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FERREIRA, Martins. Como Usar A Música Na Sala de Aula
FERREIRA, Martins. Como Usar A Música Na Sala de Aula
Apresentação.................................................................................9
I - A música na escola
Introdução...........................................................................13
A música para ensinar.........................................................14
Distinções entre expressão pela música
e a música como expressão....................................14
Como a música pode ajudar no
aprendizado de outras disciplinas?........................24
Um pouco mais sobre a estruturação
musical...................................................................26
II - Atividades
A música para cantar...........................................................29
A voz........................................................................29
A canção...................................................................38
A ária e o recitativo................................................126
O coral....................................................................130
A cantata.................................................................143
A música para tocar..........................................................151
O instrumento solista (o concerto e o recital)........151
A sinfonia (e a sonata)............................................165
O poema sinfônico.................................................175
O prelúdio...............................................................181
A suíte.....................................................................187
O rondó...................................................................194
A fantasia...............................................................201
A música para dançar.......................................................206
O balé....................................................................206
A música para encenar.....................................................211
A ópera e a opereta................................................211
O teatro..................................................................221
III - Referências para trabalhos com música
Bibliografia elementar comparada...................................225
Multimeios comentados...................................................234
Internet.............................................................................237
Agradecimentos........................................................................238
Apresentação
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quaisquer sinais gráficos que representassem os sons que cantavam,
há gerações de monges orientais, por exemplo, que continuaram
pelos séculos entoando palavras que aprenderam cantando desde a
mais tenra infância com seus mestres. Essa é a transmissão verbal-
oral-cantada do conhecimento. O mesmo processo se verifica em
tribos de povos primitivos africanos, brasileiros etc. Nesse aspecto,
poderíamos dizer que, na ordenação que o homem impõe às coisas
do mundo, uma pedra é mais história e uma música é mais tradição.
Este livro propõe-se a oferecer aos que exercem o ofício de
ensinar ou transmitir a outras pessoas algum saber, conhecimento,
informação, crença ou arte, sugestões, informações e propostas que
objetivam tornar seus trabalhos mais agradáveis, práticos, eficientes
e produtivos, na medida em que aliem a música, cantada ou tocada,
à disciplina que ensinam, para auxiliar a assimilação dos aprendizes.
Nas diversas religiões, pelas diversas regiões da Terra e ao longo
dos milênios de existência do homem, a prática de associar qualquer
disciplina à música sempre foi bastante utilizada e demonstrou muitas
potencialidades como auxiliar no aprendizado, porém grande parte dos
sistemas educacionais das sociedades modernas, entre os quais incluo
a maioria dos sistemas educacionais vigentes no Brasil, têm esquecido
sua aplicação na prática de ensino e, ainda que haja a manutenção ou
o resgate heroico de tal prática por parte de alguns poucos professores
isolados, muitos fazem-no de maneira inadequada, isto é, apreciam
e sabem valorizar a música como ela merece, mas muitas vezes
enfrentam a falta de conhecimento mais detalhado a respeito dessa
arte. O leitor não encontrará, nestas linhas, propostas utópicas (algo
como “a cura de todos os males”), mas sim (e antes de tudo) a inten-
ção primeira de provocar o professor para que pense a esse respeito.
A intenção subsequente é a de que, uma vez estando ele convencido da
utilidade da música em sala de aula como elemento auxiliar, aplique-a
em sua disciplina, em benefício seu e de seus alunos, valendo-se de
tudo aquilo que relacionamos a seguir, ou repensando minhas colo-
cações no propósito de criar novas possibilidades de atividades com
seus alunos. No entanto, lembramos que, antes de qualquer coisa,
antes da aplicação de qualquer atividade, é preciso que o professor
ouça muita música (não basta ler livros como este), dos mais variados
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tipos, ou seja, que deixe preconceitos de lado e experimente todas
as variedades possíveis, para então formar sua opinião a respeito e,
como bom ouvinte que será, saber selecionar aquilo que é mais útil
e adequado para si e para o aprendizado de seus alunos.
