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Áreas de atuação, atividades e abordagens


teóricas do psicólogo brasileiro

Sônia Maria Guedes Gondim, Antonio Virgílio Bittencourt Bastos


e Liana Santos Alves Peixoto

A diversidade da Psicologia como campo belece com as outras dis­ciplinas ou outros


de produção de conhecimento e como campo campos profissionais, o que con­tribui para a
de práticas profissionais é fa­cilmente cons­ construção e para o uso de um vocabulário
tatada a partir do conceito de áreas de co­ que a singulariza. Ademais, o significado da
nhecimento e de atuação. Dis­centes, docentes palavra área guarda se­melhança com a
e psicólogos se reconhe­cem como interessa- noção de espaço territorial, o que conduz a
dos e/ou inse­ridos em subdomínios da Psi­ uma associação entre fa­zeres, práticas e re­
cologia que configuram espaços próprios de ferenciais teóricos a con­textos específicos
inves­tigação e de atuação. Diferenças, seme­ ou lugares de inserção profissional. Por esse
lhanças e anta­gonismos são tratados, por­tan­ motivo, ao longo da história, as áreas de
to, no inte­rior desse campo de co­nheci­mento, atuação foram definidas mais pelos con­
tendo como base o conceito de áreas de atua­ textos ou locais de trabalho do que, efeti­
ção. A noção de subárea de co­nhe­cimento, vamente, pelas ações e refe­renciais que as
por exemplo, encontra-se no sistema de pes­ embasavam.
quisa do país, repre­sentado pelo Con­selho Há que se considerar, no entanto, que a
Na­cional de Pes­quisa (CNPq). A noção de diversidade da Psicologia não se esgota no
área, tam­bém é reconhecida pelo CNPq ao de­ conceito de área e inclui a multiplicida-
finir, por exemplo, os títulos de especialistas. de teórico-metodológica que fundamenta
Assim, a noção de área de atua­ção ocupa um a prá­tica de pesquisa e a intervenção pro­
lugar importante na ca­racterização dos fazeres fis­sional. A natureza não paradigmática
dos psicólo­gos no Brasil e no exterior. da Psicologia revela-se, então, na exis­tência
Em princípio, a noção de área de atua­ de uma pluralidade de perspectivas teó-
ção profissional aproxima pesquisa­dores, ri­­cas que se apoiam em distintas con­cep-
docentes e profissionais a partir de refe­ren­ ções de ho­mem, de sociedade, de ciência e,
ciais teóricos e de estratégias de pes­quisa e em de­cor­rência, postulam proce­di­men­tos
intervenção. Tal aproximação se ma­nifesta, e prá­ti­cas distin­tos para lidar com os mes­
também, nas interfaces que cada área esta­ mos pro­blemas.
O trabalho do psicólogo no Brasil 175

Abordar esses dois conceitos – área de Áreas de Atuação


atuação e referencial teórico-metodológi-
co – no contexto da atuação do psicólogo Área de atuação é definida como um
brasileiro é o objetivo central deste capí­tulo. conjunto de atividades que o psicólogo es­tá
Caracterizar as áreas de atuação e as pers­ habilitado a fazer (Yamamoto, 1987). A le­
pectivas teórico-metodológicas dos psi­­cólo­ gislação prevê duas funções para o psi­cólo-
gos permite analisar as mudanças que estão go: ensinar e atuar em contextos pro­fis­sio­
ocorrendo na profissão, quer pela ampliação nais (Bastos, 1988). As três áreas tra­dicionais
de espaços de atuação (no­vos mercados) e de atuação em psicologia estão associadas a
pela renovação de mé­todos de trabalho atividades específicas de cada um destes con­
(avanço do conheci­mento), quer pelas mu­ textos: clínica, escolar e in­dustrial. Aárea clí­
danças nos referen­ciais que sustentam o nica esteve histori­camen­­te associada ao exer­
trabalho do psicólogo brasileiro (adequação cício autônomo das atividades de psico­terapia
do referencial teóri­co à situação e ao contexto e psico­diag­nóstico, cujo foco, confor­me pre­
de aplicação). visto pela lei, é o tratamento psicológico e a
Além do mais, a Psicologia vive uma no- so­lução de problemas de ajustamento. Mais
va rea­lidade no Brasil decorrente do cresci­ re­cen­temente, passou-se a dar ênfase ao pa­
mento exponencial do número de cursos de pel do psicólogo clínico na promoção do bem-
gra­duação nos últimos oito anos, da am­ es­tar subjetivo e psico­lógico. Na área escolar,
pliação do sistema de pós-graduação e do o psicólogo exerce suas atividades com crian­
avanço de grupos de pesquisa com interesse ças que apresentam problemas de en­sino-
focado nas questões nacionais com vistas à aprendizagem e faz uso de ins­tru­mentos de
elaboração de políticas de formação e tam­ avaliação psicológica para fins de orientação
bém de capa­citação cien­tífica e profissional. psicopedagógi­ca. As re­lações pro­fessor-alu-
Uma das preocupações deste capítulo é no, o papel dos pais no proces­so educativo e
analisar se as novas demandas sociais e a o da escola como ins­tituição pro­motora da
conquista de novos espaços por esse seg­ educação formal tam­bém consti­tuem foco
mento profissional estariam associadas à va­ das atividades do psicó­logo que exerce ati­
riabilidade e à redefinição das ati­vidades vidades nesse cam­­po de atua­ção. A área in­
profissionais do psicólogo. Dis­cute-se, tam­ dustrial tam­bém está asso­ciada às ati­vida-
bém, se o possível crescimento da catego- des que fa­zem uso de ins­trumentos psi­co­
ria teria levado à diversificação das áreas lógicos, mas, nes­te ca­so, para avaliar o po­
de atuação profissional e, por conseguin- tencial de ajus­tamento do indi­víduo às tare-
te, feito o psicólogo buscar maior integra- fas de­man­dadas pelo car­go ou posto de tra­
ção teórica. balho (Bastos, 1988).
Para atender aos objetivos propostos, o As condições sócio-históricas presentes
capítulo está dividido em três partes. A pri­ no momento do nascedouro de uma da-
meira tem como foco as áreas de atua­ção, em da ciência são muito importantes para com­
que constam informações gerais da amos­tra pre­en­der o seu desenvolvimento, e não seria
de psicólogos que participaram da pes­qui- diferente no caso da Psicologia. Des­de as
sa, com detalhamento das prin­cipais ativi­da- aplicações práticas, em fins do século XIX e
des por área de atuação. A segunda parte início do século XX, tais condições têm pas­
ana­lisa os referenciais teó­ricos usados pelos sado por grandes modi­ficações que fizeram
psicólogos no exercício de sua prática profis­ emergir novas áreas de atua­ção e reorien­
sional. A terceira re­laciona abordagens teó­ tações teóricas em Psicologia (Sass, 1988).
ricas por área de atuação. As con­clusões re­ Na pesquisa nacional do psicólogo, rea­
tomam as inda­gações centrais des­te capítulo. lizada em fins da década de 1980 pelo Con­
176 Bastos, Guedes e colaboradores

selho Federal de Psicologia, observou-se um das, portanto, podem refletir concepções


acréscimo significativo na variedade de ati­ inovadoras de alguns estudiosos, não consis­
vidades executadas por esse profis­sional, em tindo em alterações significativas quando se
relação ao descrito na legislação de 1962 considera a cate­goria profissional.
que regulamenta a profissão. Naquela épo- A pesquisa anterior sobre o psicólogo
ca, constatou-se a ampliação no quadro de brasileiro, no final da década de 1980, ofe­
ati­vidades, incluindo mu­danças nas nomen­ recia um elenco de áreas, sendo soli­­ci­tado
claturas das áreas de atuação. A área clínica que o profissional identificasse aquela ou
se ampliou e abar­cou a área de saúde; a área aquelas em que atuava. Na pes­quisa mais
escolar co­meçou a marcar suas diferenças e recente, realizada em 2006, o psicólogo ma­
suas proximidades com a área educacional, rcava suas opções de locais de trabalho
e a área industrial expandiu-se para incluir o (Qua­dro 9.1) e as atividades desenvolvidas
trabalho e a sua dimensão organizacional, (Quadro 9.2). Da combinação de locais e de
desvencilhando-se de sua vinculação res­tri­ta atividades para cada inserção profissional
à indústria. Seguindo a mesma ten­dência na (setor público, privado e autô­nomo), foram
psicologia, outras denominações de áreas de identificadas as áreas de atuação, buscando-
atuação começaram a fazer parte do reper­ se preservar a compara­bilidade com as pes­
tório psicológico: psi­cologia institu­cio­nal, quisas anteriores.
psicologia hospitalar, psico­logia do es­porte, Do agrupamento resultante das pos­sí­
psicologia jurídica, psi­cologia do trân­sito, veis combinações entre locais de trabalho
psicologia política, psi­cologia mé­dica e de e atividades desenvolvidas foram iden­tifica­­
reabilitação (Pfromm Neto, 1985). das sete áreas: Clínica e Avaliação Psi­coló­
Na ocasião, também se criticou a pre­ gica, Organizacional e do Trabalho, Educa­
dominância do modelo clínico hegemônico e cional e Escolar, Social e Comunitária, Saúde
elitista de atuação psicológica, es­pe­cial­men­ e Hos­pitalar, Jurídica e, por úl­timo, Docência
te devido ao atendimento indi­vidual mos­ e Pesquisa.
trar-se inadequado para atender às de­man­ Em virtude dos desafios de definir áreas
das da sociedade brasileira (Bas­tos, 1988). de atuação, optou-se por fazer agru­pamentos
Em 1992, um estudo apoiado em uma re­ que sinalizassem o hibridismo e a amplitude
visão crítica da produção cien­tífica disponível que caracterizam o exercício profissional do
detectou mudanças na atuação do psicólogo, psicólogo na atualidade. A Clínica não pode
sinalizando que o profissional já estava mais estar dissociada de ati­vidades vinculadas à
preocupado com o seu papel social e com as avaliação psicológica. A temática do trabalho
demandas coletivas, dando passos na direção une psicólogos organizacionais a psicólogos
oposta a um modelo individualista alicerçado que enfocam o trabalho, mas para além dos
no atendimento clínico de consultório. O limites da organização. A área educacional
reflexo disso foi sentido na proliferação de inclui questões escolares, mas trata a edu­
atividades de assessoramento técnico e de cação como algo que não se reduz ao âmbito
consultorias, no crescimento da inserção do da escola. A psicologia social e a comunitá-
psicólogo em equipes multiprofissionais e na ria estão historicamente inter-rela­cionadas,
busca de integração do conhecimento com em­­bo­ra as intervenções sociais não se re­
outras áreas, tudo isso com o objetivo de duzam a comunidades e se ex­pandam pa­ra
oferecer respostas mais satisfatórias aos pro­ organizações da sociedade civil e demais
cessos humanos (Bastos e Achcar, 1994). Tal cooperativas populares. A área de saúde
mo­vimento inovador, no en­tanto, nunca foi abarca tanto as intervenções mais amplas
objeto de um estudo em­pírico envolvendo os em políticas públicas quanto as que ocor­rem
próprios psicólogos. As mudanças aponta- em ambientes hospitares. Os psicó­logos da
O trabalho do psicólogo no Brasil 177

área Jurídica, apesar de muitas vezes rea­ mais associadas às instituições de forma-
lizarem atividades clínicas e de avaliação ção pú­blica do que às particulares, mantêm
psicológica, orientam seu trabalho para dar forte vinculação, por se supor que a atua-
suporte a decisões judiciais, o que justifi- ção em docência está apoiada em ativi-
caria a sua especificidade. Por último, a dades de pes­quisa biblio­gráfica e de estu-
do­cência e a pesquisa, apesar de estarem dos em­píricos.

