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SABOROSA E ECLÉTICA

AVENIDA ATLÂNTICA
A ORLA DE COPACABANA NÃO
SE CONTENTA EM SER LINDA: FAZ
QUESTÃO DE TER OS MELHORES
QUIOSQUES DA CIDADE

RIO JA
A GUERRA DA TIROLESA

. ANO 2 . Nº 17 . ABRIL . 2023 . www.rioja.com.br


DO PÃO DE AÇÚCAR
NADA MAIS CARIOCA: O NOVO
EQUIPAMENTO DE LAZER
DO RIO NEM FOI INAUGURADO
E JÁ PROVOCA POLÊMICA

1  RIO•JÁ
A VOLTA DO ROXY: DEPOIS DE LONGOS ANOS DE ABANDONO, A RESSURREIÇÃO COMO UMA MODERNA CASA DE ESPETÁCULOS
EDITORIAL•

O FUTURO DO RIO É JÁ
como politicamente correta, de que nada uma metrópole em permanente mudança,
pode ser alterado na ordem ambiental vi- nasce um outro projeto importante para
gente. reerguer o turismo carioca: a transforma-
Para usar uma expressão motivacional ção dos salões do extinto Cine Roxy – uma
britânica da Segunda Guerra Mundial, é verdadeira joia do estilo Art Déco – em
necessário manter a calma e continuar casa de espetáculos para turistas, ao es-
analisando os fatos objetivamente (keep tilo do Moulin Rouge, de Paris. Alexandre
calm and carry on). Não se pode ceder a Accioly, sócio das academais Bodytech, e
todo e qualquer argumento politicamente Dody Sirena, empresário de Roberto Car-
correto apenas para não se indispor com los, se juntaram na empreitada que visa a
o senso comum. É necessário enfrentar o novamente dar vida àquele espaço hoje
debate com lucidez e coragem. totalmente degradado.
RICARDO BRUNO Benfazeja, a obra vai recuperar em mi-
Chefe de redação
HÁ QUASE UMA HISTERIA NA núcias o lendário prédio do Roxy, cujo
OPOSIÇÃO A PROPOSTAS QUE glamour se esvaiu na esteira da substi-

