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Mudança Climática: Os Desafios Éticos: Julho-Setembro 2019
Mudança Climática: Os Desafios Éticos: Julho-Setembro 2019
DA U N E S CO julho-setembro 2019
Mudança climática:
os desafios éticos
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Editorial
DA UN E S CO
Este relatório especial é publicado para marcar a Cúpula sobre Ação Climática das Nações nossos tempos. Porque, paralelamente
Unidas, em 23 de setembro de 2019, e a 25ª sessão da Conferência das Partes da Convenção do às questões científicas que chegam às
Clima das Nações Unidas (COP-25), em Santiago, no Chile, de 2 a 13 de dezembro de 2019. manchetes da mídia, as questões de justiça
e equidade, respeito aos direitos humanos,
solidariedade e integridade científica e
O Relatório especial sobre o aquecimento Mudar as mentes significa estabelecer uma
política, assim como responsabilidade
global de 1,5°C do Painel Intergovernamental nova ordem de prioridades na política, na
individual e coletiva, devem ser os
para Mudanças Climáticas (Intergovernmental economia, na indústria e nas vidas cotidianas
principais pilares de nossas ações em uma
Panel on Climate Change – IPCC) causou de todos nós. Mas acima de tudo, trata-se de
muita turbulência e fez rolar muita água. A escala mundial.
se conscientizar sobre as implicações éticas
fim de evitar consequências catastróficas, o da mudança climática – que ameaçam não Porém, na prática, esse ainda não é o
aquecimento global deve ser limitado a 1,5°C apenas os ecossistemas do planeta, mas caso. Mesmo “a comunidade dos direitos
acima dos níveis pré-industriais, alertou o também os nossos direitos fundamentais ao humanos, com poucas exceções notáveis,
relatório. Contudo, como sabemos, estamos criar injustiças e ampliar as desigualdades. tem sido tão complacente quanto a maioria
longe de alcançar essa marca. Para superar dos governos diante do derradeiro desafio
este desafio do século, os cientistas defendem Na medida em que as dimensões éticas da
mudança climática ainda são relativamente da humanidade representado pela mudança
uma mudança radical no comportamento – climática”, afirma o especialista australiano
algo que não pode ser alcançado sem uma inexploradas, a UNESCO adotou, em
novembro de 2017, a Declaração de Philip Alston, em seu relatório para a ONU
mudança profunda em nossas atitudes. de 25 de junho de 2019. O relator especial
Princípios Éticos em relação à Mudança
“Changing minds, not the climate” (Mudar Climática – uma ferramenta acessível a sobre pobreza extrema e direitos humanos
as mentes, não o clima) é o slogan da todos os atores da sociedade, especialmente considera que as medidas adotadas pela
campanha de conscientização pública líderes políticos, a fim de possibilitar a maioria dos órgãos de direitos humanos
da Estratégia de Ação sobre a Mudança tomada de decisão mais apropriada. da ONU são claramente inadequadas.
Climática 2018-2021 da UNESCO, que está “Marcar itens de uma lista de checagem não
em sintonia com o Acordo de Paris de Com este relatório especial, O Correio vai salvar a humanidade ou o planeta do
2015 (COP-21) e com a Agenda 2030 das pretende abrir novas perspectivas para
desastre iminente”, alerta o especialista.
Nações Unidas para o Desenvolvimento a reflexão sobre esses aspectos menos
Sustentável (ODS). conhecidos do maior desafio mundial de Vincent Defourny e Jasmina Šopova
50-53
NOSSO
CONVIDADO
Baku: cidade multicultural
Fouad Akhoundov,
entrevistado por Mila Ibrahimova
ASSUNTOS
ATUAIS
54-58
55 A África do Sul de Mandela:
sonho ou realidade?
Jody Kollapen,
entrevistado por Edwin Naidu
57 Dmitry Mendeleev:
ensinamentos de um profeta
Natalia Tarasova e Dmitry Mustafin
Luc Schuiten.
Luc Schuiten
A mudança climática: questões
filosóficas e éticas
Bernard Feltz
Um grande desafio do nosso tempo, a Podemos ver até que ponto essas A última compreensão sobre as relações
mudança climática diz respeito tanto suposições levaram à exploração entre os seres humanos e a natureza tenta
ao nosso cotidiano quanto à ordem descarada da natureza em todas as suas manter certo distanciamento do radicalismo
geopolítica mundial. É uma das dimensões formas: agricultura, pesca, pecuária dos ecologistas profundos e realça a
de uma crise ecológica mundial, uma intensiva, esgotamento mineral, poluição relevância da crítica à ciência ecológica. A
consequência direta das complexas de todos os tipos. natureza e os seres humanos coexistem e se
interações entre os seres humanos e inter-relacionam em um modo de viver mais
A ciência ecológica é outra abordagem,
a natureza. Essas relações podem ser respeitável. Um animal pode ser respeitado
que transmite uma visão do mundo
divididas em quatro abordagens principais. por si mesmo, sem ter o mesmo status de
completamente diferente. Em 1937, o
um ser humano.