Quadro 9.1 Opções de locais de trabalho por tipo de inserção


Setor Público Setor Privado Autônomo
Órgão da administração pública Empresa industrial, comercial Consultório particular
centralizada ou de serviços próprio

Empresas ou fundações públicas Instituição educacional – escola Consultório particular


até ensino médio alugado
Instituição educacional -- escola
até ensino médio Creches ou equivalentes Escritório particular
próprio
Unidades do poder judiciário Instituição de ensino superior
(Universidades, Faculdades) Escritório particular
Instituição de ensino superior alugado
(Universidades, Faculdades) Serviços de Psicologia
vinculados a instituições de Na própria residência
Serviços de Psicologia vinculados ensino
a instituições de ensino
Instituição de saúde (hospital,
Unidades do serviço público de saúde etc.)
(hospital, centros ou postos de saúde)
Centros de avaliação
Unidades públicas de atendimento psicológica
a crianças e adolescentes (creches,
orfanatos) Clubes
Obs: Para a atuação nas Organizações Sociais, Não governamentais e Cooperativas (terceiro setor), não foram
apresentadas opções de local de trabalho.

Das 2214 respostas válidas, 1462 (66%) de atuação dos psicólogos brasileiros pes­
dos psicólogos atuam em uma úni­ca área; quisados. Dos 61,7% dos psicólogos que em
648, (29%), em duas áreas e 97, (4%) em 1988 atuavam em clínica e outras áreas,
três áreas (Figura 9.1). O quadro geral mu­ 39,3% (repre­sen­tan­do 63% do total) atuavam
dou um pouco em relação à pes­quisa rea­li­ ex­clusivamente nela. Os dados de 2006 re­
zada na década de 1980, re­velando um de­ velam queda para 50,8% do total. Na área
créscimo dos psicólogos que se de­dicam ape­ organizacional e do trabalho, representada
nas a uma área de atuação. Em 1988, 73% por 22% dos pro­fis­sionais que atuam nessa
dos profissionais entrevistados exerciam, ex­ área ou a com­binam com outras, 17,6% (80%
clusivamente, ati­vidades em uma área es­ do total) exerciam suas ativi­dades com ex­
pecífica; enquanto somente 22% com­­bina­ clusividade. Pelos da­dos de 2006, essa porcen­
vam duas e 5% atuavam em três áreas si­ tagem caiu para 61,2% do total.
multaneamente. As outras áreas que permitem compa­
A Figura 9.2 permite a visualização do ração com os dados de 1988 são a do­cência
quadro atual de dedicação exclusiva por área e a escolar, visto não terem sido mapeadas
178 Bastos, Guedes e colaboradores

Quadro 9.2 Opções de atividade


Atividades
Análise de cargos e salários Docência de ensino médio Psicodiagnóstico
Análise de função e ocupacional Docência de ensino superior Psicoterapia individual (criança,
adolescente e adulto)
Aplicação de testes psicológicos Educação e reeducação
psicomotora Psicoterapia de grupo
Assessoria técnica
Ergonomia Psicoterapia de casal
Assistência geriátrica
Intervenção em organizações Psicoterapia de Família
Assistência materno-infantil
e instituições
Reabilitação profissional
Assistência psicológica a pacientes
Orientação vocacional/profissional
clínicos e cirúrgicos (cardíacos, Recrutamento e seleção
mutilados, terminais, etc) Orientação psicopedagógica
Segurança e higiene no
Atendimento a crianças com distúrbios Orientação sexual trabalho
de aprendizagem
Orientação de gestantes Supervisão de estágios
Avaliação de desempenho acadêmicos
Orientação a pais
Cargo administrativo (gerência ou Supervisão extra-acadêmica
Orientação a adolescentes
direção)
Treinamento
Orientação a grupos na área de
Consultoria
saúde pública Triagem
Coordenação de equipes de trabalho
Pareceres e laudos psicológicos
Criação publicitária
Participação em equipes técnicas
Desenvolvimento de grupos e equipes
Pesquisa científica
Diagnóstico organizacional
Pesquisa de mercado
Dinâmica de grupo
Planejamento de políticas
educacionais
Planejamento e execução de
projetos

4%

29%
Uma área
66%
Duas áreas
Três áreas

Figura 9.1 Número de áreas de atuação do psicólogo.

as áreas social e da saúde, in­cluídas na pes­ recuo apa­rece em relação à área escolar e
quisa de 2006. Dos 14,9% que, em 1988, se edu­cacional em 2006 (39,2%). A área do­
dedicavam à área escolar com­binada com cen­te, no en­tanto, fugiu a essa tendência,
ou­tras áreas, 7,1% (47% do total) atuavam pois 16,1% dos psicólogos que se dedicavam
com exclu­sividade. A mesma tendência de a ela, em 1988, em combinação com outras
O trabalho do psicólogo no Brasil 179

Organi-
Clínica Saúde Docência Escolar Social
zacional

Dedicação
exclusiva 50,8% 61,2% 42,0% 40,2% 39,2% 18,7%

Combina com 41,5% 30,7% 48,2% 47,6% 50,2% 51,4%


mais uma área

Combina duas 7,6% 8,1% 9,7% 1,2% 10,6% 29,9%


ou mais áreas

Figura 9.2 Atuação exclusiva em uma única área ou atuação combinada.


Obs: Em virtude do número reduzido de inserções na área Jurídica, os dados desta foram ex­cluídos de
algumas análises.

áreas, 4,3% (27% do total) se dedicavam relacionada à remuneração que compele o


apenas a essa atividade. Em 2006, houve um psicólogo a buscar mais de um emprego para
aumento significativo da dedicação exclu- auferir maiores ganhos.
siva à área docente (40,2%), o que pode A Figura 9.3 ilustra as combinações de
estar re­lacionado ao crescimento dos cursos duas áreas encontradas na pesquisa. Em
de graduação em psicologia, que ampliou as todas elas, a área clínica se mantém asso­
formas de in­serção do psicólogo nas uni­ ciada à área de saúde (36%), à docência
versidades públicas e privadas. (13%), à organi­zacional e do trabalho (11%)
Os dados da Figura 9.2 relevam, então, e à área escolar e educacional (10%), dei­
que na maior parte das áreas houve recuo xando evidente a sua impor­tância como a
percentual, com exceção da área docente, área central de atuação de psicólogos. Trata-
o que pode sugerir que o psicólogo está se, também, de uma área que permite maior
construindo uma trajetória profissional sus­ flexibilidade de horário de trabalho, favo­
tentada na vinculação com várias áreas. recendo sua com­binação com as demais
Uma das possíveis explicações pode estar áreas e atividades profissionais.

30% 36%

10%
13%
11%
Clínica / Saúde Clínica / Organizacional Outros

Clínica / Docência Clínica / Escolar

Figura 9.3 Combinações de duas áreas de atuação.


180 Bastos, Guedes e colaboradores

A mesma tendência de predomínio da Uma das razões pode ser atribuída à maior
clínica é observada quando o psicólogo atua instabilidade dos em­pregos, dos novos vín­
em três áreas (Figura 9.4), mas neste último culos com as orga­nizações na forma de
caso o que se torna mais evidente é a im­por­ prestação de serviço terceirizado, o que fez
tância da área de saúde. Três com­bina­ções com o que o psi­cólogo tivesse de se adaptar
mais significativas são: clínica/organi­zacio­ a esta nova realidade. Tal hipótese ex­pli­
nal/saúde (21%), clínica/do­cên­cia/saú­­de cativa en­contra respaldo no fato de os re­
(16%) e clínica/social/saú­de (12%). sultados da pes­quisa terem revelado que
Ao serem comparados com o cenário de muitos psi­cólogos autônomos exercem ati­
1988, os resultados da área de psicologia vidades de consulto­ria na área organiza-
organizacional e do trabalho permitem in­ cional e do trabalho. É preciso refletir criti­
ferir que houve uma pequena queda, pois ca­mente se esta forma de inserção na área
naquela época, 80% dos psicólogos que orga­niza­cional e do trabalho (consulto-
atuavam nessa área se dedicavam exclu­ ria externa) é um sinal de consolidação ou
sivamente a ela. Em outras palavras, atual­ en­fra­que­cimento e quais impactos teria na
mente, há menos psicólogos dedi­cando-se for­mação do psicó­logo. Estudos adi­cionais
exclusivamente à área organi­za­cional e do são necessários para tentar res­ponder a es­
trabalho do que no final da década de 1980. sas questões.
21%

51%

16%

12%

Clínica / Organizacional / Saúde Clínica / Social / Saúde

Clínica / Docência / Saúde Outros

Figura 9.4 Combinações de três áreas de atuação.