I
DE ALGUMA FORMA MUDAM A tuição dos projetores à carvão, primeiro,
nvariavelmente, intervenções ur- CONFIGURAÇÃO DE ESPAÇOS pelo videocassete, e mais recentemente
banas não convencionais desper- PÚBLICOS OU PRIVADOS. QUASE pelo streaming. O Roxy, como de resto as
tam polêmicas, alimentam debates, NADA ESTÁ A SALVO DO CERCO salas de projeção em geral, sucumbiu ao
inflam posições antagônicas. As IMPLACÁVEL DE GRUPOS avanço tecnológico.
reações contrárias, contudo, nem ORGANIZADOS OU DE AÇÕES DA O prédio não será transformado em su-
sempre expressam o ponto de equilíbrio CHAMADA TUTELA COLETIVA permercado, tampouco uma igreja fará
abstrato onde residem a lógica e a razão, DO MINISTÉRIO PÚBLICO. púlpito no local. O espaço continuará des-
base de uma análise sensata. Mudanças INSTAUROU-SE UMA SEVERA tinado às artes, abrirá mercado de traba-
trazem apreensão – sempre. Há um medo PATRULHA NESTA SEARA. lho para músicos, cantores, cenógrafos
atávico de se perder espaço, de se alterar a alimentando toda a cadeia produtiva dos
rotina ou de se ver reduzida a relevância de Neste diapasão, a Rio Já apresenta a espetáculos. Mas, pasmem! , há opini-
nossas posições no conjunto da sociedade. polêmica sobre a construção da tirole- ões contrárias. Lamentam a destinação
Enfim, há um reacionarismo culturalmen- sa ligando o Pão de Açúcar ao Morro da da área e reclamam a volta dos salões de
te arraigado, sempre à espreita – suposta- Urca. Aprovada após exaustivas análises cinema dos anos 60, com pipoca e lanter-
mente pronto a nos proteger das ideias ou dos órgãos ambientais municipais e fede- ninhas. É saudosismo apenas.
projetos ameaçadores. rais, a novidade colocou em lados opostos
A situação se agrava quando envereda- ambientalistas e entusiastas do turismo BENFAZEJA, A OBRA VAI
mos no debate ambiental. Há quase uma na cidade. Empedernidos, os arautos do RECUPERAR EM MINÚCIAS O
histeria na oposição a propostas que de mundo ecologicamente perfeito veem LENDÁRIO PRÉDIO DO ROXY
alguma forma mudam a configuração de grave ameaça na obra – diferentemente
espaços públicos ou privados. Quase nada da análise técnica dos órgãos de controle. Nesta edição também, a talentosa Caro-
está a salvo do cerco implacável de grupos O repórter Jan Theóphilo se aventurou line Rocha visitou o ‘Fazendo a Diferença
organizados ou de ações da chamada tutela na adrenalina do debate sobre a obra po- no Jiu-Jitsu’, projeto que visa a utilizar
coletiva do ministério público. Instaurou- lêmica. Descobriu que até os prováveis o esporte como ferramenta para inclu-
-se uma severa patrulha nesta seara. gritos de pavor dos futuros frequenta- são social de pessoas com deficiência. Ela
É verdade que, historicamente, houve dores são usados como argumentos da ouviu relatos densos de emoção a respeito
displicência, desídia e irresponsabilidade suposta interferência no ecossistema e das consequências da iniciativa, aparen-
no trato de questões ambientais. A postu- na tranquilidade dos moradores da Urca. temente corriqueira, na transformação da
ra negligente trouxe degradação e danos Detectou, de resto, os exageros da crítica vida de crianças com Down ou autistas.
irreparáveis ao ambiente. Ocorre que, em mas, igualmente, deu voz ao outro lado, E mais: Bruno Agostini mostra as mara-
sentido contrário, criou-se uma barrei- onde perfila o indômito Carlos Minc. O vilhas gastronômicas dos quiosques à bei-
ra insensata – às vezes intransponível - a parlamentar denuncia o corte de pedaços ra mar. E Aydano Motta revela em sinopse
qualquer iniciativa que altere minima- do bloco rochoso, patrimônio mundial da a concepção criativa da série Encantado’s,
mente a paisagem das cidades. Em defesa Unesco – o que configuraria intolerável o supermercado que vira escola de samba,
do interesse coletivo, por suposto, esta- agressão ambiental. e, agora, chega à TV Globo.
beleceu-se regra não escrita, mas aceita Em meio a tantas cizânias urbanas de À leitura.

RIO JA
Diretores: Repórteres: Projeto gráfico e edição de arte:
Ricardo Bruno Aydano André Motta André Hippertt
Washington Quaquá Bruno Agostini Chargista:
Caroline Rocha
www.rioja.com.br Chefe de redação
Ricardo Bruno Jan Theophilo
Aroeira

Luisa Prochnik
CABO DE
CAPA•

GUERRA
Apesar da da forte oposição dos ambientalistas, o Pão
de Açúcar terá em outubro uma tirolesa de 755 metros
entre o alto da montanha e o topo do morro da Urca

Divulgação
JAN THEOPHILO Reforçavam que, se o monumento esti- outubro deste ano), os aventureiros Minc ou o presidente do Instituto de As críticas mais pesadas, entretanto, que é completamente proibido nesse