A primeira, a de Descartes, considera a botânico britânico Arthur George Tansley
natureza como um conjunto de objetos propôs o conceito de ecossistema, que Uma espécie viva ou um ecossistema
disponíveis aos seres humanos. O filósofo revolucionaria a relação científica com a específico são respeitáveis como realizações
do século XVII – contemporâneo de Galileu natureza. Esse conceito refere-se a todas as notáveis da natureza, assim como uma
e considerado um grande idealizador da interações das espécies vivas entre si, e de obra de arte é uma realização notável
modernidade – defendeu o estabelecimento todos os organismos vivos com o ambiente da humanidade. A dimensão estética de
de ciências da vida semelhantes às ciências físico: o solo, o ar, o clima etc. Neste uma obra de arte reflete uma dimensão
físicas emergentes. Ele defende a ideia de contexto, o homem redescobre-se como fundamental da realidade que apenas o
uma “máquina animal”. Os seres vivos não parte da natureza, como um elemento do artista é capaz de revelar. No entanto, tal
são nada além de matéria inerte organizada ecossistema. Além disso, esse ecossistema é relação não implica que a obra respeitada
de forma complexa. Somente o ser humano um ambiente finito, com recursos limitados, tenha o status de um ser humano. É possível
tem uma alma substancial distinta do corpo, tanto antes quanto depois da intervenção haver uma hierarquia de valores. Os animais,
tornando-se a única espécie respeitável. O das atividades humanas. as paisagens e determinados ecossistemas
restante da natureza, viva ou inerte, é parte tornam-se respeitáveis de duas maneiras – é
Contudo, muitos pensadores consideram
do mundo dos objetos à disposição da o ser humano que decide respeitá-los, e é
que a abordagem da ciência ecológica
humanidade. Descartes não tem qualquer uma forma de respeito que não se iguala ao
é insuficiente. Os ecologistas profundos,
consideração pelo meio ambiente, o vê de respeito devido aos seres humanos.
por exemplo, acreditam que o cerne do
forma utilitária e o considera um recurso
problema na abordagem científica, incluindo
infinito que os seres humanos podem se
a ecológica, é o antropocentrismo. Defendem
valer sem quaisquer escrúpulos.
uma filosofia da totalidade que integra os
seres humanos aos organismos vivos como
um todo, sem lhes conceder qualquer status
especial. O respeito pelos animais é o mesmo
que o respeito pelos humanos.
Na encruzilhada da
ciência e da política
Uma dimensão da crise ecológica, a
mudança climática abre o caminho para
uma reflexão mais específica sobre a relação
entre a ciência e a política.
A ciência tem grande responsabilidade
pelo surgimento do problema climático.
E entramos no Antropoceno, em grande derivam sua legitimidade de sua eleição. muito mais difícil, se não impossível.
parte, devido ao impressionante poder Eles são eleitos para escolher de forma Conhecemos o princípio do “imperativo da
desenvolvido pelas novas tecnologias e seu precisa o cenário que se encaixa em seus responsabilidade humana”, desenvolvido
uso ilimitado pelos poderes econômicos. sistemas de valores. A mudança climática pelo filósofo alemão Hans Jonas, no final
Pela primeira vez na história, as atividades envolve análises técnicas altamente dos anos 1970, que pondera precisamente
humanas estão levando a mudanças em complexas, que nem sempre estão alinhadas sobre as questões ecológicas: “Aja de
algumas características ambientais que com as orientações políticas. modo que os efeitos de suas ações sejam
afetam toda a humanidade. compatíveis com a permanência da
Entretanto, a ciência também nos torna Ética ambiental e autêntica vida humana na Terra”. A partir
de agora, trata-se de integrar na vida social
conscientes das questões relacionadas à
crise ecológica. Ela desempenha um papel
mudança climática contemporânea a preocupação com a
sustentabilidade do sistema a longuíssimo
determinante no desenvolvimento dos É necessário reconhecer, mesmo assim, que
prazo, e incluir as gerações futuras no
cenários que podem levar à gestão racional iniciamos uma transição em direção a uma
âmbito de nossas responsabilidades.
da crise climática. A ciência pode nos destruir, sociedade moldada de forma decisiva por
mas também pode nos salvar. Integrada a restrições ecológicas. O envolvimento de Essas preocupações ambientais devem
um entendimento mais amplo da realidade, a todos em suas vidas cotidianas, o trabalho ser consistentes com os requisitos éticos
abordagem científica se mantém decisiva no dos diversos atores econômicos em suas contemporâneos, ou seja, o respeito pelos
controle da mudança climática. respectivas atividades são condições direitos humanos e a igual consideração
fundamentais para medidas eficazes – por todos os seres humanos. Nem todas
No entanto, democracia não é tecnocracia.