Esse estímulo para que todos nós, profissionais ligados ao cam-
po educacional, repensemos constantemente a maneira de ensinar
é a tônica da coleção na qual este livro se insere. Novas propostas,
desde que sejam coerentes e intencionem serem produtivas, devem
sempre ser anunciadas, discutidas e aprimoradas, e é desse modo
que observo aquilo que escrevi. Portanto, tenho consciência da par-
cela de inovação ou pioneirismo que minha proposta principal de
utilizar a música como subsídio para o ensino de outras disciplinas
em sala de aula carrega – e também das falhas que porventura pos-
sam acompanhá-la – e deixamos claro que as críticas construtivas
evidentemente serão bem-vindas.
O primeiro livro da coleção, Como usar o jornal na sala de aula,
de Maria Alice Faria, aborda com grande propriedade muitas ques-
tões teóricas relativas à educação, com as quais concordamos e que,
portanto, não teria razão para repeti-las aqui. Assim, privamo-nos
de relatar certos fundamentos pedagógicos, que nortearam a con-
fecção deste livro, no sentido de torná-lo mais compreensível ou
as atividades nele propostas mais praticáveis. Porém, caso os espe-
cialistas em pedagogia ou os professores tenham interesse em um
aprofundamento nesse sentido, indico a leitura do primeiro tópico
do referido livro. Do conteúdo de seu discurso será possível abstrair
as bases teóricas que orientam esta coleção.
Para facilitar aos professores o manuseio deste livro, optamos
por dividi-lo, grosso modo, em três partes, com subdivisões internas.
O leitor encontrará uma parte introdutória, que aborda “ A música na
escola”, depois uma parte com “Atividades” propostas, ou sugeridas,
e uma parte final com “Referências para trabalhos com música”, a
qual serve de guia para os ouvintes e para os pesquisadores de algo
relacionado à música (professores e alunos, entre outros) etc.
O professor deve usar a música para ensinar, e nunca para
atormentar. O livro defende esse ponto de vista e esse resgate (em
alguns casos) da função e do verdadeiro valor da música dentro de
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uma sala de aula, como elemento auxiliar na formação do indivíduo.
Portanto, o leitor encontrará em todo este livro apenas propostas que
partem de uma obra musical composta e já cristalizada como música
(independente) para chegar ao conteúdo de uma disciplina que tenha
afinidade com certos elementos integrantes da composição musical,
seja na questão da estrutura melódica e/ou rítmica, seja nas palavras
que acompanham a melodia, e assim por diante, ou seja, a música não
é desenvolvida para uma determinada atividade proposta, mas sim
uma atividade proposta faz uso dos recursos que cada música pode
oferecer em cada caso. É um trabalho fundamentado em analogias
e isso não compromete nem a composição musical nem as matérias
a serem ensinadas; desse modo, mantém cada arte ou ciência em
seu lugar de direito.