Q
vesse em um local menos paradisíaco, descerão a quase 100 km/h durante cerca Pesquisas Jardim Botânico, Sérgio Bes- vieram do sempre alerta deputado Car- monumento natural, que é uma Área
uando o Cristo Reden- como uma comunidade pobre da cida- de um minuto os 755 metros de cabos de serman Vianna. Embora reconheça a los Minc. O parlamentar afirma que. ao de Proteção Permanente e Patrimônio
tor foi escolhido como de, talvez sequer fosse lembrado por al- aço do itinerário – com direito a um visual qualidade do projeto, para o economista longo dos dois anos e meio que o projeto Mundial da Unesco. Quer dizer, o que
uma das sete maravilhas guém. Hoje, de novo, os ambientalistas inigualável. O brinquedo é uma espécie e ex-presidente do IBGE, a tirolesa está levou para ser aprovado nas esferas mu- pediram no início era uma falsidade.
do mundo moderno, em se articulam para tentar brecar a insta- de ponta de partida para um projeto mais na contramão da história. “Todas as ci- nicipal e federal, os empreendedores Depois de flagrados é que acrescenta-
um ranking criado em lação de uma das atrações mais curiosas amplo, que prevê várias ações visando à dades protagonistas da revolução sus- foram fazendo mudanças e pedindo ram que tinha mesmo corte de rocha.
2007 pela organização suíça New Open que os cariocas verão desde a chegada modernização do famoso ponto turístico tentável têm ações de renaturalização. licenças complementares. “No início, Também nos pedidos iniciais do ano
World Corporation, ecologistas criti- da roda-gigante do Porto Maravilha ou pelos próximos 10 anos. Berlim chega ao ponto de toda a cidade informaram que não iam cortar nada passado, diziam que não teria nenhuma
caram a decisão. Diziam que a estátua do AquaRio: uma tirolesa com quatro A reação ao projeto mobilizou pe- estar recuperando a fauna local. Sendo da pedra. Mas depois que foram flagra- ampliação. Nos seguintes, em dezem-
de 30 metros de Paul Landowski não linhas paralelas entre o Pão de Açúcar sos-pesados entre os ambientalistas assim, o Rio trocaria uma paisagem na- dos cinco caminhões de pedra sain- bro e agora em janeiro, começaram a
merecia tal honraria, mas sim o Parque e o morro da Urca. do Rio, como o ex-deputado Fernando tural iconográfica por uma construção, do de lá, mudaram o pedido, dizendo dizer que tem que ter a ampliação das
Nacional da Tijuca, onde está instalado. Quando inaugurada (a previsão é para Gabeira, o deputado estadual Carlos ou seja, na contramão”, diz Sérgio. que realmente tinha corte de rocha. O construções, porque vai aumentar o