desde as empresas de pequeno e as populações humanas são iguais frente
Em uma democracia, é o político quem toma
médio porte aos mais poderosos trustes ao desafio climático. Paradoxalmente, os
as decisões. O sociólogo alemão Max Weber
multinacionais, além do envolvimento países mais pobres são muitas vezes os
(1864-1920) fazia distinção entre o reino dos
de estruturas estatais e intermediárias, mais afetados pelo aquecimento global
fatos e o reino dos valores. De um lado, o do
sindicatos, federações empresariais, sem controle. O respeito pelos direitos
conhecimento, os cientistas são especialistas
organizações da sociedade civil (OSCs) etc. humanos deve, portanto, levar a um
em fatos. Eles são responsáveis por analisar
princípio de solidariedade internacional
situações e propor diversos cenários Porque a questão fundamental é o futuro
que, por si só, possa garantir a gestão
compatíveis com as limitações ecológicas. da humanidade. O que nos motiva a
mundial da mudança climática e que sejam
Os políticos, por outro lado, agem de acordo agir é a constatação de que a mudança
tomadas medidas específicas para situações
com os valores que estão comprometidos climática sem controle pode fazer com
particularmente complexas.
em defender. Em um sistema democrático, que a vida humana na Terra se torne
A UNESCO tem longa experiência em ética ambiental, apoiada pela Comissão Mundial
para a Ética do Conhecimento Científico e Tecnológico (COMEST), criada em 1998. Como
órgão consultivo e fórum para reflexão, a COMEST publicou uma série de relatórios na
última década, que ajudaram a informar o debate público. Seu relatório de 2015 serviu de
base para a Declaração de Princípios Éticos em relação à Mudança Climática.
Biólogo e filósofo belga, Bernard Feltz é
professor emérito da Universidade Católica
de Louvain. Sua pesquisa se concentra na
filosofia da ecologia, em questões bioéticas
e nas relações entre a ciência e a sociedade. Uma dimensão da crise ecológica, a
Atualmente, ele é o representante da
Bélgica no Comitê Intergovernamental de
Bioética da UNESCO (Intergovernmental
mudança climática abre o caminho
Bioethics Committee – IGBC). para uma reflexão mais específica sobre
a relação entre a ciência e a política.
verde novamente
Zofeen T. Ebrahim
Sentada confortavelmente em um
© Zofeen T. Ebrahim
banquinho em seu quintal, debaixo de uma
árvore que lhe proporciona muita sombra,
Farzana Bibi coloca um punhado de terra
do montículo a seu lado em um bolso preto
e alongado de borracha. O cacarejar das
galinhas e o solitário galo pavoneando-se Farzana Bibi coloca um punhado de terra
em volta de seu pequeno quintal verde em uma bolsa de borracha.
são um cenário pastoril perfeito. Depois
de cheio até o topo, ela habilmente faz
um buraco no meio do tubo, aloja uma
semente e a cobre com terra. Em 2014, o Pakistan Tehreek-e-Insaf “O custo foi estimado em 22 bilhões de
(Movimento pela Restauração da Justiça – PTI), rúpias paquistanesas (US$ 155 milhões),
Idílico e cercado por montanhas, o partido político que governou a KP entre 2014 e foi concluído por 14 bilhões de rúpias
vilarejo de Bibi, Najafpur, na província e 2018, se envolveu na luta mundial e aderiu paquistanesas (US$ 99 milhões), uma
de Khyber Pakhtunkhwa (KP), está a ao Desafio de Bonn – que visa a restaurar 150 anomalia para um projeto custeado
cerca de 50 quilômetros de Islamabad, milhões de hectares das terras degradadas pelo governo, que geralmente supera o
a capital do Paquistão. e desmatadas do mundo até 2020. Liderada orçamento”, destacou Aslam, que foi a força
Ela está entre as 400 mulheres que pelo ex-jogador de críquete que se tornou por trás da iniciativa. Em menos de três anos,
foram treinadas de maneira moderna político, Imran Khan, o PTI ambiciosamente se 1,18 bilhão de árvores foram cultivadas.
para preparar e propagar viveiros em comprometeu a restaurar 350 mil hectares de
A estratégia utilizada foi de quatro vertentes,
seus quintais e vender as mudas para floresta e terras degradadas de 2014 a 2018.
incluiu plantar novas árvores e a regenerar
o departamento florestal do governo das florestas existentes; garantir um elevado
provincial. Isso faz parte do Billion Tree
Tsunami Afforestation Project (Projeto
Mais de um nível de transparência; fazer disto um
de Reflorestamento Tsunami de Bilhões bilhão de árvores programa centrado nas pessoas; e enfrentar
a poderosa “máfia” madeireira ou os
de Árvores – BTTAP) da Green Growth madeireiros ilegais.
No curto espaço de tempo que teve, o
Initiative (Iniciativa de Crescimento
departamento florestal não poderia ter
Verde – GGI) do governo para combater a Segundo Aslam, que também atua
concluído ou realizado o que o partido político
mudança climática e a poluição por meio como vice-presidente mundial da União
havia prometido, tudo por conta própria.
do plantio de árvores. Internacional para Conservação da
O modelo adotado para o BTTAP tornou-se Natureza (UICN), 60% da meta de um
A cobertura florestal total do Paquistão bilhão de árvores foi alcançada pela
um negócio envolvendo as comunidades
varia de 2% a 5% da área territorial – o que “regeneração natural por meio da proteção
locais. “Conseguimos concluir o projeto
faz com que seja um país com uma das das florestas gerida pela comunidade”.
em agosto de 2017, antes do tempo!”,
menores coberturas florestais na região, e Essas florestas foram divididas em cerca
disse Malik Amin Aslam, que atualmente
bem abaixo dos 12% recomendados pelas de 4 mil viveiros, com as comunidades
é ministro federal e assessor de Mudanças
Nações Unidas. incentivadas a coletar madeira morta.