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I – A MÚSICA NA ESCOLA
Introdução
Quando nos propomos a utilizar a Música associada a uma outra
disciplina, com características distintas dessa arte, deparamo-nos com
duas pertinentes constatações: uma favorável e outra desfavorável,
ambas consequência de a música trabalhar, de modo praticamente exclu-
sivo, com a linguagem sonora. Por tal razão, é bastante compreensível
que essa arte de manipulação dos sons encontre melhor afinidade com
as disciplinas que estudam a linguagem verbal, posto que esta também
se vale, entre outros elementos, da sonoridade. A principal vantagem
que obtemos ao utilizar a música para nos auxiliar no ensino de uma
determinada disciplina é a abertura, poderíamos dizer assim, de um
segundo caminho comunicativo que não o verbal – mais comumente
utilizado. Com a música, é possível ainda despertar e desenvolver nos
alunos sensibilidades mais aguçadas na observação de questões próprias
à disciplina alvo. Porém, paradoxalmente, a principal desvantagem
da utilização da música associada à outra disciplina é o fato de ela se
caracterizar como outra linguagem e, dessa forma, apresentar inúmeras
barreiras ao profissional que intencione dela fazer uso, mas que não a
domine (ou pense que não a domina). A música é, por essa razão, um
tipo de expressão humana dos mais ricos e universais e também dos
mais complexos e intrincados. Portanto, valerá muito ao professor uti-
lizar a música em suas aulas, mas é preciso dedicar-se ao seu estudo,
procurando compreendê-la com a amplitude, desenvolvendo o prazeroso
trabalho de sempre escutar os mais variados sons em suas combinató-
rias infinitas, com “ouvidos atentos”, e também ler o que for possível
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a respeito. Se tiver a oportunidade de praticar música, melhor ainda,
pois seu domínio se ampliará e o próprio professor passará a ter mais
discernimento para elaborar trabalhos mais bem adaptados à realidade de
seus alunos. Enfatizamos que este livro, mais do que ensinar, propõe-se
a apontar caminhos. É importante que o professor vença sua timidez
ou crença de que é incapacitado, musicalmente falando, e desenvolva
seus gostos e talentos musicais.
A linguagem musical sempre se caracterizou por uma grande
volubilidade, decorrente de suas características potenciais e temporais
em termos físicos. Um único som, por exemplo, com seu timbre, al-
tura, intensidade e duração característicos, já é extremamente rico em
informações ao ouvinte, quanto mais a combinação diversificada entre
muitos deles. Assim, a abstração que a linguagem musical suscita é pa-
tente e, como afirmamos anteriormente, é ela que facilita a compreensão
do aluno e que dificulta a atuação do professor (mesmo do professor
que saiba música, pois uma coisa é ensinar música e outra ensinar
outra disciplina fazendo uso da música) na relação aprendizado-ensino
como subsídio a uma outra disciplina, esta normalmente fundada em
fatos concretos. Neste livro evitamos, na medida do possível, discutir
acerca de elementos próprios à teoria musical, uma vez que isso não
interessa, a princípio, ao leitor e muito menos, em geral, é matéria de
seu conhecimento. Concentrou-se atenções para a sensibilidade às
sonoridades, fazendo delas a ponte entre uma determinada disciplina
escolar tradicional e a música. Em muitos momentos, será proposto
o trabalho interdisciplinar para além de apenas música e uma única
disciplina associada, o que favorece muito o desenvolvimento cogni-
tivo e sensitivo do aluno, envolvendo-o de tal forma que ele realmente
vivifica (e assim cristaliza em sua memória) uma situação.
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projetar uma construção. Em cada caso, o produto final deve possuir con-
tinuidade, equilíbrio e forma. Porém, enquanto a arquitetura preocupa-se
com o equilíbrio no espaço, a música está voltada para o equilíbrio no
tempo. Em música usa-se a palavra “forma” para descrever a maneira pela
qual o compositor atinge esse equilíbrio, ao dispor e colocar em ordem suas
ideias musicais – ou seja, a maneira como o compositor projeta e constrói
sua música (Roy Bennet, Forma e estrutura na música, p. 9).
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tremamente complexa, a qual não dominamos por completo. Fazemos
parte de uma organização de vibrações chamada natureza. Quanto ao
compositor da natureza... deixemos o assunto para os teólogos e os
religiosos, entre outros. Nosso assunto aqui é vibração, é som, é vida, e
esse é o melhor caminho para que o leitor possa começar a compreender
e a utilizar a música não apenas em sala de aula, mas em seu cotidiano.
É por isso que a música harmoniza a vida das pessoas, e é também
por isso que sempre damos razão à antiga máxima que afirma: “quem
canta, seus males espanta”. Cantar é vibrar e vibrar é viver.
