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Capitulo Vill DELITO COMO AGAO TIPICA 1,CONCEITO DE TIPO O Direito Penal é por exceléncia, um Direito tipolégico. O termo “tipo” € revelador de um conceito equivoco,! fluido ¢ multidisciplinar. O tipo legal vem a ser 0 modelo, imagem ou esquema conceitual da agdo ou da omissdo vedada, dolosa ou culposa. E expressio concreta dos especificos bens juridicos amparados pela lei penal. O tipo — como tipo de injusto — compreende todos os elementos e/ou circunsténcias que fundamentam o injusto penal especifico de uma figura delitiva (= de uma conduta), Serve de base A ilicitude particular de uma agdo ou omissio tipica. Pode-se conceituar tipo de injusto como a acgao ou omissao tipica e ilicita. Esta implicita a valoragdo da conduta tipica como ilicita. A tipicidade, por sua vez, vem a ser a subsungdo ou adequagiio do fato ao modelo previsto no tipo legal. E um predicado, um atributo da agao, que a considera tipica (juizo de tipicidade positive) ou atipica (juizo de tipicidade negativo). Dai ser a acdo tipica um substantivo, isto é, a ago ja qualificada ou predicada como tipica (subsumida ao tipo legal). A tipicidade constitui a base do injusto penal. Mais tecnicamente, averba-se que a tipicidade penal se apresenta “como resultado de uma concregao da norma mediante a lei penal”,’ ¢ ainda que é “a tipicidade penal que atribui a um injusto o cardter especifico de injusto penal ou punivel”! Com a tipicidade, delimita-se, portanto, 0 Ambito do juridico- penalmente relevante — 0 ambito do punivel —, em que se estabelecem as fronteiras e os contornos da intervengao penal (principio de tipicidade). Com base no principio da reserva legal (art. 5.°, XXXIX, da CF; art. 1.° do CP), o tipo legal de delito desempenha uma série de fungdes: a) fungéo seletiva — indica os comportamentos que sao protegidos pela norma penal, que interessam ao Direito Penal; b) fungdo de garantia e de determinagdo — diz respeito ao cumprimento do principio da legalidade dos delitos e das penas, formal e materialmente, inclusive quanto ao requisito da taxatividade (/ex scripta, lex praevia, lex stricta e lex certa); ¢) fungdo indicidria da ilicitude — é a tipicidade a ratio cognoscendi da ilicitude; d) delimitagdo do iter criminis — assinala o inicio e o fim do processo executivo do crime; e e) fungio motivadora ou de determinagao geral de condutas — “chamada de atengdo” — diante dos cidadaos, destaca-se que uma conduta se encontra desvalorada e proibida de modo geral sob a ameaga de pena (por isso nao deve ser realizada), e, assim, procura motivar ou determinar a todos no sentido de ndo ser praticada.* 2. TIPICIDADE E ILICITUDE A tipicidade ¢ ilicitude so elementos axiologicamente diferentes compéem a estrutura I6gico-analitica do delito. Isso significa que o delito, em sede metodolégica, decompée-se em certos niveis de valorag: ou omissao, tipicidade, ilicitude ¢ culpabilidade. As suas relagdes dependem da orientagao dogmatica assumida, como logo sera demonstrado. No que toca ao assunto, quatro sao as teorias mais relevantes: a) Teoria do tipo independente ou avalorado — é a adotada pelo sistema Liszt-Beling. A tipicidade tem fungao meramente descritiva, objetiva e valorativamente neutra, absolutamente separada da ilicitude, nada indicando a seu respeito. O tipo legal é avalorado, sem qualquer elemento normativo ou subjetivo, e cumpre a fungdo de descrever os aspectos objetivos externos do comportamento; b) Teoria indicidria — & a preferida pela doutrina finalista da agao (Welzel-Maurach). A tipicidade ¢ a ratio cognoscendi da ilicitude, isto é, a tipicidade da ago constitui um indicio (ou presungao juris tantum) de sua ilicitude (salvo a presenga de uma causa justificante). A tipicidade é 0 principal indicio ou fator cognoscivel da ilicitud ©) Teoria da identidade — encontra-se, principalmente, no modelo neoclissico de delito (Mezger-Sauer). A tipicidade ¢ a ratio essendi da ilicitude, A tipicidade conduz. necessariamente 4 ilicitude, j4 que formam um todo unitirio. A tipicidade € “antijuridicidade material tipificada”? E 0 delito é conceituado como agio “tipicamente antijuridica e culpavel”’ Aparece o tipo, portanto, como tipo total — fundamento da antijuridicidade —, sendo a esséncia mesma do injusto. A ilicitude é vista como injusto objetivo, como ilicitude tipificada. As causas de exclusao da antijuridicidade sao causas ou elementos negativos do tipo; d) Teoria dos elementos negativos do tipo — essa corrente se acha estreitamente vinculada com a anterior, visto que com a fusao tipicidade- antijuridicidade, emerge a teoria sobre os elementos negativos do tipo (negativen Tatbestandmerkmalen)2 A tipicidade ¢ a ilicitude encontram-se superpostas, de modo que, verificada a primeira, verifica-se a segunda. Para essa doutrina, 0 tipo da lugar sempre 4 ilicitude, visto que sé existe tipo penal completo (tipo total de injusto) quando nao se encontrarem presentes quaisquer causas de justificagdo (auséncia de causa de justificag’o), caso contrario ocorre atipicidade. Ha, dessa maneira, uma identidade total entre tipo ¢ ilicitude. As excludentes de ilicitude negam de uma s6 vez a antijuridicidade ¢ o tipo (ex.: a ago tipica nao é furtar, mas fazé-lo sem o amparo de uma justificante), Portanto, tais causas de justificagdo integram o tipo de injusto, como elementos negativos — excludentes da tipicidade e, logo, de ilicitude, em razao de se identificarem tipicidade e ilicitude. Essa concepgao acaba, assim, com a necesséria autonomia conceitual da ilicitude, 0 que é inadmissivel, pois tipo e ilicitude correspondem a niveis axiolégicos diversos. O delito passa a ser tipo de injusto e culpabilidade. Para essa teoria, 0 erro sobre os pressupostos de uma causa de justificagao constitui um erro sobre os elementos negativos do tipo, excluindo o dolo. Nao se compartilha de tal concepgao. Como bem se sustenta, “a disposigao permissiva (a causa de justificagio) supde necessariamente a propria realizagao do tipo proibitivo e esta nele inserida. A concorréncia de uma causa de justificago (por exemplo, a legitima defesa) nao afeta, nem elimina a tipicidade da conduta, mas elimina a antijuridicidade da reali: 3. DESVALOR DA ACAO, DESVALOR DO RESULTADO E DESVALOR DO ESTADO A norma incriminadora, conforme j4 destacado, constitui uma proposigio prescritiva (mandado/proibigaio) dirigida a todos e impondo- Ihe formas de comportamento. A vontade contraria 4 diretriz normativa (v.g., desvalor da ago — dolo/culpa) é, entao, elemento importante da ilicitude. No que concerne ao conceito pessoal de injusto, convém tecer algumas consideragées acerca das concepgées monista-subjetiva e dualista, com suas respectivas variantes. Para a primeira delas — fundada por A. Kaufmann -, considera-se que basta o desvalor da agdo (desvalor da inten¢do — Intentionensunwert) para a conformagao do injusto penal, ficando, em geral, o desvalor do resultado relegado a categoria de condigao objetiva de punibilidade. O injusto tipico se limita ao desvalor da agdo — entendido subjetivamente —, 0 que faz com que a norma penal tenha por objeto apenas a resolu¢ao ativa./t De outro lado, para a concepgao dualista, tanto 0 desvalor da agao, como o desvalor do resultado, integram 0 conceito de injusto penal. O desvalor da agdo nao deve ser entendido como desvalor da intengao (tese dualista), mas abrange, também, elementos objetivos (v.g., modo de execugdo). O desvalor da ago (dolo/culpa) se refere 4 forma de praticar o delito (elementos objetivos/subjetivos) e 0 desvalor do resultado alude a les&io ou perigo de leséo ao bem juridico protegido. No que respeita essa afirmagao, alude-se que o desvalor da a¢ao nos delitos dolosos se perfaz inteiramente com a tentativa acabada, e, nos delitos culposos, com a realizagéio da agiio que surge previamente como perigosa."