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Embocadura

Artigo publicado na Revista Magníficas

Por Fernando Dissenha

Definição
A palavra embocadura vem do idioma Francês: bouche - que significa boca. O Novo
Dicionário Aurélio define o termo como "o ato ou efeito de embocar", ou seja, "aplicar
a boca a um instrumento, para dele tirar sons". Para os instrumentistas de metal, uma
definição aceitável seria: a forma que os músculos da boca, lábios, queixo e rosto se
posicionam quando colocamos o bocal nos lábios para produzir o som no instrumento.

Embocadura Eficiente
A embocadura, atuando em harmonia com uma coluna de ar correta, deve ajudar o
instrumentista a expressar todas as suas idéias musicais. Uma embocadura eficiente
deve ser capaz de produzir uma sonoridade boa, uma grande extensão, variação de
dinâmicas, flexibilidade e articulações diversas. Além de tudo isso, a embocadura deve
suportar diariamente uma carga de estudos, ensaios e performances que podem durar
muitas horas. Os cantos da boca são os pontos mais importantes de uma embocadura
eficiente. Pode-se notar que grandes artistas de instrumentos de metal têm sempre os
cantos da boca firmes, funcionando como suportes para a pressão que o bocal exerce
sobre os lábios. Alguns professores costumam usar a analogia de que os cantos da boca
atuam como os postes que seguram os cabos de energia. Para avaliar se os cantos da sua
boca estão cumprindo corretamente a tarefa de "suportar" a pressão, repare o que
acontece quando você tem algo extenso para tocar. Uma sinfonia de Bruckner ou
Mahler para os instrumentistas de orquestras, ou uma obra significativa do repertório da
sua banda. Se após essa atividade você sentir os músculos dos cantos da boca
"exercitados", diria que a utilização dos mesmos está correta. O cansaço não deve ser
sentido nos lábios. Eles devem ser preservados, caso contrário a emissão de som ficará
prejudicada.

Verdadeiros Problemas de Embocadura


Observando muitos trompetistas e pesquisando sobre o assunto, posso afirmar que
existem algumas situações que realmente podem ser chamadas de "problemas de
embocadura". A primeira delas diz respeito a apoiar o aro do bocal na parte vermelha do
lábio superior. Normalmente o indivíduo que apoia o aro do bocal nessa região tem
problemas sérios de emissão, extensão, articulação e resistência. O lábio superior é o
responsável pela vibração. O bocal colocado muito baixo diminui a área de vibração do
lábio superior e, sem vibração, não há som. Você pode comprovar isso fazendo um
buzzing (abelhinha) sem o bocal. Se você colocar o seu dedo indicador no centro do seu
lábio inferior durante o buzzing o som pode até diminuir, mas a vibração não pára. Faça
agora o buzzing e coloque o seu dedo indicador no centro do lábio superior. A vibração
cessa imediatamente. Obviamente a solução é subir o bocal de modo que o aro do bocal
apoie fora da parte vermelha do lábio superior. A segunda situação que deve ser evitada
é a "embocadura sorriso", que ocorre quando os lábios são esticados demasiadamente
para produzir o som. Para corrigir esse problema, a maioria dos professores orienta os
alunos a buscar algo como um "sorriso enrugado". Explicando melhor: a pessoa deve
enrugar os lábios (projetá-los à frente) e posteriormente tentar sorrir. Dessa forma,
obterá um equilíbrio melhor dos músculos, resultando uma sonoridade melhor.
Posicionamento do Bocal
Regras com relação à colocação do bocal são absolutamente individuais. Cada pessoa
possui dentes, lábios e estruturas ósseas diferentes. Seria impraticável obrigar um
instrumentista a colocar o bocal num lugar que não é confortável e/ou eficiente. Um
pequeno desvio no posicionamento do bocal à esquerda ou à direita é absolutamente
normal. Infelizmente alguns instrumentistas tentam criar a "embocadura de foto" como
eu costumo chamar. É aquela embocadura absolutamente linda, perfeita e exatamente
no centro dos lábios. Só existe um problema: ela pode ser ineficiente. Dessa forma, não
recomendo que se desperdicem preciosas horas de estudo em frente ao espelho tentando
ajustar a aparência da embocadura. Na realidade a nossa preocupação deve ser sempre
como a embocadura soa, e não como ela aparenta. Quando faço essas afirmações quero
deixar bem claro que, uma checagem eventual em frente ao espelho é normal e
saudável. É importante também que os professores fiquem atentos, investiguem e
auxiliem na busca de soluções sobre reais problemas de embocadura. Acredito que
orientar o aluno a buscar um bom som é mais adequado do que tentar explicar como
cada músculo da embocadura deve funcionar.