No que se refere à área escolar e edu­ca­­ que dizem atuar nela, mais de 60% o fazem
cional, o quadro sofre profundas mu­danças em combi­nação com outras áreas. Por­tanto,
quando comparado a áreas ante­riores. Primei­ so­mente 40% deles atuam exclusivamente na
ro, há uma queda quantitativa brus­ca, pois área educacional. O quadro é o mesmo en-
enquanto 1190 dos psi­cólogos que atuam em con­­trado em 1988, pois entre os profis­sio-
clínica, 616 atuam em saúde e hospitalar e nais que se dedica­vam a essa área, 61% atua­
554 atuam na área orga­ni­zacional e do tra­ vam também em outra área, contrapondo-se
balho, somente 217 atuam na área escolar e a 39% que permaneciam exclusivamente nela
educacional. Em segundo lugar, ao analisar (Bastos, 1988).
os dados da área clínica, fica claro o equilíbrio A partir da Figura 9.5 é possível cons­
entre quem atua somente na clínica e quem a tatar a diversidade de inserções profis­­sio­
concilia com outras áreas, ao passo que, na nais nas diferentes áreas de atuação. Essa
área escolar e educacional, dos psi­cólogos mesma figura explicita o peso atri­buído a
O trabalho do psicólogo no Brasil 181

cada área no total de in­serções possíveis tempo, os seus trabalhos (ou empregos) de­
(setor público, pri­va­do, terceiro setor e au­ mandam de modo mais expressivo ati­vidades
tô­nomo) e o per­centual de psi­cólogos iden­ de na­tureza clínica. Em segundo lugar, des­
tificados por área de atuação. ponta a área de saúde, pois dos 27% que
A área clínica indiscutivelmente possui o atuam nessa área de modo ex­clusivo ou não,
maior peso, pois as inserções profissionais 20,2% dos trabalhos ou inserções (empregos)
relacionadas às atividades clínicas repre­ estão a ela rela­cio­nado. Na terceira posição,
sentam 39,9% para 53,9% dos psicólogos en­con­tra-se a área organizacional e do tra­
que atuam nela de modo exclusivo ou não. balho, com peso de 18,1% (inserções ou tra­
Em outras palavras, mesmo que o psicólogo balhos) para 25,1% dos psicólogos que man­
atue na clínica e em outra área ao mesmo têm algu­ma in­serção nessa área.

2,2
Atuam na área jurídica
1,6

27
Atuam na área da saúde
20,2

4,8
Atuam na área social
3,5

14,6
Atuam na área docente
10,5

Atuam na área 25,1


organizacional 18,1

9,8
Atuam na área educacional
7,1

53,9
Atuam na área clínica
39,9

0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0

% psicólogos (n = 2,207) % inserções (n = 3,053)

Figura 9.5 Participação de cada área no conjunto de trabalhos dos psicólogos.

O que leva o psicólogo a se inserir si­ humano e intervir para me­lhorar o bem-es­
multaneamente em várias áreas de atua­ção? tar e a realização pessoal. A variedade de
Em 1988, Bastos discutia que esse fato po­ oferta de trabalho, a in­satis­fação com a área
deria ser explicado pela fragilidade dos li­ de atuação e a baixa re­muneração também
mites entre as áreas de atuação e a facili- poderiam ex­plicar essa múltipla inserção,
dade de movimentação entre elas. Em ou- mas aqui o sentido seria outro. Enquanto,
tras palavras, independente de se trabalhar no primeiro caso, a expan­são da identidade
em contextos diversificados (es­cola, orga­ni­ do psi­cólogo (um profis­sional com um per-
zações formais, hospitais, co­mu­­nidades, con­ fil de­finido para atuar em vários contex-
sultório, etc.), o psicólogo se perceberia como tos) ex­plicaria as múl­tiplas in­ser­ções, no se­
um profissional capaz de com-pre­en­der o ser gun­do as insa­tis­fações profis­sionais (salá-
182 Bastos, Guedes e colaboradores

r­ io e área de atua­ção) explica­riam esse mes­ rado, recorre ao modelo predo­mi­nante que
mo fato. oferece status e serve de refe­rência, sem que
Que fatores direcionam tão fortemente avalie criticamente sua adequação para essa
o interesse do psicólogo pela atuação na nova situação. Então, a ausência de formação
área clínica? É na clínica que o profissional é com­pensada pelo uso de um modelo teó­
se percebe realizando mais plenamente o rico-metodo­lógico de atuação que, embora
ideal de atuação psicológica e isso é cons­ seja reco­nhecido socialmente, não contribui
truído durante o processo de formação pro­ de mo­do efetivo para o contexto em que se
fissional (Bastos, 1988; ver também o Capí­ pretende atuar.
tulo 5 deste livro). Estudantes de psi­cologia Também, não se pode ignorar que o ce­
ig­noram situações e contextos de atuação nário atual indica claramente que o psicólogo
prática para além do modelo clínico, e isso está ocupando mais espaço social e está se
repercute nos horizontes de inserção pro­ inserindo de modo ativo no sistema público
fissional futuros, limitando a visualização de de saúde e assistência social quando compa­
onde o psicólogo poderia ou deveria atuar rado aos resultados de 1988. Cresceu subs­
para cumprir a contento o seu papel (Bo- tan­cialmente a par­ti­cipação de psicó­logos
to­mé, 1988). Reconhece-se também que em equipes multi­disciplinares de saú­de, a
gran­de parte das demandas de trabalho psi­ exemplo dos Centros de Atenção Psi­cosso­
cológico está associada a atividades de psi­ cial (CAPs) que integram o Sistema Único de
coterapia e aconselha­mento, sinalizando Saúde (SUS) e possuem como principais ob­
que a atividade clínica ultrapassa os limites jetivos mini­mizar as internações de pa­cientes
dos consultórios par­ticulares. com transtornos mentais e favorecer sua in­
Qual seria a consequência de um pre­ te­gração na comunidade e na família. Outro
domínio de uma área sobre as demais? A exemplo de inserção dos psicólogos em tais
limitação de outras possibilidades de atuação espaços é o Centro de Re­ferência da Assis­
repercute na identidade profis­sional e tam­ tência Social (CRAS), que tem co­mo proposta
bém contribui para fortalecer um modelo orientar o convívio sociofamiliar e comu­
teórico-prático de atuação per­cebido como nitário, em contextos de desigual­dade so-
elitista (Sass, 1988). O continuísmo de um cial, incentivando e oferecendo con­dições
modelo de atuação considerado elitista não pa­­ra o desenvolvimento da cidadania e da
é decorrência apenas da qualidade e da emancipação social da população local.
quantidade dos conhecimentos produzidos, Esses espaços de atuação indicam que é
nem das con­tingências institucionais que crescente a demanda social por uma atua-
obrigam o psicólogo a limitar sua esfera de ção do psicólogo integrada ao contexto em
atuação, mas também da ação profissional que o indivíduo se insere, o que tem impac-
dos próprios psicólogos que reproduzem de tos evi­dentes na constituição da identida-
modo acrítico os modelos de atuação in­ de desse profissional e na neces­sidade de
corporados desde o processo de forma­ção, de­senvolvimento de compe­tências e de aqui­
restringido suas possibilidades de inserção sição de conhecimentos que auxiliem a prá­
nesses contextos. tica profissional nesses contextos.
Por outro lado, é necessário levar em
con­sideração que muitas dificuldades no
exercício profissional se devem ao des­pre­ Renda, vínculo empregatício e
paro para lidar com demandas sociais di­ver­ titulação por área de atuação
sificadas (Borges-Andrade, 1988). Se o psi­
cólogo se vê diante de situações novas de No que se refere à renda e ao vínculo em­
trabalho para as quais não se sente prepa- ­­pregatício, não foram constatadas muitas di­
O trabalho do psicólogo no Brasil 183

ferenças na caracterização dos psicólogos exceção fica por conta da área clínica, cuja
que atuam em uma única área de atuação. maioria (62%) se insere como autônomo.
As diferenças apareceram somente quando é Na área organizacional e do trabalho, cer-
levada em consideração a titulação má­xima ca da metade (48%) man­tém vínculos em­
em cada área de atuação. A Figura 9.6 ilus- pregatícios, mas é preciso considerar que
tra essas diferenças. uma das atividades prin­cipais de quem atua
Observa-se que a condição empre­gatícia nessa área é a con­sultoria, o que contribui
de assalariado é uma realidade para a maior para que uma parcela de sua remuneração
parte das áreas de atuação em psicologia. A seja a de um profissional autônomo.

Clínica 62% trabalha como 47% ganha entre 48% de graduados


n = 605 autônomo 1 a 3 salários mínimos 36% de especialistas

Escolar 69% trabalha como 46% ganha entre 38% de graduados


n = 85 assalariado 3 a 5 salários mínimos 54% de especialistas

61% ganha 5 e
Organizacional 48% trabalha como 12% ganha 7 salários 48% de graduados
n = 339 assalariado mínimos 40% de especialistas

Grande variabilidade
Docência 85% trabalha como 13% ganha 15 33% de mestres
n = 129 assalariado salários mínimos 64% de doutores

Saúde 82% trabalha como 74% ganha até 47% de graduados


n = 259 assalariado 5 salários mínimos 39% de especialistas

Figura 9.6 Diferenças de vínculos, renda e titulação de psicólogos por área de atuação.
Obs: As áreas de atuação social/comunitária e jurídica, dada a baixa frequência, não foram incluídas
nesta análise.