* Para a fundamentagdo completa do injusto, faz-se necessaria a coincidéncia ou congruéncia entre desvalor da agdo e o desvalor do resultado, visto que a conduta humana s6 pode ser objeto de consideragao do Direito Penal na totalidade de seus elementos subjetivos e objetivos. Nessa perspectiva, convém explicitar 0 chamado desvalor de situagao ou sobre o estado. Trata-se de hipdtese em que ndo chega a ocorrer um desvalor do resultado, visto que nao ha afetacdo de um bem juridico protegido pela norma penal. Em realidade, 0 que se verifica é a auséncia de dolo ou de culpa (desvalor da ago), 0 que também acarreta a inexisténcia do desvalor do resultado, A agdo coneretamente realizada pelo sujeito ndo apresenta “uma finalidade juridico-penalmente relevante, porque o resultado que se pretende alcangar nao se reveste da manifestagdo concreta de lesdo ao bem juridico integrante do resultado tipico, com os elementos que determinam a gravidade juridico-penal da lesdo do bem juridico nesses delitos”.° © referido desvalor da situagdo ou do estado nao é penalmente relevante (v.g., corte de cabelo autorizado, dadiva ou presente ofertado no periodo natalino, aborto em caso de anencefalia). O tipo de injusto, composto pelo desvalor da agéo € do resultado, é a reunido de elementos que fundamentam o injusto especifico de uma determinada figura de delito. 4, CLASSIFICACAO ESTRUTURAL DOS TIPOS Os preceitos da parte especial do Cédigo Penal manifestam frequentemente estreitas relagdes internas (conexées tipoldgicas). Assim, tem-s a) Tipo basico/tipo derivado/tipo auténomo — o primeiro ¢ 0 tipo de partida, fundamental. Exemplos: arts. 121, caput (homicidio simples), 129, caput (lesées corporais) e 155, caput (furto), CP. J4 o segundo, justamente, deriva do basico, isto 6, apresenta-se como uma especificagdo dependente, decorrente da adigao de certos elementos. Pode ser: privilegiado/qualificado. Exemplos: art. 242, pardgrafo tnico, e 317, §2.°, CP (tipos privilegiados); art. 121, §2.°, e art. 155, §4.° (tipos qualificados). O tipo auténomo (delictum sui generis), ainda que tenha conexio com outro tipo legal, representa uma variante auténoma, e se encontra, por isso, separada de todo outro tipo do sistema penal. Exemplos: arts. 123 (infanticidio) © 343 (corrupgéo ativa de testemunha ou perito), CP. b) Tipo simples/composto ou misto — 0 tipo simples compreende uma 86 agdo e 0 tipo composto (ou misto) envolve uma pluralidade de agées. Exemplos: arts. 121, caput (homicidio simples), 129, caput (lesio corporal) — tipos simples -; e 122 (induzimento, instigagdo ou auxilio a suicidio), 288-A (constituigdo de milicia privada), CP — tipos compostos ou mistos. O tipo composto ou misto se subdivide em: b.1) tipo misto alternativo — ha uma fungibilidade (contetido varidvel) entre as condutas, sendo indiferente que se realizem uma ou mais, pois a unidade delitiva permanece inalterada. Ainda que 0 sujeito ativo realize duas ou mais condutas (micleos), haverd a aplicagaio de uma tnica pena pela realizagio do tipo. Exemplos: arts. 175 (fraude no comércio), 211 (destruigao, subtragao ou ocultagdo de cadaver), 233 (ato obsceno) ¢ 234 (escrito ou objeto obsceno), CP. b.2) tipo misto cumulativo — nao ha fungibilidade entre as condutas, 0 que implica, em caso de se realizar mais de uma, na aplicagéo da regra cumulativa — concurso material. Exemplos: arts. 135 (omisso de socorro), 180 (receptagdo), 208 (ultraje a culto e impedimento ou perturbagao de ato a ele relativo), 242 (parto suposto), 244 (abandono material), 336 (inutilizagao de edital ou de sinal), CP. c) Tipo normal/anormal — 0 tipo normal contém apenas uma descrigao objetiva, sem referéncia a elementos normativos ou subjetivos do tipo. Ou seja, contém apenas elementos descritivos. Exemplos: arts. 121, caput (homicidio simples) e 129, caput (lesio corporal), CP. Ja o tipo anormal compreende os elementos objetivos ¢ normativos ou subjetivos. Exemplos: arts. 140 (injtiria), 153 (divulgago de segredo) e 297 (falsificagao de documento publico), CP. d) Tipo congruente/tipo incongruente — no primeiro, 0 aspecto subjetivo (dolo) corresponde ao objetivo — esto superpostos. No tipo incongruente isso ndo ocorre, em razio da presenga de elemento subjetivo especial do tipo. Exemplos: arts. 121, caput (homicidio simples), 129 (lesao corporal) — tipos congruentes; 155 (furto), 319 (prevaricacio), CP - tipos incongruentes. c) Tipo fechado/tipo aberto — no tipo fechado a descrigdo legal da agao proibida é completa, em todos os seus aspectos faticos. Exemplos: arts. 121, caput (homicidio simples) e 129, caput, CP (lesio corporal). Jé © tipo aberto descreve parte da agd0 proibida, devendo ser completado pelo julgador. A tipicidade depende de um juizo axiolégico auténomo.? Exemplos: delito culposo — arts. 121, §3.° (homicidio culposo) e 129, §6.° (lesdio corporal culposa); elementos normativos — arts. 177 (fraudes abusos na fundagdo ou administragio de sociedade por agées); 259 (difusdo de doenga ou praga), CP. a é a posicéo de Hans Welzel. Todavia, o tipo de injusto, como materialmente concebido, esta formado pelo conjunto dos elementos constitutivos da respectiva espécie delitiva. Faz parte do tipo toda caracteristica insita no injusto de determinada infragao penal, vale dizer, como forma de manifestagao individual do delito. Trata-se de um conceito de tipo compreensivo de todas as caracteristicas do delito. © tipo como espécie de injusto deve conter todos os dados que concorrem para delimitar 0 contetido do injusto de um delito especifico.” Desse modo, nao ha tipo aberto se considerado que integram o tipo de injusto todos os componentes que justificam 0 injusto proprio de um delito.* Noutro dizer: ao tipo correspondem todos os elementos que fundamentam positivamente o injusto. Em consequéncia, devem ser nele incluidos “todos os elementos cocaracterizadores do contetido de injusto de uma espécie de delito, de modo que a questio da antijuridicidade, que esta inerentemente associada A problematica dos tipos abertos, seja proposta de forma negativa, quer dizer, desde que realizado o tipo, ja se estabelece um indicio de antijuridicidade, que somente se torna excluido mediante a confrontagéio com normas permissivas de toda ordem juridica”. 5. TIPO DE INJUSTO DE ACAO DOLOSO. 5.1. Tipo objetivo e tipo subjetivo Conforme o conceito pessoal de injusto, o tipo de injusto decompée-se analiticamente em: a) tipo de injusto de agdo (doloso e culposo); b) tipo de injusto de omissdo (doloso ¢ culposo). O tipo de injusto de ago doloso desdobra-se em: 1) tipo objetivo: conjunto dos caracteres objetivos ou materiais do tipo legal de delito (face objetiva); 2) tipo subjetivo: conjunto dos caracteres subjetivos ou animicos do tipo legal de delito (face subjetiva). A distingao entre tipo subjetivo e tipo objetive tem carater meramente didatico-pedagdgico. Em realidade, no hd nenhuma oposigao entre o subjetivo © 0 objetivo, pois formam parte de um contexto tnico e indissolivel. Ha, desse modo, no injusto culpavel, uma unidade subjetiva objetiva da conduta tipica. O tipo objetivo se limita a determinar os comportamentos adequados produgdo do resultado, fornecendo as balizas para atuagdo do tipo subjetivo. Assim, a dimensio de sentido inerente A conduta finalista se manifesta na relagGo entre a esfera ontolégica e a esfera valorativa. Para seu exato entendimento, como expressdo de sentido no mundo social, n&o cabe cindi-la em momentos objetivos e subjetivos. Constitui-se em uma unidade interdependente, mas indivisivel, com aspectos objetivos © subjetivos inerentes ao todo.” Incumbe ao tipo subjetivo (dolo) atribuir sentido 4 conduta tipica. O tipo objetivo & composto de um niicleo (verbo — ago ou omissio) e de elementos secunddrios ou complementares (ex.: sujeitos — ativo e passivo; objeto da agSo; bem juridico; nexo causal; resultado; circunstancias de tempo, lugar, meio, modo de execugo). O tipo objetivo representa a exteriorizagdo da vontade (aspecto externo-objetivo), refletindo, portanto, uma realidade externa. E, pois, “o nticleo real- material de todo delito”.2! Na descrig&io da agao tipica est implicito um juizo de valor, porque o tipo compreende todos os elementos que fundamentam o injusto préprio de determinado delito. Entre os elementos do tipo objetivo, faz-se a diferenciagao entre: 1) Elementos descritivos ou objetivos propriamente ditos — sio aqueles cuja identificagdo ocorre com a simples verificag’o sensorial. Dizem respeito a objetos, seres ou atos perceptiveis pelos sentidos. Em geral, compéem a realidade e so perceptiveis pela experiéncia (ainda quando referidos a valores). Exemplos: coisa mével (art. 157, CP — roubo), alguém (art. 213, CP — estupro), membro (art. 129, §1.