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PSICOLOGIA SOCIAL 3* Edic¢dao Elliot Aronson University of California, Santa Cruz Timothy D. Wilson University of Virginia Robin M. Akert Wellesley College Traducao, Ruy Jungmann Revisdo Técnica Geraldo José de Paiva ~ Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade de Sito Paulo (USP) ~ Pés-Doutorado em Psicologia da Religido pela Universidade Catdlica de Lovaina (Bélgica) — Livre-Docente do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de Sao Paulo (USP) LTC EDITORA CoGNI¢AO SOCIAL: Como PENSAMOS SOBRE O MUNDO SOCIAL VISAO GERAL DO CAPITULO OHomem como Te6rico do Dia-a-Dia: Os Esquemas e como Eles nos Influenciam A Fungao dos Esquemas: Por que os Temos? Determinantes Culturais dos Esquemas Os Esquemas Podem Distorcer 0 que Vernos e Lembramos Os Esquemas Podem Persistir, Mesmo Depois de Desacreditados Tornando Realidade Nossos Esquemas: A Profecia Auto-Realizadora Estratégias e Atalhos Mentais Com que Facilidade Ela nos Ocorre? A Heuristica da Disponibilidade Desfazer Mentalmente 0 Passado: O Raciocinio Antifactual ‘Até que Ponto A se Parece com B? A Heuristica da Representatividade Aceitagdo das Coisas pelo Seu Valor Aparente: A Heuristica da Ancoragem e do Ajustamento 0 Pensador Social Flexivel 0 Pensador Social Motivado Pensamento Automatico versus Pensamento Controlado Crenga Automatica, Descrenga Controlada Processamento Irénico e Supressdo de Pensamento Um Retrato do Juizo Social Ensinando Habilidades de Raciocinio ‘ova York, domingo, 11 de maio de 1997: em uma espantosa derrota, Gary Kasparov, 0 campedo mundial de xadrez, perdeu para um desafiante sem nenhuma classificagao. Kasparov entregou 0 jogo aps apenas 19 movimentos, reconhecendo a derrota no sexto e decisivo jogo do encontro. Estranhamente, essa era a primeira vez em que Kasparov perdia um jogo como profissional. Mais surpreendente ainda, perdeu nao para outro ser humano, mas para um computador da IBM chamado Deep Blue, alojado em duas imponentes caixas pretas, cada uma delas com 194cm de altura, Pela primeira vez 38 —_Cognicéo Social: Como Rensamos sobre o Mundo Social na hist6ria, uma maquina chocou-se cabega com cabega (ou chip com cabega) com um dos homens mais inteli- gentes da nossa espécie e saiu vitoriosa, Um comentaris- la, a0 ouvir a noticia, disse que sentiu “uma pontada com a perda do QI e um aumento de pélos"(Dunn, 1997). Os computadores, claro, j4 nos superaram de muitas rmaneiras: guiam espagonaves até Marte, solucionam dificeis problemas matemiticos e calculam o saldo do nosso talio de cheque com uma exatidao de centavos. Houve, porém, algo muito perturbador na derrota de Gary Kasparov para o Deep Blue. O xadrez é considerado um dos desafios mais diffceis mente humana, exigindo incrivel insight, concentragao € criatividade. Sera que nés, humanos, deixamos de ser 0 que de mais inteligente existe no planeta? Na verdade, continuamos a ser. Por mais assombrosa que tenha sido a vit6ria do Deep Blue, 0 homem é ainda muito “melhor do que os computadores em alguns tipos muito importantes de pensamento. Estamos nos referindo & sua capacidade como pensador social — a capacidade de com- preender e pensar a respeito de outras pessoas. Uma coisa é um computador calcular um excelente movimento no xadrez outra, muito diferente, é saber como so as pessoas. Imagine, por exemplo, que o Deep Blue estava ao seu lado em sua primeira semana na faculdade. Ao ser apre- sentado a uma nova pessoa, um operador de computador escaneia a foto dela, carrega-a no computador digita tudo o que ela diz. (O operador seria necessério porque os computadores so muito incompetentes quando assun- to € compreender a linguagem humana e reconhecer ros- tos; Pinker, 1994,) Ao fim da semana, vocé e 0 computa- dor fazem varias avaliagdes das pessoas que vocé conhe- eu, do quanto elas gostaram de vocé e de como gostam umas das outras. Embora esse experimento jamais tenha sido feito, nfo temos diivida de que vocé seria muito superior ao computador nesses tipos de jufzos sociais, Suponhamos que voce seja apresentada & sta nova companheira de quarto, Cindy, e ela diz: “Prazer em conhecé-la!”, com entusiasmo e calor humano auténticos. Ela parece mesmd boazinha, e vocé acha que vocés vio se dar muito bem. No fim do mesmo dia, vocé conhece Jason, que, por acaso, é primo do seu ex-namorado. Voce © 0 ex nfo esto nas melhores relagdes possiveis, € Jason conhece todos os sanguinolentos detalhes do caso. Apés ser apresentado, ele diz também: “Prazer em conhecé-la!” Embora pareca muito satisfeito, vocé acha que ele ‘nio est sendo sincero. Apés uma répida troca de gentilezas, ele pede licenga e deixa a sala. Embora possa parecer fiici interpretar essas interagdes simples ¢ calcular que as coisas vao ser melhores com Cindy do que com Jason, pense'no imenso volume de conhecimen- to que vocé usou para chegar a essa conclusio. Voce sabe muita coisa sobre relacionamentos romanticos, o que acon- tece quando eles terminam, quanto tempo vocé deve conver- sar com alguém que acaba de conhecer antes de pedir licen- ‘ca para ir embora, o que seu ex Ihe disse sobre Jason, 0 que vocé ouviu dizer sobre Cindy e assim por diante. Rapidamente e com habilidade, vocé combina esse enorme volume de conhecimentos para formar uma opinido sobre Cindy ¢ Jason, Seria muito dificil fomecer a0 computador todo esse tipo de conhecimento. Mesmo que pudéssernos, seria dificflimo escrever um programa que Ihe dissesse como usé-lo para concluir que o “Prazer em conhecé-la!" de Jason significava algo muito diferente das palavras idénticas de Cindy. Talvez 0 Deep Blue seja muito bom em xadrez, mas, até agora, néio ha computador algum que sequer se aproxime da nossa habilidade como pensadores soci E a mente que eria.0 mundo a nossa colta, e ainda que cslejamos lado lade mesmo campina, meus ches jamais verdo © que é visto pelos feus. George Gising, The Private Papers of Fenry Rycroft, 03. Neste capitulo, vamos estudar a cognigao social, isto 6 a maneira como pensamos de nés mesmos e do mundo social — como selecionamos, interpretamos, lembramos ¢ usamos informagées sociais para formar juizos ¢ tomar decisdes. Tendo mostrado como somos competentes nesse tipo de pensamento — melhores do que 0 mais poderoso dos computadores —, precisamos, no entanto, dizer que estamos longe de ser perfeitos. E bem verdade que, com a rapidez. de um raio, podemos fazer julgamentos complexos sobre as pessoas. Mas, as vezes, cometemos erros, e, nio raro, eles nos custam caro, Talvez estivéssemos errados sobre Cindy e Jason — Cindy pode acabar se revelando um desastre como companheira de quarto, ao passo que Jason talvez termine sendo um dos nossos melhores amigos. (Ele, por exemplo, pode ter parecido seco porque captou nosso nervosismo e nossa desconfianga.) Neste capitulo, veremos até que ponto somos sofisticados como pensadores sociais, bem como que tipos de erros temos tendéncia a cometer. ‘A fim de compreender como pensamos sobre 0 mundo social, estudaremos em primeiro lugar os procedimentos, as regras.e as estratégias que usamos. Freqiientemente, é impossivel examinar 0 volume esmagador de informagées que temos sobre as pessoas com quem convivemos. Em conseqiiéricia, dependemos de uma grande variedade de atalhos mentais, que nos servem muito bem. Conforme veremos, somos muito préticos, adotando diferentes proce- dimentos e regras, de acordo com nossos obj necessidades da situagéio. Mesmo assim, o raciocinio huma- no nao € perfeito e, na titima se¢o do capitulo, estudare- ‘mos maneiras de melhorar nossa maneira de pensar. O HomeM como TEORIcO po Dia-A-DiA: OS ESQUEMAS E como ELEs Nos INFLUENCIAM 0 primeiro atalho que iremos estudar é a utilizago de teorias sobre 0 que so pessoas e coisas. Os cientistas formulam nume- rosas teorias ¢ hipdteses relativas a suas especialidades, seja 0 comportamento de particulas subatémicas ou de testemunhas em emergéncias. Todos nés, na vida didria, desenvolvemos também teorias que nos ajudam a compreender a nés mesmos € 0 mundo social que nos cerca. Essas teorias, denominadas esquemas, so estruturas mentais que usamos para organizar nosso conhecimento em torno de temas ou t6picos (Bartlett, 1932; Markus, 1977; Taylor & Crocker, 1981). Temos esquemas sobre muitis coisas — outras pessoas, , papéis sociais (por exemplo, no que diferem © uma engenheira), e acontecimentos espe- cfficos (0 que, por exemplo, acontece geralmente quando jan- tamos,em_um restaurante). Em cada caso, 0 esquema contém hnossas impressdes e conhecimentos basicos. Nosso esquema sobre os membros da associagao estudantil Animal House, por exemplo, poderia ser que sio tipos extravagantes, festei- tos, que 86 falam aos berros, com propensio para vomitar na cara da gente. Os esquemas afetam profundamente as infor- magdes que captamos, sobre as quais pensaremos e de que mais tarde lembramos (Kerr & Stanfel, 1993; Trafimow & Schneider, 1994; Trafimow & Wyer, 1993; von Hippel, Jonides, Hilton, & Narayan, 1993). Se vemos um membro da Animal House agindo de maneira calma, polida, cuidadosa, essa informagdo serd incongruente cqm nosso esquema e, na maioria das situagdes, nds a esqueceremos, ignoraremos ou nem mesmo notaremios. Os esquemas, portanto, funcionam como filtros, deixando de fora informagdes que sao contradi- \6rias ou inconsistentes com o tema predominante (Fiske, 1993; Higgins & Bargh, 1987; Olson, Roese & Zanna, 1996; Stangor & McMillan, 1992) ‘As vezes, claro, um fato pode ses tio incongruente com um esquema que no podemos ignoré-lo nem esquecé-lo. Se encontramos um membro da Animal House muito ocupado fazendo campanha para estender de 21 para 25 anos a idade permitida para beber em pablico, que prefere poesia a festas da pesada, ele € uma exce¢do to gritante ao nosso esquema que ficaré em nossa mente — sobretudo se passamos um tempo nos perguntando como ele acabou indo morar na mesma casa que seus irmaos festeiros ‘(Burgoon, 1993; Hastie, 1980; Stangor & McMillan, 1992). Na maioria dos casos, contudo, € provavel que tomemos conhecimento e pen- sémos no comportamento dos membros da Animal House que se ajusta aos nossos pressupostos a seu respeito. Desa manei- Fa, com 0 tempo, os esquemas tornam-se mais rigidos e mais resistentes & mudanga, Claudia Cohen (1981), por exemplo, mostrou a um grupo de pessoas um video de uma mulher ocu- pada em varias atividades e identificou-a alternadamente como bibliotecdria e garconete. Quando solicitados a recordar cenas do video, os participantes recordaram-se com maior Cognicéo Socal: Como Pensamos Sobre o Mundo Social 39 fidelidade de informagdes consistentes com o rétulo ocupa- jonal, como 0 fato de que a bibliotecéria estivera escutando miisica classica. A feoria ajuda-nes a suportar nessa ignoraneia dk fate George Sonloyna, The Sense of Beauly, 1896 Além disso, a meméria humana € recriadora, Nao nos lembramos exatamente do que aconteceu em um dado ambiente, como se a mente fosse uma camera cinematogeafi- ca gravando com perfeicao imagens e sons. Em vez disso, lembramo-nos de algumas informagdes presentes na cena (sobretudo aquelas que nosso esquema nos leva a perceber € olhar com atengao) e outras que nunca estiveram nela, mas que acrescentamos sem saber (Darley & Akert, 1991; Markus & Zajonc, 1985). Se vocé perguntar a alguém qual a fala mais famosa no clissico Casablanca, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, provavelmente a resposta serd: “Toque de novo, Sam.” De modo semelhante, se Ihe perguntar qual a fala mais famosa na série original de televisto Jornada nas Estrelas (1966-69), provavelmente oyvird: “Ligue 0 telepor- tador ¢ tire-me daqui, Scotty.” Agora uma pequena trivialidade que talvez o surpreenda: ambas as falas sdo recriagdes — os personagens no filme e na série de televisdo jamais as pronunciaram. Nao é de surpreender que as recriagdes feitas pela meméria tendam a ser consistentes, com 0 nosso esquema. No estudo da bibliotecéria/gargonete, de Cohen (1981), por exemplo, os participantes erraram ao lembrar a bebida que a bibliotecéria estivera tomando no video. Recriaram na meméria a cena mostrando-a bebendo vinho, e niio cerveja, porque isso se ajustava ao esquema sobre 0 que uma bibliotecéria beberia. Conforme