Problemas de Embocadura?
Se só existem poucos problemas, o que então causa tantas dúvidas e mal-entendidos
sobre a embocadura? O grande artista e professor Arnold Jacobs definiu muito bem a
situação dizendo que "a embocadura é o resultado das demandas musicais que são
colocadas sobre ela" (Frederiksen, 1996, p. 142). Jacobs dizia que muitos alunos que
reclamavam de problemas de embocadura na realidade tinham dificuldades com a
coluna de ar e com o posicionamento da língua. Esses são assuntos para próximos
artigos, mas é fácil entender que os frágeis lábios vão obviamente sofrer se a pessoa
tocar com pouco ar, ou estudar por diversas horas sem o descanso adequado. Imagine
também a dificuldade de articular se a língua teimosamente bloqueia a passagem da
coluna de ar. Exemplos como esses que citei, podem ser facilmente confundidos com
problemas de embocadura, mas na realidade não são. Um outro aspecto extremamente
importante é a mensagem que mandamos para nossos lábios quando tocamos. Além do
ar, temos que "contar uma estória" como diria o grande trompetista Adolph Herseth. No
que se refere à embocadura, é essencial que esqueçamos qual músculo fará o trabalho,
mas sim como queremos soar. Em outras palavras, não são os músculos que controlam
o som, mas o som que controla os músculos. Eu tenho experiências muito interessantes
com relação a essa idéia. No meu trabalho temos sempre um ensaio geral na quinta-feira
pela manhã e um concerto à noite. Em várias ocasiões, quando tocamos programas
pesados, é inevitável um certo cansaço antes do concerto. Nesses momentos, a melhor
opção é pensar na mensagem musical a ser transmitida, e usar o ar da forma mais
eficiente possível. Seria absolutamente inútil e improdutivo ficar pensando sobre o
cansaço.

Conclusão
A minha intenção é de que esse texto possa ajudar e sirva como mais uma referência aos
instrumentistas de metal. Para maiores informações, recomendo a todos três excelentes
livros:

The Art of Brass Playing, de Philip Farkas


Arnold Jacobs: Song and Wind, de Brian Frederiksen
Mastering the Trombone, de Edward Kleinhammer e Douglas Yeo
Nesses livros, poderão ser encontradas explicações detalhadas sobre diversos tópicos
que citei. É muito interessante observar no livro de Philip Farkas as fotos das
embocaduras de grandes artistas do naipe de metais da Sinfônica de Chicago (1962).

FARKAS, Philip. The Art of Brass Playing . Rochester: Wind Music, 1962.
FREDERIKSEN, Brian. Arnold Jacobs: Song and Wind. WindSong Press, 1996.
KLEINHAMMER, Edward e YEO, Douglas. Mastering the Trombone. Hannover:
Edition Piccolo, 1997.
Articulação
Artigo publicado na Revista Magníficas

Por Fernando Dissenha

"Porque, se a corneta não der um som bem claro, quem se preparará para a batalha?" 1
Co14.8