°, III, CP — lesdo corporal de natureza grave), explosivo (art. 121, §2.°, III, CP — homicidio qualificado); animal vivo (art. 32, §1.°, Lei 9.605/1998 — Lei dos Crimes Ambientais); enterro, ceriménia funerdria (art. 209, CP); sepultura (art. 210, CP); mercadoria (art. 7.°, II, Lei 8.137/1990 — Lei dos Crimes contra a Ordem Tributdria, Econémica e contra as Relagdes de Consumo); cadaver (art. 19, Lei 9.434/1997 — Lei dos Transplantes de Orgaos). 2) Elementos normativos — so aqueles que exigem um juizo de valor para 0 seu conhecimento. Dizem respeito a certo dado ou realidade de ordem juridica ou nao. No dizer de Engisch, podem ser representados e concebidos sob 0 pressuposto légico de uma norma juridica. Os elementos normativos do tipo de injusto tém os mais diversos contetidos, 0 que dificulta sua clara sistematizagao. Referem-se a valores, e s6 sio compreensiveis quando conexos ao mundo das normas. Nessa espécie de elemento, é preciso um ato de valoragio para a apreenstio do seu contetido. Em geral, classificam- seem: a) normativos juridicos: conceitos juridicos ou referentes 4 norma juridica. Exigem um juizo de valor de cunho juridico (valoragao juridica). Exemplos: cheque (art. 171, §2.°, VI, CP — fraude no pagamento por meio de cheque), documento (art. 297, CP — falsificagdo de documento publico), funciondrio piblico (art. 312, CP — peculato), casamento (art. 235, CP — bigamia), fungdo publica (art. 328, CP — usurpagdo de fungao plblica), direito ou imposto devido (art. 334, CP — contrabando ou descaminho); espécimes da fauna silvestre (art. 29, Lei 9.605/1998 — Lei dos Crimes Ambientais); consumidor (art. 68, Lei 8.078/1990 — Cédigo de Defesa do Consumidor); instituigdo financeira (art. 3.°, Lei 7.492/1986 — Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro). b) normativos extrajuridicos (ou empirico-culturais): juizos de valor fundados na experiéncia, na sociedade ou na cultura. Exigem um juizo de valor de cunho nao juridico (valoragdo extrajuridica), de ordem social, econémica, politica, biolégica ete. Exemplos: ato obsceno (art. 233, CP); perigo moral (art. 245, CP — entrega de filho menor a pessoa inidénea); dignidade, decoro (art. 140, CP — injuria); germes patogénicos (art. 267, CP — epidemia); doenca contagiosa (art. 268, CP — infragdo de medida sanitaria preventiva); enfermidade incurdvel (art. 14, §3.°, I], Lei 9.434/1997 — Lei dos Transplantes de Orgiios). Hé elementos normativos (juridicos ou no) que sio as vezes erroneamente considerados, em razdo de seus caracteres, como elementos subjetivos do injusto. Por exemplo: certos mofivos, presentes em alguns tipos que, dependendo de seu contetido, operam na graduagéo da pena (a maior ou a menor); motivo torpe, motivo fiitil (art. 121, §2.°, I, II, CP); motivo de relevante valor social ou moral (art. 121, §1.°, CP). Ainda aqui, incluidos no rol dos elementos normativos do tipo, encontram-se os denominados elementos do dever juridico, como, por exemplo, o dever juridico no delito de omissao prépria (art. 135, CP); 0 dever objetivo de cuidado no delito culposo (art. 121, §3.°, CP). Esses elementos descritivos e normativos do tipo de injusto muitas vezes se entrelagam, tornando-se necessério um juizo cognitivo. Exemplos: logo apés o parto (art. 123, CP — infanticidio), coisas de pequeno valor (art. 155, §2.°, CP — furto), meio insidioso ou cruel (art. 121, §2.°, II, CP — homicidio qualificado). HA, ainda, certas expressdes presentes nas figuras delitivas que sao elementos normativos com referéncia especifica 4 possivel concorréncia de uma causa de justificagaéo. Estéo presentes no tipo, embora digam respeito a antijuridicidade. Suas auséncias tornam a conduta permitida. Exemplos: indevidamente (arts. 151 — violagao de correspondéncia, 162 — supressao ou alterago de marca em animais, 311-A — fraudes em certames de interesse publico, CP); sem justa causa (arts. 153 — divulgagio de segredo, 154 — violagdo de segredo profissional, 244 — abandono material, CP); sem as formalidades legais (art. 350, CP — exercicio arbitrario ou abuso de poder); sem a permissdo legal (art. 292, CP — emissiio de titulo ao portador sem permissao legal); sem autorizagaio legal (art. 349-A, CP); fora dos casos permitidos em lei (art. 323, CP — abandono de fungao). Assinale-se que os elementos normativos e descritivos tem muitas vezes natureza indeterminada ou vaga, ainda que esta tiltima caracteristica seja mais frequente nos primeiros (v.g., a) expresso quantitativa nao numérica: “em niveis tais” — art. 54, caput, Lei 9.605/1998; “destruigdo em massa” — art. 29, §4.°, VI, Lei 9.605/1998; “causar dano direto ou indireto” — art. 40, caput, Lei 9.605/1998; b) elemento de ordem ético- social: “delito contra a dignidade sexual, “sentimento religioso”, “paz publica”, vide CP). E conveniente ainda explicitar 0 que vem a ser cldusula geral: em oposig&io A formulagao casuistica dos tipos, aparece a cldusula geral nos casos em que a elaboragao da hipotese legal ¢ feita em termos de grande generalidade ou elasticidade, abrangendo e submetendo a norma a todo um vasto grupo de casos. Essa técnica legislativa costuma ser exemplo de indeterminagdo conceitual, quando nao de excessiva discricionariedade 2 O tipo subjetivo compreende determinadas representagdes animicas, psicolégicas ou psiquicas do sujeito ativo presentes no momento em que realiza a conduta tipica (a sua realizacdo é mentalmente representada). Em outras palavras: so “as circunstancias que pertencem ao campo psiquico-espiritual e ao mundo de representacdio do autor” Tem-se, assim, que © tipo subjetivo consiste “na descrigdo conceitual dos elementos psiquicos do autor”. E formado pelos elementos que se seguem. 5.2. Elemento subjetivo geral: 0 dolo O dolo, como elemento geral da agao final, compée o tipo subjetivo. Entende-se por dolo a consciéncia e a vontade de realizagao dos elementos objetivos do tipo de injusto doloso (tipo objetivo). Dolo, como resolugado delitiva, é “saber e querer a realiza¢ao do tipo objetivo de um delito”.~ Nesses termos, age dolosamente o agente que conhece e quer a realizagao dos elementos da situago fatica ou objetiva, sejam descritivos, sejam normativos, que integram o tipo legal de delito2* O dolo é, de certo modo, a “imagem reflexa subjetiva do tipo objetivo” da situagao fatica representada normativamente. A conduta dolosa é mais perigosa — e deve ser punida mais gravemente — do que a culposa. O juizo de periculosidade objetiva da conduta exige necessariamente a aferigéio do dolo. Em geral, as legislagdes ndo apresentam uma definigdo de dolo. No entanto, 0 Cédigo Penal brasileiro o define de modo expresso: “Art. 18. Diz-se o crime: I — doloso, quando o agente quis 0 resultado ou assumiu 0 risco de produzi-lo”. E uma parte subjetiva do tipo de injusto que implica um desvalor da agao de natureza mais grave. Refere-se unicamente ao tipo indiciario (dolo natural ou dolo neutro), e esta presente tanto no delito consumado como no tentado. Assim, nao exige a consciéncia da ilicitude, que é elemento da culpabilidade. Todavia, para a teoria causal (classica ou neoclassica), 0 dolo € entendido como dolus malus, portador da consciéncia do significado ilicito do fato. Compreende 0 dolo, como face subjetiva do tipo, os elementos cognitivo ou intelectual — consciéncia atual da realizagdo dos elementos objetivos do tipo (conhecimento da agdo tipica, representagdo fatica) —, volitivo, intencional ou emocional — vontade de realizagdo dos elementos objetivos do tipo (vontade intencional, vontade reitora da conduta, finalidade tipica). Isso significa 0 agasalho de uma concepga0 dualista: dolo exige conhecimento (saber) e vontade (querer). Convém esclarecer que se 0 agente, por qualquer motivo, nao tem consciéncia de que esta realizando os elementos objetivos de um tipo penal, obviamente também nao tem vontade de realiza-los. Trata-se do chamado erro de tipo ou erro sobre os elementos do tipo legal, regulado pelo artigo 20 do Cédigo Penal, que ¢ estudado com detalhes no capitulo referente a teoria do erro. O erro de tipo, portanto, sempre exclui o dolo (por auséncia do elemento cognitivo e, de conseguinte, do volitivo), mas permite a punigao pela modalidade culposa, quando considerado