veremos no Capitulo 23, a propria maneira como fincionam os esquemas tornam as altitu- des preconceituosas muito resistentes a mudanga, A FuNCAO DOS ESQUEMAS. POR QUE OS TEMOS? . Se os esquemas nos levam as vezes a perceber erroneamente 0 mundo, por que os temos? Pense, por um momento, o que seria ndo ter esquemas sobre 0 mundo social. O que aconteceria se tudo que encontrassemos ‘fosse inexplicdvel, desnorteante © diferente de qualquer coisa que jamais tivéssemos conhecido? Tragicamente, é isso o que acontece com as pessoas que sofrem de um distirbio neurolégico denominado sindrome de Korsakoy. Elas perdem a capacidade de formar novas mem6- rias e tém que enfrentar cada situagdo como se a deparassem pela primeira vez — mesmo que a tenham vivenciado muitas vezes antes, Esse fato pode ser to inquietante — e mesmo apa- vorante — que algumas pessoas com essa sindrome fazem um grande esforgo para instilar significado em suas experiéncias. O neurologista Oliver Sacks nos dé a seguinte descrigdo de um paciente com o mal de Korsakov, chamado Sr. Thompson: 40 Cognigéo Social: Como Pensamos sobre 0 Mundo Social Passados apenas alguns segundos, ele de nada se lembrava. Vivia Perpetuamente desorientado. Abismos de amnésia abriam-se sob seus pés. Ele, porém, transpunha-os agilmente, recorrendo a fabula- ‘Ges € ficgdes de todos os tipos. Para ele, ndo eram ficgSes, mas a Imaneira como ele subitamente via, ou interpretava, © mundo, O fluxo contfnuo e a incoeréneia do mundo nao podiam ser tolerados, rconhecidos, nem sequer por um instante —e eram substituidos por essa semicoeréncia estranha, delirante, enguanto 0 Sr. Thompson, ‘com suas invengdes incessantes, inconscientes, rapidissimas, impro- visava continuamente um mundo a sua volta... porque wm paciente desse tipo tem que literalmente construir a si mesmo (e o mundo) a ‘cada momento. (Sacks, 1987, pp. 109-110; itéticos no original.) Em suma, ¢ to importante para nés ter continuidade, relacionar novas experiéncias com nossos esquemas passados, que os que perdem essa capacidade inventam outros, inteiramente novos. Os esquemas so de especial importincia quando depara- ‘mos informagGes que podem ser interpretadas de varias manei- ras, uma vez que fornecem um meio de reduzir tal ambiguida- de. Vejam o estudo clissico de Harold Kelley (1950), no qual estudantes de diferentes turmas em uma faculdade de economia foram informados de que uny professor convidado daria aula naquele dia. Kelley disse aos estudantes que o departamento de economia da faculdade estava interessado em saber de que modo diferentes turmas reagitiam a professores diferentes, e que eles receberiam uma curta nota biogrifica sobre o profes- sor, antes de ele chegar. A nota continha informages sobre a dade do professor, seu background e sua experiéncia de ensi- no. E fornecia também duas descrigées sobre sua personalida- de. Uma delas dizia: “Pessoas que o conhecem bem conside- ram-no uma pessoa bastante fria, esforgada, critica, pratica e determinada.” A outra versio era igual em tudo & primeira, exceto que a frase “pessoa bastante fria” era substitufda por “pessoa muito cordial”. Aleatoriamente, os estudantes recebe- ram uma das duas versdes. O professor convidado dirigiu um debate de classe durante 20 minutos, depois do que os estudantes avaliaram as impres- ses que ele thes deixara. Até que ponto ele era divertido? Socidvel? Atencioso? Dado que havia certa ambiglidade na situagdo — afinal de contas, os estudantes haviam estado ape- zhas por pouco tempo com o professor —, Kelley formulou a hipotese de que eles usariam, para preencher as lacunas, 0 esquema proporcionado pela nota biografica, A hipétese teve plena confirmagao: os estudantes que esperavam que o profes- sor fosse um individuo aberto e cordial deram-Ihe uma avalia- %o muito mais alta do que os que tinham sido condicionados a julgé-lo um individuo frio, mesmo que todos tivessem obser- vado 0 mesmo professor comportando-se da mesma maneira. Os que esperavam que ele fosse cordial tenderam também a Ihe fazer mais perguntas e participar do debate em sala, Pense por um minuto se uma situaco como essa jé Ihe aconteceu. O que voc’ soube sobre um professor, antes do primeiro dia de aula, afetou a impressio que vocé teve dele? Vocé descobriu, curiosamente, que ele se comportou exatamente como voce esperava? Na préxima vez, pergunte a um colega de turma, que tinha uma expectativa diferente sobre o professor, 0 que foi que ele pensou. Veja se vocés dois tiveram percepges dife- rentes do professor, com base nos esquemas diferentes que voces estavam usando, Claro, ninguém esti inteiramente cego para o que est acon- tecendo no mundo. As vezes, 0 que vemos € relativamente ine- guivoco e nao precisamos usar esquemas para interpreté-lo. Em uma das classes em que Kelley realizou 0 estudo, por exemplo, aconteceu que 0 professor convidado era visivelmente autocon- fiante, até mesmo arrogante. Uma vez que arrogaincia é um trago de cardter relativamente inequivoco, os estudantes no precisa- vam, para preencher as Iacunas, recorrer &s suas expectativas, Avaliaram o professor como sem nenhuma modéstia, nas condi- ges tanto de temperamento cordial quanto de pessoa fria. Nao obstante, quando avaliava o senso de humor, aspecto menos nit do, basearam-se nos esquemas que haviam recebido. Os estudan- tes na condi io “cordial” julgaram-no mais bem-humorado do {que 0s colegas na condigo “rio”. Quanto mais ambjgua a situa- ‘gio, portanto, mais usamos esquemas para preencher as lacunas. ‘Sei ute raullbs yeres, no verka uma coisa, a menos que ela livesse pensado antes. Norman Maclean A River Rams Through ft E importante notar que nada houve de errado com o que os estudantes de Kelley fizeram, Enquanto temos motivos para acreditar que nossos esquemas sio corretos, é perfeitamente razodvel usé-los para resolver ambigiiidades. Se um individuo de aparéncia suspeita nos aborda em um beco escuro e diz “Passe a carteira”, 0 esquema que temos sobre encontros dessa natureza nos diz que 0 sujeito quer nos roubar o dinheiro, e no admirar as fotos de nossa familia. Esse esquema ajuda-nos a evitar um mal-entendido grave e talvez letal. Se recorrermos a0 esquema errado, poderemos nos meter em uma encrenca feia — pois nao so muitos os assaltantes que vo exclamar oooh! © ahhhh! ao ver as fotos de sua tia Marta e de seu tio Iilio. DETERMINANTES CULTURAIS DOS ESQUEMAS Vocé jd conheceu alguém de outra cultura e ficou espantado com 0 que ele notou e lembrou de seu pais? Tim Wilson conta uma experiéncia do tempo de adolescente. Certo domingo, tim iraniano veio jantar em sua casa. Essa pessoa, 0 st. Khetabdari, visitava 6s Estados Unidos pela primeira vez-e chegara poucos dias antes. Ao chegar & casa, Tim assistia preguicosamente a ‘um jogo de futebol na televisio. Enquanto tirava 0 casaco e era apresentado & familia, o st. Khetabdari olhou de relance para a tevé e reagiu cheio de espanto ao espetéculo de homens com uniformes estranhos chocando-se violentamente e jogando-se uns conta os outros no cho. “Oh, o que é que eles esto fazen- do?", perguntou. “Por que essas pessoas estilo se agredindo?” st. Khetabdari nada sabia sobre futebol e no podia imaginar por que grupos de homens feitos, parruddes, cagavam-se mutuamente, usando roupas € chapéus esquisitos. Ou por que Tim e a familia estavam assistindo aquela cena. O futebol ame- ricano era to estranho aos esquemas do st. Khetabdari que ele ficou literalmente horrorizado com o jogo na televiszo. Eum erro gravissime formular leorias antes de dispormes d edas as prevas. Isso forma lendencioso © julgamento. Sherleck Hclmes (Sir Avthor Conan Doyle, S98. Evidentemente, uma fonte importante de nossos esquemas é cultura em que nos criamos. No Capitulo 5, descobriremos que, nas diferentes culturas, hé diferengas fundamentais. nos esquemias que o individuo usa sobre si mesmo e © mundo social, com algumas conseqiiéncias interessantes. Por ora, € suficiente dizer que os esquemas que a cultura nos ensina exercem uma grande influéncia sobre 0 que notamos e lembramos do mundo. Frederic Bartlett (1932), por exemplo, notou que culturas dife- rentes tém esquemas sobre coisas diferentes, dependendo do 4que para elas € importante, Esses esquemas influenciam o que 0s membros de cada cultura provavelmente lembrario, Para ilustrar a relagdo entre cultura, esquemas e meméria, Bartlett entrevistou um colono escocés e um pastor banto na Suazilandia, pequeno pajs do sudeste da Africa. Ambos haviam comparecido a uma complicada feira de gado um ano antes. O escocés pouco se lembrava dos detalhes dos negécios. Teve que consultar suas anotagdes para lembrar-se de quantas cabecas de gado haviam sido compradas e vendidas, e por quanto. J4 0 tanto, quando perguntado, deu imediatamente, de meméria, todos os detalhes dos negécios, incluindo de quem cada boi e cada vaca haviam sido comprados, a cor de cada animal, € 0 prego de cada um. A meméria dos bantos para gado € to boa que eles nem se do o trabalho de ferré-los. Se um animal se exttavia e se mistura com o rebanho de um vizinho, o dono simplesmente vai até o local e o traz. de volta — sem nenhum ptoblema para identificar o seu entre dezenas de outros, ‘Talvez os bantos tenham simplesmente melhor meméria para tudo, Bartlett (1932), porém, sustenta de modo convincente que ameméria deles no é melhor que a meméria de outras pessoas em outras culturas. Todos nés temos uma meméria soberba, _sugere ele, em dreas importantes para nés, areas para as quais, Por isso mesmo, temos esquemas bem desenvolvidos. O gado & uma parte central da economia e da cultura banto e, portanto, os bantos possuem esquemas muito bem desenvolvidos sobre esse assunto. Para uma pessoa que cresceu em uma cultura diferen- te, uma vaca pode parecer igual a qualquer outra. Essa pessoa, sem a menor diivida, tem esquemas bem desenvolvidos, e uma excelente meméria, para coisas inteiramente estranhas aos ban- tos, tais como negécios na Bolsa de Valores de Nova York, fil- mes estrangeiros e, por falar nisso, futebol americano. Os ESQUEMAS PODEM DISTORCER 0 QUE VEMOS E LEMBRAMOS Como vimos, os esquemas so instrumentos titeis que nos aju- dam a lembrar 0 que consideramos importante. Mas contém também alguns inconvenientes. As vezes, distorcemos as pro- yas de tal modo que elas se tornam compativeis com nossos esquemas, tornando dificil registrar qualquer informacao real- mente incongruente. Al Hastorf e Hadley Cantril (1954) reali- Cognicao Social: Como Pensamos sobre o Mundo Social 41 zaram uma demonstragao classica dessa distorcao. Exibiram para estudantes de Dartmouth e Princeton o filme de uma par- ida de futebol entre as equipes das duas universidades ¢ Ihes pediram que anotassem 0 nimero de faltas cometidas por cada lado. O jogo tinha sido muito violento, provocando protestos em ambos os campi. Cada escola culpava a outra pelas lesdes resultantes. Hastorf e Cantril conjecturaram que uma das razOes dessa divergéncia de opiniao era que os alunos das duas universidades notaram coisas diferentes no mesmo jogo, dada a sua condiga0 de torcedores. A hipétese confirmou-se inteira- mente. Os estudantes de Princeton que assistiram ao filme observaram mais faltas cometidas por Darthmouth do que por Princeton, ao passo que o pessoal de Dartmouth vira exatamen- te o oposto, E importante notar que os estudantes estavam sendo absolutamente sinceros em suas percepgdes — ou seja, cles viram duas realidades diferentes no mesmo filme: Todos nés temos a tendéncia de ver 0 mundo em termos de sim-ou-nao, sendo nosso lado o do herdi e, 0 outro, o vilio. Curiosamente, essa visio preconceituosa pode levar os parti rios de alguma causa a pensar que a maioria das outras pessoas interpreta de modo incorreto a realidade. O que teria aconteci- do, por exemplo, se os estudantes de Princeton e Dartmouth tivessem assistido a um noticiério equilibrado, imparcial, dizen- do que ambos os times haviam tido comportamento violento, antiesportivo? Ambos os lados pensariam que © noticisrio era tendencioso contra sua escola, porque ndo apresentava a visio extremada que eles “sabiam” que era a verdade, Vallone, Ross, e Lepper (1985) demonstraram esse fendmeno da midia hostil, segundo o qual os grupos partidarios rivais