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CAPA•
Fotos: divulgação

movimento turístico. Mas esse tipo de A REAÇÃO AO PROJETO que anualmente escalam as quase 200 rocha, mas elas foram mínimas, autori-
ampliação também é vedado”, afirma MOBILIZOU PESOS-PESADOS vias de acesso do Morro da Urca e do Pão zadas pela Geo-Rio e sempre visando à
o deputado Carlos Minc, que apresen- ENTRE OS AMBIENTALISTAS de Açúcar. acessibilidade ou segurança. “E essas
tou projeto à Assembleia do Rio que, DO RIO, COMO O EX-DEPUTADO O ponto de partida da tirolesa ficará intervenções foram realizadas em áreas
se aprovado, proibirá quaisquer novas FERNANDO GABEIRA, O no mesmíssimo local de onde partiam os já construídas, algumas delas antigas
construções no Pão de Açúcar. DEPUTADO ESTADUAL CARLOS primeiros bondinhos no século passado. áreas técnicas que estavam foram de
O zumzumzum envolvendo o projeto MINC OU O PRESIDENTE DO Não há previsão de aumento significa- circulação”, afirmou.
(assinado pelo renomado escritório de INSTITUTO DE PESQUISAS tivo de público, já que serão entre 100 e Finalmente, pelo jeito nem os monta-
arquitetura Índio da Costa), foi tama- JARDIM BOTÂNICO, SÉRGIO 120 “decolagens” diárias. Os bilhetes nhistas cariocas estão torcendo o nariz
nho que chegou a circular a “informa- BESSERMAN VIANNA. deverão ser comprados antecipadamen- para o projeto. Para Fábio Nascimento,
ção” de que os gritos de pavor dos usu- te para que se possa diluir os aventu- presidente da Associação Carioca de
ários iriam interferir no ecossistema O ZUMZUMZUM ENVOLVENDO reiros ao longo do dia. E os trolleys (as Turismo de Aventuras (ACTA), a tirolesa
e no sossego dos moradores da Urca. O PROJETO (ASSINADO PELO cadeirinhas que amarram o passageiro é mais um produto, uma oportunidade,
Isto levou os organizadores a promover, RENOMADO ESCRITÓRIO DE no cabo) permitirão que cadeirantes vi- a ser oferecida aos visitantes da cidade.
no último dia 12 de abril, uma live para ARQUITETURA ÍNDIO DA COSTA), venciem a mesma experiência que qual- “São na verdade várias oportunidades:
esclarecer as dúvidas e estranhamen- FOI TAMANHO QUE CHEGOU A quer outro usuário. Durante as obras, minha associação é formada por peque-
tos da turma do bairro e adjacências. CIRCULAR A “INFORMAÇÃO” DE foram retiradas 14 árvores de nove es- 2008. Partindo da montanha mais alta “COM A TIROLESA A GENTE nas empresas e o impacto para elas será
“É importante salientar que o processo QUE OS GRITOS DE PAVOR DOS pécies diferentes que não fazem parte do do país, o início da descida está a 1.680 VÊ O RIO ATINGINDO muito positivo, com novos empregos
de licenciamento do projeto da tirolesa USUÁRIOS IRIAM INTERFERIR ecossistema do Pão de Açúcar (algumas metros acima do nível do mar e o trajeto UM NOVO PATAMAR, SE sendo gerados”, diz ele: “com a tirole-
tomou quase dois anos e meio de dis- NO ECOSSISTEMA E NO SOSSEGO até de fora do Brasil). Em compensação, se estende por 2,8 km, o equivalente a TORNANDO REFERÊNCIA sa a gente vê o Rio atingindo um novo
cussões com os órgãos licenciadores. DOS MORADORES DA URCA. foram plantadas 83 árvores de espécies 28 campos de futebol. TAMBÉM EM TURISMO DE patamar, se tornando referência tam-
E todas as licenças foram obtidas”, diz nativas. “O projeto é delicado e inte- No intuito de derrubar de vez o argu- AVENTURA. QUANDO A bém em turismo de aventura. Quando
Sandro Fernandes, CEO do Parque Bon- DURANTE AS OBRAS, FORAM grado na paisagem. Esses locais foram mento de que a gritaria dos apavorados IMAGEM DA TIROLESA SE a imagem da tirolesa se espalhar pelo
dinho Pão de Açúcar: “a concepção da RETIRADAS 14 ÁRVORES DE extremamente estudados para que não afetaria a tranquilidade da vizinhança, ESPALHAR PELO MUNDO mundo trará mais notoriedade à cidade
tirolesa nasceu sobre dois aspectos. O NOVE ESPÉCIES DIFERENTES desfigurem o morro, escolhendo assim uma empresa especializada em acús- TRARÁ MAIS NOTORIEDADE mais linda do mundo”.
primeiro quando estávamos analisan- QUE NÃO FAZEM PARTE DO lugares onde o homem já havia inter- tica foi contratada e instalou caixas de À CIDADE MAIS LINDA DO O Ecoturismo e Turismo de aventura
do a nossa visão, que é a de se tornar a ECOSSISTEMA DO PÃO DE ferido”, diz o arquiteto Índio da Costa. som embaixo dos teleféricos. Foram MUNDO”. é um mercado mundial que movimen-
melhor plataforma integrada de experi- AÇÚCAR (ALGUMAS ATÉ Apenas para efeito de comparação, reproduzidos os sons reais de quatro ta quase US$ 1 trilhão, no qual o Brasil
ências sustentáveis: criar um momento DE FORA DO BRASIL). EM a tirolesa da Urca é quase um suspiro. pessoas berrando em conjunto a plenos ocupa a 6ª colocação como destino mais
único da pessoa com a natureza. E ana- COMPENSAÇÃO, FORAM A maior do Brasil, conhecida como pulmões – um cenário impossível de se diretor de Novos Projetos do Parque: procurado, sendo o principal motivo das
lisando um aspecto importante: o Pão de PLANTADAS 83 ÁRVORES DE K2000, tem pouco mais de dois quilô- replicar na realidade. “As conclusões “E em alguns pontos, o som ambien- viagens de 18,6% dos visitantes exter-
Açúcar é altamente correlacionado ao ESPÉCIES NATIVAS. metros e é tão comprida que está loca- demonstraram que tanto na Urca, quan- te era até mesmo superior ao emitido nos e de 25% dos visitantes internos no
esporte”, diz. Estima-se que quase 300 lizada entre dois municípios do Vale do to na unidade de conservação e na pista pela tirolesa”. Quanto à crítica de que país. Já o Pão de Açúcar é um dos sím-
mil pessoas todos os anos sobem a trilha Itajaí/SC: Rodeio e Benedito Novo. Já a Cláudio Coutinho, as captações apon- se estariam cavando o rochedo, o di- bolos do Rio e do Brasil, reconhecido em
da pista Cláudio Coutinho até o Morro da maior do mundo é a de Jebel Jais, inau- taram volumes inferiores ao definido retor técnico do Parque Diego Scofano todo o planeta e visitado por 1,6 milhões
Urca. Fora outros 10 mil montanhistas gurada nos Emirados Árabes Unidos em pela legislação”, diz Marcelo Gomes, admite que houve, sim, intervenções na de pessoas no ano de 2022.

