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suet ni nveliece~ scan e elbice tropeco, pela rchadtura, ou ainda, pelo descontinuo, pela ruprura? Delimita-se ‘cariter de fendado inconsciente e, a0 mesmo tempo, a sua indestruibilidade. ‘Como em Freud, hd demonstragio da inssténcia do inconsciente ea tentativa decscrever algo do real por meio de significantes, mas persistindo sempre algo de inomindvel nessa empreitada. Em RSI, 0 simbélico é formalizado como aquilo que faz furo no real ¢, 20 fézé-1o, mara a coisa nomeada e, a0 mesmo, confere-Ihe uma certa existncia. Hé um duplo efeito do simbélico sobre o sujeito, matar vivifcar. A estrueura simbélica inaugura diferentes formas de escrever a vida conforme o lugar que cada significante ocupard na cadeia ‘© amaneira como os significances se combinam entre si em relagdo 20 objeto ‘em causa na fantasia, Para Lacan, a linguagem ¢ condigio do inconsciente; este pressupde um sujeiro que escuta antes de fila centender o que se fila. Os aforismos acanianos © inconsciente ¢ 0 discurso do Outro ¢ o inconsciente é estruturado como wma linguagem, definem dois modos de apresentacio do inconsciente. O Outro, em oposicéo ao outro da relagéo especular, tem carter de extimidade, € 0 que fiz corte, impondo a diferenca. © Outro da linguagem é 0 Outro do simbélico, 6 ‘Ouro sexo— feminino ~, para o qual no hé um significance para representé-t, Em O aves da Psicandlise Lacan interroga: “O que & que tem um corpo e no existe! O grande Outro, Se acreditamos nele, nesse grande Outro, ele tem um corpo, ineliminavel da substincia daquele que disse Eu sou © que sou [..”.!? Introduzindo a diferenca, o Outro para Lacan ¢ 0 Um-a-Menos: falta um sig- nifcante no campo do Outro, $ (A), fara nomear o real. ( segundo aforismo foi insstentemente trabalhado por Lacan ao longo de seu ensino, tomando formas diversas tais como: 0 inconsciente € estru- turado como a lingua, o inconsciente ¢ estrucurado como letras. O ponto cessencial é demonstrat que ndo se trata af de qualquer linguagem ~ ele néo é estruturado pela linguagem, mas por uma linguagem — ¢ conforme est em LEtourdis" e Mais Ainda: “Alingua serve para coisas inteiramente diferentes da cornunicasao. Bo que atexperincia do inconscente mest, no que el € feito dealing, essa alingua que vos sabem que eu esrevo numa sb palavr, para desgnar 0 que € 2 ocupago de cada um de née, lingua dca matera[.)* TTACAN, Jacques. Os quatro concetosfandamentais da psleandlise, 1988, p. 24-44, ® LACAN, Jacques. O aveno da Pricandlise, 1992, p. 62 1 LACAN, Jacques. Ausreséeris, 2001. LACAN, Jacques. Mais Ainda, 1985, p. 188. Avethice noma esar da cra Essa linguagem nio serve a0 didlogo e & comunicagio. A linguagem de inicio nao existe; ela surge s6 depois buscando nomear os tragos inscritos. ‘Dessa forma, deduz-se que o simbdlico nao é completo, a linguagem nao é ‘completa; ai estio as diferentes linguas para demonstrat tal fato, Por falear sempre um significante no campo do Outro, cada lingua tenta, por diferentes formas, nomear o que falta. O discurso é uma forma particular de wtilizasio da linguagem e Lacan o define, também, como uma forma de tratar 0 goz0, ‘tratar o real ou aquilo que escapa & significantizagao. “O analisante, como aquele que fala, experimenta os efeitos da pala- vvra, dos significantes, entéo como sujeito, ele esta constituide como efeito dda palavra’. Lacan introduz uma imbricagio do significance ao sujeito ¢ vice-versa: um significante representa o sujeito para outto significante € sujeito é aquilo que o significante représenta. Em sintese, pode-se depreender de Freud a Lacan a importincia do simbé- lico na constituigéo do sujeito, bem como seu carter irrevogivel como tentativa de tratar o real. Todavia, como salientamos, nem tudo é simbolizavel, algo de real sempre persistird eo discurso analitico, como veremos, ¢ 0 tinico discurso gue néo escamoteiao real, 20 contritio, faz dele a via primordial de sua pritca ‘A partir dessa retomada conceitual, resta-nos as questées: Como cada culeura trata o real pelo simbélico? Qual € o tratamento dado a0 real da velhice nos dias atuais? Quais os lagos possfveis da velhice na globalizacéo? Facamos de inicio um breve percurso na histéria passando pelassociedades primitivas e as sociedades ocidentais anteriores & forma de organizasio con- temporinea para, enfim, localizarmos a velhice no mal-etar da culeura aval Avelhice nas sociedades primitivas ‘Simone de Beauvoir, em seu livro A velhice, faz uma retomada etnografi- cada condigio da velhice em diferentes sociedades nas quais se inscreve uma organizacio social bem diferente do mundo ocidental. Mesmo partindo-se do principio de que nao é possivel julgar uma cultura a partir de nossa pr6= pria forma de gozo ¢ nossas representagées, esse estudo abre-nos algumas perspectivas interessantes para se contrapor & situagio atual dos idosos e sua condigéo no mundo globalizado. Pode-se observar que, apesar de a caréncia e a dificuldade de sobrevi- vncia serem farores importantes no tratamento dado a velhice, bem como LACAN, Jacques. O aro pscanalitce, Semindvio inédiro, ligio 07/02/1968. (suet oto envethece—Pscanfliee vehce comedo do desgaste e da morte, tas farores nfo sio suficientes para se explicar porque determinadas culturas também némades, que viver com uma difi- ‘culdade de sobrevivéncia considerével, promovem um tratamento respeitoso Avelhice, enquanto em outras culturas é tratada de maneira impiedosa, pelo ‘menos sob dleterminada ética e nossa forma de julgar. De qualquer forma, no se pode negar o fato de que, normalmente, “quando o clima é duro, as circunstancias dificeis, os recursos insuficientes, a velhice dos homens assemelha-se muicas vezes & dos bichos”.