consideram as apre- sentagdes imparciais e equilibradas da midia como hostis ao seu lado, porque ela nao os apresentou da maneira unilateral que os partidérios “sabem” ser a verdade. Os pesquisadores exibiram noticidrios de televisio sobre conflitos no Oriente Médio (mos- trando massacres, em 1982, de civis em campos de refugiados no Libano) a estudantes pré-drabes ¢ pré-Israel. Conforme se esperava, cada lado considerou os noticisrios tendenciosos em favor do outro tado (Giner-Sorolla & Chaiken, 1994). Os participantes nos estudos de Hastorf’ e Cantril (1954) e Vallone e colegas (1985) estavam profundamente envolvidos nas _questdes ¢ tinham muito interesse em considerar 0 seu lado como ‘© dos bons mogos. E provavel que estivessem motivados a ver as coisas de uma maneira que lhes confirmasse a sua visio de mundo. Por exemplo, quando os estudantes de Princeton viam um de seus jogadores cometer uma falta grave, era provavel que a interpretas- sem como jogo duro, mas leal, bem de acordo com as regras, devi- do ao interesse em acreditar que sua escola era inocente. Os alunos de Dartmouth provavelmente interpretariam o mesmo ato como uuma conduta brutal, antiesportiva, de machucar um de seus jogado- res, de modo a poder manter a opinido de que seu lado era inocen- te. Freqiientemente, interpretamos o mundo de uma maneira com- pativel com a nossa auto-estima. Precisamos apenas presenciar algumas sessGes da corte de divércios para testemunhar esse tipo de distorgdo, com as duas pessoas contando histérias conflitantes, ambas jurando que suas verses da realidade sio as verdadeiras. Ha, no entanto, condigdes em que interpretamos os fatos como consistentes com nossos esquemas e expectativas, mesmo quando temos pouco interesse pelas questdes. Vejamos aa pesquisa sobre o que se denomina efeito de prioridade, que 42 Cognicao Social: Como Pensamos sobre o Mundo Social corre quando nossa primeira impressfio de outra pessoa influencia nossas impressdes posteriores dela. O efeito de pri- mazia ocorre porque formamos esquemas baseados nas primei- ras impressdes que recebemos, e esses esquemas influenciam a interpretagdo de informagées posteriores. Isto é, freqiientemen- te apegamo-nos &s nossas primeiras impresses, ¢ as posterio- res, que as contradizem, so ignoradas, depreciadas ou reinter- pretadas. Conquanto haja circunstancias em que ocorrem efei- tos de novidade — de acordo com a qual as informagées rece- bidas por tiltimo produzem o maior impacto —, tais efeitos parecem constituir excegdes. Em um experimento simples e excelente, Ned Jones e seus colegas (Jones, Rock, Shaver, Goethals & Ward, 1968) demons- traram a domindncia das primeiras impressdes. Os participantes observaram um estudante do sexo masculino que tentava solu- cionar 30 questdes de miiltipla escolha sobre analogia, que se diziam de igual dificuldade. O estudante sempre resolvia corre- tamente metade dos itens. A tnica diferenga era que, em uma condiclo, comegava muito bem, acertando a maioria dos pri- meiros itens e, em seguida, seu rendimento cafa, errando a maior parte dos Gltimos. Na outra condigZo, invertia-se a seqiiéncia: ele errava a maioria dos primeiros itens e, em seguida, acertava a maioria dos itimos. Apés observar o estudante, os participan- tes eram solicitados a julgar sua inteligéneia e a lembrar quan- tos itens ele havia solucionado corretamente. Conforme se previa, os participantes, como te6ricos consu- mados, distorceram os dados para ajusté-los &s suas primeiras impresses. Os que observaram o estudante comegar bem pen- saram que ele era mais inteligente e se lembraram de que ele solucionara um néimero maior de itens no teste do que os que 0 tinham visto comegando mal. Lembre-se de que, em ambos os casos, 0 estudante solucionou 15 dos 30 itens, todos de igual dificuldade. Mesmo assim, os participantes demonstraram um forte efeito de primazia. O que viam em primeiro lugar domi- nava suas impressdes, levando-os a depreciar (e, na verdade, a interpretar mal) 0 que ocorria depois (ver Fig. 3.1). Por qué? Parece improvavel que os participantes tenham distorcido a realidade para se sentirem bem consigo mesmos. Eles estavam jjulgando outro estudante, um estranho para eles e que provavel- mente nunca mais veriam. Tudo indica que os esquemas, uma 18) 16| vez formados, adquirem vida propria, influenciando a maneira como as novas informagdes sao vistas, pouco importando se a pessoa tem interesse no que vé. Os ESQUEMAS PODEM PERSISTIR, MesMo DEPOIS DE DESACREDITADOS HA outra maneira pela qual os esquemas podem adquirir vida independente. Eles persistem mesmo depois de completamente desmascarada a prova que os sustenta. As vezes, ouvimos algo sobre uma questo ou uma pessoa que, mais tarde, descobrimos ser falso. Um jéri, por exemplo, pode ouvir no tribunal alguma coisa sobre o réu que é falsa, ou julgada prova inadmissivel, ¢ ser instrufdo pelo juiz a desconsiderar tal informagao. O pro- blema € que, devido & maneira como os esquemas funcionam, nossas crengas podem persistir mesmo depois de descoberto que € falsa a prova em que se baseiam. Para elucidar esse ponto, imagine que vocé participou de um estudo conduzido por Lee Ross, Mark Lepper e Michael Hubbard (1975). Vocé recebe uma pilha de cartes que contém notas de sui- cidas, verdadeiras e falsas. Seu trabalho consiste em adivinhar quais so as verdadeiras, supostamente para estudar os efeitos dos processos fisioldgicos durante a tomada de decistio. Ap6s cada pal pite, o experimentador Ihe diz se vocé acertou ou errou. A medida que prossegue o experimento, vocé descobre que € muito compe- tente nesse trabalho. Na verdade, vocé acertou 24 dos 25 cartes, © que € muito superior ao desempenho médio, de 16 acertos. esse ponto, o experimentador the diz. que o estudo acabou explica que, na verdade, ele era sobre os efeitos do sucesso e do fracasso nas reagdes fisiol6gicas. Vocé é informado de que 0 feedback que recebeu era falso, isto é, vocé havia sido designa- do aleatoriamente para uma condigdo na qual o experimentador disse que voc’ acertou 24 dos cartes, pouco importando como -vocé realmente se saiu. O pesquisador, em seguida, Ihe entrega um questiondrio final, que pergunta quantas respostas vocé pensa que realmente acertou e quantas voc acha que acertaria em um segundo teste, igualmente dificil, com novos cartdes. 0 que voeé responderia? Suponha agora que vocé esteve na outra do estudo. Nesta tudo é idéntico, exceto que vocé é Fig. 3.1 A prioridade das primeiras im- pressGes. Os participantes do exper: mento observaram 0 trabalho de um es tudante em 30 questées de teste e, em seguida, procuraram recordar-se de quantas vezes ele respondeu corres mente. Os que o observaram acertar 2 10 8 Respostas do alvo aos primelras tens Corretas — cometeu eros n0s dims itens IML Respostas do alvo aos primelras tens Incorretas — acertou os times itens maioria das primeiras questoes sobrest- maram 0 numero total, a0 passo que os ue 0 observaram errar a maioria das pri meiras questées subestimaram o numero total (em ambos 05 casos, ele acertou 15, de 30 respostas corretas). (Adaptado de Jones et a., 1968.) 24, ‘Cognigdo Social: Como Pensamos sobre o Mundo Social 43 Fig. 3.2 0 efeito da perseveranca. Os ese Numero de itens na tarefa im Feedback de “sucesso” | Foodback de “racasso” pattcipantes foram informados de que 18 haviam Se saido muito bem (feedback de Ne sucesso) ou muito mal (feedback de fra- «@ss0). Foram em seguida informados de 2 que 0 feedback fora ficticio e que nada thera a ver com 0 desempenho concreto 10 de cada um. AS impressoes dos partici a pantes, de que eram competentes ou incompetentes na tarefa, persistiram, mesmo depois de saberem que o feed: back fora inventado. (Adaptado de Ross, Lepper & Hubbard, 1975.) informado de que acertou apenas 10 das 25 respostas, resultado muito pior do que a média, De que maneira vocé responderia a0 questiondrio, se descobrisse que era falso o feedback? Dependendo da condigdo em que estivesse, vocé teria for- mado um esquema no sentido de ser muito competente ou muito medfocre na tarefa. O que acontece quando é desmorali- ada a evidéncia desse esquema? Ross e seus colegas (1975) fizeram um esforco razoavel para ter certeza de que os partici pantes acreditariam que o feedback havia sido aleatoriamente determinado e que nada tinha a ver com o desempenho real Mesmo que acreditassem nisso, os que haviam recebido o feed- back de “sucesso” ainda pensavam que haviam acertado a maioria dos itens e se sairiam melhor no segundo teste do que as pessoas que tinham recebido o feedback de “fracasso”. Além disso, quando perguntados como se sairiam em um novo teste, 0s participantes de sucesso responderam que obteriam resulta- do melhor do que os que haviam fracassado (veja Fig. 3.2). Esse resultado é denominado efeito de perseveranga, por- que'a crenga das pessoas persistiu mesmo depois de a prova or ginal ter sido desacreditada. Quando recebiam o feedback, as Pessoas explicavam a si mesmas o motivo por que estavam se saindo tio bem ou to mal, trazendo & mente comprovagdes do passado consistentes com seu rendimento (como, por exemplo, “Eu sou realmente muito perceptivo. Afinal de contas, na sema- na passada, fui o tinico a compreender que Jennifer estava deprimida” ou “Bem, no sou ké muito bom nesse trogo. Meus amigos sempre me dizem que sou o iitimo a saber”). Mesmo depois de ter sabido que 0 feedback era falso, esses pensamen- tos continuavam frescos na mente das pessoas, levando-as a pensar que etam especialmente competentes ou medfocres na tarefa (Anderson, 1995; Anderson & Sechler, 1986). TORNANDO REALIDADE Nossos ESQUEMAS: A PROFECIA AUTO-REALIZADORA ‘Vimos que, quando as pessoas encontram nova prova, ou a velha prova é desacreditada, elas no costumam revisar tanto Eslimativa do nimero _ Estimativa do numero de lens correlos a tarefa tual ‘de itens corretos fom tarefa futura seus esquemas quanto poderfamos esperar. As pessoas, contu- do, nem sempre so recipientes passivos da informacao. Com freqiiéncia, agem de acordo com esquemas e, ao fazer isso, podem mudar a extensdo em que os esquemas so confirmados ‘ou desmentidos. Na verdade, élas podem, sem querer, fazer com que os esquemas se tornem realidade com a maneira como tratar as pessoas. A isso se denomina profecia auto-realizado- rra, que ocorre quando o individuo tem uma expectativa sobre © que outra pessoa é, 0 que influencia a maneira como age em relacdo a ela, 0 que, por seu lado, faz com que essa pessoa se comporte de modo coerente com as expectativas originais do individuo — fazendo com que elas se transformem em reali de. A Fig. 3.3 mostra esse ciclo triste que se perpetua de uma profecia auto-realizadora. Essas profecias podem trazer algumas conseqiiéncias assus- tadoras. Pense nos seguintes fatos: nas escolas de primeiro grau dos Estados Unidos, as meninas superam os meninos em testes padronizados de leitura, escrita, estudos sociais e matemética. Em meados dos anos escolares, porém, elas comegam a se atra- sar e, na escola de segundo grau, os meninos saem-se melhor na maioria dos testes padronizados (Hedges & Nowell, 1995). No ‘Teste de Aptidiio Escolar [Scholastic Aptitude Test — SAT], uti- lizado como exame vestibular por muitas faculdades, os rapazes superam as mogas em 50 pontos na seco de matematica e em 10 pontos na de linguagem (Sadker & Sadker, 1994). Embora algumas pessoas sustentem que 0 cérebro masculino e o femini- no processam informagdes de maneira diferente (Geary, 1996; Kimura, 1987; Witelson, 1992), é improvavel que as diferencas no rendimento académico possam ser explicadas exclusivamen- te em termos de tais diferengas biolégicas (Bonora & Huteau, 1991; Chipman, 1996; Emanuelson, & Fischbein, 1986; Feingold, 1996; Ghiselin, 1996; Hyde, 1997), Por que, na escola, as mogas tém rendimento inferior 20 dos rapazes? Pense nas seguintes pecas do quebra-cabega: se voc’ perguntar aos professores quais de seus atuais alunos so os academicamente mais talentosos, ou quais foram os melhores nesses anos todos, uma verdade embaragosa surge sorrateira — a maioria dos alunos citados € do sexo masculino, Muitas mes- tras, embora sejam mulheres, acreditam que os meninos sfio 44 Cognigao Social: Como Pensamos sobre 0 