Climáticas de Imran Khan, que se tornou
primeiro-ministro do país em 2018. Também se beneficiaram de empregos
Combate ao desemprego
Enquanto isso, em Najafpur, o marido de
Bibi, Shaukat Zaman, junta-se para encher os
bolsos. Seu negócio de aves fechou há dois
anos, depois que um vírus mortal aniquilou
todo o lote de galinhas. Ele não conseguiu
© Zofeen T. Ebrahim
Victor Bwire
2,2 quilowatts foi reforçada por uma estrutura desenvolvimento da energia solar no país,
A disponibilidade de bombas solar de 5 quilowatts a fim de garantir que o setor privado – empresas e organizações
funcione mesmo quando os níveis de luz sem fins lucrativos – tem sido fundamental
d’água movidas a energia solar e solar forem baixos. para o crescimento do setor. Por meio
lâmpadas solares teve um efeito de iniciativas como preços altamente
Anteriormente, as pessoas do círculo de
transformador nas comunidades subsidiados, marketing social e regimes de
Rangwe eram forçadas a ferver a água a
empréstimo, várias entidades expandiram
rurais do Quênia, fornecendo fim de evitar contrair doenças transmitidas
intensamente o uso de sistemas solares
água potável limpa e iluminação pela água, como o cólera. Isso se tornou
em todo o país.
especialmente importante depois que
ao mesmo tempo em que elimina os canos de água explodiram e a água
dificuldades, riscos para a saúde limpa foi contaminada pela água sem Visar às redes
e hábitos que contribuem para a tratamento. Ferver a água requer lenha,
de mulheres
mudança climática. O compromisso e a explosão dos canos significou que as
pessoas precisavam buscar água nas bacias A Solibrium, uma empresa local, oferece
do governo de investir em energia hidrográficas – ambas ações contribuem energia solar às pessoas por valores
limpa foi reforçado por empresas para a mudança climática. Foi necessária acessíveis. Vende painéis, sistemas e
privadas para promover mudanças a intervenção da Sociedade da Cruz lâmpadas solares para as comunidades por
Vermelha do Quênia (Kenya Red Cross Society meio dos grupos de mulheres, oferecendo
reais, especialmente para aqueles
– KRCS) e do Membro do Parlamento da empréstimos ou um sistema de preço
que mais precisam. área para reabilitar um antigo projeto de subsidiado. Os moradores têm acesso
abastecimento hídrico concebido em 1979 aos sistemas solares e podem pagar em
“Não tenho mais nada a dizer do que para operar usando diesel, mas que nunca parcelas. Incentivos são concedidos àqueles
agradecer a Deus por se lembrar de nós, e às foi concluído. que pagam prontamente, e alguns usuários
pessoas que tornaram possível a conclusão existentes tornam-se representantes de
deste projeto de água”, diz Jane Akinyi,
moradora de Nyandiwa, no condado de Baía
Eliminar a poluição vendas para recrutar mais usuários.
A Solibrium tem o foco em mulheres
de Homa. Embora a área não esteja longe O trabalho envolveu a KRCS – que gere
das várias comunidades rurais na região
do Lago Victoria (no oeste do Quênia, na o novo projeto – realizando a recente
costeira e ocidental do Quênia e, até o
fronteira com Uganda), um dos maiores lagos proteção da antiga fonte de água e
momento, instalou sistemas solares em mais
de água doce no mundo, o acesso à água cercando-a, projetando e construindo um
de 50 mil domicílios em seis condados. É
potável se manteve inatingível por décadas. novo reservatório e instalando bombas
um desdobramento da Eco2librium, uma
“As mulheres costumavam caminhar vários movidas a energia solar. O uso da energia
empresa B certificada [um novo tipo de
quilômetros até os rios para buscar água solar em vez de diesel para bombear a
negócio que equilibra propósito e lucro], com
e, muitas vezes, as longas filas nos únicos água não apenas salvou a comunidade dos
escritórios nos Estados Unidos e no Quênia.
pontos de água da região significava o altos custos associados ao uso de produtos
petrolíferos, como também garantiu o As lâmpadas solares foram transformadoras
desperdício de todo um dia esperando.
fornecimento estável de energia limpa e para as comunidades. “Os sistemas solares
Significava que as tarefas domésticas
salvou a comunidade da poluição do ar reduziram a carga em saúde e poluição do
permaneceriam por fazer, resultando em
associada ao combustível. ar relacionadas ao uso de motores movidos
outros desafios”, explica Akinyi.
a diesel nas comunidades. Por exemplo,
A recente instalação de cinco bombas Por exemplo, a Solibrium recrutou quase 200
para geradores em bombas d’água e
d’água movidas a energia solar na região membros por meio do movimento do grupo
hospitais, as lanternas solares eliminaram
tornou essas dificuldades algo do passado. de mulheres, que estão promovendo de
o uso de querosene, que não apenas era
Atualmente atendendo a 700 famílias em maneira intensa a venda de produtos solares
caro, mas causava problemas oculares nos
sete vilarejos, o novo projeto hídrico, lançado nos condados de Kakamega, Busia, Bungoma,
usuários. Reduziu a destruição das florestas
em 11 de fevereiro de 2019, proporciona Baía Homa, Taita Taveta e Kilifi, no Quênia.
