recorrentemente no dia a dia em uma conjuntura social pós-colonial.

Grada inicia a sua abordagem sobre o colonialismo fazendo uma comparação entre, a máscara
que era usada pelos senhores brancos para silenciar os escravizados/as com o silêncio que é
imposto sobre as pessoas negras nos dias de hoje. Tal máscara simboliza os princípios de um
sistema que tenta impor dominância e brutalidade sobre os “outros/as” por intermédio do
silêncio. A boca, neste contexto, é dada metaforicamente como instrumento de coerção e
posse. A noção de que o negro quer devorar o que pertence aos brancos. Então, o branco
colonizador imagina que está sendo extorquido pelo escravo com a ideia de que o escravo
quer se apropriar do que é dele. Neste ato, ele inverte o ato de colonização colocando a culpa
naquele que está sendo colonizado não reconhecendo isso em si mesmo, caracterizando um
ato de negação.

Por meio deste processo, o homem branco estabelece uma distância entre ele e o “outro” em
que os papéis se invertem. O oprimido se torna o opressor e o opressor se torna o oprimido.

1 Acadêmica do Curso de Antropologia no Instituto de Antropologia (INAN) pela Universidade Federal de


Roraima (UFRR).
Ele molda a realidade externa a ele de forma que ela corresponda à imagem que ele cria de si
mesmo e do “outro” – o sujeito negro. Assim, ele manifesta uma deferência entre si e o
“outro” projetando no sujeito negro as idéias/valores que não quer ser relacionado e padrões e
atitudes que não quer reconhecer em si, desta forma ele enfatiza e manifesta em seu cotidiano
uma ação direta que exterioriza o “outro” constituindo-o como alvo de discriminação e
rejeição.

O reconhecimento de que o negro manifesta os prejuízos e despropósitos da vida, serve como


o pano de fundo pelo qual a imagem do branco é criada e desenvolvida, mediante o ato de
diferenciar-se do “outro”, de forma subalternada, e não de forma autonômica. Essa
exteriorização, produto do plano imaginário do branco, coloca no sujeito negro problemas
negados ao branco, de forma que o sujeito negro desenvolve a sua identidade através do
desprendimento que o outro faz dele da realidade, assim, ele enxerga a si mesmo como um ser
controverso e diferente e não como um ser único dotado de individualidade. Logo, as pessoas
negras não conseguem discernir os princípios e os mecanismos que determinam facilmente e
de forma suficiente, a sua invisibilidade na sociedade. A racionalização desse modo de
inaceitabilidade baseada na cor e ademais características negras, causa no indivíduo negro um
trauma físico-psíquico que pesa com uma intensa violência que pode ser caracterizada como
dilacerante.

O branco desencaminha as suas ações e palavras embaraçosas para longe das suas tensões
como forma de tornar inconsciente o conhecimento consciente que pode ter sobre a identidade
do indivíduo negro. No cenário do racismo, o ato de falar representa o controle, e o silêncio,
aloca um sistema de repressão, em que, por ambas as formas, o branco tem como objetivo
proteger o seu Ego e alimentar a auto-ilusão que tem do seu self (eu).

Grada cita a descrição que Paul Gilroy faz de cinco mecanismos de defesa do ego pelo qual o
branco passa até que se torne consciente de sua branquitude e se reconheça como ator social
que reproduz o racismo. (KILOMBA, 2019, p. 43). Os mecanismos são: a negação; culpa;
vergonha; reconhecimento; reparação. A negação ocorre quando o indivíduo recusa que tenha
tais julgamentos e declara que “outras” pessoas os têm; na culpa, o indivíduo entra em um
estado emocional de inconformidade, após ter cometido o ato racista ele percebe que não
deveria ter feito o que fez e se preocupa com a punição que receberá, em seguida, tenta
justificar o racismo através da racionalização tentando esclarecer suas razões, ou, pode agir
com descrença e afirmar sentenças montadas como: “não existe “raça”, somos todos
humanos”, etc.; a vergonha acontece quando o indivíduo vê que não é capaz de alcançar os
ideais estritamente pessoais que traça para si e que impõe aos outros, e se depara com o
fracasso. Ele passa a ver a si mesmo a partir da percepção do indivíduo negro que o obriga a
encarar a convergência entre os desígnios que existem entre os planos que atendem à
percepção dele e à dos outros e passa a separar e distinguir os rumos de sua conduta entre o
discernimento que tem sobre si e que os outros têm sobre ele; em seguida, ocorre o
reconhecimento, que é quando o branco aceita a realidade factual do racismo ao
conscientizar-se e passa a reconhecer a realidade do “outro” e sua percepção sobre a
realidade; ao desvencilhar-se das fantasias do seu plano imaginário, o branco aceita a
realidade e o outro como é, e por último, a reparação vêm como resultado, e induz o sujeito
branco a mudar as suas relações interpessoais, os lugares que freqüenta, o seu vocabulário e
formas de pensamento abrindo mão dos seus privilégios.

A relação prodigiosa que Grada Kilomba faz do racismo com a psicanálise nos dá uma intensa
dimensão cognitiva das raízes do preconceito racial que alimentam a discriminação no nosso
cotidiano que perpassa dores e fundamenta práticas inaceitáveis de discriminação. Os esforços
direcionados à transformação de nossas idéias/princípios compartilham a abertura de
caminhos que nos garantem ou nos garantirão mais tarde que pessoas negras sejam vistas
como detentoras de sua própria individualidade e realização pessoal.

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