Mundo Social Fig. 3.3 A profecia auto-realizadora: Um triste ciclo em quatro atos. mais inteligentes ¢ tém maior probabilidade de sucesso acadé- mico do que as meninas (Jussim & Eccles, 1992). Os pais tém opinides semelhantes sobre os talentos dos filhos, como ocorre também com os adolescentes acerca de seus proprios talentos (Parsons, Kaczala & Meece, 1982; Yee & Eccles, 1988). A profecia é a mais gratuita forma de erro. George Et (Mory Aon Evans Cress), 1871 Sera possfvel que as meninas tenham rendimento académi- co inferior por causa de uma profecia auto-realizadora? Professores e pais tratar’io de modo diferente meninos e meni- nas, isso de uma maneira que faz. com que se concretizem suas expectativas sobre sexo e rendimento académico? Em primeiro lugar, vamos ser claros: ninguém esté sugerindo que os mestres ‘ou pais tratem deliberadamente as meninas de maneira que pre- judiquem seu rendimento. Esquemas so construgdes podero- sas, contudo, e pode acontecer que, sem querer, pais e mestres se comportem de maneira que fagam com que se confirmem suas expectativas sobre as meninas. Vejamos outro exemplo, dado por Myra e David Sadker (1994), que passaram anos observando como os professores tratam os meninos em comparagzo com as meninas. Uma pro- fessora da quinta série, explicando um problema dificil aos alu: nos, pediu a uma das meninas que erguesse o livro de matemé- tica para que todos pudessem ver 0 problema. Ela faz em segui- da uma coisa interessante: dé as costas 4s meninas (sentadas sua direita) e explica o problema aos meninos (sentados a ‘esquerda). Embora ocasionalmente se voltasse para as meninas para ler um exemplo dado no livro, dirigia praticamente toda a sua atengdo para os meninos, de tal modo que as meninas s6 podiam ver a parte posterior de sua cabeca. “A menina que segurava o livro de matemdtica tinha se transformado em uma espécie de acessério de teatro”, notam Sadker e Sadker (1994), “A. professora... havia, sem querer, transformado as meninas em espectadoras, em uma platéia para os meninos” (p. 3). Os ‘Sadkers documentaram muitos casos de professores que davam ‘aos meninos melhor tratamento do que as meninas. Essas pequenas histérias, conquanto interessantes, nao pro- vam de modo algum que profecias auto-realizadoras estejam acontecendo em nossas escolas. E necessério realizar estudos sérios, nos quais as expectativas dos professores sejam contro- ladas experimentalmente. Robert Rosenthal e Lenore Jacobson (1968) fizeram exatamente isso em uma escola de primeiro rau, no que se tornou um dos estudos mais famosos da psico- logia social. Aplicaram um teste de QI a todos os alunos e dis- seram As professoras que alguns deles haviam obtido pontuagao to alta que certamente iriam “desabrochar” academicamente no ano seguinte. Na verdade, essa afirmaciio nao era necessa- Cognigao Social: Como Pensamos sobre 0 Mundo Social 45 sco % ® is 2 0 3 50 2 0 Eo Fig. 34 A profecia auto-realizadora: per- é 20 trun de snes de primo Segu ; do graus que melhoraram em teste de 0: QI durante o ano escolar. Aqueles alu- a 10s cujas professoras esperavam que se 1 “Promissores" Outros estudantes Ganho de Ganho de Gano de saissem bem de fato progrediram mais que 10 pontos 20 pontos 30 pontos, (0s outros alunos. (Adaptado de Rosenthal noah no Ql ‘90 Ol e Jacobson, 1968,) riamente verdadeira. Os alunos identificados como “promisso- res” foram escolhidos aleatoriamente pelos pesquisadores. Con- forme vimos no Cap. 2, 0 emprego de designacao aleatéria sig- nifica que, em média, os alunos clasificados como “promisso- res” no eram mais inteligentes nem tinham maior probabilida- de de desabrochar do que qualquer outra crianga. A tinica maneira em que diferiam dos colegas estava na mente das pro- fessoras (nem os alunos nem os pais foram informados dos. resultados dos testes). Ap6s despertar nas professoras a expectativa de que algumas criangas se sairiam muito bem, Rosenthal e Jacobson esperaram para ver o que aconteceria. Periodiicamente, observaram a dinémi- ca da sala de aula e, ao fim do ano, submeteram novamente a teste todos os alunos, usando dessa vez um teste de QI auténtico, Teria 4 profecia se transformado em realidade? Claro que sim. Os alu- nos de cada classe que haviam sido clasificados como “promis- sores” obtiveram uma pontuacio significativamente mais alta nos testes do que os demais (veja Fig. 3.4). As expectativas das pro- fessoras haviam se transformado em realidade. As descobertas de Rosenthal e Jacobson foram desde entdo reproduzidas em um ‘bom ntimero de estudos experimentais e de correlagao (Babad, 1993; Blanck, 1993; Bratesani, Weinstein & Marshall, 1984; Jussim, 1989, 1991; Madon, Jussim & Eccles, 1997). E importante notar que as professoras nao decidiram insensi- velmente e de caso pensado concentrar tempo e recursos limita- dos nos alunos promissores. Elas eram pessoas incrivelmente dedicadas e teriam se horrorizado se soubessem que tratavam alguns alunos de maneira mais privilegiada do que outros. Curiosamente, as professoras do estudo de Rosenthal e Jacobson informaram que dedicavam um pouco menos de tempo aos alu- nos clasificados como promissores. Em estudos subseqiientes, porém, descobriu-se que os professores tratam os alunos promis- sores (os que eles esperam que tenham maior aproveitamento) de quatro maneiras diferentes: a) criam para eles um clima emocio- nal mais favordvel, dando-lhes mais aten¢ao, estimulo e apoio; b) passam-lhes mais matéria, e matéria mais diffcil, para aprender; ©) proporcionam-Ihes mais e melhor feedback no tocante aos estudos; e d) abrem-thes mais oportunidades de responder em classe e Ihes concedem mais tempo para as respostas (Brophy, 1983; Jussim, 1986; Rosenthal, 1994; Snyder, 1984). Muitos outros estudos confirmaram a idéia de que profecias auto-realizadoras nao constituem resultado de uma tentativa deli- berada do individuo para confirmar seus esquemas; mas, sim, elas se formam de modo espontaneo e inconsciente. Mesmo nos casos em que as pessoas tentam tratar outras com imparcialida- de, sem preconceito, as expectativas podem insinuar-se e mudar- Ihes 0 comportamento, 0 que, por seu lado, muda © comporta- mento dagueles com quem interagem (Darley & Gross, 1983). Na verdade, quando as pessoas so popositalmente distrafdas e nao podem concentrar-se no que as outras so como individuos, mais provavel ainda € que se comportem de acordo com suas ‘expectativas. Monica Harris e Rebecca Perkins (1995) descobri- ram maior incidéncia de profecias auto-realizadoras quando as pessoas eram distraidas, por ter de lembrar-se de um niimero de oito digitos, do que quando isso nao acontecia, Presumivelmente, 6 patticipantes que eram distraidos achavam ainda mais dificil tratar as pessoas como individuos e era mais facil que confiassem em suas expectativas sobre como elas seriam. Lembra-se da professora que ensinava mais matematica aos meninos do que ais meninas? E interessante notar que esse com- portamento foi gravado em video, com conhecimento e coope- ragio dela mesma, para um segmento do programa Dateline, da NBC Television, sobre sexismo nas escolas. Caberia supot, portanto, que ela estivesse se esforgando muito para nao tratar as meninas de modo diferente. Nao obstante, ela fez isso, 0 que sugere como € dificil reconhecer que estamos agindo de acor- do com nossas expectativas. As profecias auto-realizadoras, porém, nio se limitam a ma- neira como as professoras tratam os alunos. Todos nés usamos toda sorte de esquemas sobre 0 que outras pessoas so e, sempre que agimos de acordo com eles de uma maneira que os concre- tize, o resultado é uma profecia auto-realizadora (Darley & Fazio, 1980). As profecias auto-realizadoras foram identificadas em muitas populagdes diferentes, com expectativas diferentes, in- cluindo esquemas de alunos de faculdade sobre uma potencial companhia feminina com quem saiu, esquemas de mes sobre ¢ ' 46 Cognicao Social: Como Pensamos sobre © Mundo Social ‘como serdo os bebés prematuros, expectativas de chefes de seco sobre o rendimento de operérios de linhas de montagem, de juf- zes sobre a culpa de um réu, ¢ de médicos sobre a satide dos pacientes (Blanck, 1993; Eden & Zuk, 1995; Friedman, 1993; King, 1971; Snyder & Swann, 1978; Stern & Hildebrandt, 1986). Uma implicacéo desalentadora da pesquisa sobre as pro- fecias auto-realizadoras € que nossos esquemas talvez sejam resistentes & mudanga porque vemos um bom volume de falsa comprovagao que os confirma. Suponhamos que um professor use 0 esquema de que os meninos tém uma capaci- dade inata que os torna superiores as meninas em mateméti- ca, “Mas, senhor Jones”, poderfamos dizer, “como € que 0 senhor pode acreditar numa coisa dessas? Ha muitas meninas que se saem muito bem em matemdtica.” O sr. Jones prova- velmente nao se deixaria convencer, uma vez que dispoe de dados que confirmam seu esquema, “Em minhas classes, em todos esses anos”, ele poderia responder, “quase o triplo de meninos se distinguiu mais em matemitica do que as meni- nas.” O erro que ele comete nao esté em sua descrigaio da Prova, mas na sua incapacidade de compreender 0 papel que ele mesmo desempenha em produzi-la. Robert Merton chi mou esse processo de “reinado do erro”, no qual as pessoas “podem citar 0 eurso atual dos fatos como prova de que esta vam certas desde 0 inicio"(1948, p. 195). Veja a segao Tente Fazer! adiante para descobrir uma maneira de superar suas proprias profecias auto-realizadoras. Resumindo, vimos que o volume de informagdes com que lidamos todos os dias € to vasto que temos que reduzi-lo a um tamanho controlavel. Além disso, grandé parte dessa informagio é ambigua ou dificil de decifrar. Uma maneira de enfrentar 0 problema é confiar em esquemas, que nos ajudam a reduzir 0 volume das informagdes que precisamos absorver € das informages ambfguas que temos que interpretar. Passaremos agora a outros atalhos mentais, mais especificos, usados por todos nés. Evitando Profecias Auto-Realizadoras ESTRATEGIAS E ATALHOS MENTAIS Como foi que vocé se decidiu para qual faculdade fazer o ves: tibular? Uma estratégia seria estudar minuciosamente cada uma das milhares de faculdades e universidades no pais. Vocé pode- ria ter lido, de capa a capa, todos os catélogos, visitado todos 08 campi ¢ entrevistado tantos professores, reitores ¢ estudan- tes quantos pudesse encontrar. Jé esté comegando a ficar cansi- do? Tal estratégia, claro, seria proibitiva em matéria de tempo ¢ esforco. Em vez de examinar cada faculdade e universidade, ‘a maioria dos estudantes de segundo grau reduz a escolha a um Pequeno ntimero de opgdes e descobre o que pode sobre elas. Esse exemplo assemelha-se a muitas decisdes que tomamos ¢ juizos que formamos na vida diéria. Quando esta decidindo que emprego aceitar, que carro comprar ou com quem casar, ninguém faz, de modo geral, uma busca exaustiva de todas as opgdes. (“Tudo bem, chegou a hora de casar. Acho que vou con- sultar a lista de solteiros do Censo em minha cidade e comegar amanhii as entrevistas.") Em vez disso, usamos estratégias e ata- Ihos mentais que tornam mais féceis as decisdes, permitindo- nos continuar com a nossa vidinha, sem transformar todas elas em um grande projeto de pesquisa. Tais atalhos, é verdade, nem sempre levam as melhores decisdes. Se vocé analisou exaustiva- mente todas as faculdades do pais, por exemplo, talvez tenha identificado uma que vocé acha melhor do que essa em que esti agora. Atalhos mentais sio eficientes, contudo, e em geral redundam em boas decisdes, apés um espago razodvel de tempo (Gigerenzer & Goldstein, 1996; Nisbett & Ross, 1980). Mas quais so os atalhos que tomamos? Um deles, confor me vimos, consiste emi utilizar esquemas para entender as novas situagdes. Em vez de comegar do nada quando examina- _ MOS nossas opgdes, freqientemente usamos conhecimentos ¢ Examine seus esquemas e expectativas relativos a grupos sociais, especialmente grupos pelos quais vocé nao morte de amores. Podem ser constituidos de membros de uma dada raca ou grupo étnico, de uma associacdo rival de estudantes, de um partido politico ou de individuos com uma dada orientacao sexual. Por que vocé nao gosta dos membros desse grupo? "Bem", vocé poderia pensar, "uma das razdes é que, todas as vezes