ao eliminar a necessidade de carvão, e
aos moradores acesso à água potável para O setor privado tem encarado a energia a disponibilidade de energia também
beber e cozinhar, protegendo as bacias solar como uma oportunidade de negócio, possibilita que as crianças façam suas tarefas
hidrográficas em torno dos rios Rangwe e enquanto oferece energia favorável de casa após o anoitecer, sem dificuldades”,
Riana. A bomba d’água em Nyandiwa produz ao clima às comunidades pobres. explica Anton Espira, fundador e chefe de
3 mil litros de água por hora – a bomba de Além do investimento do governo no operações da empresa.
educação
Laura Ortiz-Hernández
o manifestante solitário
Entrevista por Jasmina Šopova
Como o sr. acabou protestando Segundo algumas fontes, a primeira Greve de conseguir o direito para que estudantes
sozinho na rua? Mundial em Defesa do Clima, em 15 de março e jovens com menos de 18 anos possam
de 2019, mobilizou cerca de 1,8 milhão de lutar por seu futuro. Fotografias de jovens
Tenho me interessado por questões
pessoas em todo o mundo. Porque apenas 70 segurando cartazes dizendo: “Permita que
ambientais há muito tempo. Contudo, foi
pessoas compareceram à marcha em Moscou? a Rússia faça greve pelo Clima” (meu slogan
apenas por volta do final de 2018 que fiquei
de mobilização relâmpago) em diferentes
realmente impressionado com o problema Isto não foi, de modo algum, surpreendente.
países foram enviadas a mim. Como a de uma
do aquecimento global, quando descobri, Uma grande parte da população na Rússia
menina de 9 anos protestando em Nova York.
por meio do Greenpeace International, o não compreende o que é o aquecimento
A Greta tem 16 anos e pode protestar nas
que Greta Thunberg está fazendo. Na época, global. Muitas pessoas acreditam que
ruas sem medo de quaisquer consequências.
a ideia de protestar nas ruas, como essa o clima se tornará mais ameno, que os
Ela também respondeu à minha mobilização
jovem estudante sueca, ainda não havia invernos serão menos severos. As pessoas
relâmpago e me segue no Twitter, onde
passado por minha cabeça, porque não não têm onde buscar informações.
escrevo em inglês. Isso me deixou tão feliz.
temos uma cultura de protestos aqui.
Não temos sequer uma figura política É realmente gratificante quando alguém
Então, em fevereiro de 2019, participei de conhecida que fale sobre catástrofes como Greta Thunberg, que fez tantas coisas
uma manifestação pela primeira vez – a ecológicas e aquecimento global, e a positivas pelo mundo, se interessa pelo que
marcha em memória de Boris Nemtsov, mídia não reporta sobre essas questões. você está fazendo.
o ex-ministro e deputado russo, que foi Alguns acreditam que o público não está
E isso é ainda mais importante porque,
assassinado em 2015. Essa experiência me interessado na mudança climática; outros
pelo que sei, havia apenas três de nós
fez perceber que eu era um adulto capaz de evitam o assunto para não ofender as
realizando protestos solitários antes da
fazer, eu mesmo, algo semelhante. empresas de petróleo e gás que detêm as
Segunda Greve Mundial em Defesa do
rédeas do poder econômico neste país –
Quando descobri – por acaso, na verdade Clima, em 24 de maio de 2019 – uma
que é um dos maiores produtores mundiais
– que uma manifestação estava sendo menina em Yaroslavl, na região central da
desses produtos. Como resultado, nos
organizada em Moscou, em 15 de março, Rússia, e uma outra em Saratov, a cerca de
silenciamos quanto a falta de ação da Rússia
como parte da Greve Mundial em Defesa 850 quilômetros de Moscou.
em implementar o Acordo de Paris (COP21)
do Clima, eu participei. Estava sendo
de 2015, do qual foi signatário, mas ainda E o que o sr. fez por esta segunda greve?
realizada no “Hyde Park”, um espaço no
não ratificou. Em minha opinião, o silêncio Relata-se ter mobilizado mais de 1 milhão de
Parque Sokolniki especialmente designado
sobre o clima não é diferente do silêncio pessoas em todo o mundo, e ter até mesmo
pelas autoridades como área para liberdade
sobre o desastre de Chernobyl. influenciado as eleições do Parlamento
de expressão e protestos. Havia cerca de
Europeu em 26 de maio, colocando os
70 participantes, contudo, como a área é Até mesmo na internet a greve de 15 de
partidos verdes na liderança em vários países.
rodeada por uma cerca e quase ninguém vai março passou quase despercebida, o que
até lá, ninguém realmente nos notou. pôde ser visto, por exemplo, pelo fato de Juntamente com o sindicato dos estudantes
as pessoas terem medo de mencionar de Uchenik, solicitamos autorização para
Foi quando decidi agir. Já que manifestações
manifestações de jovens. Aqui, as pessoas realizar um encontro de 500 pessoas no
solitárias ou protestos unipessoais são
não têm permissão para organizar Parque Muzeon, no centro da cidade.
