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Filosofia Jurídica

Curso: Direito
Professor: Maicon Lima

UNIDADE I
A FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA

O que atualmente é chamado de civilização ocidental surgiu a partir das


fontes culturais gregas. Todo o conhecimento e culturas que permeiam nossa vida social
se baseiam na tradição filosófica e científica que tem como marco historiográfico os
eventos ocorridos na cidade de Mileto, há dois mil e quinhentos anos atrás, ou,
aproximadamente, quinhentos anos antes do nascimento de Jesus Cristo.

A primeira escola de filósofos científicos surgiu, como já foi dito, na costa


jônica (atualmente pode ser identificada com a região da Anatólia na Turquia), na
cidade de Mileto. A região era um importante centro comercial e um entreposto
marítimo onde se cruzavam negociantes vindos do Chipre, Fenícia, Egito, da Grécia
continental, da Lídia, Creta e de negociantes dos mares Egeu e Negro, além de
representantes dos impérios estabelecidos na Mesopotâmia.

Na época, os pensadores faziam os seguintes questionamentos sobre o


mundo: Por que tudo muda? Por que se nasce e morre? Por que tudo se multiplica? Por
que o dia vira noite? O que é a água, o fogo? Como surgiu? De que é feito? Por que
semelhantes dão origem a semelhantes? De onde vêm os seres? Para onde vão os seres?

Nesse diapasão, Tales de Mileto teria dito que “todas as coisas são feitas de
água”, na verdade essa é sua afirmativa mais importante que é considerado o registro
inicial da ciência e filosofia ocidentais. A tradição grega registra Tales como um dos
Sete Sábios e reputa a ele um espírito prático uma pessoa que utilizava de sua sabedoria
para resolver problemas cotidianos ligados à Cidade e à sua vida pessoal, inclusive
permitindo-o acumular certa riqueza (RUSSELL, 2001, p. 21).

A sua afirmação sobre a constituição do mundo não era de todo descabida,


uma vez que não se possuía, à época, o desenvolvimento científico e tecnológico
suficientes para verificar a sua veracidade. As afirmações de que toda a matéria é
formada por água, e de que toda a matéria é una, constitui uma hipótese científica
sofisticada, que demandou observação cuidadosa das propriedades da água e a
construção de um raciocínio científico superior.

Tales é, portanto, considerado o percussor daqueles que se convencionou


chamar de filósofos pré-socráticos. Essa denominação refere-se principalmente aos
filósofos que viveram antes de Sócrates (470-399 a. C.) sendo que alguns destes foram
seus contemporâneos.

Vale mencionar que no período anterior ao surgimento dos primeiros


filósofos, todas as explicações eram dadas pela mitologia, lendas e tradições, eis que o
homem estava fortemente ligado à terra, às arvores, aos rios, às montanhas, à natureza.
O homem vivia em tribos. Não se fazia distinção entre o real e o irreal. A explicação de
toda realidade universal era baseada na imaginação e no sobrenatural.

O pensamento mítico consistia na forma pela qual um povo explicava


aspectos essenciais da realidade em que vive: a origem, o funcionamento e os processos
do mundo e da natureza, suas origens e seus valores. O mito é um discurso, uma
narrativa imaginaria e ficcional. Pertence às tradições culturais e não são elaborados por
uma pessoa. Faz parte da tradição cultural e representa a própria visão de mundo das
pessoas. O mito não tem um fundamento, não se submete a críticas e a questionamentos.
São simplesmente aceitos como parte da experiência real, explicando a realidade por
meio do sobrenatural, do mistério, do símbolo, do divino. O mito é algo aceito e
interiorizado pelo povo.

Não se pode olvidar que o pensamento e as instituições humanas refletem


as condições sociais, econômicas e históricas de uma sociedade em uma determinada
época. Na Grécia daquele momento as explicações sobre as origens do mundo e da
natureza baseadas na mitologia já não correspondiam a realidade.

A Filosofia surge então como a busca de uma explicação racional e ordenada


do mundo ou da natureza: cosmologia. Sendo Cosmo a ordem e organização do mundo,
e, logia o pensamento racional, conhecimento.

Mas, o que tornou possível o surgimento da Filosofia na Grécia no final do


sec. VI antes de Cristo? Quais as condições sociais, políticas, econômicas e históricas
que permitiram o surgimento da Filosofia?

1. As condições históricas que possibilitaram o surgimento da Filosofia na


Grécia
A mudança de papel do pensamento mítico resulta de um longo período de
transição e de transformação da própria sociedade grega, tornando possível o
surgimento do pensamento filosófico em VI a.C.