inescusavel, se prevista a forma culposa para o delito em questao. Exemplo: [A], com a intengdio de alimentar sua neta [B], de cinco anos, dirige-se 4 dispensa da casa de sua filha para escolher um suco e acaba confundindo um produto de limpeza com alimento, e entrega para a neta beber. [B] morre em raz&o da intoxicagao. Se considerado inescusavel o erro em que incorreu [A], ela pode ser punida por homicidio culposo. O dolo abrange o fim visado pelo agente, os meios empregados e as. consequéncias secundarias vinculadas a relacéo meio-fim — dolo de consequéncias necessdrias. Nesta ultima hipotese, considerada como dolo direto, “o resultado € tido como querido porque o autor sabe que vai se produzir”.2* Além disso, tem-se ainda que a vontade de realizagao do tipo objetivo pressupée a possibilidade de influir no curso causal. O conhecimento do dolo compreende a realizagéo dos elementos descritivos e normativos, do nexo causal e do evento (delitos de lesdo), da les4o ao bem juridico, dos elementos da autoria e da participagao, dos elementos objetivos das circunsténcias agravantes e atenuantes que supdem uma maior ou menor gravidade do injusto (tipo qualificado ou privilegiado) e dos elementos acidentais do tipo objetivo. Nao abrange, porém, eventuais condigdes objetivas de punibilidade, visto que se encontram fora do tipo objetivo. O dolo deve ser atual, isto é, simultaneo a realizagao da agao tipica, nao sendo necessario que o conhecimento do agente seja exato ou preciso, em termos juridicos ou técnicos; basta simplesmente sua “valoracdo paralela na esfera do profano”. Isso vale dizer: ¢ suficiente que o agente tenha, no seu contexto, uma compreensio razodvel, segundo conhecimento normal de uma pessoa leiga (v.g., 0 elemento normativo funciondrio piblico: nao & preciso que o autor saiba 0 conceito juridico- penal de funcionario piiblico, suficiente que tenha consciéncia de que exerce [ou exerceu] uma fun¢ao publica). De sua vez, finalidade ¢ dolo nao tém o mesmo significado, visto que a “finalidade é 0 conceito mais geral, fundamental; designa a qualidade de uma acao de ser um acontecimento dirigido. E um conceito pré-juridico, enquanto o dolo é um conceito juridico, referido ao tipo objetivo, que indica que a diregdo da ago se orienta a realizagao do tipo (...). Em todo caso, esta claro que quando a vontade de acao se dirige a realizagao de um tipo legal estamos ante o dolo em sentido técnico. Este dolo é uma parte integrante da agao”2 Nesse ponto, convém observar que ha posturas no sentido reducionista, isto é, de que o dolo se configura somente com o elemento intelectual, descartando-se 0 aspecto volitivo (teorias monistas). Em geral, as propostas teleolégicas ou funcionalistas adotam essa construgao do dolo, na busca de sua normativizacao ou objetivizagio.! Da-se, entao, primazia absoluta ao conhecimento, em detrimento da vontade, na formagao do dolo, sob a alegagdo de que, por exemplo, o primeiro envolve necessariamente a segunda. Seria suficiente para a formagao do dolo, no delito de resultado, que o agente tivesse atuado com a consciéncia do perigo de sua produgao, e, no delito de atividade, que ele conhecesse os elementos integrantes do tipo legal.” Nao se deixa de reconhecer, como destacava Maurach, certo predominio do elemento cognitivo, visto que, em geral, a vontade pressupée 0 conhecimento como momento prévio. Nao obstante, é de se destacar que a vontade nado se limita apenas a esse aspecto, mas, para além, consubstancia também um direcionamento da conduta no sentido da realizagao dos elementos que compéem 0 tipo objetivo do delito. Como bem se agrega, “ha sempre um fim ultimo que relativiza a finalidade relevante para o tipo, e, apesar disso, nao se perde de vista a parte volitiva do fato”."! O sujeito ativo de um delito nao é “mero executor do que conhece, nao atua unicamente por que conhece ou na medida em que conhece, mas sim dirige com sua vontade um processo causal sobre uma realidade — representada previamente — e vai cotejando na medida em que avanga na realizagao da ago”. Nao se faz necessdrio, portanto, muito esforgo para se entender o perigo de tal postura, que, além de artificial, e nao condizente com a realidade da conduta humana, pode vir a questionar a propria concepgao de Estado Democratico de Direito. Para além, o Cédigo Penal brasileiro é bem claro ao exigir a consciéncia ¢ a vontade como seus elementos essenciais (art. 18, CP). A partir da relacdo entre a vontade ¢ os elementos objetivos do tipo, tém-se as principais espécies de dolo: a) Dolo direto: 0 agente quer o resultado como fim de sua agéio e 0 considera unido a esta ultima, isto é, 0 resultado produz-se como consequéncia de sua ago (vontade de realizado). A vontade se dirige ao perfazimento do fato tipico principal (tipo objetivo) querido pelo autor. Engloba também, em certas hipdteses, as consequéncias secundarias necessariamente vinculadas a pratica da agao (dolo mediato ou de consequéncias necessérias). A vontade reitora — finalidade — abrange, além do resultado diretamente visado como fim principal do agente, outras consequéncias derivadas de modo necessario da execugdo da conduta tipica. Além disso, e embora seja bastante a classificagao utilizada’ — dolo direto e eventual — mais sintética ¢ consagrada pela lei brasileira (art. 18, I, CP), costuma-se distinguir ainda, com fundamento na terminologia de Mezger, mais uma espécie de dolo, decorrente da diviséio do dolo direto, ficando a matéria exposta da seguinte maneira:” dolo direto — imediato mediato. No dolo direto imediato (dolo de primeiro grau, dolo de propésito ou de intengao), 0 agente busca diretamente a realizago do tipo legal, a pratica do delito, O resultado delitivo era seu fim principal. Exemplos: [A] mata [B], testemunha de um delito, para silencié-a; [A] quer ferir [B] ¢ realmente o fere. Nao resta diivida, nesse caso, de que o agente busca diretamente o resultado, com nitido predominio do elemento volitivo (vontade intencional).* Por outro lado, no dolo direto mediato (dolo de segundo grau, dolo indireto, dolo de consequéncias necessérias), 0 agente considera que a produgao do resultado est necessariamente unida 4 consecugao do fim almejado. Isso significa que “o efeito intencionalmente perseguido era para o autor (...) ainda mais desejado que a evitagio da consequéncia necessariamente a ele unida, e, por isso, se lhe imputa como querida a consequéncia necessaria”. O agente reconhece como necessaria, e aceita como inevitaveis, as consequéncias decorrentes de sua conduta que supdem a lesdo a um bem juridico” Exemplos: o famoso caso Thomas [1875]: o agente fez transportar uma carga de dinamite a um navio, com 0 objetivo de explodi-la, e, no caso do afundamento daquele, pudesse receber o valor do seguro correspondente. Nao tinha ele pretensdo de causar a morte de nenhuma pessoa, ainda que soubesse ser isso impossivel em razio da existéncia de passageiros e tripulantes a bordo.#t [A] incendeia a casa de [B], para mata-lo sabendo que ali se encontrava a familia deste. O resultado pretendido se verifica (morte de [B]), assim como de toda a sua familia. [A], com © propésito de matar [B], e sabedor de suas constantes viagens aéreas, coloca, em certo dia, préximo ao guiché da companhia aérea [C] uma bomba relégio. Quando [B] se aproxima do local para realizar o check-in, 0 artefato explode causando a sua morte, bem como a de outras pessoas que estavam nas imediagées. Ainda que também esteja presente a vontade nao diretamente intencional, prevalece, todavia, 0 elemento cognitive. A distingdo entre essas duas modalidades de dolo direto reside no fato de que no dolo direto mediato nao é indispensavel que o agente tenha como certa ou segura a produgao do resultado, sendo suficiente que este Ultimo va necessariamente unido a consecugaio do objetivo.2 Embora nao vise a ocorréncia de determinados efeitos secunddrios, sua verificagao aparece como consequéncia necessdria, indispensdvel, de sua conduta, e, por isso, é também abrangida pela vontade de realizagao, pela finalidade. A previsdo do resultado emerge como uma “auténtica ponte entre o querer do autor e a realizagao do tipo”,® e nao apenas como condigao da vontade de agir. b) Dolo eventual (dolus eventualis): significa que 0 autor