Nesse artigo para a Revista Magníficas, abordo a articulação na performance dos


instrumentos de metal. O verbo articular (do latim articulare) significa separar, dividir,
pronunciar distintamente. Segundo o Dicionário Aurélio, articular é tocar com clareza e
nitidez. Já a definição do Dicionário Houaiss ensina que articular é “separar (grupos
rítmicos ou melódicos) para tornar o discurso musical inteligível”. Cada família de
instrumentos usa recursos distintos para criar as articulações. Os instrumentos de cordas
variam a velocidade, o ponto de contato e a pressão do arco. Já os percussionistas
alteram a velocidade, a distância e o ângulo que a baqueta toca na superfície sonora. Os
instrumentistas de sopro usam a língua que “separa em fatias” o ar que vem dos
pulmões. Uma vez que já escr evi sobre o uso do ar em dois artigos anteriores, é
importante agora uma análise da função da língua no processo de articular.

Antigamente, alguns professores ensinavam que o início das notas deveria ser como se
estivéssemos “cuspindo” um objeto da língua. Talvez esse equívoco venha em parte de
alguns termos encontrados em métodos de trompete. Palavras como ataque (do inglês
stroke), ou o terrível “golpe de língua”, não parecem descrever atividades musicais, mas
sim, movimentos de uma luta. Devemos lembrar que o início das notas não é uma
função da língua, mas do ar. Nesse processo, a língua deve funcionar como uma válvula
reguladora que define a duração das notas. Os lábios vibram pelo ar em movimento, e
não por golpes ou “pancadas” da língua. Se tiver dúvidas sobre esse conceito,
experimente iniciar uma nota só com o ar. Provavelmente o som não terá um começo
definido, mas ainda assim é possível produzi-lo. Por outro lado, se você tentar tocar a
mesma nota “só com a língua”, você perceberá que isso é fisicamente impossível. Não
existirá vibração dos lábios e por conseqüência, nenhum som musical será criado.

O controle total das articulações é o objetivo técnico de todos os instrumentistas de


metal. A meu ver, os problemas aparecem quando esquecemos o ar e focamos nossa
atenção exclusivamente nos movimentos da língua. Deficiências como falta de
velocidade e clareza têm fácil resolução se deixarmos que a coluna de ar “controle” a
língua relaxada. Uma analogia que uso para explicar isso é a de um pedaço de pano
preso na janela de um carro em movimento. Já fez essa experiência? Reparou como o
pano se move rapidamente? Outro fator importante é o correto balanço entre o uso do ar
e os movimentos da língua. Para que esse equilíbrio aconteça, grandes professores
insistem que a língua não bloqueie a coluna de ar. A idéia é que a coluna de ar seja
fluente e sem interrupções - independentemente do tipo de articulação a ser executada.

Uma pergunta vem após essas considerações: onde a língua deve ficar no momento da
articulação? Obviamente a língua deve sempre se posicionar atrás dos dentes. Na minha
primeira aula nos EUA, o professor Chris Gekker falou sobre o conceito de brush
articulation - algo que pode ser traduzido como “articulação pincel”. De acordo com
essa idéia, a ponta da língua funciona atrás dos dentes incisivos superiores para criar
diferentes sons e cores. Idéia semelhante foi defendida em julho de 2004, no Festival de
Campos do Jordão por Philip Smith - primeiro trompete da Filarmônica de Nova York.
Ele afirmou que pensa no funcionamento da língua exatamente como o pincel de um
artista que cria texturas e estilos distintos na tela. Existem também grandes
instrumentistas que usam a ponta da língua “ancorada” (em inglês: anchor tongue) nos
dentes inferiores. Um consenso entre bons professores é que a língua se posicione o
mais próximo dos dentes e execute movimentos de pequena amplitude, o que ajuda a
criar maior agilidade.