Ao analisar a renda dos psicólogos por profissional. Além disso, há uma grande va­
área de atuação, é digno de nota que a área riabilidade nas taxas cobradas por con­sulta,
clínica ofereça a mais baixa remu­neração espe­cialmente nos primeiros anos de prática,
(de 1 a 3 salários mínimos), o que reforça ou no qual, muitas vezes, os gastos para ma­nu­
evidencia que parte importante da inserção tenção e formação complementar su­peram
na clínica caracteriza-se como um trabalho os valores cobrados por consulta, realidade
precário. Em parte, isso pode ser explicado não muito diferente da cons­tatada na pes­
pelo fato de muitos psicólogos não traba­ quisa da década de 1980 (Langenbach e Ne­
lharem em consultório ou escritório próprios, greiros, 1988).
possuindo gastos com aluguel, pagamento A área que melhor remunera é a do­
da supervisão dos casos clínicos e impostos cência de nível superior (13% ganham mais
necessários para a regularização do exercício de 15 salários mínimos), na qual se con­
184 Bastos, Guedes e colaboradores

centram os profissionais com mais altas ti­ é destacado o percentual de psicólogos que,
tulações stricto sensu. A área orga­niza­cional atuando na área, exclu­sivamente ou não, re­
e do tra­balho é a que oferece a se­gunda me­ lata desempenhar as atividades.
lhor remuneração, pois 61% dos psicólogos As principais atividades de psicólogos
que nela atuam recebe cer­ca de 5 salários que atuam na área clínica/avaliação psi­co­
mí­nimos, além de 12% atingiram a faixa dos lógica permitem inferir que os trabalhos
7 salários, o que está coerente com os valo- realizados nessa área estão relacionados a
res de mercado pra­ticados, especialmente dois focos principais. O primeiro é o aten­
no que se refere às consultorias. As áreas dimento psicológico sob a modalidade de
de escolar/educa­cional e a área de saúde/ psicoterapias (individual, de casal e de gru­
hos­pitalar ocu­pam posições intermediárias po), aconselhamento (adolescentes, pais e
em rela­ção às demais, mas ambas ratificam crianças com problemas de apren­dizagem)
o quadro geral da profissão. Ou seja, a psi­ ou assistência psicológica a en­fermos. O
cologia é uma profissão, cuja remuneração se­gundo foco é na elaboração de psico­diag­
não é das mais atraentes. nóstico e pareceres psico­lógicos, com base
No que se refere à titulação, a área de do­ em testes psicológicos.
cência/pesquisa é a que mantém um per­cen­ Os psicólogos que atuam na área es­colar/
tual elevado de doutores (64%) e mestres educacional também fazem uso de testes psi­
(33%). Nas demais áreas, o pre­­do­mínio é de cológicos para dar suporte à orien­tação de
profissionais graduados (por­centa­gens bem adolescentes (vocacional/profis­sional) e de
próximas a 50%) ou de especialistas (por­cen­ crianças com problemas de aprendizagem.
tagens variando de 36 a 54%). A área clínica Esses profissionais tam­bém se dedicam à ela­
é a que abriga o menor número de especialistas boração de políticas edu­cacionais, inter­ven­
(36%), contrastando com a área escolar (e ções em contextos insti­tucionais, além do pla­
edu­cacional) que possui 54%. A atua­ção em nejamento e da exe­cução de projetos. A par­
clínica (e ava­liação psi­cológica) atende à ex­ ticipação em equipes técnicas, sinal de sua
pectativa pre­visível de quem se insere no cur­ experiência em tra­balhar em equipes multi­
so de psi­cologia. Ao contrário de outras áreas disciplinares, tam­bém é uma atividade desse
de atuação, que necessitam ter vínculo for- grupo de psi­cólogos.
mal empregatício, o psi­cólogo clínico pode Os psicólogos organizacionais e do tra­ba­
fazer atendimento psi­cológico assim que se lho mantêm suas atividades tradi­cio­nais vin­
gra­duar, pois é suficiente ter um registro no culadas a recrutamento e se­leção de pes­soas,
con­selho pro­fissional e um local para pres- fazendo uso de testes psico­lógicos para dar su­
tar o atend­imento (próprio ou alu­gado). É porte ao psico­diagnós­tico. Assumem, no en­­­tan­
fa­to, também, que muitos psi­cólogos man- to, fun­ções de chefia, o que indica o seu im­
têm gas­tos com supervisão de colegas ex- portante papel no desenvolvimento de equipes
pe­rientes, sem que para isto pre­cisem estar de trabalho. A avaliação de de­sem­penho e o
vin­culados a programas de for­mação, lato ou diagnóstico organizacional são as principais
stricto sensu. ati­vidades quando o foco recai na organiza-
ção. A ati­vidade de con­sultoria tam­bém está
presente na atua­ção em organizações de tra­
Principais atividades de balho. E isso é im­portante porque todas as
cada área de atuação ati­vi­dades desem­penhadas pelo consultor po-
dem ser reali­zadas tanto por um psicó­lo­go
Nesta seção serão apresentadas as prin­ que mantém vínculo empregatício per­ma­nente
cipais atividades desenvolvidas pelos psicó­ com uma organização quanto por aquele que é
logos em cada área de atuação. Na Figura 9.7 con­tratado como prestador de serviços.
O trabalho do psicólogo no Brasil 185

Psicodiagnóstico (83,0%)
Aplicação de testes psicológicos (64,2%)
Atendimentos a crianças
com distúrbios de aprendizagem (44,5%)
Psicoterapia individual (adulto, criança
e adolescente (31,1%)
Orientação de pais (23,4%)
Clínica (616) Pareceres e laudos psicológicos (18,2%)
Psicodiagnóstico (66,1%) Orientação psicopedagógica (15,7%)
Aplicação de testes psicológicos (52,4%) Psicoterapia de grupo (14,3%)
Assistência psicológica a pacientes Orientação a gestante (14,1%)
clínicos e cirúrgicos (51,9%) Psicoterapia de casal (13,2%)
Atendimentos a crianças com Orientação a adolescentes (13,1%)
distúrbios de aprendizagem (41,7%) Orientação vocacional/profissional (10,7%)
Psicoterapia individual (adulto, criança Assistência materno infantil (9,6%)
e adolescente (28,8%)
Orientação de pais (26,8) Saúde (616)
Assistência materno infantil (19,5%)
Planejamento e execução de projetos (19,3%) Aplicação de testes psicológicos (61,2%)
Orientação a gestante (17,9%) Avaliação de desempenho (52,5%)
Participação em equipes técnicas (16,2%) Diagnóstico organizacional (49,5%)
Orientação a adolescentes (14%) Consultoria (45,3%)
Orientação a grupos na Psicodiagnóstico (28,1%)
área de saúde pública (13,9%) Supervisão extra-acadêmica (24,3%)
Orientação psicopedagógica (13,7%) Organizacional (216) Cargo administrativo (gerência ou direção) (23,4%)
Dinâmica de grupo (11,9%) Análise de função ou ocupacional (21,9%)
Recrutamento/seleção (19,4%)
Dinâmica de grupo (16,3%)
Desenvolvimento de grupos e equipes (15,8%)
Reabilitação profissional (13%)
Atividades Análise de cargos e salários (12,5%)
por áreas Intervenção em organizações e instituições (12,3%)
de atuação

Docência no ensino superior (98,3%)


Pareceres e laudos psicológicos (55,2%)
Psicodiagnóstico (14,7%)
Supervisão de estágios acadêmicos (12,9%) Docência (129) Atendimento a crianças com
Aplicação de testes psicológicos (12,1%) distúrbios de aprendizagem (56,9%)
Planejamento de política educacional (12,1%) Aplicação de testes psicológicos (55,1%)
Participação em equipes técnicas (12,1%) Psicodiagnóstico (47,7%)
Cargo administrativo (gerência ou direção (11,2%) Planejamento de política educacional (39,4%)
Orientação psicopedagógica (38,9%)
Orientação vocacional/profissional (34,3%)
Escolar (216) Orientação de pais (31,9%)
Consultoria (20,4%)
Participação em equipes técnicas (18,5%)
Supervisão extra-acadêmica (17,1%)
Pareceres e laudos psicológicos (16,2%)
Orientação a gestante (14,8%)
Orientação a adolescentes (14,8%)

Figura 9.7 Distribuição de atividades por área de atuação.

É previsível que o psicólogo que atue em ati­vidades de gestão pelo fato de assumir
docência tenha nela a sua principal atividade. fun­ções de coordenação de cur­so, chefia de
A supervisão de estágios tam­bém é com­ departamento e demais car­gos adminis­trati­
patível e complementar ao exer­­cício da vos. A coordenação e a par­ticipação em equi­
docência no curso superior. No setor públi- pes técnicas sinalizam tam­bém que ati­vi­
co, em particular, o docente de nível supe- dades de extensão e consultoria técnica es­
rior concilia suas atividades de ensino com tão relacionadas à docência.
186 Bastos, Guedes e colaboradores

A aplicação de testes psicológicos tam­ A adoção de um conceito de saúde mais


bém consta entre as principais atividades amplo fez proliferar a construção de instru­
dos psi­cólogos, da área de saúde/hos­pitalar. mentos para avaliar o bem-estar sub­jetivo e
Do mes­mo modo que nas demais áreas, o psicológico, a resiliência, a qua­­­lidade de vi­da
uso de testes está relacionado à elaboração no trabalho, as habili­dades sociais e a con­fi­
de psico­diag­nóstico. As outras atividades do guração das redes de apoio social. De certo
psicó­logo des­ta área estão relacionadas à modo, o psicólogo começou a usar o seu co­
assistência psico­lógica a pacientes por meio nhecimento sobre os processos huma­nos nos
de abordagem in­di­­vidual (psicoterapias), contextos so­ciais para desenvolver um refe­
gru­pal (dinâmica de grupo, orientação se­ rencial teó­rico que o auxiliasse a dia­g­­­nos­ticar
xual a adolescentes, orien­tação a pais) e problemas e propor intervenções mais efeti-
re­­lacional (assistência materno-infantil). A vas; isso está provocando im­pactos nítidos no
par­ticipação em equi­pes multidis­ciplinares uso da avaliação psicológica pelos psi­có­logos
também é carac­terística de quem atua na nos diversos contextos de atuação.
área de saúde/hospitalar, em especial na
coor­denação.
É fácil concluir que as atividades rela­ Áreas de atuação e
cionadas ao psicodiagnóstico e avaliação psi­ locais de trabalho
cológica ocupam um lugar central na atua-
ção profissional do psicólogo. Isto adquire O local onde as atividades são reali­zadas
sentido quando se afirma que a avaliação é considerado um critério importante da prá­
psicológica é o primeiro passo no diagnóstico tica profissional do psicólogo. É co­mum acre­
de problemas para posterior intervenção. Em ditar-se que psicólogos que traba­lham com
1960, houve um recuo na utilização de ins­ temas da educação atuam na área es­colar.
trumentos de avaliação, em decorrência de Este critério, no entanto, tem suas li­mitações,
uma crise na área de ava­liação. Três fatores visto que o objetivo, o tipo de pro­blema, a
estiveram relacio­nados a essa crise: i) as crí­ natureza das relações, os vínculos com os
ticas sobre a validade e fidedignidade dos clientes e os procedi­mentos utilizados de-
instrumentos usados para fazer avaliações vem ser foco de análise para o adequado en­
psicológicas, ii) as ex­pectativas sociais irrea­ quadre da área de atuação (Bastos, 1988).
listas quanto às ava­liações, e iii) as discussões A atuação profissional vai além da des­
de ordem episte­mológica e ideológica. A par­ crição de técnicas e procedimentos uti­lizados
tir da década de 1980, todavia, a crise come­ e revela os valores, os papéis, as relações so­
çou a ser su­perada e desde então se assiste a ciais e os vínculos no ambiente de trabalho
um re­novado interesse pela área, o que pode que confi­gu­ram uma cultura própria ao con­
ser constatado pela criação de uma associação texto de atuação. O objetivo desta se­ção é es­
profissional especializada e pelo crescimento ta­belecer relações entre os locais de tra­balho
expressivo no número de pes­quisadores na e as principais áreas de atua­ção, vi­san­do com­
área (Hutz e Bandeira, 2003). Além disso, é pre­ender melhor de que forma se rea­liza a
preciso reconhecer que a avaliação psi­co­ló­ in­serção do psicólogo em cada contexto.
gica ganhou outros espaços de atuação pro­ A Figura 9.8 ilustra os locais de tra­balho
fissional além dos consultórios parti­culares. nos diversos setores e as áreas de atuação
Passaram a ter utilidade, por exem­plo, no dos psicólogos que neles tra­balham.
diagnóstico de populações em situa­­ções de Os psicólogos que atuam na área clí­ni­­ca se
risco social e pessoal e de ado­lescentes em encontram predominantemente tra­­ba­lhan­do
conflito com a lei. em consultórios particulares, alu­gados (47,8%)
O trabalho do psicólogo no Brasil 187