considera seriamente como possivel a realizagao do tipo legal e se conforma com cla O agente nao quer dirctamente a realizacao do tipo, mas a accita como possivel ou provavel — assume 0 risco da produgdo do resultado (art. 18, I, in fine, CP). © agente conhece a probabilidade de que sua aco realize o tipo e ainda assim age. Vale dizer: o agente consente ou se conforma, se resigna ‘ou simplesmente assume a realizagéo do tipo penal. Diferentemente do dolo direto, no dolo eventual “nao concorre a certeza de realizagao do tipo, nem este ultimo constitui o fim perseguido pelo autor”. A vontade também se faz presente, ainda que de forma mais atenuada. Exemplos: promete-se a um rapaz [A] certa quantia em dinheiro [X], se conseguir, com um tiro de fuzil, quebrar uma bola de vidro que uma feirante [B] segurava na mao, sem feri-la. Ainda que sabendo ser mau atirador, aceita [A] 0 desafio, e atira, causando ferimento na mao de [B]. (Exemplo de Lacmann).!6 [A], quimico, manipula formulas para substancias alimenticias sem as devidas precaugées relativas 4 contaminagao. Embora sabedor do perigo continua a agir e acaba, assim, causando lesao a satide dos consumidores. A propésito do tema, podem ser mencionadas algumas teorias, que procuram, inclusive, diferenciar entre dolo eventual ¢ culpa consciente: a) Teoria da vontade: dolo é vontade dirigida ao resultado (0 autor deve ter consciéncia do fato, mas, sobretudo, vontade de causé-lo); b) Teoria da representagdo ou da possibilidade: dolo é previsio do resultado como certo, provavel ou possivel (representagao subjetiva); ¢) Teoria do consentimento, da assungdo ou da aprovagao (voligao): dolo exige que o agente consinta em causar o resultado, além de considerd-lo como possivel. Para a aplicagao dessa teoria, Frank sugeriu a formula hipotética seguinte: diante da realizagao do tipo objetivo, o agente pensa: “seja assim ou de outro modo, ocorra este ou outro resultado, em todo caso eu atuo”. Esta teoria néo convence, pois na verdade o agente consente ou aceita tao somente na possibilidade da produgao do resultado, e nao na sua real ocorréncia;“” d) Teoria da probabilidade ou da cognigdo: para a existéncia do dolo, © autor deve entender “o fato como provavel e nado somente como possivel” para a lesdo do bem juridico.4® Se o agente considerava provavel © resultado (dolo eventual), se o considerava como meramente possivel (culpa consciente); e) Teoria da evitabilidade: ha dolo eventual quando a vontade do agente estiver orientada no sentido de evitar o resultado; f) Teoria do risco: a existéncia do dolo depende do conhecimento pelo agente do risco indevido (tipificado) na realizagéio de um comportamento ilicito; g) Teoria do perigo a descoberto: fundamenta-se apenas no tipo objetivo. Perigo a descoberto vem a ser a situagéio na qual a ocorréncia do resultado lesivo subordina-se a sorte ou ao acaso; h) Teoria da indiferenca ou do sentimento: estabelece a distingao entre dolo eventual e culpa consciente por meio da disposigao de animo ou da atitude subjetiva do agente ante a representagdo do resultado. Baseia-se na postura de indiferenga diante da produgdo do resultado (dolo eventual), ou do “alto grau de indiferenga por parte do agente para com o bem juridico ou a sua lesio”. O Cédigo Penal brasileiro agasalhou a teoria da vontade (dolo direto) e a teoria do consentimento (dolo eventual). Ademais, deu ele tratamento equiparador as duas espécies de dolo, devendo a distingdo ser operada na fase de aplicagdo da pena. E de ressaltar que 0 dolo deve ser entendido como dolo de tipo (dolo de fato, dolo neutro ou dolo natural), despojado da consciéncia da ilicitude (elemento da culpabilidade), sendo s6 a vontade de agéo orientada 4 realizagdo do tipo de um delito (resolugao delitiva ou vontade de realizagao). Como examinado acima, a doutrina dos elementos subjetivos do tipo de injusto sofreu nos tiltimos tempos uma profunda alteragao. A ciéncia do Direito Penal, apés anos de estudos, e sob o impulso do pensamento finalista, explicita ser 0 dolo — elemento subjetivo geral do injusto —, consciéncia e vontade de realizar os elementos objetivos do tipo (tipo objetivo). Compée-se de um momento intelectual (conhecimento do que se quer) e de um momento volitivo (decisdo no sentido de sua realizagao). Esses elementos ou fatores que configuram a ago tipica real formam 0 dolo. Modernamente, tem-se classificado 0 dolo somente em dolo direto e dolo eventual, visto que, conforme o exposto, o dolo visa a concretizagao dos elementos objetivos (descritivos ou normativos) do tipo de injusto. Isso significa que esses aspectos objetivos nao passam de pontos de referéncia — objetos do mundo real externo — sobre os quais incide o dolo do agente! Nao tem nenhum fundamento cientifico uma classificagao diversa. Sobre essa matéria, a propria dicgao legislativa nao deixa nenhuma divida sobre o acolhimento da nogao de dolo direto (art. 18, I, primeira parte) e de dolo eventual (art. 18, I, in fine, CP). 5,3. Elemento subjetivo do injusto (elemento subjetivo especial do tipo) Para Mezger, 0 Direito pode se referir conduta interna — subjetiva e psiquica: “com efeito, a convivéncia externa das pessoas & sempre, do inicio ao fim, somente a expressio de sua atitude interna e psiquica. O Direito nao pode ignorar esse aspecto; se o Direito no quer ser e ndo deve ser, fundamentalmente, uma ordenagdo dos sentimentos, pode e deve incluir em suas apreciagdes também o psiquico como origem da conduta externa”. Baseia-se essa concepgdio na ideia de que em certo nimero de delitos 0 contetido do injusto caracteristico do tipo delitivo nao pode ser determinado sem elementos subjetivos. So eles animos, tendéncias, fins dotados de especificidade prépria constantes do tipo legal de delito, que, se ausentes, tornam a conduta atipica. A partir dai, trata a doutrina de classificar os elementos subjetivos do injusto nos grupos que se seguem: a) Delitos de intengdo: sao delitos nos quais 0 autor busca uma finalidade expressa no tipo (intengdo de realizar certos atos posteriores), mas que no precisa necessariamente alcangar“! Faz parte do tipo de injusto uma finalidade transcendente: um especial fim de agir. Exemplos: para si ou para outrem (art. 155, CP — furto); com o fim de obter (art. 159, CP — extorsdo mediante sequestro); com o fim de (art. 206, CP —aliciamento para o fim de emigragao; 243, CP — sonegaciio de estado de filiagao; 311-A, CP — fraudes em certames de interesse publico); com a finalidade de (art. 288-A, CP — constituigéo de milicia privada); em proveito proprio ou alheio (art. 180, CP — receptagdio; 307, CP — falsa identidade); com o intuito de (art. 216-A, CP — assédio sexual; 261, §2.°, CP — atentado contra a seguranga de transporte maritimo, fluvial ou aéreo). Essa espécie de elemento subjetivo do tipo da lugar, segundo 0 caso, aos chamados delitos de resultado cortado e delitos mutilados de dois atos ou varios atos. b) Delitos de tendéncia (intensificada): exige o tipo legal uma determinada tendéncia subjetiva na realizagaio da conduta tipica. O agente impregna sua conduta do significado desaprovado. Assim, a satisfagao da propria lascivia ou libido, a intengdo sexual ou a tendéncia voluptuosa, como tendéncia especial da ago (ex. 0 aspecto libidinoso é que permite distinguir 0 exame médico ginecolégico normal de um eventual delito sexual), nos delitos contra a dignidade sexual; finalidade de desacreditar, menosprezar, animo de caluniar, difamar ou injuriar, ou um elemento subjetivo inerente a propria acdo tipica (ex. animo de enriquecimento ilicito). Nao se exige a persecugao de um resultado ulterior ao previsto no tipo, seno que o autor confira 4 ago tipica um sentido (ou tendéncia) subjetivo ainda que nao expresso no tipo, mas decorrente da natureza do delito. Exemplos: 0 propésito de ofender (arts. 138 — calimia, 139 — difamagio, 140 — injiria, CP); para conjungdo carnal ou outro ato libidinoso (art. 213, CP estupro); 0 propésito de ultrajar (art. 212, CP — vilipéndio a cadaver). ©) delitos de expresso: emerge, como elemento do tipo legal, uma relagdo de discordancia entre o estado interno do autor (saber do agente) € sua declaragao (expresso). Exemplos: delito de falso testemunho (art. 342, CP); calinia (art. 138, §1.°, CP). 