em que tenho contato com afro-americanos (vocé pode substitul-los por brancos, judeus, gentios, gays, heterossexuais, Sigma Chis, democratas, Fepublicanos ou qualquer outro grupo social), eles me parecem frios @ hosts.” E vocé pode ter razéo. Eles talvez reajam 2 vocé de um modo realmente frio e hostil. Nao, contudo, porque sejam assim por natureza, mas porque estao reagindo 2 maneira como vocé os trata, Tente 0 seguinte exercicio para combater a profecia auto-realizadora: descubra alguém que seja membro de um grupo de que vocé nao gosta e inicie uma conversa. Por exemplo, sente-se junto dessa pessoa em uma de suas aulas ou va com ela a uma festa. Tente imaginar que esse individuo é a pessoa mais cordial, mais bondosa, mais doce que voce jamais. ‘conheceu. Seja tao afetuoso e encantador quanto puder. Mas ndo exagere. Se, nunca tendo falado com essa pessoa, ‘vocé comeca a agir subitamente como o Sr. ou Sra, Simpatia, talvez desperte suspeitas. O macete é agir como se vocé esperasse que ela fosse extremamente agradavel e cordial. ‘Observe as reaces dessa pessoa. Ficou surpreso com a maneira cordial como ela reagiu? Pessoas que vocé pensou ‘que eram por natureza frias e hostis provavelmente se comportaréo de modo cordial e caloroso em resposta a maneita ‘como vocé as tratar. Se isso nao funcionar no primeiro encontro, tente novamente em mais uma ou duas ocasides. Com toda @ probabilidade, vocé vai descobrir que afabilidade gera afabilidade (veja Cap. 10). cenareemnaseneae esquemas prévios. Temos muitos deles, mais ou menos sobre tudo, desde faculdades ¢ universidades (por exemplo, faculda- des grZ-finas e grandes universidades do Meio-Oeste america- to) até pessoas (por exemplo, as conviegdes dos professores sobre a capacidade dos meninos em comparagao com as meni- nas). Quando formamos opinides e tomamos decisdes especifi- as, contudo, nem sempre temos um esquema pronto e acaba o para aplicar. Em outras ocasides, hd esquemas demais ¢ nio sabemos bem qual deles usar. O que fazer, nesses casos? Em situagSes como essas, usamos muitas vezes atalhos “meentais conhecidos como heuristica do juizo. A palavra heu- _ristica vem do grego e significa “descobrir”. No campo da cog- nigdo social, a heuristica refere-se aos atalhos mentais que usa- ‘mos para formar jufzo répida e eficientemente, Mas, antes de discuti-la, importa notar que ela nao garante que faremos infe- réncias precisas sobre o mundo. As vezes, ela nao se aplica 4 tarefa em questi ou € aplicada mal, levando a juizos defeituo- sos, Na verdade, um bom volume de pesquisa em cognicao social focaliza exatamente esses eros de raciocinio. Neste capitulo, vamos estudar muitos deles, como 0 caso dos profes- sores que, equivocadamente, acreditavam que os meninos sio mais inteligentes que meninas. Enquanto discutimos estratégias mentais que, vez por outra, nos induzem a erro, contudo, € importante nao esquecer que usamos a heurfstica por uma razio muito boa: na maior parte do tempo, ela é altamente funcional serve-nios muito bem. 7 COM QUE FACILIDADE ELA NOS OCORRE? A HEURISTICA DA DISPONIBILIDADE Vamos supor qué estamos certa noite em um restaurante com vérios amigos e descobrimos que 0 gargom cometeu um enga- 10 no atendimento de um dos pedidos. Seu amigo Alphonse pediu Veggie Burger, com anéis de cebola, mas recébeu Veggie Burger, com batatas fritas. “Oh, e daf?”, diz ele, “eu vou sim- plesmente comer as fritas.” Essas palavras provocam uma dis cusslo, se ele deveria du nao recusar o prato, ¢ alguns dos pre- sentes acusam Alphonse de nao ser assertivo. Ele se volta para ‘ocd e pergunta: “Voc acha que eu niio sou assertive?” De que modo vocé responderia a essa pergunta? Como vimos, uma das maneiras seria recorrer a um esque- ma pronto ¢ acabado, que Ihe daria a resposta. Se vocé. conhe- ce bem Alphonse e ja formou uma opiniaio sobre até que ponto ele é assertivo, poder responder facil e rapidamente: “Nao se preocupe com isso, Alphonse. Se eu tivesse que tratar com um vendedor de carros usados, voeé seria a primeira pessoa que eu procuraria.” Mas vamos supor que vocé nunca pensou realmen- te em até que ponto ele ¢ assertivo e tem que pensar em uma resposta, Nessas situages, muitas vezes, confiamos na facili- dade com que os exemplos nos acorrem a mente. Se for facil pensar em ocasides em que Alphonse agiu assertivamente (por exemplo, “aquela ocasiio em que ele protestou quando alguém quis passar & sua frente na fila do cinema”), vocé concluiré que ele é um cara bastante assertivo. Se for mais facil pensar em ocasides em que ele agiu de forma acomodada (por exemplo, Cognicao Social: Como Pensamos sobre 0 Mundo Social 47 “naquela vez, ele deixou que um vendedor de acess6rios para telefone the empurrasse um Veg-O-Matic por 29,99 délares”), voce concluird que ele € muito pouco assertivo, Essa regra empftica € denominada heuristica da disponibi- lidade, que significa basear um jufzo na facilidade com que vocé pode trazer alguma coisa & mente (Manis, Shedler, Jonides & Nelson, 1993; Rothman & Hardin, 1997; Schwarz. et al. 1991; Tversky & Kahneman, 1973; Wiinke, Schwarz. & Bless, 1995). Em muitas situagdes, a heuristica da disponibili- dade € itil. Se vot pode trazer facilmente & mente varias oca- sides em que Alphonse defendeu seus direitos, ele é, com toda a probabilidade, uma pessoa assertiva. Se, com igual facilida- de, vocé pode lembrar-se de varias ocasides em que ele se mos- trou timido ou submisso, ele provavelmente nao é. O problema com a heurfstica da disponibilidade € que, as vezes, 0 que nos € mais fécil de evocar no € tfpico do quadro geral, 0 que leva a conclusdes incorretas. Vejamos 0 caso do diagndstico médico. Pode parecer que é um assunto relativamente simples um médico observar os sinto- mas de um paciente e descobrir de que doenga ele sofre, se for 0,caso. As vezes, contudo, os sintomas sio muito ambiguos e podem ser indicativos de muitos e diferentes distirbios. Usarao ‘os médicos a heuristica da disponibilidade, segundo a qual é mais provavel que eles pensem em diagnésticos que Ihes ocor- rem com maior facilidade? Varios estudos desse assunto suge- rem que a tesposta é sim (Eraker & Politser, 1988; Fox, 1980; Schiffman, Cohen, Nowik & Selinger, 1978; Travis, Phillippi & Tonn, 1989; Weber, Bockenholt, Hilton & Wallace, 1993). Vejamos 0 diagnéstico a que chegou o dr. Robert Marion sobre’ Nicole, uma paciente inteligente, boazinha, de nove anos de idade, que foi levada certo dia ao seu consult6rio. Nicole era normal em todos os sentidos, exceto que, uma ou duas vezes por ano, sofria estranhos ataques de fundo neurolégico, caractetiza- dos por desorientacao, ins6nia, fala arrastada e emissao de sons estranhos, que pareciam miados. Nicole j havia sido internada trés vezes, fora examinada por mais de uma dezena de especia- listas e se submetera a todos os tipos de exame, incluindo cinti- lografia, testes de emissiio de ondas cerebrais e praticamente todos os exames de sangue possfveis. Perplexos, os médicos nao atinavam com a doenga de Nicole. Minutos depois de examind- la, o dr. Marion diagrtosticou corretamente 0 caso como um dis- ttirbio raro, hereditério, denontinado porfiria intermitente aguda (PIA). A quimica sanguinea das pessoas acometidas pela doen- a desregula-se, ocasionando uma grande variedade de sintomas neurolégicos. A doenga pode ser controlada se 0 doente seguir uma dieta cuidadosa e evitar certos medicamentos. Por que 0 dr. Marion diagnosticou 0 caso de Nicole com tanta rapidez, quando tantos outros médicos nada conseguiram fazer? O dr-Marion acabara de escrever um livro sobre doengas genéticas de figuras hist6ricas, incluindo um capitulo sobre rei George III, da Inglaterra, que, vocé deve ter adivinhado, sofria de porfiria, “Nao fiz 0 diagnéstico porque sou um diagnostica- dor brilhante ou porque sou um ouvinte sensivel”, disse 0 dr. Marion. “Tive sucesso onde os outros haviam fracassado porque aconteceu que Nicole e eu nos encontramos exatamente no lugar certo, exatamente na hora certa” (Marion, 1995, p. 40).. Em outras palavras, 0 dr. Marion usou a heurfstica da dispo- nibilidade. Aconteceu que a porfiyia estava disponivel na 48° Cognicdo Social: Como Pensamos sobre 0 Mundo Social ‘meméria do dr. Marion, tomando facil 0 diagnéstico. Embora este tenha sido um final feliz de uso da heurfstica da disponibi- lidade, é fécil compreender como poderia ter dado errado. Ou, ‘como diz o dr. Marion: “Os médicos sao iguais a todas as pes- soas. Vamos ao cinema, assistimos a programas de tevé, lemos jomais e romances. Se por acaso atendemos um paciente cujos sintomas de uma doenga rara foram mostrados no Filme da Semana, exibido na noite anterior, temos maior probabilidade de pensar nessa condigao quando fazemos 0 diagnésti- co"(Marion, 1995, p. 40). Tudo bem e sem problema se a sua doenga, por acaso, tiver sido o tema do filme da noite passada ‘Mas nio to bem se acontece que a sua doenga no esté dispo- nivel na meméria do médico, como aconteceu com os doze que haviam antes examinado Nicole. ‘Mas, serd que usamos a heuristica da disponibilidade para fazer jufzos sobre nés mesmos? Parece que temos idéias bem desenvolvidas sobre nossas potencialidades, como, por exem- plo, se somos assertivos ou no. Muitas vezes, porém, no temos esquemas firmes sobre os nossos tragos de personalida- de (Markus, 1977) e podemos formar jufzos com base na f lidade com que conseguimos trazer 4 mente exemplos do nosso comportamento em outras ocasides. Para verificar se era isso 0 que acontecia, Norbett Schwarz e seus colegas (1991) monta- ram um habil experimento, no qual alteraram a facilidade com que as pessoas traziam & mente exemplos de comportamento pasado. Em uma condigao, pediram as pessoas que pensassem em seis vezes em que haviam agido assertivamente, Quase todas acharam isso bastante facil; os exemplos vieram facil- mente & Jembranga. Em outra condigdo, disseram-Ihes para pensar em'12 ocasides em que haviam se comportado assert vamente. Essa condigo era muito mais dificil; as pessoas tinham que fazer um esforgo muito grande para pensar em tan tos exemplog assim. Todos os participantes foram solicitados a estimar até que ponto pensavam que eram realmente assertivos, ‘A questad era: as pessoas usam de fato a heuristica da dis- ponibilidade (a facilidade com que podem trazet exemplos mente) para inferir até que ponto so assertivas? Conforme se Vé no lado esquerdo da Fig. 3.5, elas fazem isso mesmo. As que haviam sido solicitadas a pensar em seis exemplos classifica- ram a si mesmas como relativamente assertivas, porque era 10 z Sos & £ 60 : 3s é ao ! ce ‘os seston soeseros facil pensar nese nuimero de exemplos (“Ei, essa € fécil Acho que sou um cara muito assertivo”). As que tinham que citar 12 exemplos deram a si mesmas a classificagao de relati- vamiente ndo-assertivas, porque para elas era dificil lembrar-s de tantos exemplos. Outras foram solicitadas a pensar em seis ou 12 vezes em que haviam agido ndo-assertivamente, com resultados semelhantes: as que haviam sido solicitadas a pensar em seis exemplos classificaram a si mesmas como relativamen- te ndo-assertivas (veja o lado direito da Fig. 3.5). Em suma, usamos a heurfstica da disponibilidade — a facilidade com que podemos trazer exeriplos & mente — quando fazemos juizos sobre nds mesmos e outras pessoas. DESFAZER MENTALMENTE O PASSADO. O RACIOCINIO ANTIFACTUAL AA facilidade com que podemos recordar exemplos do nosso com- portamento anterior, portanto, influencia o que achamos que somos como pessoas. Descobriu-se também que a facilidade com que podemos recriar © passado é importante quando julgamos & ‘nds mesmos e outras pessoas. Freqiientemente, praticamos pense ‘mento antifactual, ou seja, mudamos algum aspecto do passada ‘como maneira de imaginar o que poderia ter acontecido (Gilovich & Medvec, 1995; Johnson, 1986; Kahneman & Miller, 1986; Markman, Gavanski, Sherman & McMullen, 1995; Kahneman & ‘Tversky, 1982; Roese, 1997; Roese & Olson, 1997; Sherman & ‘MeConnell, 1995). “Se eu nao tivesse cafdo no sono naquela noite, antes do exame”, vocé poderia pensar, “teria conseguido uma note melhor.” A facilidade com que conseguimos mentalmente desfazer ‘© passaclo — isto é, como € fcil pensar em resultados alternatives — pode produzir um grande impacto sobre a maneira como a explicamos e como nos sentimos a respeito dele, meu nome é Poderia Ter Side. mado de Nunca Mais, Tarde Der Danke Gabrielle Resell Fig. 3.5 Disponibilidade e até que por- to pensamos que somos assertivos. Pessoas solictadas a lembrarse de ses cocasiGes em que se comportaram de ‘maneira assertiva acharam facil fazer isso ® + conclulram que eram bastante assertivs Individuos instruidos a pensar em 12 vezes em que se comportaram dessa maneia acharam dificil leibrar-se de tantos exen- plos e, portanto, concluiram que ndo eran muito assertivos (veja o lado esquerdo do grafico), Resultados semelhantes. foram observados entre pessoas solictadas 3 pensar em seis ou 12 acasides em que néa foram assertivas (veja 0 lado dlireito do gré- fico}. Os resultados mostram que, muitas vvezes, as pessoas baselam seus julzos na disponibilidade de informacdes ou na fac lidade com que podem evocé-las. (Adap- tado de Schwarz et al., 1991.) Il Seis exerpios BE Doze exernplos Vamos supor, por exemplo, que descobrimos que uma certa ‘executiva tomava sempre 0 mesmo avido para Chicago nas manhas de segunda-feira. Certo dia, tragicamente 0 avido caiu eamulher morreu. Dado que tomar aquele avido era uma parte regular da rotina que ela seguia, é dificil imaginar como ela poderia ter evitado esse destino. Suponhamos, contudo, que descobrimos que, em certa segunda-feira, ela perdeu o aviao por 60 segundos e por isso pegou 0 vo seguinte para Chicago. Tragicamente, o avido caiu e ela morreu no acidente, Neste exemplo, € facil desfazer mentalmente 0 resultado: “Se ela no tivesse recebido aquele telefonema imediatamente antes de sai de casa; se ela nao tivesse ficado presa no transito a caminho do setoporto; se, se, se...” Mesmo que o resultado tenha sido 0 mesmo em ambos os casos — ela morreu em um desastre de ‘vido, sem-nenhuma culpa sua —, 0 segundo caso, no qual ela perdeu por pouco seu vo habitual, parece ter sido mais trigi co, porque mais facil de “desfazer” através do pensamento anti- factual (Miller, Turnbull & McFarland, 1990). ‘Como se pode ver, os pensamentos antifactuais disponiveis na meméria tém uma forte influéncia nas nossas reagdes emo- cionais nos incidentes. Quanto mais fécil “desfazer” mental- ‘mente um resultado, mais forte a reagdo emocional a cle (Lindman, 1993; Niedenthal, Tangney & Gavanski, 1994) Christopher Davis, Darrin Lefiman, Camille Wortman, Roxane Silver e Suzanne Thompson (1995), por exemplo, entrevista- ram pessoas que haviam sofrido a perda de um cénjuge ou filho. Conforme se esperava, quanto mais a pessoa imaginava maneiras como a tragédia poderia ter sido evitada, “desfazen- do” mentalmente as circunstancias que a precederam, mais desalento comunicavam (Branscombe, Owen, Garstka & Coleman, 1996; Davis & Lehman, 1995). O raciocinio antifactual pode produzir alguns efeitos parado- xais em nossas emogdes. Quem, por exemplo, vocé pensa que seria mais feliz: O atleta olimpico que ganhou uma medalha de prata (chegou em segundo lugar) ou o que tirou a medalha de bronze (terceiro lugar)? Embora possa parecer que 0 que teve inelhor desempenho (0 que foi premiado com a medalha de pata) se sentiria mais feliz, nao foi isso que previram Victoria Medvee, Scott Madey e Tom Gilovich (1995). Eles raciocina- ram que o ganhador da medalha de prata devia sentir-se pior, porque poderia, com maior facilidade, imaginar ter vencido a provae por isso usaria mais pensamento antifactual. Para verifi- car se tinham razao, eles analisaram as fitas de video dos Jogos Olimpicos de 1992. Tanto imediatamente apés a prova como quando recebiam as medalhas, os que ganhavam a prata pare- ciam menos felizes do que os ganhadores do bronze. Durante entrevistas a repérteres, os ganhadores da prata entregavam-se a mais raciocinio antifactual, dizendo coisas como: “Eu quase consegui... Foi uma pena...” A moral nesse caso parece ser a seguinte: se vocé nao vai ganhar, € melhor perder por muito. Quando & maior a probabilidade de que pessoas pratiquem 0 pensamento antifactual? O exemplo que acabamos de dar suge- re a resposta: quando alguma coisa ruim nos acontece, ¢ acon- tece por um triz (Roese, 1997; Roese & Olson, 1997; Sanna & Turley, 1996). Quando nos acontece algo de bom, raramente ficamos a ruminar como as coisas poderiam ter sido diferentes, Se alguma coisa de ruim nos acontece, mas perdemos por muito, no desperdigamos muito tempo “desfazendo mental- CCognigio Social: Como Pensamos sobre o Mundo Social 49 mente” o resultado. E quando 0 acontecimento foi negativo € perdemos por pouco, tal como terminar em segundo lugar nas Olimpfadas numa final decidida por foto, temos maior probabi- lidade de nos entregar ao pensamento antifactual e sofrer muito com 0 resultado. ATE QUE PONTO A SE PARECE COM B? A HEURISTICA DA REPRESENTATIVIDADE Usamos ainda outro atalho mental quando tentamos categorizar alguma coisa: isto é, julgar até que ponto ela se assemelha & nossa idéia do caso tipico. Vamos supor, por exemplo, que voce estude em uma universidade estadual em Nova York. Certo dia, no diretério estudantil, voc® conhece um estudante chamado Brian, De cabelos louros e rosto bronzeado, Brian parece ser um. cara bacana e gostar de praia. Em que estado vocé pensa que ele nasceu? Uma vez. que Brian lembra muito 0 estereétipo que mui- tos de nés formamos da aparéncia do californiano, vocé pode arriscar 0 palpite de que ele é da Califémia ou pelo menos acei tar seriamente essa possibilidade. Nesse caso, voce estaria usan- do a heuristica da representatividade, ou 0 atalho mental com ‘que classificamos alguma coisa de acordo com o grau de seme- Thanga dessa coisa com um caso tipico, ou seja, até que ponto Brian é semelhante & nossa concepgao do californiano (Dawes, 1998; Garb, 1996; Kahneman & Tversky, 1973; Hamm, 1996; Lupfer & Layman, 1996; Moore, Smith & Gonzales, 1997; ‘Thomsen & Borgida, 1996; Tversky & Kahnemann, 1974). Categorizar as coisas de acordo com a representatividade é, com freqiiéncia, algo muito razodvel. Se ndo usdssemos a heu- ristica da representatividade, de que modo chegarfamos & con- clusio sobre 0 local de origem de Brian? Deveriamos simples- mente escolher ao acaso um estado, sem fazer a menor tentati- va de julgar sua semelhanca com © nosso conceito do que sio os estudantes do estado de Nova York, em comparago com que sdo estudantes de outros estados? Na verdade, ha outra fonte de informagdes que poderfamos usar. Se nada soubésse- mos sobre Brian, seria inteligente dar 0 palpite de que ele era natural do estado de Nova York, porque, nas universidades esta- duais, 0 ntimero de alunos nascidos no estado é maior do que © de naturais de outros estados. Se déssemos como palpite 0 Estado de Nova York, estarfamos usando 0 que se denomina informagio da distribuicdo, ou informagdo sobre a freqiiéncia relativa de membros de diferentes categorias na populagio (isto 6, 0 percentual de estudantes nas universidades do estado de Nova York que nascéram em Nova York) O que fazemos, porém, quando temos nao sé a informagio da distribuigao (isto é, sabemos que hé mais nova-iorquinos do que californianos na universidade) mas também a informagao con- traditéria sobre a pessoa em questo (ou seja, sabemos que Brian € louro ¢ bronzeado € que gosta de curtir uma praia)? Kahneman e Tversky (1973) descobriram que nao usamos sufi- cientemente a informagio da distribuigao, dando mais atengio & maneira como a informagiio sobre a pessoa especifica é repre- sentativa da categoria geral (por exemplo, californianos). Embora esta nao seja uma mé estratégia se a informagio sobre a pessoa for muito confidvel, ela pode nos criar problemas se for inconsistente. Dado que a informagao da distribuigao de califor- j 50 —Cognicdo Social: Como Pensamos sobre o Mundo Social nnianos que estudam em universidades estaduais em Nova York & baixa, precisarfamos ter prova muito boa de que esse individuo 6um californiano, antes de ignorar a informagio da distribuigaio dar o palpite de que ele € uma das poucas excegdes. E dado gue nao é raro encontrar naturais dos estados do Leste dos EUA gue tém cabelos louros, sdio joviais e gostam de praia, nao seria prudente, nesse caso, ignorar a informagio da distribui¢ao. Nao queremos com isso sugerir que as pessoas deixam intei- ramente de lado a informagao da distribuigao (Koehler, 1993, 1996). Os treinadores de beisebol consideram a probabilidade total de os batedores canhotos receberem uma bola descentra- da de langadores também canhotos, quando escolhem o jogador que vio usar em determinada ocasifio, a0 passo que os que gos- tam de pissaros levam em conta a predominancia de diferentes espécies de aves em sua regitio quando identificam espécimes individuais (“aquele provavelmente nao era um tordo de papo amarelo porque eles nunca so vistos nesta regitio”). © impor- tante é que as pessoas, muitas vezes, concentram-se demais em caracteristicas isoladas daquilo que observam (“Mas ele nao pareceu ter pescoco de cor parda. Talvez.seja um tordo de papo amarelo”) € muito pouco na informagao da distribuigao. ‘0 nosso excesso de confianca na heurfstica da representativi- dade pode causar problemas. Em toda a histéria, por exemplo, pessoas tém suposto que a cura de uma doenga tem que ser seme~ Ihante (representativa) aos sintomas dessas doengas, mesmo que isso nao acontega. Houve tempo em que comer pulmides de rapo- sa era considerado cura da asma, porque as raposas tm um forte sistema respiratério (Mill, 1974). Tal confianga na representativi- dade pode até impedir a descoberta da causa real de uma doen- ga. No inicio do século XX, o editorial de um jornal de Washington criticava o uso tolo de verbas federais em idéias ridi- clas, extravagantes, sobre as causas da febre amarela, tal como a idéia absurda de um certo Walter Reed, de que a doenga era causada por, vejam s6, um mosquito (Nisbett & Ross, 1980). ACEITACAO DAS COISAS PELO Seu VALOR APARENTE: A HEURISTICA DA ANCORAGEM E DO AJUSTAMENTO Vamos supor que vocé esteja tentando deixar de fumar e se encontra em companhia de um grupo de amigos que também fumam. “Que probabilidade eu tenho, de qualquer maneira, de desenvolver um cancer?”, vocé pergunta, puxando um cigarro. “Aposto que nao so tantas as pessoas assim que acabam tendo icer de pulmao. Na verdade, entre todos os estudantes da nossa universidade, eu me pergunto: quantos teri cincer em algum momento da vida?” Um de seus amigos arrisca um miimero, “Nao sei”, diz ele, “Uns 4.500, talvez.” A resposta do amigo influenciaré sua resposta & pergunta? Influenciard, se vocé usar a heurfstiea da ancoragem e do ajustamento (Tversky & Kahneman, 1974), um atalho mental pelo qual usamos um niimeto, ou Valor, como ponto de partida e, em seguida, ajustamos nossa resposta para longe dessa Ancora. Vocé poderia, por exemplo, comecar dizendo: “Humm, 4.500... esse ntimero parece alto. Eu diria que deve ser um pouco menos que isso.” um ‘Tal como todos os outros atalhos mentais que estudamos, a heuristica da ancoragem e do ajustamento € uma boa estratégia em muitas circunstincias. Se vocé nao tem idéia sobre qual é a resposta, mas seu amigo € um médico residente especializado em oncologia, é prudente atribuir alta credibilidade & resposta que cele dé, Mas da mesma forma que acontece com outros tipos de heuristica, esta pode nos meter em encrencas. O problema com a ancoragem e 0 ajustamento € que as pessoas, as vezes, usam como ponto de partida valores inteiramente arbitrérios e, em seguida, agarram-se demais a eles. Tim Wilson, Chris Houston; Kate Etling e Nancy Brekke (1996), por exemplo, pediram a alu- nos universitarios que copiassem. vérias palavras ou ntimeros, supostamente como parte de um estudo de andlise de caligrafia Em uma condigao, eles copiaram. varias paginas de niimeros, todos eles vizinhos do mtimero 4.500. Na outra condigao, os alu- ‘nos copiaram palavras, como “sof”. Em seguida, como parte do ‘que supostamente era um estudo sem relagdo um com 0 outro, todos foram solicitados a responder quantos alunos de sua uni- verdade desenvolveriam cancer nos préximos 40 anos. Os que copiaram mimeros deram estimativas muito mais altas (resposta média = 3.145) do que os que copiaram palavras (resposta média = 