Tal qual a facilidade que temos para compreender a combinação
que fazemos de fonemas para chegar às palavras, ou dos átomos para
chegar às moléculas, e depois registrar as características pertinentes
às resultantes, também é muito simples compreender as combina-
ções feitas em música. Se estou combinando sons, é evidente que
chega-se a algum resultado, e ele poderá ser agradável (ou não) a
mim ou aos meus ouvintes.
Quando estudamos música, estamos aprendendo as regras de
organização dos sons em combinação. Claro que se eu fizer uma
composição musical, ela poderá continuar não agradando a mim
e/ou aos meus ouvintes, porém a diferença básica é que, se eu for um
bom músico, provavelmente saberei a razão disso e poderei, então,
se desejar, manter minha composição como está, ou modificá-la.
Existem, portanto, dois pontos nessa questão: (1) compreender
aquilo que faço com a maneira pessoal de expressar-me e (2) ser
compreendido por aqueles que me cercam.
É a partir dessa distinção entre o expressar-se pela música e
esta observada pelo outro como expressão, que entendemos o triste
destino material e o feliz destino espiritual dos quais participaram
muitos grandes compositores ao longo da história, os quais souberam
compor seus sons do melhor modo para que expressassem seus sen-
timentos, embora nem sempre tais composições fossem assimiladas
por seus ouvintes coetâneos. A grandiosidade deles está também
no fato de terem morrido íntegros, ainda que na miséria, sem terem
corrompido suas próprias ideias em prol do sucesso imediato, sem
terem a preocupação primeira em agradar aos outros, mas cientes
de suas contribuições para a evolução da arte a qual se dedicaram,
na medida em que possuíam pleno domínio dela.
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Nunca devemos esquecer que a música é, além da arte de com-
binar os sons, uma maneira de exprimir-se e interagir com o outro,
e assim devemos compreendê-la. Do mesmo modo como uma série
de células deve ser adequadamente combinada para que o resultado
seja um tecido ou organismo, e este é mais do que o simples agru-
pamento, pois existem ligações entre as células, também a música
consiste em combinação de sons e as consequentes ligações entre
eles, as quais os músicos costumam chamar de “intervalos sonoros”.
O organismo pode estar inserido num contexto maior, num deter-
minado ambiente, por exemplo, e o mesmo se dá com a música. Os
sons (e os intervalos entre eles) podem fazer parte de um conjunto
complexo que vai das microestruturas contrapontísticas às megaes-
truturas timbrísticas. Podemos ter, por exemplo, um grupo de três
sons, com os respectivos intervalos entre eles, ocorrendo no mesmo
instante de outro grupo de três sons, com outros intervalos, com a
necessidade de combinar não apenas os sons que formam cada grupo,
mas também de combinar os dois grupos, e por aí vamos até chegar
à combinação entre os timbres dos diferentes instrumentos musicais.
A série de possibilidades expressivas em música sempre foi
enorme e ampliou-se ainda mais com o avanço da tecnologia ele-
trônica no século xx. Talvez seja essa abundância de possibilidades
que tenha levado muitas pessoas a utilizarem inadequadamente a
expressividade musical neste século, ou a recuar e resgatar maneiras
mais primitivas de expressar-se pela música.
O desenvolvimento da ciência fornece-nos constantemente
exemplos da necessidade que o ser humano tem de, ao observar
aquilo que o cerca ou a si mesmo, formalizar. Sempre procuramos
estabelecer um critério, uma ordem segundo a qual as mais variadas
manifestações ocorrem. Os exemplos são vastos: desde o teorema de
Pitágoras até os estudos da estrutura do DNA. Ocorre que, nas dis-
ciplinas voltadas mais para o aspecto humano, tal necessidade pode
parecer não existir, mas ela existe, ainda que despojada de qualquer
consciência a esse respeito por parte do executor da formalização.