permitidos na Rússia, pensei em me
manifestações ou realizar um protesto Contudo, a permissão nos foi recusada sob
manifestar, sozinho, todas as sextas-feiras,
solitário se tiverem menos de 18 anos de a alegação de que o espaço não era grande
para mostrar meu apoio ao movimento
idade – envolver menores em tais ações é o suficiente – muito embora, segundo o
Fridays for Future (Sextas-Feiras pelo
uma infração punível. sindicato, o parque pudesse acomodar
Futuro), lançado por Greta. Eu escolhi a
até 850 pessoas. Após várias negociações
Praça Pushkin por estar sempre repleta No entanto, em todo o mundo, são
malsucedidas, cerca de dez protestos
de pessoas. majoritariamente os jovens que estão se
unipessoais ocorreram em Moscou. Durante
mobilizando contra a mudança climática.
o dia, eu realizei um protesto solitário em
Sim, e é justamente por esta razão que eu frente à estátua de Pushkin e, à noite, os
organizei uma mobilização relâmpago na membros do sindicato assumiram.
internet em maio passado – com a ideia
Juventude árabe,
arquitetos de seu futuro
Fotos: Yan Bighetti de Flogny (Projeto Al Safar) / Instituto de Arte MiSK
Texto: Katerina Markelova
O fotógrafo francês Yan Bighetti de Flogny quilômetros e visitaria todos os países de suas viagens é uma fonte da primeira
estava no Paquistão quando, durante uma muçulmanos. No decorrer dessa grande importância para a história do mundo
conversa com um dono de hotel, soube jornada, comparável apenas àquela de Marco muçulmano de sua época, especialmente
da existência de Ibn Battuta, o explorador Polo, ele visitou Meca quatro vezes, tornou-se para a história da Índia, da Ásia Menor e da
marroquino do século XIV. Injustamente juiz em Déli e nas Ilhas Maldivas, acompanhou África Ocidental”.
pouco conhecido, Ibn Battuta é, talvez, o uma princesa grega até Constantinopla,
A história inspirou nosso fotógrafo, cujo
maior viajante que já viveu”, como nos conta navegou para Sumatra e Java, e viajou à
projeto de reportagem sobre a luta contra os
um artigo de O Correio da UNESCO de China como embaixador do Sultão da Índia.
preconceitos culturais vinha amadurecendo
agosto-setembro de 1981. Então, em 1349, ele retornou brevemente ao
há anos. Contudo, faltava um ponto em
seu próprio país (“a melhor terra do mundo”)
“Aos 21 anos, ele começou suas viagens comum, que ele agora havia encontrado:
antes de partir imediatamente para o reino
fazendo uma peregrinação à Meca. Esse foi Yan decidiu que embarcaria em uma longa
de Granada e, depois disso, para uma jornada
o início de 30 anos de andanças, durante jornada, seguindo os passos de Ibn Battuta! O
pela África rumo à bacia do Níger. O diário que
os quais ele percorreria quase 120 mil projeto foi lançado em março de 2018, levará
Ibn Battuta ditou à um escriba no decorrer
Jana, 16 anos, alpinista campeão, frequentemente escala as rochas altas de Wadi Rum,
na Jordânia, 2018. A área protegida está na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.
Uma noite tranquila no corniche, em Trípoli, no Líbano, em 2018. Um admirador das grandes pinturas orientalistas, o
fotógrafo compõe suas fotografias em vários níveis. A primeira visualização, à distância, permite que sejam observadas
a preparação e as cores. À medida que o espectador se aproxima, mais detalhes podem ser examinados.
O tempo da
metamorfose
A IA é um assunto atual. Catalisa todas as
nossas ansiedades. Alguns ainda dizem que é Blow-Up, Shadow Box 4, 2007. Criado
“fraca”, mas quando será que a veremos como pelo artista de multimídia mexicano-
“forte”? Quem será sua dona? Quem terá o -canadense, Rafael Lozano-Hemmer. Esta
direito de usá-la? Para fazer o que? E, acima tela interativa de alta definição foi projetada
de tudo, que aparência terá? Será humana ou para fragmentar a visão de uma câmera de
humanoide? Terá todas as nossas qualidades vigilância em 2,4 mil câmeras virtuais que se operar em rede e modificar as narrativas das
e defeitos? Terá uma moralidade e uma aproximam do espaço da exposição. pessoas, quer seja para o bem ou para o mal.