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CAPA•
Luisa Prochnik Fotos: divulgação

ILUSTRES
PASSAGEIROS:
DE EINSTEIN
AO PIOR JAMES
BOND DA
HISTÓRIA
Há registros de que pelo menos
desde o século XIX a vista espetacular
da Baía de Guanabara levou curiosos
e alpinistas a escalar o Pão de Açúcar.
Até que em 1908 o engenheiro Augusto
Ferreira Ramos idealizou um sistema
teleférico que facilitasse o acesso ao
alto do rochedo. Quando o bondinho foi
construído, só existiam dois no mundo:
o teleférico de Monte Ulia, na Espanha,
com uma extensão de 280 metros e
que foi construído em 1907; e o telefé-
rico de Wetterhorn, na Suíça, com uma
extensão de 560 metros, construído
em 1908. Para realizar seu empre-
endimento, Ramos teve de passar o
chapéu entre figuras conhecidas da
alta sociedade carioca, como Eduardo
Guinle e Raymundo Ottoni de Castro
Maya. O projeto inicial previa uma outra
ligação do Morro da Urca até o Morro da
Babilônia, no Leme, mas foi descartada
por passar por uma área considerada
de segurança nacional.
Para esticar o cabo foram mobili-
zados mais de 400 operários-escala-
PÃO DE AÇÚCAR TERÁ PLANO DIRETOR
dores. Um guincho auxiliou na subida
dos cabos de aço e até hoje é possível o show de lançamento de seu primeiro É razoável supor que os ambientalistas Foi feito um levantamento técnico de ambulantes perturbando, os visitantes
ver os pinos que foram colocados por disco: “Cena de Cinema”; e onde um estejam fazendo uma certa confusão en- todas as construções, curvas de nível aguardarão a subida participando de
estes escaladores na rocha na subida certo Renato Russo não entendeu tre a tirolesa, um equipamento de lazer, dos morros e finalmente uma simulação uma imersão audiovisual na história do
pelo Costão do Pão de Açúcar. Os carri- nada quando uma plateia de punks de e um projeto mais amplo, que ainda está gráfica, retirando toda a vegetação. “Foi Rio de Janeiro.
nhos, com capacidade para 22 pesso- butique e góticos enfurecidos vaiou a em fase conceitual, que é o Plano Diretor a primeira vez que alguém viu as estrutu- “Chegaram a dizer que queremos
as, foram importados da Alemanha e primeira apresentação pública de uma do Parque Bondinho do Pão de Açúcar. ras desta forma, porque essas constru- fazer um shopping no Morro da Urca,
rebatizados aqui como “bondinhos” canção chamada “Eduardo e Monica”. “Com 110 anos, é necessário que o ções estão disfarçadas pela vegetação”, uma barbaridade, não haverá acrésci-
porque os cariocas viam neles seme- “O que faz ser o que nós somos é o parque se atualize”, diz Sandro Fernan- diz Guto: “muito maldosamente, essas mo de áreas comerciais”, diz Guto Índio
lhanças com os bondes que circulavam nosso DNA inovador. Um exemplo foi des, CEO do Parque. “O Plano Diretor é imagens foram divulgadas como se fosse da Costa. Nos dois rochedos, as inter-
pela cidade. A inauguração oficial foi a troca da cabine, em 1972, pelo novo nada menos do que uma visão macro de a proposta do nosso projeto. Como se venções são mais ou menos as mesmas:
em 27 de outubro de 1912, quando o te- conceito, todo translúcido”, diz Sandro todo o parque, pela primeira vez sendo fôssemos desmatar o morro e construir melhoria nos mirantes, nas passagens,
leférico só subia da Praia Vermelha até Fernandes, CEO do Parque Bondinho pensado de ponta a ponta”. uma imensa estrutura que, de fato, transformar as coberturas de lona