* “Tal citagio de Beauvois, néo é por acaso, encontra eco em muitas formas de organizacéo social nas quais~a exemplo de algumas espécies animais—os 'mais velhos sio despojados de todo e qualquer dizeitoe, na maioria das vezes, abandonados & prépria morte. Nos antropoides, por exemplo, o macho mais ‘elho representa um papel dominador sobre a horda e sobre todas as fémeas. A semelhanga de “Totem e ‘Tabu’, esses machos, quando jovens, se rebelam contra o mais velho e, observando seu enfraquecimento, atiram-se contra ele, podendo levé-lo& morte ou a0 exilio. Tiranizando os joven e monopolizando as émeas, osvelhos machos io, posteriormente, mortos ou expulsos da horda, cenquanto as fémeas velhassio acetas e tratadas. A luta contra o pai é um fator {que aparece em intimeros casos analisados por Beauvoir." Entre os acultos, os velhos eram expulsos da coletividade e abandonados a propria sorte ou escravizados pelos filhos que os espancavam, fazendo-os trabalharem até a morte. Deixados em um canto qualquer sem nenhuma comiseragéo, os iacultos jovens — criados sob forte tirania — devolviam os ‘aus tratos recebidos assim que percebiam o enfiaquecimento do pacriar- ca, O mesino se di entre 0s ainos do Japfo, sociedade também bastante rudimentar, que vive A base de peixe, passando muito frio ¢ vivendo sob uum regime de caréncia muito forte, sem templos, sem ritos, tendo como principal diversio embriagar-se. Em tais culeuras, a experiéncia dos mais velhos néo tem importincia, pois nao hé uma tradigio a ser transmitida. (Os pais cuidam pouco de seus filhos e a relacéo entre ambos é desticuida de afeco. Quando crescem ¢ veer os pais envelhecids, os jovens os deixam de Jado; completamente abandonados, acabam pot morrer 4 mingua. Em outras tribos, Chukchees da Sibéria, bosquimonos da Africa do Sul € 0s esquimés de Angmassalik (Groelandia), & costume conduzir os idosos uma cabana, Jonge da aldeia, abandonando-os & morte. Os esquimés, por cxemplo, muitas vezes trancam os idosos em iglus, onde morrem de fio. “BEAUVOIR, Simone. A velhice, 1986, p. 58. 'S BEAUVOIR, Simone. A velhice. 1986, p. 49-108. Avelice so maar da eukara (O filme japonés de Shohei Imamura, “A balada de Narayama’’—inspirado ‘em fatos reais ~, retrata algumas aldeias muito pobres no Japfo dos fins do século XIX que, para sobreviverem, eram obrigadas a sacificar seus velhos. “Transportades para uma montanha (montanhas da morte) no inverno, os idosos eram ali abandonados ¢ entregues 3 ome ¢ a0 frio morrendo comple- tamente s6s. Dor, angtistia e abandono acenam para o insensato do tempo vivido apenas pela marca cronolégica, Nessa balada de moree hd uma idosa, O’Rin, com seus fatidicos 70 anos que esté ainda em pleno vigor —ara a terra, colhe, pesca, tece, cozinha e cuida das criangas — e, conservando seus dentes intactos, expée uma espécie de vergonha entre eles; ela no deveria set mais capaz de télos ese alimentar como os outros. Zombada pelo neto como “a yelha de 33 dentes’, O'Rin, pressionada pela chegada das jovens esposas que deveriam ocupar o seu lugar, ¢ apressando uma velhice nada natural, retira ‘com pedradas alguns dentes, dirigindo-se ao destino funesto ¢ inexoravel. ‘Apesar do amor demonstrado pelo filho, que tem dificuldades em cumprir o preceito cultural, ela € deixada nas colinas da morte. Fsse retorna ainda para The anunciar que neva; um bom pressigio, a morte seria mais répida. Conforme Beauvoir, a maior parte das sociedades primitivas no deixa 108 idosos morrerem como bichos. Entre os aletites (mongdis), dé-se extrema importincia ao saber clos idosos e esses so respeitados, havendo um amor e- ciproco entre pais e filhos. Hé virias outras comunidades pobres, rudimentares ‘nas quais os idosos nio si eliminados. Foram citados 0s koriaks, chulechees, os incas, entre outras, nas quas as relag6es familiares sioexteitas, a propricdades so disttibuidas pelos idosos e cles comandam o acampamento. Os yahgans, que vive na Terra do Fogo, sio, conforme a autora, os povos mais primitivos {que se conhece; nio tém utensilios de qualquer espécie ~ machados, anzéis, uensilios de cozinha ~, nfo fazem provisbes, vivem do dia a dia, nfo tém jogos ¢ nem ceriménias e, sem religiéo, admitem um podet supremo aos xamés. Vivendo como némades tém uma vida muito precdria, pasando fome grande parte do tempo. As criancas sio bem tratadas e esse amor permanece na relagdo com os mais velhos — os primeiros a serem servidos nas refeigdes e detentores dos melhores lugares na cabana - permanecendo a valorizagio do saber adquitido, Em Bali, cultura muito arcaica que vive do cultivo de diferentes tipos de alimentos, é surpreendente a relagao com ‘0 compo ¢ a arte. Rico nas expressées artisticas como a dana e a poesia, esse povo