intenção? Evocá-la dessa maneira faz dela
Dada essa metamorfose lógica e antecipada
um monstro aterrorizante. Contudo, se a IA é
(que não podemos negar se mantivermos
monstruosa, é mais um monstro de eficiência No entanto, a IA não é uma ferramenta esse momentum tecnológico), somos
do que um Frankenstein! Porque a IA é uma como qualquer outra. No princípio, era um tentados a temer a IA, embora ainda
ferramenta, assim como um martelo, que é software tático inteiramente patrocinado tenhamos o controle das rédeas. Contudo,
conduzida por uma vontade externa. e programado por seres humanos, temos de enfrentar grandes desafios, tais
No entanto, essa vontade é organizacional atualmente, ela está entrando em uma como: a transparência de algoritmos e
e não humana. A IA é uma ferramenta que, segunda fase em que gradualmente está bancos de dados; os limites e as restrições a
desde que surgiu há algumas décadas, tem ganhando autonomia – tornando-se capaz serem definidos para as máquinas e para os
atendido aos objetivos de rentabilidade de escolher, por si só, o método que lhe serviços que elas podem oferecer; o registro
e funcionalidade de uma organização. permitirá atingir um objetivo. O objetivo de uma narrativa de que a IA pode atuar do
É, portanto, fundamentalmente, a ainda é definido por um ser humano. mesmo modo que podemos. A questão é
ferramenta de um projeto, de uma visão, Amanhã, o software de ontem se tornará a IA provavelmente menos tecnológica do que
de uma narrativa. E, atualmente, a narrativa autônoma em todos os aspectos, capaz de ética, moral e política: qual é nosso futuro
dominante é a da eficiência. estabelecer seus próprios objetivos e meios, com a IA, que narrativa vamos registrar?
desafios sociais
Entrevistas por Shiraz Sidhva
O espírito de competição
e compreensão estão no
centro do ecletismo da
arquitetura de Baku.
© Will Van Overbeek
Baku:
cidade multicultural
Fouad Akhoundov,
entrevistado por Mila Ibrahimova
© Thomas Marsden
vestígios da presença dos povos
zoroastriano, sassânida, árabe,
persa, shirvani, otomano e russo.
A cidade moderna, nascida do
primeiro boom do petróleo no Fuad Akhundov em Baku.
final do século XIX e início do
século XX, possui um patrimônio
Quando Baku se tornou uma cidade moderna? milionários locais, que investiram em
cultural igualmente eclético. projetos de arquitetos europeus. Isso
Múltiplas correntes étnicas Baku começou a se tornar uma cidade
transformou a cidade em uma verdadeira
moderna em 1872, quando o poder czarista
sempre cruzaram a cidade russo estabeleceu o que hoje é chamado
miscelânea de culturas.
devido à sua baía e pelo fato de de uma concessão para o desenvolvimento Os magnatas do petróleo de Baku estavam
rotas de caravanas passarem de campos petrolíferos. A partir daquele ansiosos para se aproximar da Europa, e este
momento, conhecido historicamente como desejo também se refletiu na arquitetura.
próximo a ela. O resultado é
o primeiro boom do petróleo, a cidade Eles convidaram arquitetos de renome
uma extraordinária diversidade vivenciou um rápido desenvolvimento que para a cidade, que eram em sua maioria
harmoniosa, refletida tanto em resultou no crescimento extraordinário de de descendência polonesa, entre os quais
sua arquitetura quanto em seu sua população, aumentando dez vezes mais estavam Kazimir Skurevich, Konstantin
nos primeiros 25 anos e, então, dobrando a Borisoglebski, Eugene Skibinski, Jozef
espírito cosmopolita. cada sete ou oito anos. Goslawski e Jozef Ploszko.
Enquanto em 1872, Baku tinha apenas Essa nova cidade tornou-se tão suntuosa
Este artigo é publicado para marcar a 14,5 mil habitantes, no início da Primeira que viria a ser chamada de “Paris do Cáucaso”.
ocasião da 43ª sessão do Comitê do Guerra Mundial, a cidade tinha uma
Voltar-se para o Ocidente
Patrimônio Mundial, realizada em Baku, população de 215 mil. Certamente,
significou afastar-se do passado?
no Azerbaijão, de 30 de junho a 10 de nenhuma cidade pode crescer em
julho de 2019. tal velocidade de forma natural. Esse De modo algum os magnatas locais do
crescimento demográfico se deve, petróleo estavam tentando apagar seu
sobretudo, à imigração, que foi atraída pela passado! Simplesmente, foram receptivos
riqueza do país. Não se deve esquecer que, às influências culturais externas, tal como o
no início do século XX, Baku fornecia mais espírito europeu que chegou a eles por meio
de 50% do petróleo cru de todo o mundo. da Rússia. Contudo, isso não significou que
eles perderam suas particularidades culturais.
Foi quando uma nova cidade começou
a tomar forma ao redor da antiga cidade Assim, por exemplo, a grande maioria dos
fortificada, que tinha vários milênios (sítio afrescos que tive oportunidade de ver em
do Patrimônio Mundial desde 2000). Foi minha vida, encontrei em antigas casas
planejada na época da administração azeri – embora, tradicionalmente, fossem
imperial russa e construída graças aos proibidos pela religião islâmica.
sonho ou realidade?
Jody Kollapen, entrevistado por Edwin Naidu, jornalista sul-africano
Vinte e cinco anos depois de alcançar a democracia, a África do Sul deu passos
gigantescos rumo à formação de uma nação unida. No entanto, superar o
racismo e concretizar a visão de Nelson Mandela de uma nação que pertença
a todos que nela vivem continuam a ser ideais maravilhosos, mas que ainda
requerem muito trabalho, segundo o juiz Jody Kollapen. Tanto árbitro
quanto vítima de casos de racismo – foi-lhe recusado um corte de cabelo
recentemente, em outubro de 2003! –, esse defensor dos direitos humanos
afirma que há boa vontade suficiente para construir a visão de Mandela.