Consultório particular alugado (47,8%)


Consultório particular próprio (19,8%)
IES/Serviço de Psicologia público (6,5%)
Empresas privadas (2,7%)
Clínica
IES/Serviço de Psicologia privado (4,6%)
Residência (2,5%) Consultório particular alugado (16,1%)
Órgão da administração pública/ Consultório particular próprio (10,5%)
Empresa pública (19,5%) Escola privada (18%)
Escolar Órgão público/Empresa pública (14,2%)
Residência (5,9%)
IES/Serviço de Psicologia (12,1%)
Empresa privada (3,4%)

Empresas privadas (23,4%)


Consultório particular alugado (16,7%)
Consultório particular próprio (7,1%)
Órgão da administração pública/
Empresa pública (8,1%) Organizacional
IES/Serviço de Psicologia privado (8,3%)
Áreas e
Hospitais (8,2%) locais de
Escritórios particulares (5,5%) atuação
Residência (8,3%)

IES particular (31,8%)


IES público (21,6%)
Consultório particular alugado (14,4%)
Unidade de Serviço Público em Saúde (30,7%)
Consultório particular próprio (6,8%)
Consultório particular alugado (18,8%)
Consultório particular próprio (8,4%)
Docência Residência (5,6%)
Escola privada (18%)
Instituição de saúde particular (8,2%)
IES Superior/Serviço Público
Órgão da administração pública/
Saúde de Saúde (4,5%)
Empresa pública (6,3%)
Empresas privadas (4,1%)
IES privada/Serviço de psicologia (5%)
Empresas privadas (4,1%)
Unidade pública de atendimento a
crianças e adolescentes (3,1%)

Figura 9.8 Locais de trabalho por área de atuação.

ou próprios (19,8%). Os ser­­­vi­ços de psicologia Os que atuam na área organizacional e


vinculados a ins­ti­tuições públicas (6,5%) e do trabalho encontram-se mais distri­buí­dos.
par­ticulares (4,6%) tam­bém absor­vem os pro­ As empresas privadas (23,4%) e públi­cas
fissionais da área clínica. (8,1%) concentram a maior parte deles, mas
Dos profissionais que estão na área de outros também estão pre­sentes em serviços
saúde, 30,7% encontram-se nas unidades de psicologia parti­culares (8,3%) e em hos­
de serviço público de saúde ou nas insti­ pitais (8,2%). Seguindo a tendência geral,
tuições par­ticulares (8,2%). Os psicólogos eles possuem consultórios par­ticulares alu­
da área de saúde também mantêm con­sul­ gados (16,7%) ou próprios (7,1%), um sinal
tórios par­ti­cula­res alugados (18,8%) ou de que exercem alguma atividade clínica ou
pró­prios (8,4%), pro­vavelmente decor­ren­ de avaliação psico­lógica.
tes de con­vênios com ins­tituições pú­blicas e O que mais surpreende é a distribui-
privadas de aten­di­mento. ção dos psicólogos que atuam na área esco-
Os docentes estão fortemente con­cen­ lar e edu­cacional. A escola privada não é o
trados nas instituições de ensino parti­culares lugar pri­vilegiado de atuação, embora 18%
(31,8%) e públicas (21,6%), mas conciliam exer­cem nela suas atividades. Além da es­
suas atividades com atividades em con­ cola, os pro­fis­sionais dessa área se encon-
sultórios particulares alugados (14,4%) ou tram alo­cados em consultórios particula-
próprios (6,8%). res alu­gados (16,1%) ou próprios (10,5%),
188 Bastos, Guedes e colaboradores

em órgãos ou empresas públicas (14,2%) e Baró, 1997, apud Dimens­tein, 2000). Os cur­
em serviços de psicologia vinculados a ins­ sos de psicologia, por não possibilitarem ao
tituições de ensino (12,1%). estudante a vi­sualização dos aspectos sociais,
Um resultado da pesquisa que suscita políticos e ideológicos mais am­plos que in­
re­flexão crítica cuidadosa é o fato de o con­ terferem na sua prática, findam por reforçar o
sultório particular se manter como um local mo­delo individualista, promovendo um dis­
de trabalho para os psicólogos nas diversas tan­cia­mento da di­men­são social (Di­mens­tein,
áreas de atuação. A questão a ser respondida 2000), o que pode explicar o número ex­pres­
é se a atividade que o psicólogo exerce no sivo de psicólogos de diversas áreas atuan­do
seu consultório particular con­tri­bui para que em consultórios par­ticulares.
ele reproduza o modelo clí­nico de aten­di­
mento individualizado em con­tex­tos a prin­
cípio inapropriados para esse nível de inter­ Orientações teóricas
venção.
Essa indagação adquire sentido, por­que As orientações teóricas dos psicólogos
há uma crença de que, embora a psi­cologia são informações-chave para compreender
deva assumir o seu papel de ques­tionadora e co­mo se fundamentam as atividades e os
transformadora do status quo, pode estar re­ espa­ços de atuação do psicólogo brasileiro.
produzindo estruturas sociais e relações de Oito diferentes abordagens teórico-meto­
poder, na medida em que os psicólogos pa­ dológicas foram apresentadas como op­ções
recem não compreender cla­ramente quem é o sendo facul­tado aos psicólogos esco­lher uma
real beneficiário do co­nhecimento e das in­ ou várias dessas alternativas. A Figura 9.9
tervenções que rea­lizam na sua prá­tica de mostra o per­­centual com que cada abordagem
trabalho (Botomé, 1996; Gil, 1985; Martín- foi citada.

569; 9,2%
1253; 20,2%
397; 6,4%

796; 12,8%

842; 13,6%

790; 12,7%

925; 14,9%
642; 10,3%

Abordagem psicanalítica Abordagem comportamental

Abordagem humanista Abordagem existencialista

Abordagem cognitivista Abordagem sócio-histórica

Abordagem psicodramática Abordagem analítica

Figura 9.9 Abordagens teórico-metodológicas dos psicólogos brasileiros.


O trabalho do psicólogo no Brasil 189

Ao considerar a presença de orien­tações binação de mais de um referencial teórico


teóricas, em combinação com ou­tras ou iso­ na prática profissional dos psicólogos.
ladamente, a abordagem psi­canalítica se des­ Nesse novo arranjo, as abordagens psi­
taca como a mais utilizada pelos psi­có­logos canalíticas continuam ocupando a posi­ção
brasileiros (20,2%). As abordagens huma- de destaque, seguidas das aborda­gens cog­
nista (14,9%), compor­tamental (13,6%), só- ni­tivo-comportamental e humanista-exis­
cio-histórica (12,8%) e cognitivista (12,7%) ten­cial. Fica claro também que o psi­cólogo
vêm em sequência. lança mão de mais de um referencial teórico
Na tentativa de simplicar a apresen­tação para compreender e atuar na rea­lidade em
dos dados e torná-los mais claros, uniram-se que se insere. As combinações de aborda-
algumas abordagens afins e as porcentagens gens indi­cam, no entanto, que apesar de
foram recalculadas. Desse modo, a aborda­ apre­sentarem pressupostos dis­tintos e, em
gem psicanalítica uniu-se à abordagem ana­ alguns casos, contraditórios entre si (cog­
lítica, o mesmo ocorreu com a humanista e a nitivo-com­por­tamental e hu­ma­nista-exis­
existencialista, e também com a cognitivista tencial; psicanálise e sócio-histórica, por
e a com­por­tamental. A Figura 9.10 ilustra exemplo), os psi­cólogos encontram algum
esse novo arranjo das abordagens aglutina- modo de conciliar tais abordagens teóricas
das e apresenta os dados referentes à uti­ para torná-las úteis aos seus propósitos teó­
lização de uma única abordagem ou com­ ricos e práticos.

Uma abordagem Duas abordagens Três ou mais abordagens


(n = 1.262) (n = 697) (n = 570)

Psicanálise/cognitivo-
Psicanálise Psicanálise/cognitivo-
-comportamental/
18,2% -comportamental 4,6%
humanista-existencial 4,6%

Psicanálise/cognitivo- Psicanálise/
Cognitivo--comportamental
-comportamental/ humanista-existencial/
10,0%
humanista-existencial 4,3% Sócio-histórica 4,6%

Psicanálise/ Cognitivo-comportamental/
Humanista-existencial
Sócio-histórica humanista-existencial
6,1%
4,2% Sócio-histórica 4,6%

Psicanálise/ Psicanálise/
Sócio-histórica
humanista-existencial humanista-existencial/
2,6%
3,8% Sócio-histórica 4,6%

Psicanálise/cognitivo-
Psicodrama Humanista-existencial/
-comportamental/
10,0% Sócio-histórica 4,6%
sócio-histórica 1,3%

Cognitivo-comportamental/
Todas as abordagens
sócio-histórica
4,6%
2,1%

Humanista-existencial/
Psicodrama
4,3%

Figura 9.10 Abordagens teórico-metodológicas combinadas.