tendo boa satide, e, conservando um étimo dominio do corpo, néo para de trabalhar até a morte. Os idosos tém um lugar social importante € respeitam-se os seni. O sco ennthece-Pricandlive velhice \Nio nos estenderemos na vastissima ¢ importante pesquisa feita por Beauvois mas valeretomar alguns pontos extraidos partir daleicura da mesma, (Osidosos tém mais condigdes de subsistirem em sociedades mais rcas do que nas sociedades mais pobres, bem como tém mais condigées em sociedades sedentérias que nas némades. Mas a situaco econémica néo em si mesma um determinante absoluto, existem outros fatores importantes a serem analisados. Em geral, a boa relacdo entre pais e filhos determina, depois, uma boa relacéo centre os mesmos e os idosos. Nessas culruas, observa-se que as relages entre ‘0s membros so também mais cordiais, menos competitivas ¢ acumulativas. Em sociedades nas quais a organizacio € mais complexa, o papel do ‘oso torna-se também mais complexo e diferenciado. Por exemplo, entre 0s arandas, habitantes das florestas da Austria, apesar de praticarem o in- fanticidio (como outras das comunidades analisadas pela autora) quando as ccriangas nascem com defeitos fisicos ou quando a mae nao pode alimenté-las, as sobreviventes sio tratadas de maneira generosa. Os idosos sio responséveis pela transmissio da experiéncia acurnulada, pois viria habilidades —neces- sicias para a sobrevivéncia na culeura~ s6 sio adquiridas com o passar dos anos. Da mesma forma valoriza-se 0 conhecimento das tradic6es sagradas, da magia, dos ritos ¢ cetiménias tribais. Para cles, com o passar dos anos ctescem também o poder mégico ¢ a sabedoria, bem como a imunidade a varias doeneas e poderes sobrenaturais malficos. Os mais velhos, que se aproximam do além ¢, portanto, da mediacéo entre o mundo dos vivos € dos mortos, sio os escolhidos para cumprirem o papel religioso. Nas comunidades nas quais arte, a religiéo, a magia eo saber triunfam, triunfa no geral o poder dos mais velhos. Se existe na velhice uma suposicio de saber, existe, concomitantemente, um tratamento respeitoso a mesma. Da ‘mesma forma, se’ morte é vista como uma boa e necessiria passagem para uma vida mais evolutiva, o idoso, como mais préximo cronologicamente dda morte, tem um papel social importante. “Todavia, hi excegées. Em algumas cultura, 0 fato de 0 idoso ter po- detes extras, conferidos pela idade, confere-the também possibilidades de utilizagdo dos mesmos contra os outros e, neste caso, passam a representar a ameaga ¢ o temor. Nesse contexto, nas ilhas da Polinésia os adultos comiam ‘0s velhos como forma de assimilarem sua sabedoria impedindo-os, ao mesmo ‘tempo, de utilizarem seus poderes de feitigaria. Em muias culturas, a0 con- trario, os iniimeros poderes contra as forgas do mal trazem ao idoso muitos Ver: BEAUVOIR, Simone. 4 velhice. 1986, p, 49-263. Avec no mae a caer beneficios e prestigios — comer determinadas coisas antes proibidas, tocar em objetos sagrados ~, sendo considerado mals inteligente ¢ mais sibio sobre as questées do outro mundo. ‘Ve-se que a velhice sinaliza tanto a perspectiva de um saber a ser apro~ yeitado como também de um saber a ser desticufdo e, sobretudo, tragando cronologicamente uma relacio mais estreita com a morte, ela acopla-se & ideia que cada culeura tem da morte ¢ do moster. Outras visées da velhice no curso da histéria ‘Outra pesquisa apresentada por Beauvoie” referee s sociedades hitiri- as, que tm uma organizagio social diferente das anteiores estendendo-se até ‘o século XX. A questio do tratamento dado & velhice néo é menos complexa, apesar de continuar valendo sua tese: a velhice é uma categoria social, mais ou ‘menos valorizada de acordo com cada cultura e um destino singular Na China antiga, caracterizada pelo poder centralizado e auvoritiio, a coletividade tinha como base a familia ea obedincia aos mais velhos,jé que acultura exigia mais experiencia do que forca. Conforme Confiicio afirmava: ‘Aog 15 anos, eu me aplicava ao estudo da sabedoria: aos 30, consolidei-o; ‘205 40, nio tinha mais dividas; 20s 60 anos, no havia mais nada no mundo que me pudesse chocar; 40s 70, podia seguir os desejos do meu coragdo sem transgredir a lei moral.!* ‘No taofsmo alongevidade era uma virtude em si mesma. Para Lotscu, depois dos 60 anos seria o momento de libertar-se do corpo pelo éxtase ¢ tornar-se santo; a velhice era a vida sob forma suprema. Talvez advenha daf a ideia ge ncralizada de que no mundo oriental 0 saber do idoso era sempre respeitado. primeiro texto conhecido dedicado & velhice"” no ocidente € de Prah-hotep, 2500 a.C., no qual a velhice ¢ associada & decrepicude © & de- cadéncia total do corpo. E frequente, pelos textos exibidos por Beauvoir, a associagéo entre o horror da velhice com tudo que ela escancara da castragao. Os relatos biblicos néo sio homogéneas. Hd alguns que vangloriam a velhice e outros que, pelo contrério, fazem da mesma uma léstima.a exemplo do Eelesases: Ven BEAUVOIR, Simone. A velhice, 1986, p. 109-263. ° Ciado por BEAUVOIR, Simone. 