Eis um exemplo extremo: há casos de escultores autodidatas que
aprenderam seu ofício naturalmente, sem orientação alguma e sem
que tenham sido sequer alfabetizados, mas mesmo assim formalizam,
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por exemplo, uma imagem de culto religioso segundo seus pontos
de vista acerca da figura e da religiosidade. Desde o mimetismo até
a alfabetização, em qualquer cultura, há o reforço desse exercício
de formalização constante. A própria organização da vida exige
isso. A música, por mais que seja considerada uma das mais puras
e vigorosas maneiras de o ser humano expressar suas emoções, o
que não deixa de ser verdade, não foge à regra. Dirão alguns que
tal afirmação vale apenas para a música desenvolvida dentro dos
padrões ocidentais, mas, na verdade, tanto a música oriental como
a folclórica, a erudita, a primitiva etc., surgem de algum tipo de or-
ganização, variando apenas a intensidade e a qualidade dos critérios
que as determinam. Um índio brasileiro pode tocar uma flauta com
certa sonoridade apenas num instante preciso e determinado de um
ritual. O que acontece é que, para os ouvintes, geralmente não há, e
muitas vezes nem teria por que haver, uma preocupação em perceber
os detalhes que “se escondem” nos meandros da sonoridade que
seus ouvidos identificam. Muitas pessoas costumam classificar a si
mesmas como más cantoras, porém raramente se autodeterminam
como más ouvintes. Entretanto o que é ser um mau ouvinte? É não
saber achar esses detalhes “escondidos”? Não necessariamente.
O mau ouvinte é simplesmente aquele que não se predispõe a ouvir
e, de preferência, a ouvir de tudo um pouco, para então formar o
seu gosto musical a partir de uma base sólida, segundo variadas
experiências sonoras vividas. O mau ouvinte, portanto, é o ouvinte
limitado. No mais, o bom ouvinte pode se dividir em dois tipos:
o que escuta sem nenhum compromisso teórico (são aqueles que,
segundo eles próprios, “deixam-se levar apenas pela emoção que a
sonoridade lhes causa”) e o que escuta preocupado em captar os
detalhes. Este segundo é mais curioso, indo à procura do “por que
é assim?”, “o que distingue uma sonoridade da outra?”; portanto,
ultrapassa a emoção em busca da informação e da reflexão.
As formas musicais são muitas, dentro delas existem diversos
gêneros possíveis e dentro destes, estilos variados. Trata-se, pois, de
um amálgama formal sonoro de infinitos recursos, sendo que exis-
tem algumas disposições mais amplas e distintas que englobam tal
diversidade, estabelecendo algumas linhas-mestras. Foram elas que
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direcionaram, entre outras diretrizes, a exposição das atividades pro-
postas neste livro. A divisão que o leitor encontrará nele, sobretudo
em sua segunda parte, discorre sobre a música para cantar, a música
para tocar, a música para dançar e a música para encenar, sendo
que, no interior de cada um dos tópicos, encontrará uma pequena
seleção de algumas formas musicais, que, longe de ser exaustiva,
é adequada à proposta do livro – entre tais formas musicais posso
citar, por exemplo, a canção, a suíte e a ópera.
Para realizar os trabalhos propostos neste livro, adentrarei nos
aspectos formais da música que tenham alguma similaridade com
os das demais artes e ciências em geral – evitaremos, ao máximo, a
teoria musical mais técnica e profunda –, uma vez que esse caminho
parece-me ser o mais adequado tanto para uma boa compreensão por
parte do professor não iniciado na arte musical (e também de seus
alunos), quanto para não inibir ou desestimular o trabalho com música
em sala de aula pelo simples fato de o professor achá-la disciplina
totalmente fora de seu alcance. Já para o professor que domina algo
no campo da música, servirá de base para que reflita e elabore novos
exercícios a partir dos exercícios elementares que propomos. Opta-
mos, portanto, por um dos caminhos mais naturais e viáveis para um
paralelismo (ou mesmo interseção) entre música e outra disciplina
qualquer. No entanto, é importante que o professor, seja qual for o
conhecimento que tenha a respeito de música, não deixe de ter como
referência o “ouvinte curioso” que mencionamos anteriormente, ou
seja, para que o professor selecione bem as músicas que utilizará
em suas aulas, deverá desenvolver seu espírito crítico como ouvinte.