190 Bastos, Guedes e colaboradores

De um lado, a habilidade de integrar teo­ Abordagens teóricas,


rias que historicamente não são afins pode especialização e tempo
ser explicada pela complexidade do obje­to de de formação: possíveis
estudo da psicologia, que com­pele o pro­ inter-relações
fissional a analisar o homem de modo inte-
gral, conciliando perspectivas mais bio­ló- Ao analisar as associações entre for­ma­-
gi­cas (cog­nitivo-comporta­men­tal) e subje­ti­ ção profissional e a variabilidade das abor­da­
vas. Há, todavia, pelo menos quatro mo- gens teóricas usadas pelos psicó­logos, é pos­
dos de abordar a subjetividade humana. Na sível inferir que quanto mais o profissional se
pers­pectiva psicanalítica, a subjetividade é especializa, obtendo ti­tulações elevadas, me­
en­fa­tizada no seu aspecto psicodinâmico, nos faz uso de abor­dagens teóricas variadas.1
cujo inconsciente tem um papel relevante. Na Esse decréscimo do uso de abordagens teóri-
perspectiva huma­nista-existencial, a subje- cas diversas é acom­panhado do aumento de
tivi­dade é ana­lisada do ponto de vista da uma abor­dagem mais direcionada, prin­cipal­
motivação para a autorrealização humana, o mente a abor­dagem sócio-histórica.
que coloca em destaque a dimensão cons- Ao analisar a porcentagem em cada fai-
ciente da psique. Na perspectiva cognitivo- xa de especialização (Figura 9.11), cons­tata-
-com­por­ta­mental, a subjetividade é decorren- -se que dos 1476 psicólogos graduados, 936
te de pro­cessos básicos comuns a todo cére­ (63%) utilizam duas ou mais abor­dagens com­
bro hu­mano. Por último, a abordagem sócio- binadas. Essa proporção, de 64% (n  = 784), é
his­tórica coloca no centro da cons­trução da mantida entre os 1228 psicólogos que possuem
subjetividade a dimensão social do ser hu­ especialização. Quando o psi­cólogo tem o tí­
mano. Ela estaria situada no tempo e no tulo de mestre (n = 465) essa proporção cai pa­
espaço e seria fruto de um contexto histó-­ ra 61% (n = 285). Mas, a di­ferença se faz notar
rico, social e cultural no qual o ho­mem se somente entre os dou­tores (n = 166) quan­do a
encontra imerso. porcentagem cai para 41% (n = 68).
De outro lado, esse mesmo resultado Ao analisar a titulação, conclui-se que o
pode sinalizar que o psicólogo não tem cla­ uso de abordagens variadas permanece ele­
reza sobre qual orientação teórica é a mais vado até o mestrado, quando sofre uma pe­
apropriada, e essa confusão o faz buscar de quena queda, mas realmente decresce quan­
modo acrítico um ecletismo teórico para do o psicólogo é portador do título de doutor.
diminuir sua ansiedade de lidar com o seu O resultado fortalece a suposição de que o
complexo objeto de es­tudo. Outra explica- fenômeno psicológico é complexo e mul­
ção pode ser encon­trada no fato de as tifacetado exigindo do psicólogo a utili­zação
diversificadas áreas de inserção obrigarem de múltiplas abordagens. A ten­dência, entre­
o psicólogo a usar mais de um referencial tanto, reverte-se quando o psicólogo chega
teórico, já que nem sempre a abordagem ao doutorado, talvez por­­que nesse es­tágio
usada no am­biente de consul­tório pode ser haja maior amadu­re­cimento teórico asso­
facilmente adaptada a ou­tros contextos de ciado a uma maior ha­bilidade de adaptar o
inserção profissional. Todavia, a resposta referencial teórico dominante às especi­fi­
não pa­rece ser simples, pela dificuldade em cidades de variados contextos de aplicação.
ex­plicar por que a psicanálise persiste co- Outra interpretação possível é que quanto
mo a teoria mais usada, a despeito do re­ mais o psicólogo aprofunda seus estudos em
conhecimento de que ela impõe limites pa- um tema específico, mais seletivo se torna
ra a apreensão de fenômenos psicos­sociais em suas atividades e áreas de atuação, pro­
que se estendem para além da di­nâmica in­ curando maior alinhamento com sua opção
trapsíquica. teórica e metodológica.
O trabalho do psicólogo no Brasil 191

Abordagens teóricas x Formação profissional

40,0%

35,0%

30,0%

25,0%

20,0%

15,0%

10,0%

5,0%

0,0%
Psicanálise Cognitivo- Humanista Sócio- Psicodra- Combina Combina Combina
comporta- existencial histórica matista duas três mais de três
mental abordagens abordagens abordagens

Graduação 18,3% 10,3% 5,6% 1,7% 0,7% 18,8% 7,0% 37,6%

Especialização 18,4% 8,4% 7,26% 0,9% 1,2% 22,0% 8,3% 33,6%

Mestrado 15,3% 11,0% 4,9% 6,2% 1,3% 25,8% 8,6% 26,9%

Doutorado 23,5% 16,3% 4,8% 13,2% 1,2% 18,7% 4,2% 18,1%

Figura 9.11 Abordagens teóricas por titulação.

Ao analisar as relações entre o uso de formados entre 11 e 20 anos. A queda ex­


abordagens teóricas e o tempo de gradua­ção, pres­siva ocorre a partir dos 20 anos de for­
encontrou-se a queda do uso de três ou mais mado (n = 551), quando a porcentagem dos
abordagens teóricas ocorrendo após 11 anos psi­cólogos que usam duas ou mais abor­
de formação embora ainda persista o uso de dagens cai para 58% (n = 318).
duas abordagens teóricas. Os psi­cólogos com O resultado converge com o que foi di-
mais de 20 anos de atuação no mercado ten­ to anteriormente e mantém consistência com
dem a decrescer de modo mais significativo o o cenário encontrado na pesquisa do psicólogo
uso combinado de mais de três abordagens, a do final da década de 1980 (Car­valho, 1988).
favor de abordagens teó­ricas específicas: psi­ À medida que o psicó­logo adquire experiência
codrama, sócio-his­tórica e psicanálise.2 profissional e se espe­cializa, diminui o uso de
A Figura 9.12 ilustra a porcentagem to­ várias abor­dagens teó­ricas.
tal de duas ou mais abordagens teóricas por É fato que, ao graduar-se, o profissional
tempo de graduação, e conclui-se que, ao ainda não possui uma definição clara de
longo do tempo, o psicólogo persiste fazendo quais instrumentos e abordagens teóricas
uso de várias delas na seguinte proporção: são recomendáveis para dar suporte a sua
63% (n = 533) dos 838 psi­cólogos formados intervenção. A partir da experiência prá­tica
até 2 anos, 60% (n = 443) dos 736 psicólogos e da sua especialização, pode optar por for­
formados entre 3 e 5 anos, 67% (n = 382) mas de atuação e abordagens teó­ricas que
dos 573 psicólogos formados entre 6 e 10 atendam de modo mais satis­fatório os de­
anos, e 62% (n = 394) dos 634 psicólogos safios com os quais se defronta no cotidiano
192 Bastos, Guedes e colaboradores

de trabalho. A porcentagem de uso de várias para dar suporte e tam­bém de que a preo­
abordagens teóricas, todavia, se mantém cupação com a formação generalista encon­
alta na maior parte do tempo, o que é um tra mais respaldo empí­rico do que a opção
forte indicador de que a atuação psicoló- prematura pela es­pecialização ainda duran-
gi­ca exige mais de um referencial teórico te a graduação.

Abordagens teóricas x Tempo de formação


45,0%
40,0%
35,0%
30,0%
25,0%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Combina Combina Combina Psicodra- Sócio- Cognitivo-
Humanista
mais de três três duas matista comporta- Psicanálise
histórica existencial
abordagens abordagens abordagens mental

Até 2 anos 38,8% 6,8% 18,0% 0,8% 1,7% 5,1% 11,7% 17,1%

Entre 3 e 5 anos 31,9% 8,5% 19,8% 1,1% 1,8% 5,8% 11,4% 19,7%

Entre 6 e 10 anos 34,9% 8,9% 22,9% 0,9% 1,4% 6,6% 9,4% 15,0%

Entre 11 e 20 anos 33,1% 6,5% 22,6% 0,6% 3,3% 7,7% 7,1% 19,1%

Mais de 20 anos 27,4% 7,4% 22,9% 1,6% 5,9% 5,3% 9,4% 20,1%

Figura 9.12 Porcentagem do uso de duas ou mais abordagens teóricas por tempo de graduação do
psicólogo.