4 vethice, 1986, p. 113, " Citado por BEAUVOIR, Simone. A vehice, 1986, p. 114 0 meno envthec Paani evellce “Lembracte de teu eiador durante os dias de tua juvennude, antes que cheguem os dias maus,e que se aproximem os anos em que dirs: Nao experimento mais nechum aprazer. Antes que obscuresam o sol ¢a luz ‘lua eas exerelas,eque as awvens retornem apésa chuva (dimiuijo de acuidade visual, extingto das forcas intelctuais): tempo em que 08 ar- Aides da case (bragos)tremem, quando os homens fortes (as permas) se curvam, quando os que moem (os dents) param porque st enfraquecem, quando os que olham pelasjanelas (0s olhos)estio obscurecidos [..] quando se ttm tremores 20 longo do caminho {..)2" Avvelhice é deserita & pena da queda do desejo, da dectepitude ¢ da docnea; todas as redugdes sto tratadas como perdas irrepariveis ¢ 0 idoso é descrito como um morto que vive. Conforme Beauvoir, a mitologia grega aborda o tema sob o Angulo do contflco das geragéesesob otrago de perversio; muitos deuses, ao envelhecetern, tomam-se mais cruéis e pervertids. Mas h excegbes, Tirksias, por exemplo, acopla A idade a sabedoria, uma cegueira acompanhada de visio incerios, Na Grécia antiga, a velhice é em geral associada & honra: Gera e géron so palavras que designam a idade avangada e também o privilégio da ida- de, o direito a ancianidade e & deputacio. Para Homero, ela ¢ associada & sabedoria. Contrastando-se a tal ideia, bastante presente nas cidades antigas, ‘encontra-se também o horror, cantado em verso e prosa por diferentes poetas para os quais a perda de forga fisica, mudancas da imagem, perda de poder sho associadas & velhice. Sélon rejeta totalmente tais visbes. Para ele, avelhice era gléria e fortuna representando 0 nao cessar de aprender; importava-lhe isto e néo a volipia ‘outros prazeres ligados a0 corpo. Nessa época, as eis de Sélon conferiam um grande poder aos mais idosos. [No campo literitio, a questio jf nfo & tio otimista. Séfocles associa a ‘velhice &s diferentes perdas ¢ aos 89 anos retrata Edipo no fim da vida: “tende piedade do pobre fantasma de Edipo, pois este velho corpo nao é mais ele”. Nos séculos XII 20 XY, seguindo ainda a pesquisa de Beauvoir, a con- digo de desvalorizacéo da velhice néo muda muito e a literatura retrata a associagio entre velhice e decrepitude. A propésito, Beauvoir nos traz um conto dos irmios Grimm: Deus havia destinado 30 anos de vida para 0 homem € a todos os animais, o burro, 0 cio ¢ 0 macaco. Estes conseguiram ® Citado por BEAUVOIR. Simone, A velhice. 1986, p. 117-118. * Citado por BEAUVOIR. Simone, A velhice. 1986, p. 127. Avebice no malar da cul que Deus Ihes cortasse 18 anos, 12 anos ¢ 10 anos respectivamente do nii- mero fixado. © homem, ao contririo, pediu a Longevidade, conseguindo um prolongamento de sua idade com as reduces dadas a0 asno, a0 cio € 20 macaco, perfizendo 70 anos, sem saber que a mesma representaria a decrepitude. Ele viveria répido até os 30 anos, os préximos 18 anos cle viveria como um burro, carregando nos ombros os outros, nos préximos 12 anos como um céo, arrastando-se de um canto a0 outro, pois nao teria mais ddences para morder e seus iltimos 10 anos seria como um macaco; no ceria mais cabega boa, faria coisas bizarras, meio esquisito, provocando tisos.* ‘Na Idade média, 0 trago marcante da misoginia — édio ou aversio as anulheres — torna-se mais evidente, prineipalmente em relacao as mulheres idosas. Tais observagées deve levar em conta que nessa époce era rarissimo as pessoas atingirem 30 anos. Carlos V; por exemplo, morreu em 1380 aos 42 anos sendo considerado um velho sdbio. NaRenascenga (século XVD, surgem alguns textos, a exemplo de Eras- smo, que se dedicam a ideia de uma velhice-modelo; diante de uma vida sbria ce regrada, uma velhice bela. Contrapondo-se a iso, a liceratura écarregada do clogio & juventude e & beleza e de uma repugnincia ao corpo envelhecido, principalmente da mulher idosa, E mesmo Erasmo, em um tom bastante smoralista, raga uma terrivel descricio da mulher idosa. Ridicularizando seu corpo, a consura ainda pelo prazer de viver que muitas conservam. Toda a literatura citada por Beauvoir, s6 mostra uma ressonancia muito grande com todos os pontos ja delimitados anteriormente. Sexualidade e amor sio também caminhos interditados aos idosos. ‘Rei Lear de Shakespeare, éa segunda grande obra—juntamente com. Colona ~ na qual o herdi é um idoso, encontra-se tanto uma visio pessimista de velhice quanto a ideia de que ela é uma verdade da condigéo humana e no seu limite. Mas de qualquer maneira, Lear expressa o drama do humano: “Serio homem apenas isso? © homem sem adornos nfo passa de um animal nue bifurcado como tu. Vamost Abaixo 0s disfarces! Vamos, desnudemo-nos! ‘Vamos, desnudemo-nos aqui —grita Lear, arrancando as vestimentas”,”* Mas, des- nudado, Lear, no limite entre a deméncia, a loucura ¢ a lucider, j4 néo tem ‘mais tempo de conformar sua vida ts verdades que vislumbra.** % Citado por BEAUVOIR, Simone. A vethice. 1986, p. 168. Citado por BEAUVOIR, Simone. A velhice, 1986, p. 204. * Citado por BEAUVOIR, Simone. A vehice. 