1,645), Efeitos de ancoragem semelhantes foram observados em muitos outros estudos (como, por exemplo, os de Allison & Beggan, 1994; Cadinu & Rothbart, 1996; Chapman & Bornstein, 1996; Cervone & Peake, 1986; Czacrkes & Ganzach, 1996; Ganzach, 1996; Jacowitz & Kahneman, 1995; Quattrone, Lawrence, Finkel & Andrus, 1984; Slovic & Lichtenstein, 1971; Strack & Mussweiler, 1997; Tversky & Kahnemann, 1974). Os exemplos de ancoragem € ajustamento examinados até aqui disseram respeito a jutzos numéricos. Esse processo, con- tudo, ocorre também com muitos outros tipos de juizos, Quando formamos jufzos sobre 0 mundo, muitas vezes deixa- ‘mos que nossas experiéncias ¢ observagbes pessoais ancorem nossas impresses, mesmo quando sabemos que as experién- cias foram incomuns. Suponhamos, por exemplo, que voce vai 4a um restaurante que todos os seus amigos elogiam sem restr- ‘cdes. Para azar seu, 0 garcom é grosseiro ¢ a entrada vem quei- mada. Vocé sabe que sua experiéncia é atipica. Afinal de con: tas, todos 0s seus amigos saborearam soberbas refeigdes nesse restaurante, Nao obstante, é provavel que a experiéneia sirva de Ancora a sua impressao do restaurante, tornando-o relutante em -voltar ali, Quando generalizamos a partir de uma amostra de informagdo que sabemos ser tendenciosa (isto é uma tnica refeicdo em um restaurante) para a populagdo da informagio (por exemplo, todas as refeigdes nesse restaurante), estamos usando um proceso denominado amostragem tendenciosa — ou fazendo generalizagdes a partir de amostra de informagio {que sabemos que € tendenciosa. Mesmo quando sabemos que ela é tendedciosa ou atipics, pode ser dificil ignord-ta imteiramente. Todos sabemos que reporteres, produtores de televisio e escritores raramente apre- sentam informagdes tipicas de alguma coisa, O trabalho deles consiste em apresentar o que é incomum, interessante € que prende a atengo, e ndo o que € comum. (Imagine um repérter dizendo: “Principal noticia da noite: Barbara Kowalski nio sofreu um acidente de carro a caminho do escritério e, quanto a Jerome Smith, seu dia foi normal, guiando seu énibus, da companhia de transporte municipal, para cima e para baixo de Positivo Fig. 3.6 Atitudes com beneficiarios da Previdéncia Social. Pessoas que leram uma histéria sobre uma antipatica pensio- nista da Previdencia mostraram altitudes mas negativas em relacao as pensionistas, Negative {em geral, pouco importando se a julga- vam tipica ou atipica, (Adaptado de Hamil, Wilson & Nisbett, 1980.) Main Street.”) Ainda assim, parece que é dificil para nds deixar de fazer generalizagdes a partir do que vemos. Ruth Hamill, Tim Wilson e Richard Nisbett (1980), por exemplo, pediram a algumas pessoas que lessem uma historia sobre uma mae que vivia de uma pensdo da previdéncia social cuja vida era irresponsdvel e triste. Disseram a alguns parti- cipantes que essa mulher era tipica de quem vivia de pensio, € 4 outros, que ela era muito diferente dos aposentados. No que ndo é de surpreender, os que pensaram que ela era tipica tomaram-se mais negativos em suas atitudes no tocante a todas as pensionistas (veja Fig. 3.6). O mais surpreendente, porém, foi que os que pensavam que ela era atipica tornaram- se também mais negativos em relacdo ao pessoal que recebia pensio. Temos aqui outro exemplo da heuristica da ancora- gem e do ajustamento, “As pessoas tinham um ponto de parti- da, ou ancora (“esta pensionista ¢ irresponsdvel, nao presta”), a partir do qual deveriam ajustar seu juizo (“mas ela nao é absolutamente tipica e, portanto, ndo devo generalizar a par- _tit dela para todos os que vivem da previdéncia social”). Como acontece com muitos tipos de efeitos de ancoragem, contudo, as pessoas ndo se ajustam o suficiente e so influen- ciadas demais por seu jufzo inicial. Resumindo, estudamos dois tipos gerais de estratégias usa- das pelo pensador social: os esquemas e a heuristica do juizo. ‘M4 uma estreita relagao entre esses dois tipos de processamen- © cognitivo. Os esquemas so fragmentos organizados. de ‘conhecimentos sobre pessoas € situagdes, como livros em uma ‘biblioteca mental. Quando fazemos jutzos sobre 0 mundo social, contudo, nem sempre € claro qual o esquema mais apro- priado. O esquema especifico usado e 0 modo como ele opera dependem da heuristica do jufzo que acabamos de discutir. A heuristica da disponibilidade diz respeito a juizos baseados na -facilidade com que alguma coisa pode ser trazida 4 mente, 0 que, em nossa analogia da biblioteca, seria a facilidade com que um livro poderia ser tirado da estante. Se estamos nos per- guntando até que ponto somos assertivos, e os “livros” mais ficeis de encontrar sio exemplos de assertividade, inferimos que somos bastante assertivos. Quanto mais uma pessoa ou Situagdo sio representativas de um dado esquema (quanto mais © contetdo do livro for semethante & sittacio em que nos cacontramos), mais provavel € que o usemos. Uma vez que Cognicio Social: €omo Pensamos sobre o Mundo Social 541 24 23 2 at 20 Controle Historia, Historia, (oenhuma plea ‘atipiea historia) chamamos & mente um dado esquema, ele serve de ancora aos nossos juizos. Usamo-lo como ponto de partida para interpretar uma situag3o e achamos dificil fazer ajustamentos afastando- nos dele (uma vez que o livro tenha sido trazido, aplicamo-lo a0 juézo em pauta e € dificil esquecé-lo completamente, devol- vé-lo d estante e substitui-lo por outro). Agora que vocé apren- deu alguma coisa sobre as maneiras como raciocinamos, expe- rimente o teste na seco Tente Fazer! adiante. O PENSADOR SOCIAL FLEX{VEL Até aqui, nosso retrato do pensador social tem sido muito lison- jeiro. E bem verdade que usamos com freqiiéncia e com provei- to a heuristica e, aplicamos esquemas sem esforgo e'com eficién- cia. Vimos, no entanto, muitos exemplos de ocasides em que essas estratégias nos levam a enganos e erros de raciocfnio, Nao raro, deixamos que os esquemas falem por nés, mesmo diante de informagdes contraditérias, e fagam generalizacdes apressadas a partir de expetiéncias atipicas. As vezes, esses defeitos nas infe- réncias sobre os seres humanos acarretam consequéncias graves, ‘como no caso em que as expectativas dos professores sobre dife- rengas entre os sexos levaram a rendimento mais baixo entre as meninas. Resultados como esses induziram alguns criticos a des- crever as pessoas como avaros cognitivas, isto é, pessoas to limitadas em sua capacidade de pensar e tirar inferéncias que usam atalhos mentais sempre que podem (Taylor, 1981). Meu pensamente & em primeire, em llime lugar e sempre veltado para © inleresse de fazer. Wiliom James, The Principles of Poyholoyy, 890 Mas acontece realmente que nossos processos_mentais sejam tao defeituosos assim? Afinal de contas, a maioria de nés chega ao fim do dia razoavelmente bem, sem dar topadas gra- ves demais. Alguns sustentam que os psicélogos sociais exage- ram & medida que € falho 0 raciocinio humano, ¢ esté surgindo 7 52 Cognigdo Social: Como Pensamos sobre © Mundo Social Teste de Raciocinio Responda @ cada uma das seguintes questoes: 1, Pense na letra "R” na lingua inglesa. Vocé acha que essa letra ocorre com mais frequéncia como primeira letra de palavras (por exemplo, "rope”) ou com mais freqéncia como’a terceira letra (por exemplo, “park”)? %. primeira letra : B. terceira letra C. com freqtiéncia mais ou menos igual como primeira e como terceira letra 2. Qual das sequintes causas vocé pensa que causa mais mortes nos Estados Unidos? NA acidente B. derrame cerebral C. as duas ocasionam mais ou menos 0 mesmo numero de mortes 7 3, Suponha que voc® jogou seis vezes para 0 ar uma moeda comum. Que seqiléncia tem maior probabilidade de ocorrer? (H = cara, T = coroa) PA. HTTHTH. B. HHHTTT ' C. ambas as seqiiéncias sao igualmente provaveis 4, Apés observar a seqiiéncia TTTTT, qual a probabilidade de que 0 proximo lance seja cara? NAA. menos de 0,5 8.05 C.mais de 0,5 pnd: soe sis anb 0p euoe9@ opens un a senewvasaids Ss jusoved ei eu 9 soso eau apepuneivasana! ep basinal e sued wn a:-aap spel op eee ab worse (zel)ulwaduen 9 San, SON, Sen] So weonjar og svoue\ve soue 50 "pen los Ov Epacie arb opuedng sajuoneasgn Sova soe fo sige eDugR ean ssenpoNd (Sepa solo9 coud oe od) srovaive Sovo\ae Sova ab 9p eBun> e 95 NO JOpebO Op EOP, 9p eWelD a Oly PEI O en 12d, es 2p spepiqegoid stew wot e189 “sopmnGas sexes oauD ap siodap ‘anb wesuad afbuod "O) woyjo2sa seossad seunyy (q) 9 eiison esodso1 yy SopEOLOS ul 9 SPePHeGON C001 Wed sesouna So soque fe open 35 9 2pgniigege 198w Woo ‘cwevod 2 ,oveeoR, seul bed 99 seo fxd “anbiodHDUNU ONDUNG oWRLLD|Ed SoEFd SUNY LLL NO 2369 GLINL 2 wij oon sob Oxknb 3p eb) ap alan ke 350 a “oqlaunble sap Odes enna OuO) a), Me SOERK sz Un | 9p 9 00 seouonbos sep eu anb ap apepigeten €apmpla FN TLIHH anb op sposioteae ap sole snd ap exitiasadal seu 9 rdanbas aba anDIOd ‘ivLih Wolfen seostd euros J0g‘pepovoyene sp ord ero ep songe}seexo) nar sjiaras0 an soullodo '9 or eUOIEe DIES, “oupitae severe 99 eougnbos en a sou ade9opepieasax! tp eSksiray €ophap ‘anb WewWalsns(rZ6t) veumey 9 HSIN, SOUS sotian9 O85 BpeD\-ogu enaaW ap so\UaUie5uE| ap sboeysai so anb Opep ‘siangnaid auuaUijenBi OBS soper|nse1 SO Soquiy (>) # 19209 e\sOdSaL YE sul fod mu ap and op a0 ap sod se ap sojddora amu € sea 95s -euaOneVOd 9 PAU fd sepeonou sis ap apepnigecoid res gt ape lod saUON opepiighloesp e E>asinoy kp eanes od "ak Cun Sey (0s as9 UssiD Sm nb "4 lature vod S80) Sob 9) nb esas seosa9 Sop eUDEU € ab WwIunoep (9Z6L) URISEADN 9 OuKDY DMO (0) ADHD eso 2 Suros SOF Seed Sea an HBR aun soja lezen apo an uod apepsaey © ab kiogdrs sj 'apepHaLedsp Ep easN| opvesn i o> ula an Sesnefed ap sjdusa wo sesid oe su ee se "Ueubaey 9 flan al anbiog Loin aa wale saan ou ‘ia ehouhid@ (ei esodsa © an Ape sos Sep eben €anbUEIHEDA (L651) mune 9 KAN] i OADM eG) 9 ADHOD DA: YL svisoasay ama panecmaemiaennnise dos pensadores sociais: a de que sto téticos motivados, isto é, pessoas que tém um grande arsenal de regras e estratégias mentais e que escolhem prudentemente O PENSADOR SOCIAL MOTIVADO Vocé pode ter ficado chocado de que, em alguns experimentos entre elas, dependendo de suas necessidades e objetivos parti- culares (Fiske, 1993; Fiske & Taylor, 1991). Um bom volume de pesquisa recente indica que somos pensadores flexiveis quando hé pouca coisa em jogo, podemos ser “avaros” no sen- tido de confiar em atalhos mentais suficientemente bons para 0 gasto, mas, quando temos que tomar decisées importantes, escolhemos estratégias diferentes e mais eficazes. Além do mais, quando nos preocupamos com a possibilidade de o nosso pensamento ser tendencioso, tomamos medidas para corrigi-lo (Wegener & Petty, 1997; Wilson & Brekke, 1994), Vejamos 0 caso de uma professora de faculdade que esté dando nota as provas finais de seus alunos. Ela pode se preocupar, pensando ‘que serd influenciada pelas boas provas feitas anteriormente por eles ou pelo quanto gosta deles. Para evitar essa tendencio- sidade potencial, ela dé as notas sem ler 0 nome dos alunos, de modo a convencer-se de estar classificando as provas exclusi vamente de acordo com seus méritos. Varios estudos examinairam a questo de se podemos ou no mudar a maneira como pensamos, quando hé muita coisa em jogo, Em muitos casos, fazemos isso, como veremos a seguir. discutidos, as pessoas foram chamadas a fazer jufzos que pouce importancia tinham para elas. No estudo de Jones e colegas (1968), sobre os efeitos de prioridade, por exemplo, as pessoas observavam outro estudante trabalhar em um teste e julgavam, sua inteligéncia (veja Fig. 3.1). O estudante no era alguém com quem viessem a ter contato mais tarde (ou mesmo ver pes- soalmente). Por isso mesmo, essas pessoas talvez nio st tenham dado o trabalho de tirar as inferéncias mais laboriosas, mais precisas, de que seriam, capazes. Esse ponto é elucidado por varios estudos, mostrando que quando tarefas de maior conseqiiéncia so usadas, as pessoas, de fato, fazem inferéncia mais complexas € exatas (Borgida & Howard-Pitney, 1983; Chaiken, Liberman & Eagly, 1989; Hilton & Darley, 1994; Fiske, 1993; Kruglanski, 1989; Kruglanski & Webster, 1996, Martin, Seta & Crelia, 1990; Strack & Hannover, 1996). Allan Harkness, Kenneth DeBono e Eugene Borgida (1985), por exemplo, deram a