6. TIPO DE INJUSTO DE ACAO CULPOSO 6.1. Conceito e elementos O tipo de injusto culposo tem estrutura diversa do tipo doloso. Enquanto no delito culposo sao necessarios critérios normatives de atribuigaio de sentido 4 conduta, no delito doloso eles no podem afastar 0 indispensavel exame do dolo. A diferenga entre eles é mais marcante no ambito da tipicidade. Expde- se, ainda, que tal diferenga, de ordem objetiva, reside no fato de que no injusto culposo (de resultado) ocorre uma ago de risco proibido, ao passo que no doloso o resultado diz respeito ao injusto de uma concreta agao de realizagdo do resultado. Os tipos objetivos tém estrutura material diferente.® No delito doloso, é punida a ago ou a omissio dirigida a um fim ilicito; a passo que no culposo, pune-se 0 comportamento mal dirigido a um fim irrelevante (ou licito). Compara-se, aqui, “a direco finalista da ago realizada com a diregao finalista exigida pelo Direito. O fim perseguido pelo autor geralmente irrelevante, mas ndo os meios escolhidos ou a forma de sua utilizagio”.° Ha uma contradigao essencial entre 0 querido ¢ 0 realizado pelo autor: a diregao finalista da ago nao corresponde 4 diligéncia devida. Todavia, convém destacar que finalidade em si serve apenas no injusto culposo para definir a aco praticada ¢ desse modo identificar a norma objetiva de cuidado. De qualquer modo, pode-se dizer que a finalidade nao € penalmente relevante para a composigo do tipo de injusto culposo. © que tem real importincia vem a ser a transgresstio do cuidado objetivamente exigido (= violagdo da norma de cuidado, do dever objetivo de cuidado). Assim sendo, a configuragdo do injusto culposo se integra com a infragdo do cuidado objetivo devido, ou seja, a presenga de uma conduta descuidada (agir sem cautela, conduta perigosa antecedente). Melhor explicando: a agdo descuidada se apresenta como o primeiro elemento do tipo do delito culposo. E ela uma ago final ainda que o fim ao qual se dirija seja indiferente para 0 Direito. O Direito ndo desvalora aqui a conduta final por sua finalidade, sendo por ser realizada de forma descuidada, sem a devida atengdo ou zelo. Ta agdo deve ser contréria a0 mandamento ou proibigdo, 0 que ndo implica que isso deva ocorrer igualmente com o contetido da finalidade. Nos delitos culposos, ndo ¢ 0 contetido da finalidade que se mostra contrario ao Direito, mas sim 0 cardter descuidado da ago (final). E certo, portanto, que diferenga entre delito doloso e culposo ja se encontra presente na prépria estrutura Iégica do tipo de injusto. No delito culposo, a censura penal reside exatamente na infragiio ao dever objetivo de cuidado. Ou seja: decorre da inobservancia do cuidado objetivo devido ou exigivel que produz um resultado material externo (ou um perigo concreto) para o bem juridico no querido pelo autor. Entende-se por culpa, uma “forma de conduta humana que se caracteriza pela realizagao do tipo de uma lei penal através da lesdo a um dever de cuidado, objetivamente necessario para proteger o bem juridico e onde a culpabilidade do agente se assenta no fato de nao haver ele evitado a realizagao do tipo, apesar de capaz e em condigaio de fazé-lo”2 Como infragao a uma norma de cuidado, constitui elemento normativo (face normativa aberta) do tipo, nao pertencendo propriamente (na culpa inconsciente) ao tipo subjetivo, nem sendo elemento normativo do tipo de injusto doloso. Nao ha, no delito culposo, a biparticaéo do tipo em tipo objetivo e tipo subjetivo.’ A culpa tem, portanto, estrutura complexa que compreende a inobservancia do cuidado objetivamente devido (elemento do tipo de injusto culposo), e também a previsdo ou a capacidade do agente prever 0 resultado (culpa consciente e inconsciente). Na culpa consciente, o conhecimento ou a possibilidade de conhecer qual o cuidado objetivamente devido — exigibilidade de sua observancia -, isto é, 0 assim chamado aspecto “subjetivo” da culpa, se encontra situado na culpabilidade. Os elementos objetivos normativos do tipo de injusto culposo sao: a) inobservancia do cuidado objetivamente devido; b) produgdo de um resultado e nexo causal; ©) previsibilidade objetiva do resultado; 4) conexdo interna entre desvalor da agao e desvalor do resultado. A realizagao de uma ago que ndo observe 0 cuidado objetivamente devido é imprescindivel na configuragao da tipicidade. Caso contrario, ha sua exclusao. O cuidado objetivamente devido € o necessdério para o desenvolvimento de uma atividade social determinada. O resultado deve ser objetivamente previsivel. O aferimento da agao tipica deve obedecer “as condigées coneretas, existentes no momento do fato, ¢ da necessidade objetiva, naquele instante, de proteger o bem juridico” Entre o desvalor da agao ¢ o desvalor do resultado deve existir uma conexao interna, quer dizer, que o resultado decorra justamente da inobservancia do cuidado devido e que seja daqueles que a norma tratava de evitar. Com efeito, no delito culposo, o desvalor da agdo esta representado pela inobservancia do cuidado objetivamente devido e 0 desvalor do resultado pela lesio ou perigo concreto de lesdo para o bem juridico.2 Exemplo: [A], pretendendo brincar com [C], entrega uma arma a [B], supondo estar descarregada, para que [B] desfira um tiro contra [C], apenas para assustar o amigo. [B], entretanto, apds cientificar-se que a arma esta carregada, desfere um tiro contra [C], com intengaio de matar. [B] responde por homicidio doloso, mas [A] nao respondera por homicidio culposo, porque o resultado morte de [C] (desvalor do resultado) nado decorreu justamente de conduta violadora do dever de cuidado objetivo (desvalor da agdo) de [A] (consistente em nao verificar se a arma estava descarregada), faltando a conexdo interna entre o resultado e a inobservancia do cuidado devido que a norma trata de evitar. Regra geral, 0 cuidado objetivamente devido esta fixado em normas administrativas (v.g., regras de transito) ou disciplinares (legis artis). Em outros casos, nao regulados, devem imperar as circunstincias proprias da realidade concreta do agente, interpretadas no sentido de atender & finalidade da protegao normatizada. No que toca 4 ilicitude, nao h diferenga entre delito culposo ¢ doloso. De seu lado, a culpabilidade (reprovagdo), no delito culposo, se restringe & determinagio da capacidade do agente, conforme suas habilidades e caracteristicas pessoais, de evitar a tipicidade de sua agdo e o resultado (previsibilidade subjetiva). Nesse campo, aparece como elemento limitador do dever de cuidado 0 principio da confianga, particularmente importante ¢ originalmente concebido em matéria de transito. Atualmente seu ambito de aplicagao se estende “a toda atividade social na qual participem uma pluralidade de pessoas, sobretudo nos trabalhos realizados em equipe, de acordo com o principio da divisio do trabalho” O principio em exame tem fundamento sociolégico (= confianga como fator basico e cotidiano na vida em sociedade) e juridico penal, lastreado em sua finalidade de protego a bens juridicos.“ Do ponto de vista dogmatico, estriba-se em um verdadeiro “critério normative para a 8 65 determinagao do cuidado objetivamente devido”. De acordo com esse principio, “todo aquele que atende adequadamente ao cuidado objetivamente exigido pode confiar que os demais coparticipantes da mesma atividade também operem cuidadosamente”. Enfim, trata-se do postulado pelo qual a conduta do agente, em qualquer ambito do trafego juridico e da mais variada indole, pode ser organizada e executada tendo em conta o fato de que os seus semelhantes se comportario de modo precavido, isto é, sem se descuidar das regras de atengdo que Ihe so inerentes.” 