1986, p. 204. (sue ao enahece- Pande vehi Podemos, a partir das referencias razidas por Beauvoir, depreender quea vlhice no foi, todavia, um caso a parte no tratamento dispensado aos homens naquele ‘momento. Essa época foi muito dura para os idosos, mas igualmente dura com. as criangas, Criadas com severidade ¢ & margem da sociedade, frequentemente participavam do mundo dos adultos, inclusive da vida pervertida, Persiste, nessa época, uma rivalidade muito grande entre as geragées,¢ 0 idoso afortunado re- presenta tanto um cetto poder de comprar mulheres ovens e belas~frustrando a sexualidade dos mais novos — como o poder do pai em faléncia. F interessante observar ainda que 0 conceito de velhice s6 surge apés a revolusio industrial, até entdo privilégio dos ricos, pois os integrantes das classes mais pobress6 raramente atingiam idade avancada. A partir de entio, surgem os velhos pobres em contraposicio aos velhos ricos ¢ 0 destino de uns ¢ de outros no é 0 mesmo, Cicero, aos 63 anos, apesar de defender a vvelhicc, afirma que na extrema miséria a velhice ndo pode ser suportivel, nem mesmo para um sibio.2 Entte o horror, a decrepitude ¢o sagrado, a velhice vai sendo vestida por diferentes recidos, alguns que a cobrem de um luco intermindvel e softivel, ‘outros pelos quaiso sagrado ea experiéncia fazem valer as mudan¢as tracadas ‘no corpo. De qualquer forma, persiste ainda nessas culturas © terror € 0 temor daquilo que a velhice expSe ~ a castra¢éo em suas variantes -, perda do vigor sexual, da forga, da beleza, da agilidade enfim, do poder filico em seus diferentes matizes. E evidente que quanto mais enlagada a0 corpo ¢ 4s demonstragbes filicas é a cultura, mais a velhice se torna um palco de softimento para aqueles que a contemplam ou a vivenciam. Antes de localizarmos a velhice no mundo globalizado consideramos importante localizarmos — além das preciosas indicages de Freud sobre mal-estar na cultura ~ a estrutura do discurso do mestre moderno, ral como formalizado por Lacan, ¢ sua relagéo com o saber, com a verdade, ¢ © tratamento dado Aquilo que escapa aos significantes. mal-estar na globalizagio 0 discurso do mestre moderno Freud, em “O malestar na civilizagéo” (1930]acentua trés fontes da inflicidade: 0 nosso corpo, o mundo externo e nossasrelagBes com Outros seres % Citado por BEAUVOIR, Simone. A selhice. 1986, p. 147 ° FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilizagio [1930], 1974, ‘Avelhice no male da tars humanos. E interessante que, apesar de néo utilizar 0 termo “globalizagio”, a0 recomar sua tese de “Psicologia de grupo e andlise do eu" (1924],” indicard a questo da pobreza psicoldgica dos grupos, na qual a presenga do Outro que comanda é diluida em prol de uma (nica forma de se organizar, acentuando: Ese prigo (pobreza pscolgica dos grupos) & mais ameacador onde os vinculos de uma socidade so principalmente consttuidos plas ident- ficagBes dos seus membyos uns com 0s outros, enquanto que individuos do tipo de um lider no adquirem a imporeéncia que hes deveria caber 1a formacio de um grupo. O presente exado cultural dos Estados Unidos dda Amética nos proporcionara uma boa opoitundade para estudar 0 prcjuizo & cvilizacio, que assim & de se temer. Evita, porém, atenta- 0 de ingress numa erica da ciilzagio americana: nao deseo dar a impressio de que eu mesmo extos empregando mécodos americanos2* Apregoada ha séculos, a globalizacéo s6 se efetivou nas tiltimas décadas, Resultado da parceria do capitaismo modemo com acigncia, ela prescreve um modelo econdmico eum modo de vida inico: 0 moclelo ameticano,o american sway of life. Enere algumas das caracteristicas desse modelo esti 0 neolibera- lismo econdmico, comandado por leis do “mercado livre” (comandadas por regras rigidas de um mercado no qual prevalecem os grandes cartis), “livre” circulacio de homens, mercadarias,capitas eidias, imperativo do novo e do consumo, mecanizagéo da economia, informatizacio generalizada e, por fim, a tendéncia de se climinar o sujeito em sua particularidade” Como efeitos da globalizagéo, pode-se mencionar 0 predominio de uma sociedade de massa com acento na produgio e no poder, aumento da competicéo, das taxas de desemprego e do subdesenvolvimento para 0s paises pobres, violéncia, declinio dos ideais, da tradi¢So, predom{nio do indivi- ualismo e da ética do celibararismo,” do consumo exacerbado de objetos, desvalorizagio do Nome do Pai, desmentido da Lei. © desmantelamento FREUD, Sigmund. Psicologia de grupo eandlte da ego [1924], 1975, ® FREUD, Sigmund. O mal-star na civilizagio [1930], p. 138. » A propésito ve: MUCIDA, Angela. Mal-star na globaliagio, In: igué, maio de 2000, p. 32-43. * © celibatarismo nko dia respeito &prisica religiosa do celbato, mas é um conceico forjado por Lacan que trad determinada forma de relago do sueito com 0 objexo que visa escamotzar a incompletude do Outzo. sso se tacur em geral por reagoes transirias que evitam a inimidade ea exposigio as diferengas, bem como indica relagées com o objets em detrimenco do pareiro que als. E uma posgio que delimita,sobzeeudo, 0 gozo slitéro do homem moderno. wlo® O narcisismo e a formacao do eu Ovidio, em suas Metamorfoses, nos traz um interessante relato do mito de Narciso, afitmando algo préximo 3s formulagoes freudianas ¢ lacanianas ‘em torno do narcisismo e da imagem especular. Vejamos um fragmento: (O necessitio tracado pelo narcisi Deitouss etentendo matara sede, ‘Outra mais forte achou. Enquanto bebia, Viu-se na gua e cou embevecido com a propria imager. Julga corpo, 0 gue ésombra, e2 sombre adora, Extasid diante desi mesmo, em moverse do luges, © rostofixo, Narciso, parece uma esttua de marmore de Paros. LJ Admira tudo quanto admiram nee, Fm sua ingenuidade desea asi mesmo. ‘Asi proprio exaltae lowa, Inspira ele mesmo os ardores que sete. [..