Vinte e cinco anos após a liberdade a lei para lidar com os casos extremos –
Nelson Mandela deixou sua marca duramente conquistada pela África do Sul, o espera-se que ela seja usada com moderação.
no século XX. Mais que isso, deu país progrediu na luta contra o racismo?
significado a ele. Humano, mas não Os analistas se referem ao racismo como um
demasiado humano, e obsessivo em Acredito que a resposta para isso deva ser problema não resolvido, herdado do passado,
seu respeito pela lei e pela justiça, sim, simplesmente porque as divisões raciais que a nação não conseguiu abordar de forma
Mandela conseguiu ser um indivíduo que caracterizaram a África do Sul durante adequada. Qual é sua opinião a respeito?
único, mas também um símbolo de o apartheid eram muito fortes, as suspeitas
Concordo que a Comissão Verdade e
em razão de raça eram profundas, e os
um povo que se reconheceu nele antes Reconciliação (Truth and Reconciliation
casos de violência gratuita contra os negros
mesmo de o terem escolhido por meios Commission – TRC) nunca abordou o
havia quase atingido um nível de aceitação
democráticos, nas urnas. Na África e em problema do racismo. Lidou com os crimes
social. Tudo mudou dramaticamente desde
outros lugares, na memória daqueles do apartheid, mas não o apartheid como um
então. No entanto, isso não significa que não
que sofrem, aqueles cujas vozes ainda crime. A ampla maioria dos sul-africanos que
existam casos sérios de racismo. A diferença
carregam o eco de uma ferida que nunca foram vítimas e autores nunca compareceu
é que, quando ocorrem, um grande número
se curou, as vozes daqueles jogados perante a TRC para falar sobre o racismo
de sul-africanos, negros e brancos, se
em sepulturas coletivas de massacres durante o apartheid. Infelizmente, a TRC pode
sentem indignados. Além disso, existe um
comuns ou sufocados em um saco ter se deixado levar pela noção romântica
marco legal para lidar com o racismo.
de juta atirado de um trem expresso. de reconciliação, sem abordar o apartheid,
Mandela exemplifica uma determinação As medidas legislativas propostas na a discriminação – e o fato de que não pode
que nada pode destruir, uma paixão que nova lei para criminalizar atos de haver reconciliação sem transformação social
nada pode desencorajar. racismo são necessárias para promover e econômica. Foi uma oportunidade perdida.
uma África do Sul unida? No entanto, eu não acredito que isso possa
A prisão, a humilhação, o assédio ser resolvido por meios legislativos.
mesquinho e as tentativas de minar Idealmente, nós gostaríamos de combater o
sua moral não conseguiram abalar racismo por meio de iniciativas voluntárias, O que deve ser feito para garantir que
sua convicção de que a liberdade não apelando ao melhor senso das pessoas. um sentido de unidade prevaleça na
poderia ser alcançada sem luta. E ele Historicamente, a maioria dos sul-africanos África do Sul?
tinha em mente um tipo particular de concordaria que, na ausência de sanções
Enquanto a África do Sul continuar sendo
liberdade, não aquela enganosamente criminais, as novas leis poderiam ser
a sociedade mais desigual do mundo, e
embalada para parecer atraente, mas importantes, ao autorizar que se aja
enquanto remontarmos isso como tendo
que na verdade é cheia de ilusões. fortemente contra aqueles que acham que
raízes no colonialismo e no apartheid, nós
A seus olhos, a liberdade é um valor podem se livrar com o pagamento de uma
não vamos alcançar esse sentido de unidade.
inegociável, inseparável da dignidade multa, uma vez que nenhum processo atual
Mesmo que não sejamos capazes de criar a
e repleto de responsabilidade. prevê uma ação criminal.
sociedade igualitária que alguns desejam,
Tahar Ben Jelloun, Com base em um marco legal e certamente podemos alcançar uma sociedade
O Correio da UNESCO, constitucional no qual estamos dispostos mais igualitária. Porém, para que isso ocorra,
novembro de 1995. a mandar alguém para a prisão por roubar precisamos ser maduros nos debates sobre
um pedaço de pão, por que, considerando questões como recursos, ação afirmativa,
a hierarquia de seriedade dos atos, não acesso à terra, e não podemos ser defensivos.
mandamos alguém para a prisão por Se não transformarmos a sociedade de uma
comportamento racista? Não se pode ser maneira significativa, esse sentido de unidade
racista e pagar para se livrar. A ideia é usar pode nos escapar.
JORNALISMO,
FAKE NEWS &
DESINFORMAÇÃO
Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo
Série UNESCO sobre Educação em Jornalismo
-1-
rrier 알랭 마방쿠
nos escritórios da Comissão Nacional Coreana
para a UNESCO, em Seul, esta é uma publicação
Cou
호르헤 마푸드
2019
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Idée W. H. A
de tornou-se a décima língua em que O Correio é
The UNESCO Courier • 2019. 4-6 |1
agora publicado.