Num exercício preliminar, vejamos uma música brasileira,
bastante conhecida, como modelo de análise estrutural musical e em
que ponto pode tal estrutura servir a outra disciplina. Referimo-nos
ao tango brasileiro, intitulado “Odeon”, escrito para piano pelo
compositor Ernesto Nazareth, em 1910.
Um dos aspectos mais comuns da estrutura desse tango brasi-
leiro, que, como forma, aparenta-se muito mais ao choro, ao samba
e ao maxixe (todos eles em modos binários e de ritmo sincopado)
que ao tango argentino, é a divisão interna da música em três par-
tes, que poderíamos chamar de 1, 2 e 3, ou A, B e C, ou qualquer
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outra denominação diferencial. Adotemos a distinção por letras, por
exemplo. Ao ouvir um pianista tocando essa peça num teatro, num
programa de televisão ou de rádio, ou numa gravação fonográfica,
por exemplo, é bastante fácil perceber que ele executa uma melodia
que parece ter começo, meio e fim e depois a repete. Pois bem, essa
é a primeira parte ou, para nós, a parte A. Depois ele faz o mesmo
com uma segunda melodia, que tem características sonoras (não
nos importa por ora quais) distintas da primeira: trata-se da segunda
parte ou B. A seguir ele repete o procedimento inicial, então temos
novamente A. Depois executa uma terceira melodia, que tem carac-
terísticas sonoras distintas da primeira e da segunda parte: essa é a
parte C. Por fim o pianista repete a primeira parte e a peça musical
está encerrada. Ora, é bem simples, não? Uma sequência que pode-
ríamos formalizar como A-B-A-C-A.
Caso o leitor escute uma gravação em que o pianista execute
exatamente aquilo que o compositor escreveu na partitura (sugerimos
a gravação do pianista Yukio Miyazaki, lançada em cd pelo selo
Revivendo, que nos serviu de base), terá aproximadamente a divisão
temporal seguinte:
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Após esse exercício, você estará mais apto a perceber as divisões
internas de melodias que ocorrem em cada música. Obviamente al-
gumas são bem mais simples (como canções folclóricas “de roda”),
ou mais complexas (como uma sinfonia) que a citada acima. Caso
o professor ainda tenha dificuldade, ou ao aplicar a música Odeon
para seus alunos necessite de um subsídio que distinga bem as três
partes, sugere-se que faça uso da letra que foi adaptada a esse tango
brasileiro posteriormente à sua composição apenas como música
instrumental, isto é, Odeon não surgiu originariamente como uma
canção, mas foi “transformada” em uma depois, ou melhor, recebeu
posteriormente versos para serem cantados na altura e no ritmo de
suas melodias. Apresento, abaixo, a Letra escrita pelo poeta Vinícius
de Moraes a pedido da cantora Nara Leão, gravada como “canção”
por ela em 1968 em disco (lp) da gravadora Philips:
Ai, quem me dera,
O meu chorinho A
Tanto tempo abandonado!
E a melancolia que eu sentia
Quando ouvia ele fazer tanto chorar.
Ai, nem me lembro, há tanto tempo,
Todo o encanto de um passado
Que era lindo, era triste, era bom,
Igualzinho a um chorinho chamado Odeon.
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Ah, quem diria que um dia,
Chorinho meu, você viria B
Com a graça que o amor lhe deu
Pra dizer “não faz mal,
Tanto faz, tanto fez
Eu voltei pra chorar com vocês.”
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se intercala nas outras repetidas vezes, como a parte A entre
as partes B e C.
(5) Na história: a estrutura da sociedade feudal, com os senhores
(leigos ou eclesiásticos, proprietários de terras), os vilões e os
servos – estes dois últimos grupos dependentes do primeiro.
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