} Ceédulo menino, por que buscas, em vio, uma imagem fugidia? (O que procuras nto ers. Néo olhes desapaecer oobjeco de teu amor. Asombra que vésé um reflexo de rua imagem [J+ 10, eixo da constituigio do sujeito que deixa tragos indeléveis, o encorpecimento expresso por Narciso, no encontro com sua imagem ~ confusio entre ele € 0 outro -, a marca do eu como corporal, e o fasc{nio diante da prépria imagem, tudo isso nao estranho a psicandlise. Nao foi outra a observagao freudiana em 1914 20 esctever “Sobre 0 narcisismo: uma introdugio”. [esse texto, colocando em cena o narcisismo na perversio e na psicose, Freud afirmard que o narcisismo se encontra presente também nas neuro- ses € nestas, como na psicose, hé uma retragio da realidade, mesmo que *Apud BRANDAO, Junito. Micologa rege, 1989, p. 180. xe © suet nfo envshece— Pantie evehice caracterizada por mecanismos diferentes. Como Narciso, essa “chama que a si prdpria alimenta’,? o narcisismo imp6e mecanismos de protegfo ou de defesa contra os furos trazidos pelo encontro com a realidade. Propondo-se responder qual seria arelagio entre o autoerotisme (estado inicial da libido) eo narcisismo, e postulando tanto a existéncia de uma inica espécic de energia psiquica (libido sexual), bem como de um narcisismo primario para todos, Freud expe sua primeira tese: [No tocante & primera questo (relepo enre auroeotiono ¢ 0 nar ‘mo), poss ressaltar que estamos desinados a supor que uma unidade comparével ao ego mio pode existe no individuo desde 0 comegos 0 go tem de ser desenvolvdo. As pulses aucoerétcas,contudo, al ‘encontram desde 0 inco, sendo, pontanto, necssitio que algo scja atlcionado ao autoeroismo — uma nova ago pxfquica~a fim de pro- A principio exsttia, dessa forma, uma dispersio corporal oferecida pelas pulsbes autoerdticas; 2 formacio do eu comportaria a passagem desta a0 nar- cisismo primétio ~ tencativa de dar consisténcia & dspersio corporal por meio de cerva unidade corporal representada pelo eu ideal -, primeiro esbogo de imagem que causa jibilo ou éxtase diante de mesmo. O naccisismo primério, telago do sujeito & imagem, tem efeitos inevitéveis sobre as escolhas abjetais posteriores, Nessa ditesio existiria, conforme Freud, dois tipos de escolha: uma anaclitica ou de ligagio (se ¢ de “ligagao” pressupde-se que seja atravessada pelo processo secundério),transferéncia do narcisismo primério ao narcisismo objetal, e outra natcisica, busca de si mesmo no objeto amoroso. ‘Nessa vertente, o sujeito busca proteger seu narcisismo (“asi proprio exalea ¢ louva’), ¢ diante da castragio desenvolverd uma relagio com o Outro na qual parte do narcisismo possa ser resguardada. Essa nova ordem da econo- ‘mia libidinal esibe-se em torno da formagio do ideal do eu, como efeito do recalque. O ideal do eu representa agora o amor asi mesmo, anteriormente tepresentado pelo eu ideal, ou seja, 0 sujeito “abe mo” de uma satisfasio em troca de outra, “O que ele projera diante de si como sendo seu ideal € 0 substcuro do narisismo perdido de ua infincia na qual ele era seu pr6prio ideal! © eu ideal representa, pois, um ponto essencial da economia libidinal, SBRANDAO, Junito. Mitolgie erga, 1989, p. 181 S FREUD, Sigmund, Sobre 0 narcisismo: uma intodugto (1914). 1974, “FREUD, Sigmund, Sobee 0 narcissmo: uma introdusio [1914]. 1974, 93, ML. (0 imagine: imagem ecarpo ¢ todas as vezes que o sujeito se vé na vida de adulto em sieuagées nas quais o narcisismo € muito ferido, ele busca recuperi-lo sob a forma do eu ideal. Lacan, por sua ver, acentua: Sejam quais forem as modilicagdes que interyém em seu ambiente € seu meio, © que é adquitido como eal do eu permancce, no sujeto, cexatamente como a pisria que o exlado carregariana sola dos sapatos— seu ideal do eu Ihe pereenee é para ele algo de adquitido. Nao se trata cde um objeo, mas de uma coisa que, no suit, €@ mais$ © ideal do eu desempenha uma funcéo “tipificadora no desejo do sujeito™, encontrando-se ligado a toda economia libidinal, fundamental no enlagamento do sujeito a0 Outro. Na velhice, 0 encontro com o real de um corpo que se transforma, ‘marcado por uma imagem antecipada anunciando o irreparivel de algumas ‘modificagées ~ imagem nem sempre ficil de suportar — além de outras perdas concerentes as possiblidades de lagos sociais ~ pelos quais o ideal do cu poderia se sustentar -, tudo isso poder promover um retorno a0 cu ideal representado pela identificagio aos objetos. Assim, a caréncia de t1a¢0s simbélicos inteojerados pelo ideal do eu, pelos quais 0 sujeito se via susceptivel de ser amado, na auséncia de wm ideal que possa servir de me- diador entre o eu eo narcisismo e na caréncia de lacos sublimatérios, poderd subsistir para alguns idosos tanto o apego aos objetos quanto o predom{nio do ddio, além de estados depressivos passageiros ou nfo. Isso que o senso ccomum costuma caricaturar como “mania de velho” — apego excessivo aos objetos, observado em alguns idosos ~ parece-nos uma tentativa de