As condições históricas que favorecem ao surgimento do pensamento


filosófico-científico:

 O comércio e as viagens marítimas levaram à desmistificação do mundo.


Revelando que não existiam deuses, monstros ou titãs. O homem começou
a conhecer concretamente o mundo e outras culturas;

 A Invenção do calendário: o tempo deixou de ser incompreensível e


divino, passando a possuir dias, anos, estações;

 A invenção da moeda;

 O surgimento da vida urbana: predomínio do comércio e do artesanato.


Surge uma classe comerciante que, se contrapondo à aristocracia da época,
apoia as artes, as técnicas, o conhecimento e, consequentemente, a
filosofia. Surge um novo tipo de organização social;

 A invenção da escrita alfabética: a capacidade de abstração se desenvolve,


sendo independente, racional e usada por todos.

 A invenção da política: surge a lei como expressão da vontade coletiva


humana, o direito de cada um se expressar racionalmente. O espaço
público é descoberto, eram locais onde se realizavam as discussões e
tomavam-se decisões racionais. A política valoriza o ser o humano e o
pensamento.

Diante dessa realidade histórica, o mito como explicação da realidade passa


a ser insatisfatório. Verifica-se que é preciso compreender a realidade por um novo
prisma.

Nesse diapasão, os filósofos reformularam e racionalizaram as narrativas


míticas e transformando as explicações do mundo em algo novo. Vale dizer que não
houve uma ruptura brusca nessa passagem do saber mítico ao pensamento racional.

Em relação aos conhecimentos, os gregos transformaram em ciência o que


era prática para uso na vida: exemplo disso é que as curas viraram a medicina. Criaram
a organização social e política que conhecemos hoje. As sociedades até então
desconheciam a separação entre poder público, privado e religioso. Foram os gregos
que fizeram essa separação através da organização de leis e instituições como forma de
poder e governo. Criaram e desenvolveram a ideia de justiça e lei, características da
organização política atual, defendendo a noção de que o pensamento segue regras,
normas e leis universais, ou seja, que o pensamento pode ser racional.

2. O período pré-socrático ou cosmológico

Trata-se do período do nascimento da Filosofia, momento em que se


investiga o mundo e as transformações da natureza. Os principais filósofos foram Tales
de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Pitágoras de Samos,
Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia, e Zenão de Eléia, que fizeram parte de várias
escolas.

Também denominado de período Cosmológico, porquanto buscava uma


visão ordenada do mundo, a explicação racional e sistemática sobre origem, ordem e
transformação da natureza e seres humanos. Investigava o princípio universal, imutável
e eterno que gerou todas as coisas e seres: de onde tudo vem e para onde tudo retorna.

O novo pensamento filosófico possui características centrais que rompem


com a narrativa mítica. Esses pensadores desenvolveram um conjunto de noções que
constituem o ponto de partida de uma visão de mundo que, apesar de terem sofrido
profundas transformações, foram as raízes do nosso pensamento filosófico científico
atual.

 A physis: o mundo natural. A compreensão da realidade natural não está


no mundo sobrenatural, mas, nela mesma;
 A causalidade: para tudo há uma causa natural e não mais mítica
misteriosa.
 A arque: existe um elemento primordial que serviria de ponto de partida
para todo o processo, o que dá uma unidade à natureza. Ex: água para
Tales de Mileto, o ar para Anaxímenes. Empédocles afirma a existência
de 4 elementos: ar, água, terra e fogo... Isso dá a ideia de caráter geral que
inaugura a ciência.
 O cosmo: surgem as noções de ordem, harmonia e beleza. O mundo
natural passa a ser considerado como uma realidade ordenada de acordo
com os princípios racionais.

 O logos: não é mais uma narrativa de caráter poético e mítico logos, mas
sim, a explicação fundamentada na razão. É um discurso racional;
 O caráter crítico: as verdades deixam de ser apresentadas como verdades
absolutas, de forma dogmática, para serem passiveis de discussão,
reflexão, sendo discordadas e criticadas. O pensamento filosófico verifica
que as verdades absolutas precisam ser questionadas.
Nesse contexto, surge a atitude crítica em lugar da transmissão dogmática
da verdade. Os chamados “filósofos pré-socráticos” são os primeiros filósofos que
viveram antes de Sócrates, e alguns foram contemporâneos deste.

Sócrates é considerado um marco por sua influencia e por introduzir as


questões humanas e sociais na discussão filosófica.