Abordagens teóricas leiro, não assegura que esse profissional es­


e áreas de atuação teja mais preparado para lidar com as diver­
sificadas demandas sociais emer­­­gen­tes. Afi­
Embora os resultados apresentados até nal, durante muitas décadas, a for­mação e
agora reafirmem que a área clínica (e a a construção da identidade pro­fissional es-
avaliação psicológica) continua como prin­ ti­veram embasadas em um mo­delo clínico
cipal área de atuação na psicologia e que a de atendimento individual for­talecido pela
psicanálise, teoria fortemente funda­men- gran­de expectativa da so­ciedade em ver o
tada na prática clínica, ainda é o referencial psicólogo como um pro­fissional do divã. O
predominante, indícios apon­tam que o mo­ psicólogo também en­frenta dificuldades pa­
delo de intervenção indi­vidual está sendo ra se desvencilhar do modelo que, histori­
substituído por outro modelo, mais for­te­ camente, confere-lhe iden­tidade social.
mente focado na inter­venção social. Tal mo­ A inserção do psicólogo deixou de ser,
delo se apoia nas múltiplas áreas de atuação, então, somente do âmbito individual, e pas­
na diversidade de atividades e na pluralidade sou a estar direcionada para a ação situada
de abor­dagens teóricas. Todavia, tal tendên­ em contexto social. O ser humano não é
cia no cenário nacional do psi­cólogo brasi­ mais analisado apenas na sua dinâ­mica in­
O trabalho do psicólogo no Brasil 193

trapsíquica, mas considerado como sujeito seguida, per­cebe-se a utilização de uma com-
situado na história e na cultura, o que requer bi­nação de duas abor­dagens (20%) e, lo­go
uma abordagem multidisciplinar bem mais após, de mais de três abordagens (18%).
complexa da oferecida nos cursos de for­ Tanto para quem atua somente na clí­
mação em psicologia. nica quanto, para aqueles que a conciliam
Se, de um lado, essa ampliação e essa com ou­tras áreas de atuação, a psicanálise
diversificação de áreas de atuação são sinais continua sendo o referencial teórico mais
claros das demandas práticas cres­centes di­ importante: 162 (27%) e 150 (26%). A com­
ri­gidas ao psicólogo, de outro, compelem o binação de duas abordagens, 120 (20%) e
questionamento sobre se o referencial teó­ 145 (25%), e de mais de três abordagens,
rico disponível na atualidade consegue dar 111 (18%) e 138 (24%), apa­recem em se­
suporte e fundamentar a prá­tica psi­co­lógi- quência em termos de fre­quência. Desse
ca em todos esses contex­tos. Se o exer­cício modo, mesmo com o pre­domínio da psica­
profissional e a amplia­ção das áreas de nálise como abordagem teórica daqueles
atua­­ção demandam ama­du­reci­men­to teó­ que estão inseridos na clí­nica, observa-se
rico ain­da não disponível na psi­cologia, a que há uma tendência em utilizar também
alterna­tiva é buscar a in­tegração dos mo­ outras abordagens, o que pode ser explicado
delos teó­ricos existentes e criar no­vos ar­ por duas razões: i) o fortalecimento de abor­
ranjos de in­tervenção para dar su­porte à dagens alter­nativas em atendimento clínico
atuação do psi­cólogo. individual e grupal, e ii) a necessidade de
usar outros refe­ren­ciais teóricos para abordar
os fe­nômenos psico­lógicos em contextos
Áreas de atuação e orientações diver­sificados de atuação.
teórico-metodológicas Ao se apoiar em Santos (1990) e em
Coimbra (1993), Dimenstein (2000) res­
Esta seção é dedicada a explorar um salta que a psicanálise teve um papel im­
pouco mais as relações entre abordagens portante nos anos de 1960 e 1970, ao pro­
teóricas e áreas de atuação, para encontrar por libertar os indivíduos das re­pressões
sinais de multiplicidade teórica e redire­ sociais e políticas, ideal almejado pela po­
cionamento para um modelo social de in­ pularização e pela difusão do conhecimen-
tervenção que supere o modelo individual to psicológico. Isso explicaria a grande ex­
até então predominante. Por causa do nú­ pansão da psicanálise en­tre psicólogos e o
mero pouco expressivo de psicólogos da público leigo naquele contexto histórico.
amos­tra que se inserem na área jurídica e A partir dos anos de 1970, as críticas
social, essas duas áreas de atuação não serão ao modelo de atendimento da psicologia clí­
objeto de análise. nica ganharam força. O foco apenas na di­
nâmica e nos conflitos intrapsíquicos dos
sujeitos, desconsiderando os contextos his­
Orientações teórico-metodológicas tórico, social e cultural de inserção, não es­
da atuação em clínica ta­va sendo mais aceito, compelindo a um
redi­recionamento da atuação em psi­cologia
Para os 1190 psicólogos cuja área de atua­ clí­nica. O modelo de atendimento diádico
ção é exclusivamente a clínica (n = 605) – ou em consultórios particulares (psi­cote­rapeu­ta
está combinanda com outras áreas (n = 585) – e paciente) cede lugar para novas modali­
a psicanálise (27%) con­tinua sendo o refe­ren­ dades de atendimento grupal e fa­miliar. E a
cial teórico mais utilizado (Figura 9.13). Em clínica deixa de ser apenas uma atividade
194 Bastos, Guedes e colaboradores

Clínica

700

600
Nº de respondentes

500

400

300

200

100

0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra-
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens

Clínica 162 88 55 15 6 120 48 111 605


Clínica – 150 49 37 4 6 145 36 138 585
outras áreas

Figura 9.13 Abordagens teóricas na área clínica.

restrita ao consul­tório, ocupando espaço nas outro lado, vencer esse desafio de conciliação
instituições públicas e privadas, nos centros pode servir de estímulo para estabelecer um
de saúde e na comunidade (Fé­res-Carneiro e firme e continuado diálogo entre as diver­
Lo Bianco, 2003). sificadas correntes teóricas de pensamento
É previsível que esse redimensiona­men­ em psicologia.
to dos espaços da clínica tenha re­per­cutido
no referencial teórico que pas­sou a ser ado­
tado pelos psicólogos, visto que a psicanálise Orientações teórico-metodológicas da
ou qualquer outra abor­dagem teórica isola­ atuação na área de saúde-hospitalar
da­mente apresenta limitações para abarcar
os diversos aspec­tos culturais, econômicos, No grupo dos que atuam em outras áreas
so­ciais e his­tó­ricos que influen­ciam a psique além de saúde e hospitalar, 23% (n = 83) uti­
e no com­portamento hu­mano. liza duas abordagens e 22% (n = 80) com­
A utilização de mais de um referencial bina mais de três abordagens teóricas. A psi­
teórico na prática clínica pode ser decor­ canálise res­ponde por 27% (n = 96) das pre­
rente dessa ampliação do olhar sobre o ferências teó­ricas desse gru­po de psi­cólogos.
fenômeno psicológico e de uma maior com­ Dentre aqueles que atuam exclusi­va­mente
preensão das limitações teóricas das abor­ na área saúde-hos­pitalar, 27% (n = 70) com­
dagens para incluir aspectos cultu­rais, eco­ bina mais de três abor­dagens, enquanto 23%
nômicos, sociais, históricos, etc. O de­safio é (n = 61) o faz com duas abordagens teóricas.
incluir todos esses aspectos sem perder a A psi­canálise é a abordagem teórica usada
coerência na utilização de abor­dagens teó­ por 20% (n = 53) dos psicólogos que atuam
ricas, visto que algumas delas são anta­ exclu­si­vamente na área de saúde (ver Fi-
gônicas em seus pres­supostos bá­sicos. Por gura 9.14).
O trabalho do psicólogo no Brasil 195

Saúde-Hospitalar
400
350

Nº de respondentes
300
250
200
150
100
50
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Psicanálise Humanista Sócio- Psicodra-
comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens

Saúde-hospitalar 53 18 18 7 1 61 31 70 259

Saúde-hospitalar + outras áreas 96 31 24 4 3 83 36 80 357

Figura 9.14 Abordagens teóricas na área de saúde-hospitalar.

Orientações teórico-metodológicas denciam que, em­bora as abordagens cognitivas


da atuação na área organizacional e com­­por­tamentais sejam usadas em inter­
e do trabalho venções orga­ni­za­cio­nais, a psicanálise cres­ceu
em impor­tân­cia. Uma das razões para esse
A Figura 9.15 associa as abordagens teó­ cresci­mento pode estar no fato de o tema de
ricas adotadas por quem atua na área or­ga­ saúde e trabalho ser historicamente for­te no
nizacional e do trabalho, exclusiva­mente ou Brasil, e muitos estudiosos do tema fa­zerem
não. Os profissionais que tra­ba­lham so­mente uso de referenciais derivados da psi­canálise,
nessa área usam, ao mesmo tempo, mais de como por exemplo, o da psico­dinâmica.
três abordagens (n  =  91), o que repre­senta A mesma tendência é observada entre
27%; ou duas abordagens (n = 83), o que re­ aqueles que atuam na área organizacional e
pre­senta 24%. Ainda nesse grupo, per­cebe-se do trabalho, mas também em outras áreas.
que as abor­dagens mais utilizadas são a cog­ A preferência pela utilização de mais de três
nitivo-com­­portamental (n  =  51) e a psica­ abordagens (n = 62) (29%) seguida de duas
nálise (n = 50), o que re-pre­senta em tor­no de abordagens (n = 52) (24%) per­siste. A psica­
15% para cada uma delas. Esse parece ser um nálise (n = 29) (13%) e a teoria cog­nitivo-
sinal de que atuar na área or­ga­nizacional e do comportamental (n = 20) (9%) se­­guem sen­­
tra­balho requer adotar mais de uma abordagem do as abordagens teó­ricas que mais servem
teórica. To­davia, esses resul­tados também evi­ de apoio às ações na área.

Organizacional e do trabalho
350
Nº de respondentes

300
250
200
150
100
50
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra- Total
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens

Organizacional 50 51 23 7 7 83 27 91 339

Organizacional + outras áreas 29 20 13 5 3 52 31 62 215

Figura 9.15 Abordagens teóricas na área organizacional e do trabalho.


196 Bastos, Guedes e colaboradores

Orientações teórico-metodológicas da­gens cogni­tivo-com­portamental (n = 10)


da atuação em docência (5%), huma­nis­ta-exis­tencial (n = 10) (5%) e
só­cio-his­tó­rica (n = 4) (2%).
Historicamente, a docência é uma ativi­da­
de que se encontra associada a outras áreas de
atuação profissional, pois, na prá­tica, une a pro­ Orientações teórico-metodológicas da
dução e a transmissão do co­nhecimento em um atuação na área escolar e educacional
campo de atuação espe­cializado. Destarte, o
profissional que exerce docência, também rea­­ Dentre as abordagens teóricas (Figura
liza atividades em uma área de atuação es­pe­ 9.17), percebe-se que, mesmo atuando ex­clu­
cializada. Isso jus­tifica que, dos 321 psicó­logos sivamente ou em conjunto com outras áreas,
que atuam em docência, 60% (n  =  192) con­ os psicólogos da área escolar e educa­cional
ciliem docência com outra área de atuação. usam mais de três (n = 32 e n =  38) – o que
Os que trabalham predominantemente re­presenta 38 e 29%, respec­tiva­mente – ou
com a docência privilegiam a combinação de duas abordagens teóricas (n = 25 e n = 42), o
duas (n  =  34) (26%) ou mais de três abor­ que representa respectivamente 29 e 32%. A
dagens (n  =  30) (23%), conforme se observa força da psicanálise é mais sig­nificativa no
na Figura 9.16. Mas, quando se leva em con­ta psicólogo que concilia a atuação em escolar e
o principal referencial teó­rico, as abor­­­da­­gens educação com outras áreas (n  =  17) (13%),
teó­ricas predominantes são, em or­dem de­­­cres­ do que em quem atua exclusivamente nela
cen­te, a cognitivo-com­por­tamen­­tal (n  =  19) (n  =  7) (8%). Isso sugere que a psicanálise
(15%), a só­cio-histórica (n  =  17) (13%) e a não é o referencial de base para quem atua
psica­nálise (n  =  15) (12%). Entre os psicólogos somente na área escolar e educacional, como
que, além da docência, exercem alguma outra ocorre na clí­nica, mas o seu uso cresce caso o
atividade, o quadro é seme­lhante, com prefe­ psicólogo tenha outras inserções.
rência pela utilização de duas (n =  55) (29%), O resultado geral talvez seja um sinal de
seguida de mais de três abordagens teóricas que a inserção em várias áreas obriga o
(n  = 47) (24%). To­da­via, a psicanálise apa­re- psicólogo a buscar diversos referenciais teó­
ce como o refe­ren­cial teórico mais impor­tante ricos para melhor integrar o conhecimen-
(n  =  36) (19%) para dar suporte à atuação to psicológico e atender a contento as varia­
múl­­­tipla, deixan­do um pouco para trás as abor­ das demandas contextuais de sua inserção.