se manter determinada consisténcia de si mesmos. Agarrando-se aos objetos especuléveis, buscam promover certo tipo de identificacéo de si mesmos ‘aos tragos depositados nos objetos. Se asublimagio, como foi assnalado, € uma via importante para tracar 0 real cla carrega determinada cota de fracasso em sta empreitada. Diferindo-se, ‘como acentuou Freud, da idealizagio (formagio do ideal do eu), cla é um processo relativo libido objetal (um dos destinos possiveis da pulsio), uma dererminada defleéo da sexualidade, enquanto a formagio de um ideal ~ a idealizagio ~ refere-se ao engrandecimento do objeto. “Um homem que tena ‘trocado seu narcisismo para abrigar um ideal elevado do eu, nem por isso foi SLACAN, Jacques. As formagies do inconciente, 99, p. 301. LACAN, Jacques. As formagies do inconciente, 1999, p. 301. © mje no envetbone~ Picante velice necessariamente bem-sucedido em sublimar suas pulsdes libidinais”” Mas, 20 contririo, pode-se deduzir que um trabalho sublimacStio efetivo reverte-se sempre favoravelmente a uma nova reorganizacio do ideal do eu. © sujeito encontrou, neste caso, mais recursos para opera com o real. (Como slintamos, odaa tecnologia que péde alongar vidaaté pontes inima- gindveisndo pode diminuira distincia entre um envelhecimento corporal inevitivel eum psiquico que nao envethece. De qualquer forma, 6 corpo sic que se modifica mais visivelmente na meia-idade, para alguns apés os 40 anos, somando-se is perdas objetais que se tornam mais numerosas (viuvez, perda de amigos e pparentes)¢ &s perdas sociais, tudo isso tem consequéncias sobre o narcisismo. O ideal do eu — correspondente, no adulto, aos ideais a serem aleanga- dos — encontra uma série de impedimentos na velhice, podendo provocar determinada regressio ou formagio de numerosos sintomas que buscam tratar o real exposto, mesmo que pela via do softimento. Se a tais modifica- 6es soma-se alguma doenga orginica, a conjuncio doenca e velhice surge como uma possivel resposta; a velhice passa a sero élibi para tudo. Como nos indicou Freud, na “Conferéncia XVI” [1916-1917], adoenca orginica,a estimulagéo doloros ou inflamacio de um drgio criam a condigio que results nicidamenteem um desligamento da libido de seusobjetos. A libido que éretirada éencontrada novamente no ego, sumentada da parte doente do corpo? Isso pode acoplar-se&hipocondria, io fequente na velhice; “um Grgio atrai atengio do eu, sem que, pelo menos na medida em que podemos perceber, esse Srgio esteja doente.”” Séo casos nos quais 0 sujeito nega as modificages inevitiveis cla velice, jusificando-as como doengas, ¢ entrando numa cadeia intermindvel de idas aos médicos como tentativa de tamponar o real em cena. [Nessa mesma conferéncia, Freud reafirma: “é provavel que esse narcsis- mo constitua a situacio universal e original a partir da qual o amor objetal s6 se desenvolve posteriormente, sem que, necessariamente, por esse motivo ‘o narcisismo desapareca.””” Quando o investimento objesal encontra no real muitos obstéculos,aten~ déncia éde queo sujet retroaja ao narcisismo primério, pela regresso libidinal. 7 FREUD, Sigmund, Sobre o narcsismo: uma introdusfo (1914), 1974, p. 112. * FREUD, Sigmund. A teoria da libido ¢o natcisismo [1916-1917], 1976, p. 489, ° FREUD, Sigmund. A teoria da libido eo narcisismo (1916-1917), 1976, p. 489. FREUD, Sigmund. A teria da libido e 0 narcisismo [1916-1917], 1976, p. 499. (agin velaice: nagar corpo O narcisismo, o estranho e a velhice Em “Oestranho” [1919], Freud tenta verificar os motivos da estranheza (es- tanh), nesseintuito, faz uma vasta pesquisa do termo em aleméo: Unheimlich (estranho), pasando iniialmente pelo sentido, supostamente, conttirio Heimlich (domésico, familiar, intimo, amistoso..), concluindo, de inicio, que a palavra _Heimlich condua 20 seu sentido opostos hd algo secreto e suspeito no familiar Das Unheimlich, por sua ver, acrescenta Freud retomando Scheling, “éo nome de tudo que deveria ter permanccido seerto e oculto, mas veo luz." Eo que 6 Heinlich vem a ser Unbeimlich.* O familias, ese secreo € escondido, toma ‘0 sentido de obscuro, associando-se com o estranho, ‘Aassociagio entre Heimlich Familiar) ¢ Unheimlich (estranho),adverte-nos Freud, é utilizada pela literacura como forma de causar suspense ¢ cnigma, Retomando 0 conto de Hoffmann, O homem de areia, Freud depura cada ‘vez mais 0 conceito de estranho, associando-o ao fenémeno do duplo; duplica-se a imagem como defesa contra a extingio, algo semelhante a0 ue ocorre nos sonhos. Tas ideias [..]brotaram do solo do amor pripriolimitado, do narcisismo primar que FREUD, Sigmund. O estanho (1919], 1976, p. 298 > FREUD, Sigmund. O estranho (1919], 1976, p. 301, ® FREUD, Sigmund. O estranho [1919], 1976 p. 306. 4 FREUD, Sigmund. O estrnho [1919], 1976, p. 310 (0 imagniio ma vehi imagem corpo Todos remetem a uma aproximacio com o real da castragio, & exposicéo de ‘um real diante do qual o sujeito esté desamparado, apartado de significantes que o nomeiem. Ou, de outra forma, como destaca Freud, ‘um estranho efito se apresenta quando se extingue a distingio entre imaginago erealidade, como quando algo que considerévamos imagi- dvi surge diante de nds na elidade, ou quando um simbolo assume as plenasfung6es da coisa que simboliza,e assim por diance.