participantes do sexo feminino informagdes sobre um individuo chamado Tom Ferguson, que elas nio conheciam pessoalmente. As participantes. foram. informadas do interesse de Tom em sair com varias mulheres e descobri ram varias coisas sobre elas, como, por exemplo, o senso de humor de cada uma, Foram solicitadas a julgar a relagdo entre as qualidades dessas mulheres (como, por exemplo, o senso de humor) e 0 desejo de Tom de sair com elas. Como aconteceu com varios estudos que examinaram a capacidade de pessoas de julgar tais relagdes, Harkness e seus colegas (1985) desco- que as participantes usavam estratégias simples que, ‘embora nao totalmente erradas, nao eram muito precisas. A menos, isto é, que estivessem altamente motivadas a for- mar juizos corretos. Algumas participantes pensaram que esta~ yam tomando parte em um estudo sobre namoro e que elas mesmas sairiam com Tom vérias semanas. Agora que elas se _ interessavam mais por aquilo de que Tom gostava ou desgos- “ava quando saia com uma amiga, elas utilizaram estratégias mentais mais complexas e formaram juizos mais exatos. De todo geral, descobriu-se que as pessoas so pensadores flexi- yeis € que podem escolher, pelo menos até certo ponto, entre uma grande variedade de estratégias mentais. Quando ha coi- ‘sas importantes em jogo, elas usam estratégias mais sofistica- das do que quando tém menos interesse no caso, ‘formam ju 2s mais exatos e & mais provavel que percebam fatos que entram em conflito com seus esquemas prévios (Chaiken, 1987; Dunn & Wilson, 1990; Fiske, 1993; Fink & Park, 1991; Hastie, 1980; Kruglanski, 1989; Neuberg, no prelo; Petty & Coro, 1986; Stangor & McMillan, 1992; Tetlock, 1992; Trope & Lieberman, 1996). ‘Nao queremos com isso sugerir que, com um pouco de moti- vaedo, as pessoas passem a raciocinar perfeitamente. Em capi tulos posteriores, veremos varios exemplos de como elas fazem _julgamentos erréneos sobre o mundo social, a despeito de seus melhores esforgos e intengdes. O mundo é um lugar complexo ~ ¢,mesmd quando alta a motivagiio, podemos cometer erros a0 descrevé-lo. Brett Pelham e Efrat Neter (1995), por exemplo, descobriram que motivar as pessoas torna seus juizos mais ex * tos em tarefas relativamente simples, mas, na verdade, piores \ em tarefas complexas. Quando estamos realmente motivados a fos sair bem, mas o problema ¢ dificil, podemos nos esforgar tanto que ficamos tensos € confusos, por isso sai-nos pior do que se estivéssemos mais relaxados e nos importdssemos » menos em fazer bem as coisas (Arkes, 1991). Além disso, mesmo quando motivadas a corrigir julgamen- " tos que acham que podem ser tendenciosos, as pessoas talvez ido saibam como fazer isso nem mesmo corrigir demais seus juizos. O juizo humano nao € como © motor de um carro, caso Girque € muito facil saber quando ele pifou e como pode ser consertado, Freqtientemente, € dificil saber exatamente como formamos um jufzo, se ele é tendencioso e até que ponto deve- Mos, se € que devemos, corrigi-lo (Nisbett & Wilson, 1977; Mann, 1986; Schwarz & Bless, 1992; Wegener & Petty, 1997; Wilson & Brekke, 1994). Nao obstante, é freqiientemente ver- dade que, quanto mais motivada esté a pessoa para formar ju aos sem preconceitos, maior a probabilidade de que o fard. PENSAMENTO AUTOMATICO VERSUS PENSAMENTO CONTROLADO Onivel de motivacdo da pessoa é um determinante fundamen- tal de se ela vai exercer o que se denomina pensamento auto- ‘Cognigdo Social: Como Pensamos sobre o Mundo Social 53. matico, em contraste com o pensamento controlado. Pense no que foi aprender uma nova habilidade, como andar de bicicleta ou usar patins de rodas em linha. Na primeira vez. em que usou uma duas rodas, voc, com toda a probabilidade, sentiu-se desajeitado e inseguro, enquanto balangava de um lado para 0 outro na rua e pode ter pago pela inexperiéncia com um coto- velo ou joetho esfolados. Voeé, provavelmente, estava se con- centrando no que fazia com os pés, os joelhos e as mios e pare- cia que vocé jamais conseguiria dominar aquele trogo. Quando se tornou um ciclista habil, porém, seus movimentos passaram a ser automaticos, no sentido de vocé nao pensar mais no que estava fazendo. Exatamente como nossas agdes, nosso modo de pensar torna-se automitico (Bargh, 1994, 1996; Wegner & Bargh, 1998). Quanto mais prética temos em pensar de certa maneira, mais automatico se torna esse tipo de pensamento, chegando ao ponto de podermos fazer isso inconscientemente, sem esforgo algum. O processamento automitico pode ser definide como © pensamento inconsciente, ndo-intencional, involuntério e facil. Embora diferentes tipos de pensamento automitico satis- facam esses critérios em graus varidveis (Bargh, 1989), para 0 que nos interessa podemos definir como automatic o pensa- mento que satisfaz a todos ou A maioria desses critérios. O processamento automético € dificil de descrever precis: mente porque ocorre fora da consciéncia e, por isso, nao nos & familiar. Na verdade, j& descrevemos alguns exemplos desse tipo de pensamento — a saber, 0 uso de esquemas para com- preender o mundo social. Os seres humanos esto programados para categorizar 0 mundo répida e eficientemente, Quando entramos em uma sala de aula, ndo vemos um feixe de objetos que tém plataformas paralelas ao chao, ligadas a quatro perna ‘com uma outra superficie plana em Angulo reto, que entio montamos mentalmente para chegar a uma idéia do que Bim ver de ter que parar para pensar “Vamos ver. Ah, sim, essas coisas af sio cadeiras”, nés, répida e inconscientemente, sem nenhum esforco, categorizamos os objetos no nosso esquema “cadeira’. O fato de fazermos isso automaticamente permite- nos usar a mente consciente para outras finalidades mais importantes (“Quais vio ser-os quesitos da prova de hoje?” ou “Devo ou no puxar conversa com aquele cara bonitinho na ter- ceira fila?”). De modo semelhante, quando conhecemos outras pessoas, incluimo-las, sem 0 menor esforgo, em esquemas jé formados. Agir assim poupa-nos tempo e esforgo. Como acontece, contudo, com todas as estratégias e proprie~ dades da cognigao social estudadas anteriormente, a eficiénc: tem um custo. Se, automaticamente, categorizamos de modo errado uma coisa ou pessoa, podemos nos meter em uma fri Imagine o embarago de um amigo nosso que foi até um restau- rante gra-fino e, notando a placa que indicava estacionamento com manobrista, deu as chaves do carro a um jovem hispanico que viu junto a porta, Esse homem, porém, nao era manobris- ta, mas outro cliente que ia justamente entrar no restaurnte. Ou lembre-se do exemplo dos professores e da profecia auto-reali- zadora. Uma das razSes por que as expectativas podem ter tan- tas conseqiiéncias € que elas operam automaticamente, sem inteng%o nossa, tornando dificil 4s pessoas saberem quando agem de acordo com essas expectativas. Sem demora, enfiamos as pessoas em escaninhos, de tal maneira que nossos esquemas, 54 Cognigao Social: Como Pensamos sobre o Mundo Social baseados em raga; sexo, idade ou atragio fisica sto invocados automaticamente (Devine, 1989; Fiske, 1989). Esta é uma das razdes da dificuldade de superar os estere6tipos® freqiientemen- te, eles operam sem nos darmos conta disso. Evidentementey nem todo pensamento é automiatico. Tal como aestétua do pensador, de Rodin, paramos as vezes e pen ‘samos_profundamente em nés mesmos € no mundo social. Esse tipo de pensamento denomina-se processamento contro- lado, que é definido como pensamento consciente, intencio- nal, voluntério e que requer esforgo. Temos um exemplo desse processamento no tipo de pergunta que as pessoas consciente- mente se fazem com freqiiéncia: “O que séra que vamos ter hoje no almogo?” ou “Quando é que os autores vao se mancar e terminar este capitulo?” Podemos “ligar” ou “desligar” & vontaude esse tipo de pensamento e temos plena consciéncia do que estamos pensando. Um dos objetivos do pensamento controlado é estabelecer limites para o processamento automatico. Exatamente como 0 comandante de um avido pode desligar 0 piloto automético __, assumir 0 controle da aefonave quando surge um problema, © pensamento controlado assume o comando quando ocorrem incidentes incomuns. Ao contrério do processamento automiti- co, porém, 0 pensamento controlado exige motivacio e esfor- ‘go. Temos que querer fazé-lo e dispor de tempo ¢ energia para unto. Por isso, quando as apostas so baixas e ndo nos impor- tamos muito com a corregao de uma decisio ou juizo, deixa- riios que 0 pensamento automético faga 0 trabalho, sem nos incomodar em conferi-lo ou corrigi-lo, Se estamos assistindo preguigosamente a um programa de televisio*apés um longo dia de trabalho, por exemplo, talvez julguemos distraidamente aS pessoas que vemos na tela, sem pensar muito no assunto. Conforme veremos no Cap. 13, esse processamento distraido significa muitas vezes ‘que estereotipamos as pessoas, sem pent sar muito nisso. Temos que fazer esforgo para usar 0 processa- mento controlado a fim de nos contrapor aos esteredtipos que vyém & mente de modo automético, CRENCA AUTOMATICA, DESCRENCA CONTROLADA Hé outras maneiras interessantes pelas quais 0 processamento controlado limita © automatico. Como vimos antes, quando ‘automético ‘eontrolado Processamento Processamento uusamos a heuristica da ancoragem ¢ do ajustamento, adotamos pontos de partida em nossos juizos e deixamos de fazer os ajus- tamentos convenientes. Uma das explicagdes desse processo é que usamos automaticamente como ponto de partida qualquer coisa que encontremos, sem sequer nos darmos plenamente conta de que fazemos isso e, em seguida, tentamos introduzir ajustamentos a partir desse ponto, usando 0 processamento controlado. Essa descricio do juizo humano foi feita ha trés séculos pelo filésofo Benedict Spinoza: quando vemos, ouvi- mos ou aprendemos alguma coisa inicialmente, nés a aceita- mos pelo seu valor aparente e a tornamos verdade. Sé depois de aceitar a verdade de um fato é que voltamos atras e decidimos se ele pode ser falso. Embora outros fildsofos (por exemplo, René Descartes) tenham discordado dessa tese, pesquisa recen- te de Daniel Gilbert e colegas mostrou que Spinoza tinha razio (Gilbert, 1991, 1993, 1998; Krull & Dill, 1996). Gilbert sustenta que 0 homem é programado para acreditar automaticamente em tudo que ouve ou vé. Esse processo auto- matico de “ver é crer” seria inerente ao ser humano, sugere ele, porque muito do que vemos e ouvimos é verdade. Se tivésse- ‘mos que parar e pensar sobre a veracidade de tudo com que nos defrontamos, a vida seria na verdade dificil (“Vejamos, parece um carro vindo em alta velocidade em minha diregao, mas na verdade talvez.seja uma ilusdo... CRASH!”). As vezes, contu- do, © que vemos ou ouvimos nao € verdade. Precisamos, por- tanto, de um sistema de limitago para podermos “desaceitar” aquilo em que inicialmente acreditamos. Quando ouvimos um candidato a governador dizer “Se eleito, vou baixar os impos- tos, equilibrar o orgamento, reduzir a taxa de criminalidade ¢ lavar seu carro todo domingo a tarde”, de inicio acreditamos no que ouvimos, argumenta Gilbert (1991). A parte de “desaceita- ¢Go” do processo, contudo, surge ripida, levando-nos a duvidar da verdade do que acabamos de ouvir (“Ei, espere af.,.). Esse processo é mostrado na Fig. 3.7. O interessante nesse processo € que a parte de aceitagao ini- cial ocorre automaticamente, 0 que, conforme vimos, significa que acontece inconscientemente e sem esforco ou intengao. A parte de avaliagdo e desaceitacao do processo é, contudo, pro- duto do processamento controlado, o que significa que o indi- ‘viduo precisaré de energia e motivacao para fazé-la. Se ele esti preocupado, cansado ou desmotivado, a parte de aceitagao do processo opera sem controle e, dessa maneira, pode levar & aceitagao de falsidades. Fig. 3.7 Teoria da crenca automatica, de Gilbert. De acordo com Gibert (1991), de inicio as pessoas acreitam em tudo 0 que vem e ouvem, Em sequida, avaiam se 0 ‘que ouniram ou vrarn & ou nao verdadeiro 2.0 “desacetam’, se necessrio. A sequr- da ea tercera parte do processo, nas quais © individuo avaliae rejeita as informacoes, exigem tempo e esforco. Se o indviduo est cansado ou preocypado, torna-se df

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