Docência
200
180
160
Nº de respondentes

140
120
100
80
60
40
20
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra-
Psicanálise comporta- duas abor- três abor- mais de três Total
existencial histórica matista
mental dagens dagens abordagens

Docência 15 19 7 17 1 34 6 30 129

Docência + outras áreas 36 10 10 4 4 55 21 47 192

Figura 9.16 Abordagens teóricas na área de atuação docente.


O trabalho do psicólogo no Brasil 197

Educacional
140
120
Nº de respondentes

100
80
60
40
20
0
Cognitivo- Combina Combina Combina
Humanista Sócio- Psicodra- duas abor- três aor- mais de três Total
Psicanálise comporta-
existencial histórica matista dagens dagens abordagens
mental

Educacional 7 7 4 1 1 25 8 32 85

Educacional + outras áreas 17 7 8 3 0 42 17 38 132

Figura 9.17 Abordagens teóricas na área escolar e educacional.

Considerações Finais siderado o número de profissionais que re­


latam desen­volvê-las. Esse é o caso, por
O presente capítulo trabalhou com dois exemplo, das atividades de avalia­ção psico­
conceitos centrais para a compreensão da di­ lógica, psicodiagnóstico e apli­cação de tes­
versidade que marca o trabalho do psi­cólogo tes. Embora descritas em níveis de com­ple­
no Brasil. O conceito de área de atuação é xidade distintos, as três es­tão presentes nos
amplamente disseminado na co­munidade mais diversos domínios, inclusive entre os
acadêmica e profissional e re­siste ao longo docentes. É possível iden­tificar, todavia, um
dos anos apesar das transições que aproximam núcleo de ati­vidades que classicamente de­
a Psicologia de outros campos disciplinares, finem cada área de atuação.
que criam pontes mesmo den­tro do campo Apesar das transformações que ocor­
profissional da Psicologia. Por outro lado, o reram na psicologia brasileira nos últimos
conceito de abordagens teórico-metodológicas 50 anos, ao comparar o cenário atual com o
se refere a um conjunto mais amplo de di­ do final da década de 1980, as mudan-
vergências (conceituais, de con­cepção de ho­ ças não foram tão significativas assim. Em
mem, de concepção de ciência, de valores várias passagens do capítulo reafirmou-se
sociais) que, em muitos casos, tornam os que, apesar de haver sinais de que o psi­­cólogo
subgrupos dentro da Psicologia mais distantes está ampliando sua área de atua­ção para além
entre si do que de outras disciplinas. da clínica e substituindo o modelo clínico de
Uma das principais conclusões deste atendimento por modelos de intervenção
ca­pítulo é a de que o psicólogo é um profissio- grupais com forte ênfase so­cial, é fato que a
nal com ampla capacidade de atuar em di­ clínica continua exercendo seu fascínio entre
versas áreas. É digno de nota que, embo­­ra os psicólogos.
possa atuar em várias áreas, suas ati­­­vi- Os resultados da pesquisa atual apontam
da­des con­vergem, pois, mesmo que es­teja claramente que, apesar de a clínica per­ma­
trabalhando em áreas distintas, o psicó­logo necer como uma área de atuação pre­domi­
desenvolve atividades semelhantes, colo­ nante para o psicólogo, ela está se es­ten­
cando em dis­cussão o próprio con­ceito de dendo para além dos consultórios par­ticu­la­
áreas. Há um conjunto básico de ativi­dades res e penetrando em instituições pú­blicas de
que per­meiam o exercício pro­fissional do saúde e no terceiro setor. O papel social do
psi­cólogo nas di­ferentes áreas, se for con­ psicólogo, então, mostra-se mais evidente na
198 Bastos, Guedes e colaboradores

atualidade, pois mesmo que a clínica siga e o conjunto de com­petências bá­sicas espe­
sendo a área mais impor­tante para o psi­ radas do recém-graduado.
cólogo, assiste-se hoje a in­clusão de popu­ Não se pode ignorar, todavia, que os
lações antes muito pouco assistidas. dados encontrados neste estudo somados
Se os psicólogos desempenham ativi­ aos resultados do ENADE (Exame Nacional
dades fortemente atreladas à aplicação de de Desempenho do Ensino Superior) rea­
testes psicológicos para embasar psico­diag­­­ lizado em 2006, apontaram que Fundamen-
nós­ticos e pareceres independentemente de tos Históricos e Epistemológicos é um dos
sua área de atuação é preciso colocar em eixos no qual os alunos apresentam, no país
discussão se é defensável pros­seguir com o todo, os piores desempenhos: isso indica
conceito de áreas de atuação que até o mo­ pro­blemas relacionados à forma como tais
mento tem servido mais para se referir ao orientações estão sendo contempladas nos
local de trabalho e não aos diferentes enfo­ cursos de formação. Na realidade, mais do
ques e atividades que o psicólogo adota na que conhecê-las, confrontá-las e compará-
sua intervenção prática. Talvez seja neces­ las para propiciar escolhas conscientes, a
sário redefinir o con­ceito de área de atuação, adoção de perspectivas diversas sugere uma
em parte porque os resultados apontam o adesão acrítica. O problema é que essa reali­
crescimento do nú­mero de psicólogos que se dade não se restringe aos psicólogos recém-
inserem em mais de uma. formados e parece ser um traço disseminado
Quanto à orientação teórico-meto­doló­ entre os profissionais, o que requer estudos
gica, se em fins da década de 1980 já havia adicionais para compreender o que efeti­
sinais claros de que os psicólogos ne­ces­si- vamente está ocorrendo no pro­cesso de for­
tavam usar de mais de um referencial teórico mação desses profissionais.
pa­ra dar suporte às suas atividades profissio­
nais, hoje essa tendência é marcante. Apesar
da ex­periência adquirida ao longo dos anos notas
fazer diminuir a tendência de usar três ou
mais abor­dagens teóricas simul­tâneas, a efe­ 1 Para o cálculo, foi usado o teste t revelando se­
tiva di­mi­nuição em busca de um maior di­re­ rem significativas as diferenças (x²  = 172,76,
cio­namento teórico ocorre após os 11 anos gl 21, p  <  .00).
de for­mação e se consolida após os 20. Ape- 2 O teste t revelou que as diferenças são signi­fi­
sar de a formação especializada con­tribuir cativas (x²  =  79,253 (28) p  <  .00).
também para o maior direcio­na­mento teóri-
co, essa mu­­­dança se faz notar somente quan­
do o psicólogo obtém o título de doutor. Referências
As fortes evidências de que o psicólo-
go necessita usar mais de um referencial teó­ Bastos, A. V. B. Áreas de atuação – em questão
rico para dar suporte ao seu trabalho colo- o nosso modelo profissional In: Conselho Federal
ca em discussão um pressuposto larga­mente de Psicologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São
aceito, especialmente por estudiosos e do­ Paulo: Edicon, 1988, p. 163-193.
Bastos, A. V. B.; Achcar, R. Dinâmica pro­
centes, da necessidade de uma for­mação plu­
fissional e formação do psicólogo: uma pers­
ralista que assegure o contato do aluno com pectiva de integração In Conselho Federal de
as principais orientações teórico-me­todoló­ Psicologia. Psicólogo Brasileiro: práticas emergen-
gicas existentes no campo da Psicologia. Tal tes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do
preocupação foi con­templada nas Diretrizes Psicólogo, 1994, p. 299-329.
Curriculares para os cursos de Psi­cologia, ao Borges-Andrade, J. E. A avaliação do exercí-
fixar os valores que devem guiar a formação cio profissional In: Conselho Federal de Psicolo-
O trabalho do psicólogo no Brasil 199

gia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edi­ da ciência e prática psicológica.São Paulo: Casa do
con, 1988, p. 252-272. Psicólogo, 2003, p. 99-119.
Botomé, S. P. Em busca de perspectivas para a Hutz, C. S.; Bandeira, D. R. Avaliação Psico­
psicologia como área de conhecimento e como lógica no Brasil: Situação Atual e Desafios para o
campo profissional In: Conselho Federal de Psi­ Futuro In O.H. Yamamoto; V.V. Gouveia (Org.).
cologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Construindo a Psicologia Brasileira: desafios da
Edicon, 1988, p. 273-297. ciência e prática psicológica. São Paulo: Casa do
Carvalho, A. M. A. Atuação psicológica: uma Psicólogo, 2003, p. 261-278.
análise das atividades desempenhadas pelos Langenbach, M.; Negreiros, T.C.G.M. A for­
psi­cólogos In: Conselho Federal de Psicologia. mação profissional, um labirinto profissional. Em:
Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon, Conselho Federal de Psicologia. Quem é o psicólogo
1988, p. 217-235. brasileiro? São Paulo: Edicon, 1988, p. 86-99.
Dimenstein, M. A cultura profissional do psi­ Pfromm Neto, S. Psicologia – Introdução e guia
cólogo e o ideário individualista: implicações para de estudo. São Paulo: EDU/EDUSP/CNPq, 1985.
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