6.2, Modalidades de culpa O Cédigo Penal (art. 18, II, CP) enuncia formulas gerais — modalidades de culpa — através das quais se pode violar 0 cuidado objetivo. Sao elas: a) Imprudéncia — vem a ser uma atitude positiva, um agir sem a cautela, a atengAo necessaria, com precipitaio, afoitamento ou inconsideragao. E a conduta arriscada, perigosa, impulsiva. Exemplos: manejar ou limpar uma arma de fogo carregada; cagar em locais abertos ao publico; dirigir em alta velocidade; ndo observar a sinalizagdo de transito (via preferencial) ete. b) Negligéncia — relaciona-se com a inatividade (forma omissiva), a inéreia do agente que, podendo agir para nao causar ou evitar o resultado lesivo, no o faz por preguiga, desleixo, desatengdo ou displicéncia. Exemplos: deixar remédio ou téxico ao aleance de crianga; ndo deixar © veiculo frenado, quando estacionado. ©) Impericia — vem a ser a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos precisos para o exercicio de profissao ou arte. E a auséncia de aptidao técnica, de habilidade, de destreza ou de competéncia no exercicio de qualquer atividade profissional. Pressupde a qualidade de habilitagao para o exercicio profissional. Exemplos: a falta de habilidade no conduzir © veiculo (motorista profissional); no saber praticar uma intervencdo cirirgica ou prescrever um medicamento (para 0 médico). Havendo impericia, fora do Ambito profissional, a culpa é atribuida ao agente a titulo de imprudéncia ou de negligéncia. Convém nao confundir culpa — por impericia -, por exemplo, com erro profissional. Isso vale dizer: 0 eventual erro cientifico (ex. diagnéstico, tratamento, cirurgia) realizado por profissional habilitado (ex. médico, dentista), quando este iiltimo procede de conformidade com a lex artis ¢ a metodologia cientifica regulamente adotada, ndo constitui infragdo ao dever objetivo de cuidado caracterizador da conduta culpos 6.3. Espécies de culpa Na atualidade, a doutrina penal ensina que “na culpa inconsciente (negligentia), 0 autor nao pensa na possibilidade de que, devido a infragao do cuidado devido, possa realizar o tipo legal; enquanto na culpa consciente (luxuria), ainda que saiba a realidade do perigo para o objeto da ago, confia, no entanto, que nao realizard o tipo legal, seja por desconsiderar o grau de perigo, seja por superestimar seu prdprio poder, seja por confiar indevidamente em sua sorte”. Sao, pois, duas as espécies essenciais de culpa: a) Culpa inconsciente (culpa stricto sensu) — é a culpa comum, que se verifica quando 0 autor nao prevé o resultado que Ihe é possivel prever. A lesio ao dever objetivo de cuidado the € desconhecida, embora conhecivel. Nao prevé o resultado, embora possivel, transgredindo, desse modo, sem saber, o cuidado objetivo exigivel. O agente ndo conhece concretamente o dever objetivo de cuidado, apesar de Ihe ser conhecivel. Exemplos: [A], motorista, dirige seu veiculo em velocidade incompativel com o local, acabando por atropelar e ferir gravemente [B]; [A], enfermeira, dé injegdo letal no paciente [B], equivocando-se na medigao da dose prescrita. b) Culpa consciente ou com previsdo — 0 autor prevé o resultado como possivel, mas espera que néio ocorra e, especialmente, quando tem cigncia de que com seu atuar lesa um dever objetivo de cuidado.” Hé efetiva previsio do resultado, sem a aceitagao do risco de sua produgao (confia que 0 evento no sobrevird). Por sem diivida, ha uma consciente violagao do cuidado objetivo. A previsibilidade no delito de agao culposa se acha na culpabilidade ¢ nao no tipo de injusto. Também aqui ndo se fez uma diferenciagao entre as espécies de culpa, restando para isso o momento do artigo 59 do Cédigo Penal. 6.4. Dolo eventual e culpa consciente Por assim dizer, existe um trago comum entre o dolo eventual ¢ a culpa consciente: a previsdo do resultado ilicito No dolo eventual, o agente presta anuéncia, consente, concorda com o advento do resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo a renunciar aco. ‘Ao contrario, na culpa consciente, 0 agente afasta ou repele, embora inconsideradamente, a hipétese de superveniéncia do evento ¢ empreende a ago na esperanga de que este nao venha ocorrer — prevé o resultado como possivel, mas nao 0 aceita, nem o consente.! Exemplo: [A] atira a longa distancia em [B], com o intuito de testar a eficdcia do tiro da arma. Se [A], no momento da aco, tiver consciéncia da possibilidade concreta do resultado — morte de [B], ¢, ainda assim, disparar e ocorrer 0 evento, significa que o consentiu, prestou sua anuéncia eventual). Hans Frank criou a chamada férmula de Frank (teoria positiva do consentimento e teoria hipotética do conhecimento, 1908) — ha dolo eventual quando o agente diz para si mesmo: “seja como for, dé no que der, em qualquer hipdtese nao deixo de agir” ou “acontega o que acontecer, continuo a agir” (revela a indiferenga do agente em relagao ao resultado). Existe culpa consciente quando: “se acontecer tal resultado, deixo de agir”. O agente tem consciéncia do fato, no se conforma com ele, mas espera que nao se verifique ou que possa evita-lo. Porém 0 critério decisivo se encontra na atitude emocional do agente. Sempre que, ao realizar a agdo, conte com a possibilidade conereta de realizagao do tipo de injusto, sera dolo eventual. De outra parte, se confia que 0 tipo nao se realize, havera culpa consciente. Nesse ambito, adota-se 0 critério “contar com” — se o autor conta a possibilidade de realizagdo do tipo delitivo (do resultado), ha dolo eventual; se, ao contrario, confia que o tipo nao vai se realizar, hé culpa consciente. Vale dizer: exclui-se o dolo eventual na hipotese de o autor confiar na néo produgao do resultado. Na hipotese de o sujeito considerar provavel a realizagao do tipo objetivo, deve geralmente contar, mas nem sempre, com sua produgdo. Mesmo que nao considere provavel a sua realizagao (tipo objetivo), ocorre dolo eventual, se contava com tal possibilidade. Quando seja indiferente ao autor a lesdo ou o perigo de les&io ao bem juridico, em geral, conta ele com sua produgdo, ainda que nem sempre seja assim.” Nao basta, portanto, a mera representagdo da possibilidade de ocorrer o resultado tipico, mas faz-se preciso, além disso, a no confianga em sua evitagdo. Dai emergir como decisiva a atitude emocional do autor, ¢ nao a simplesmente magnitude atribuida ao perigo ou risco. Exemplo: [A] fuma deitado na cama de um hotel. Embora pense na possibilidade de um incéndio — que acaba se verificando -, espera que no ocorra, ¢, em iiltimo caso, confia poder evité-lo. Nao quer o eventual resultado danoso, caso considerasse 0 incéndio como provavel nao fumaria.”* No que tange a intensidade ou ao grau de culpa, 0 Cédigo Penal brasileiro ndo faz distingdo, para diverso tratamento entre culpa leve, grave ou gravissima. Entretanto, deve o julgador avaliar a magnitude ou intensidade da ofensa produzida culposamente quando da aplicagdo da pena (art. 59, CP), Convém, finalmente, salientar que nao se admite no campo penal a compensagéio de culpas. No caso de concorréncia de culpas, os agentes respondem pelo resultado produzido.”® A culpa penal € examinada de modo individual e independentemente da culpa de outros que participaram do delito. A lei penal firma a regra de excepcionalidade do delito culposo: “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, seno quando o pratica dolosamente” (art. 18, parégrafo Unico, CP). Isso quer dizer que a regra geral é ser 0 delito doloso, ressalvada a previsao explicita na lei da forma culposa. 6.5. Delito culposo e imputagio objetiva Para a configuragio da conduta delitiva culposa, sao necessérios determinados critérios normativos de atribuigao de sentido & conduta do autor, 0s quais tém como ponto de partida fundamental a vontade de realizagao. Nesse sentido, a tentativa de correlacionar delitos dolosos e culposos em uma estrutura tfpica similar no deu lugar aos resultados almejados. Naqueles, a delimitagdo da conduta tipica é feita com base em um conjunto de fatores, entre os quais prepondera a presenga do dolo, enquanto nestes tltimos essa tarefa é desenvolvida com base em critérios normativos. Dai um dos equivocos que incorre a teoria da imputagao objetiva — atualizando a doutrina causal da agdo -, quando afirma que a parte objetiva do tipo de injusto doloso e culposo sao idénticas. Nos delitos dolosos, o imperativo normativo dirige-se a evitar 0 risco para o bem juridico até o limite do conhecido pelo autor; nos delitos culposos, até o limite do cognoscivel. Mas enquanto o que é ou nao conhecido vem a ser uma questo probatéria, 0 que é ou no cognoscivel deve ser deduzido da interpretagao da norma e do conceito de culpa. Em sintese: nos delitos culposos, a relagdo de causalidade entre a ago do sujeito e o resultado produzido somente estaré abarcada pelo tipo de injusto se estiverem presentes trés filtros ou fases