® Tudo isso, tocando o narcisismo, a imagem, o real ¢ 0 familiar, toca, impreterivelmente, também a velhice no que ela nos é familiar — envelhece- mos desde sempre~e naquilo que ela é sempre estranha, estrangeira. Tragos marcados retornam, muitas vezes apartados de um saber que hortoriza. ‘Para concluir, acentuamos que esse susto, essa sensagio de estranho, implica co encontro do sujeito com as nuances do rel — ponto de fixagéo, no dialerizivel nos termos de Freud ~ ou esse buraco, como afirmou Lacan a respeito do recal- «que origindvio. O estranho familiar € a lacuna diante do qual o sueito no tem palavras para nomeat, restando-Jhe buscar, entretanto, na cadeia significante—no ‘esouro signficante ~ representagbes possveis disso que escapa. Dirfamos que o estranho € 0 efeito do encontto do sujeito com o real sem um suporte adequado do imaginirio e do simbélico, ou quando esses dois registros se encontram incapazes, mesmo que momentaneamente, de dar um tratamento ao real Espelho, imagem e olhar [ud a imagem, € aquilo que de que sou excluldo. Ao contririo desses desenhos-charada, onde o cagador est secretamente desenhado na QUINET, AntOnio. Um ofbar a maiz. 2002, p43. 2» QUINET, AncOnio. Um olbar« mais. 2002, p.43 % Sobre a relagio ence olho eolhas, ver: Anténio Quine, Ui olhar « mais. 2002, parce IIL ¥ QUINET, Ans6nio, Un olbara maiz.2002, p. 42. (© imaginal: imagem corpo de um corpo fragmentado, despedagado, corpo para a morte, Nessa directo, a -vivéncia ndo seria mais prospectiva em diregéo a um ideal do eu a0 contrério, ho predominio de um ewhediondo, repugnante, revelado pela queda do ideal. Parao autor, essa percepcio antecipada de despedacamento (morcellement), cm francés conjuga-se com mort (morte) escellement (colagem, cimentacio) ~ fu ressurgir 0 fantasma do corpo despedacado. Se a primeira experiéncia do estidio do espelho € retroativa — pelo menos na neurose 0 sujeito no para nessa experiéncia -, & sempre um retorno ao passado, essa vivéncia de despedagamento vivida muitas vezes na velhice é a0 contrétio, uma antecipagéo sem retorno, pois vérias das mudangas em curso no oferecem perspectivas de novas aquisigées. Ao contririo, tratando-se da imagem so perdas que, néo encontram nenhuma reparagio € com as quais 0 sujeito deverd se conformar e se adaptar. A imagem tragada na velhice pode trazer um reencontro 20 estidio do espelho, mas dessa vez pelo espelho “quebrado”, com 0s mecanismos presentes no segundo momento do estégio do espelho, sobretudo pela agressividade contra essa imagem que se vé e se odeia, ten- tativa de matar esse outro no qual o idoso se aliena Por consequéncia, a antecipacio da imagem vivida na velhice pela experi- Encia do duplo ou do espebho quebrado— a0 conttério da primeira antecipasio dda constituigio do eu que precipita para o sujeito uma primeira identificagéo — provoca uma aflgio, uma inquietante estranheza que, para alguns, anuncia a dependéncia 20 Outro ¢ uma nova alienacao do eu: uma “tensio agressiva nasce entreo exe ocuhediondo, porque se deseja destrur esa imagem insuportével.”** Essa vivencia do espelho quebrado traduz-se, ainda, conforme 0 autor, por uma fase depressiva correspondente & perda da imagem ideal E importante ressaltar que sal perda da imagem ideal nio se refere simplesmente a uma mudanga na imagem corporal crazida pelas rugas, pelos cabelos brancos, elasticidade da pele, mas, como indicado por Freud € Lacan, essa imagem ideal cefere-se & constituigéo do sujeito, marcando-o de forma irevogavel. Na crianca, 2 tensio entte 0 eu € 0 eu ideal é regulada pela ideal do eu tracos simbélicos,significantes que fazem emergir para 0 sujeito perspectivas diversas de lacos sociais. Esses tragos introjetados Ihe ‘oferecem uma promessa de amor, se determinadas exigéncias forem aceicas. Naadolescéncia, apesar das difculdades com um corpo que se transforma, provocando certo luto do que se foi, existem, concomitantemente, novas petspectivas de um futuro a ser cumprido por esse corpo pelasidentificacées % MESSY, Jack. La perronne dgéem'zciste pas. 2002, p. 99 (© so no enveace~ Pca «elie 42 Outro, Hum lato, mas um luro de passgem, € compo, ese cestrangeiro de cada um, recebe marcas que seabrem a novas aqusicocs [De forma, raver, invers, na velhiceaimagem é marcada por diferentes Imudangas dance das quai 0 sujcito 56 poderi fazer um trabalho de lane io hé como impedir esse processae, sobretudo, nao existe uma valorizagio Possivel dessa imagem pela qual, como na adolescéncia, 0 idoso poderia se ‘dentificr. A imagem da velhice, além de néo ser valorizada culturalmen- fs, nio tran perspectivas de novas aquisigbes, pelo contrario, delineiam-se Sranat Petdas. Hd também as difculdades dese econhecer naquilo que ° espelho apresenta, e no paradonal,ofito de que para cada um o velks & sempre 0 outro pode provocar para alguns, uma ercepeio ~ mesmo que llusri, como toda pereepgio de que afinal a imagem nio se medi com aati Multossujeitos no vivenciam essa modificago da imagem como perda dolorosa ou porque estio atrelados a outra imagem interns de simesmo ~ mais importante e forte do que aquelaofeecida pela imagem

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