3. As escolas Filosóficas do período Pré-socrático

Em rápidas palavras podem-se destacar as seguintes escolas filosóficas no


denominado período pré-socrático:

3.1. Escola Jônico

Caracteriza-se principalmente pelo estudo da Physis (natureza), pelas


teorias sobre a natureza. Destaca-se entre os filósofos desta escola, além do já citado
Tales de Mileto o filósofo Xenófanes de Colofão (séc. IV a. C.) que teria sido o fundador
da escola eleática. Viveu na Sicília. Defendia a existência de um único deus que estaria
presente em todas as coisas e seria supersensível, imutável, sem começo, meio ou fim.

3.2. Escola italiana

Caracteriza-se por uma visão de mundo mais abstrata, menos focada para a
busca de explicações naturais para o mundo real, introduzem o estudo da lógica e da
metafísica. Entre os filiados àquela escola destaca-se Pitágoras.

Pitágoras de Samos (571-497 a.C.) fundou em Crotona, antiga colônia


grega, um grupo de estudos científico-político. Para ele a matéria fundamental de todas
as coisas eram os números. Toda a doutrina de Pitágoras envolve o espírito, tendo,
inclusive, dedicando-se a realizar sessões espirituais e místicas. Sua análise dos
números e da natureza das coisas continha o seguinte raciocínio: o um é o ponto; o dois
determina a linha; o três gera a superfície; e o quatro produz o volume.

Monismo X mobilismo: (Heráclito x Parmênides)

Outro momento importante da filosofia grega pré-socrática ocorreu com a


polêmica controvérsia entre monismo e imobilismo teorias representadas especialmente
por Heráclito e Parmênides respectivamente.
Heráclito de Éfeso pode ser considerado como o principal representante do
imobilismo, que é a doutrina que nos informa que “a realidade natural se caracteriza
pelo movimento,” estando então “todas as coisas em fluxo” (MARCONDES, 2007 p.
35) permanente.

Ilustra bem o pensamento de Heráclito o fragmento de sua obro (fr. 91)


sobre o rio: “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é
mais o mesmo”. A este fragmento a tradição filosófica acrescentou posteriormente que
“nós também não somos mais os mesmos”.

O pensamento acima exposto ilustra bem a ideia da realidade em constante


movimento, nesta passagem simbolizada pelo rio que representa o movimento a que
todas as coisas estão constantemente submetidas. Alguns pensadores e intérpretes
concluem com esta metáfora que a impossibilidade de banhar-se duas vezes na mesma
água indica, na verdade, a impossibilidade de se conhecer o mundo real, de acessar a
realidade em razão de sua constante mudança.

Foi Hegel, nos tempos modernos, o filósofo que encontrou no pensamento


de Heráclito indícios da dialética, por valorizar a unidade dos opostos que se integram
e não se anulam e por ver no conflito a causa do movimento no real.

Parmênides era opositor à ideia mobilista. Defendia o monismo, ou seja, a


doutrina da existência de uma única realidade. Ele introduz na ciência filosófica a
distinção básica entre realidade e aparência. Argumenta, assim, que o movimento
constante da realidade (defendido pelos mobilistas) não passa de aparência, um aspecto
superficial das coisas. Insta a uma verificação filosófica da realidade para além da
aparência superficial, afirma, então, que se se detiver à pesquisa do âmago de todas as
coisas verificar-se-á que a verdadeira realidade é “única, imóvel, eterna, imutável, sem
princípio, nem fim, contínua e indivisível (fr. 8)” (MARCONDES, 2007, p. 36).

Afirma Parmênides, então, que “aquilo que é não pode não ser”, ou seja,
deve-se verificar nos processos de movimento quais são as matérias que continuam as
mesmas, independentemente das mudanças aparentes. Dessa forma ele caracteriza a
realidade como algo imutável e exclui tudo o que muda e o que se movimenta da
realidade designando-os como coisas aparentes (aparência), aquilo que mudou não é,
deixou de ser o que era, e, se está em movimento ainda não é o que deverá ser, portanto
não é nada.

Conclui-se, então, que apenas o que permanece e somente aquilo que não é
passível de mudança pode Ser (existir).
3.2.1. Os Sofistas

Com certeza o leitor já escutou falar que esta ou aquela argumentação


representa um “sofisma”, quase sempre que se utiliza tal expressão está a se referir a
uma argumentação falsa, a uma artimanha que se utiliza de partes de verdades para
enganar o interlocutor levando-o ao erro, um sofisma é, na atualidade, sinônimo de
falácia, engano, logro, tapeação (OLIVEIRA, 2012).