normativas: 1) objetiva: 0 resultado produzido deve ser objetivamente previsivel. Assim, se um médico absolutamente cuidadoso realiza todos os exames necessarios para 0 diagnéstico da doenga que acomete seu paciente, mas este Ultimo, apesar dos ingentes esforgos, morre e somente depois a doenga vem a ser descoberta, ¢ possivel constatar a presenga de uma relagdo de causalidade, mas esta ndo ser penalmente relevante (ou tipica) para a configuragao de um delito culposo; 2) a comprovacao de que o resultado produzido é consequéncia da infragdio de um dever objetivo de cuidado por parte do sujeito ativo: as normas de cuidado estabelecem limites dentro dos quais a conduta pode ser realizada. Para a configuragao de um tipo de injusto culposo, e para que a relagdo de causalidade nesse ambito possa merecer relevancia penal, & preciso que o resultado produzido seja consequéncia precisa ou exata da infragao da norma de cuidado objetivamente devido pelo agente. Logo, “o resultado € a realizagao objetiva previsivel da infragdo do dever de cuidado do autor”;” 3) a relagdio de causalidade deve ser penalmente relevante ou tipica, ¢ para isso é necessario comprovar que o resultado produzido no mundo do ser pertence a categoria ou a espécie de resultados que a norma de cuidado pretende evitar: fim de protegdo da norma. Assim, de acordo com o conhecido exemplo de Gimbernat,’ se o motorista de um veiculo nao respeita os limites de velocidade impostos para aqueles que circulem com o seu veiculo nas proximidades de um colégio, ¢ atropela e mata um suicida que se langa na frente do seu carro, seria absurdo imputar o resultado morte a conduta do motorista, visto que nao é possivel concluir que o mandamento de diminuir a velocidade nas proximidades de escolas tem por objetivo proteger, além das criangas, os suicidas. Alias, é precisamente a imagem de uma crianga atravessando a rua utilizada nos sinais de transito para alertar os motoristas sobre a zona escolar na qual esto trafegando, ¢ nao a imagem de um suicida. No campo dos delitos culposos, assume relevancia, portanto, a teoria da adequagdo social, visto que 0 critério do dever objetivo de cuidado traga os limites dentro dos quais nao se pode constatar a ilicitude. Se fosse possivel a afirmagao desta Ultima em toda lesdo a bens juridicos na vida social ativa, a atuagdo humana sofreria uma paralisago ou, pelo menos, uma limitagdo extrema. A missao do Direito Penal, consistente na protegao de bens juridicos, nao pode ignorar a dindmica da vida em sociedade. Desse modo, uma lesio meramente causal a um bem juridico nao constitui o tipo de injusto dos delitos culposos se nao implica inobservancia do dever de cuidado exigido. Nesse sentido, “o previsivel (ou a previséo concreta) de certos resultados nao determina ipso facto, para o legislador, a obrigagao de proibir 0 comportamento perigoso, se a utilidade social derivada disso é maior que o risco criado”. De conseguinte, “o instrutor que treina o ginasta, o responsdvel por um centro espacial, quando observam as precaugdes necessdrias, néo sdo responsveis pelos acidentes que podem produzir-se ocasionalmente, apesar de sua previsdo” De conseguinte, tao somente a exposigao a perigo ou a lesio de um bem juridico contraria ao dever objetivo de cuidado, isto é, a exposigao a perigo ou a lesiio de um bem juridico que excede a medida socialmente adequada, interessa para a configuragdo do tipo de injusto culposo. A adequagao social, como resultante de uma ponderagdo de interesses que se verifica no ambito do tipo penal, relaciona-se de perto com o cuidado objetivamente devido, visto que ambos os institutos “se fundamentam em uma ponderagdo de interesses que repercute na configuragdio da liberdade de ago social”. A aco socialmente adequada, na esfera dos delitos culposos, ¢ aquela regida pela vontade humana na diregao do uso de um bem juridico em obediéncia aos parametros objetivos de cuidado fixados normativamente. Em outras palavras: os limites dentro dos quais uma a¢do necesséria pode ser realizada s&o estabelecidos pelas regras de cuidado, que circunscrevem, assim, 0 Ambito das agdes socialmente adequadas. Portanto, como bem se diagnostica, “também no delito imprudente é necessdrio levar em conta a adequagao social como um filtro primario que analisa 0 sentido social da acdo sob a perspectiva do desvalor do resultado, de tal forma que este sentido pode variar se a ago nao se realiza corretamente”.* Portanto, a estrutura légica dos tipos dolosos e culposos se apresenta diversa. Enquanto no delito doloso, a agao é desvalorada quando a vontade de realizagao se dirige 4 produgdo de um resultado socialmente indesejado, nos tipos dos delitos culposos 0 momento fundamental que deve ser valorado radica na forma e modo de execugdo da agao final “em relago a consequéncias intoleraveis socialmente, que 0 autor ou confia que nao se produziréo ou nem sequer pensa na sua produgao, ¢ compreendem aquelas execugées de agdo (processos de diregdo) que lesaram 0 cuidado requerido (para evitar tais consequéncias) no ambito de relagao”. Dessa mancira, nos delitos culposos compara-se a execugéio conereta — a saber, a direcdo concreta — da agao final com uma conduta-modelo, orientada a evitar consequéncias socialmente indesejadas: se essa comparagao demonstra que a agéio concretamente realizada se harmoniza com o dever de cuidado objetivamente devido, a produgao do resultado no poder ser imputada ao agente; porém, se essa comparagao evidencia um desvio da conduta realizada em relacao ao dever de cuidado objetivo exigido, serd inadequada socialmente e, portanto, o resultado produzido poderd ser imputado ao agente.** Quadro sinético Conceitos Fungoes Tipicidade e ilicitude Desvalor da acéo, desvalor do resultadoe desvalor do estado 1. Tipo: descrigao abstrata de fato real que alei profbe. 2. Tipo de injusto: agéo ou omissio tipicaeilicita, 3. ipicidade: adequagio do fato ao modelo previsto no tipo penal. a) seletiva; b) de garantia e de determinacio; fundamento da ilicitude; ) indiciéria da ilicitude; ) cago do mandamento proibitivo; f) delimitacio do iter criminis. a) tearia do tipo independente ou avalorado: tipcidade absolutamente separada dalctude; ») teoraindiciri:tipicidade constitulindicio dailictude; 6) teoria da identidade:tipidade conduz necessariamente ilctude; 4) teoria das elementos negativos do tipo: causas de justificacio integram o tipo de injustoesdo excludentes da tipicdade e da ilictude, que se fundem. Para a concepcéo monista, basta o desvalor da agéo paraa conformagio do injusto penal. Na concepcao dualistao desvalor da agio (dolo/culpa) eo desvalor do resultado (lesio ou perigo deleséo, 20 bem juridico protegido)integram o conceto deinjusto penal No que se refere ao desvalor do estado nao hd um desvalor do resultado, visto que nao atinge um bem jurdico-penal. sso ndo significa que no haja repercussdo da conduta na realidade externa ou que eventualmente esse resultado no seja objeto de um juzo negativo de valor por outro amo do ordenamento juridic, embora no seja penalmente relevante, Glassificagéo estrutural 2) ipo bsico/tipo derivad/tipo auténomo: tipo basic €o tipo dos tipos fundamental; tipo derivado éespecificagdo dependente do tipo bésico; tipo autdnomo é conexo a outro tipo legal, mas forma variante independente; b) tipo simples/tip composto ou misto: tipo simples comporta uma s6 ago; tipo composto envolve plualidade de agées; 6) tipo normaltipo anormal: tipo normal contém apenas uma descrigdo objetiva sem referénca a elementos normativos ou subjetivos; tipo anormal contém elementos normativos inexistentes no tipo normal; d) tipo congruente/tipo incongruente: no primeiro, o aspecto objetivo corresponde ao subjetivo; o segundo comporta elemento subjetivo do injusto; €) tipo fechado/tipo abert: no primeiro, a descrgGotipica & completa; neste iltimo,atipcidade depende de julzo axolagico do julgador. Tipo objetivo e tipo 1. Tipo objetivo: caracteres objetivos do tipo. Comporta nticleo (verbo) subjetivo elementos secunditios ou complementares Entre seus elementos, distinguem-se: a) elementos dscrtvos: identiicagdo advém da verficacdo sensorial b) elementos normativos:identificagao exigejuzo de valor.

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