Pode-se criar uma analogia entre o papel das consoantes e vogais, à forma de iniciar as
notas. Esse conceito é citado na definição de articulação do Dicionário de Termos e
Expressões da Música, escrito pelo Dr. Henrique Autran Dourado. Quando
“pronunciamos” diferentes sílabas no instrumento, produzimos distintos estilos de
articulações. As consoantes “t” (oclusiva) e “d” (explosiva) são as mais recomendadas
em vários métodos de trompete. Não por coincidência, essas consoantes são chamadas
linguodentais. Ou seja, para pronunciá-las temos que encostar a língua nos dentes. As
consoantes “l”, “n”, “p” e “r” também são usadas para criar diferentes “cores”. Em um
próximo artigo, pretendo abordar “g” e “k”, consoantes utilizadas na execução de
articulação dupla, tripla e múltipla. Com relação as vogais - que também alteram os
timbres - sugiro uma pesquisa ampla sobre os sons de outros idiomas. Defendo isso,
pois infelizmente alguns professores mal-informados insistem em ensinar conceitos
equivocados como, por exemplo, a sílaba “tu” - que aparece no famoso método de Jean
Baptiste Arban (1825-1889). É importante ressaltar que o som dessa sílaba em
português não é igual ao francês. Além disso, a pronúncia correta (em francês) da vogal
“u” implicará em mudanças na posição dos lábios. Mas qual é a sílaba melhor ou a
“correta”? A resposta não é simples pois temos que levar em conta vários fatores como:
estilo e a dinâmica da música a ser tocada, a articulação de outros colegas, o desejo dos
maestros, a acústica da sala, dentre outros.

É essencial que o instrumentista conheça o significado e a forma de execução dos


símbolos criados na música ocidental para indicar as articulações. Porém, a pesquisa é
sempre importante, pois nem sempre esses símblos devem ser executados da mesma
forma. Cito por exemplo um staccato em Brahms, que tem um caráter de separar as
notas. Já o staccato de Stravinsky, denota quase sempre um som mais seco. Outra
observação necessária diz respeito aos fundamentos da teoria musical que definem o
valor que devemos sustentar uma nota. Infelizmente, algumas vezes esquecemos
algumas regras básicas e tocamos as notas mais curtas do que elas realmente são. A
seguir incluo uma breve descrição de alguns símbolos que freqüentemente encontramos
nas partituras.

Staccato: significa separar, desligar (do italiano staccare). É a execução de sons curtos e
separados, indicada com um ponto abaixo ou acima das notas (Houaiss). As notas com
esse símbolo devem ser executadas com a metade do seu valor original.

Portato: denota carregar, levar, trazer (do italiano portare). Com uma coluna de ar
constante, as notas são “articuladas no som”, como é descrito no método de Saint-
Jacome (1830-1898).

Acento: (do italiano accento). As notas devem ser articuladas com mais intensidade no
início e um decrescendo no final, mais ainda assim, sustentadas com o valor integral. A
idéia é reproduzir um som de sino (do inglês bell tone).

Tenuto, ou simplesmente ten: significa ter, manter (do italiano tenere). Indica sustentar
as notas com o valor exato ou um pouco prolongado.

Marcato: esse termo significa marcar, colocar em evidência, ressaltar (do italiano
marcare). As notas são articuladas com muita intensidade e mantidas assim na duração
integral.

Discussões intermináveis sobre a articulação têm, infelizmente, gerado muita confusão e


até desentendimentos entre instrumentistas e professores. Um ponto de partida para o
fim das discórdias é respeitar a vontade do compositor expressa na partitura. Mais uma
vez, cito Philip Smith que em Campos do Jordão disse aos alunos: “Play what the man
wrote”, traduzindo: “toque o que o homem (compositor) escreveu”. É fundamental
também lembrar que quase sempre tocamos com outros colegas, e isso implica em
seguirmos algumas regras essenciais como: ouvir o grupo, esquecer o individualismo e
se necessário, mudar a articulação. Por fim, o objetivo desse artigo - apesar da
complexidade do assunto - não é somente tratar de “técnica”. Nesse contexto, a
articulação é uma poderosa ferramenta que temos para “contar a história” que o
compositor escreveu de uma forma clara e mais expressiva.

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