Contudo, em que pese o emprego contemporâneo do termo, os sofistas


foram uma influência importante sobre o pensamento e as ideias socráticas e platônicas.
O que ocorreu foi que, apesar de sua importância para a formação do pensamento
filosófico ocidental, os sofistas não produziram obras escritas, sendo que tudo o que foi
deixado sobre eles foi produzido por seus inimigos, o que os deixou historicamente
marcados como impostores, mentirosos e demagogos.

Na realidade os sofistas eram sábios que detinham grande conhecimento


sobre a utilização do discurso. Os sofistas eram competentes oradores que
influenciavam plateias, tribunais e assembleias. Ensinavam a arte da oratória, a arte da
persuasão e implementaram um modo de defender uma opinião por meio de
argumentos. Eram mestres na arte da argumentação. Sofista significa sábio, entretanto,
ganhou o sentido de impostor, pois vendiam ensinamentos práticos da filosofia.

Inclusive, a maior crítica que se faz aos sofistas diz respeito a que os
mesmos atuavam de forma remunerada, seja ensinando sua técnica a alunos (a sofística
quer dizer “a arte de ensinar”) (OLIVEIRA, 2012, p.24), seja atuando junto a fóruns de
discussão para influenciar os resultados do debate em favor de quem os estivesse
pagando.

Os sofistas foram criticados principalmente por Platão, que os consideravam


artistas manipuladores de raciocínios. Os Sofistas contribuíram para desenvolvimento
da linguagem na tradição cultural grega.

Para os sofistas o discurso, o uso das palavras, a retórica eram os


instrumentos necessários para chegar ao resultado favorável numa discussão. Eles
ofereciam razões e argumentos sobre vários assuntos e, naquele mesmo momento,
sendo necessário, mudavam sues próprios argumentos para defender posição contrária
à inicial com a mesma intensidade que utilizavam no argumento anterior. Entre os
sofistas o que mais tinha valor era vencer uma questão, influenciar as demais pessoas
com sua argumentação demonstrando, sempre, que suas ideias e raciocínios eram os
melhores.
A técnica de oratória dos sofistas incluía estudos sobre a postura diante da
plateia, o uso da linguagem, a utilização de metáforas, conhecimento de música e até de
poesia (OLIVEIRA, 2012, p.25).

Os sofistas mais conhecidos e considerados aqueles que deixaram


contribuição importante para a filosofia foram Protágoras de Abdera (c.490-421 a.C.),
Górgias de Leontinos (c.487-4380 a.C.), Hípias de Élis, Licofron, Pródicos (este teria
sido mestre de Sócrates) (MARCONDES, 2007, p.43), além de Trasímaco, dentre
muitos outros que também deram sua contribuição para a ciência da filosofia.

Nesta etapa do curso vai-se concentrar no pensamento de Protágoras que


podemos conhecer a partir da obra de Platão (diálogos) intitulada Protágoras. A
principal contribuição de Protágoras, e também a mais conhecida, encontra-se ainda no
início de sua obra e diz respeito à verdade, neste ele afirma que “O homem é a medida
de todas as coisas, das que são como são e das que não são como não são”
(MARCONDES, 2007, p.43). Esse pensamento expõe duas ideias importantes que são
associadas aos sofistas, o humanismo e o relativismo. Protágoras procura explicar, nessa
afirmativa, que o mundo real relaciona-se com seus próprios elementos e fenômenos e
que estes, por sua vez, não dependem de elementos externos, metafísicos ou
sobrenaturais para sua concretização.

Noutras palavras, as coisas são como parecem ser, como são vistas e
sentidas pelos homens não sendo possível ao homem adotar outro critério para avaliar
sobre o mundo real que não a sua própria capacidade sensorial.

Tal concepção da natureza humana, a percepção dos limites sensoriais como


sendo os limites do raciocínio humano relativamente à verdade real estão intimamente
ligados à ação política dos sofistas e sua prática junto aos fóruns sociais da época.

Em razão disso, pode-se afirmar que os sofistas como Protágoras “não eram
meros manipuladores da opinião” (MARCONDES, 2007, p.43), antes, ao contrário
disto, acreditavam não haver outra instância racional além da própria opinião para
resolver as questões da vida, “as quais deveriam ser tomadas com base na persuasão a
fim de produzir um consenso em relação às questões políticas” (MARCONDES, 2007,
p.43).
Referências Bibliográficas
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. São
Paulo: Moderna, 2003.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Àtica, 2001.

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