o morro da Urca. Três meses depois, Pão de Açúcar. Sete anos depois o Segundo o arquiteto e designer Guto está lá há muitos anos, disfarçada pela branca em pergolados de madeira e
em 18 de janeiro de 1913, já ia até o alto bondinho alcançaria a glória interna- índio da Costa, basta olhar a estação vegetação”. separar as áreas de serviço das áreas
do Pão de Açúcar. Em 1925, durante cional ao servir como cenário para uma da Praia Vermelha para entender a O conceito do Plano Diretor é dividido de visitação. Todos os prédios deverão
visita ao Rio, o físico Albert Einstein fez emocionante sequência do filme “007 necessidade do plano. “É um prédio que em três pontos. O primeiro é a reforma ter telhados verdes. “Parece piada, mas
questão de apreciar o passeio. contra o foguete da morte”, na qual o começou de uma forma, depois foi sendo da estação da Praia Vermelha, que deve- muitos visitantes hoje não chegam ao
Nos anos 1940, o Morro da Urca co- agente secreto britânico James Bond adaptado a novos usos diferenciados rá ganhar amplas varandas ajardinadas, Pão de Açúcar. Elas param no Morro da
meçou a se firmar como um importan- (interpretado pelo mais questionado e hoje tem linguagens arquitetônicas integradas à mata do fundo. Onde hoje Urca porque não entendem que existe
te ponto de encontro da música cario- dos agentes de Sua Majestade, Roger completamente diferentes. Ele é uma há o pergolado da fila (que será man- uma terceira estação”, conta Guto.
ca. Foi lá, anos mais tarde, que Cazuza Moore) derrota o inimigo Dentes de soma de intervenções ao longo de mui- tido), a ideia é fazer uma leve rampa, “Nossa ideia, portanto, é propor uma
fez seu primeiro show solo, após Aço, interpretado por Richard Kiel. Até tos anos”. descendo suavemente até o antigo nova geometria de rampas, acessos e
deixar o Barão Vermelho; onde Lobão, o fechamento desta edição, mais de 40 O primeiro movimento da equipe de subsolo técnico do prédio. Desta forma, fluxos recriados para facilitar a circula-
também recém-saído da Blitz, fez para milhões de passageiros já haviam passe- Guto foi gerar uma imagem tridimen- a fila passa para dentro do prédio, onde ção. É um projeto que deverá levar uns
meia dúzia de quatro ou cinco pessoas ado no bondinho do Pão de Açúcar. sional mostrando tudo o que existe hoje. em um ambiente climatizado, e sem 15 anos para ser implementado”.

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GASTRONOMIA•
Luisa Prochnik

Fotos: Bruno Agostini


ATLÂNTICA
de todos os sabores
Uma das praias mais famosas do mundo, Copacabana
abriga nada menos do que 64 quiosques e reserva a
turistas e cariocas um inesquecível passeio gastronômico
BRUNO AGOSTINI temperos extras por ali, que tornam tudo manhã, um almoço ou lanche de tarde. A

N
ainda mais saboroso: as ondas batendo cozinha não é menos importante, e está
as mesas debruçadas so- nas pedras, e o natural marulho, o vai- à altura do panorama. Por trás do res-
bre a mureta centenária vém das pranchas de stand up paddle, e taurante está Edu Araújo, que também
do Forte de Copacabana, até tartarugas são avistadas nadando por comanda outras casas de sucesso no Rio,
a vista é privilegiada: Pão lá, com sorte. Isso faz do Café 18 do Forte como o italiano Pope, em Ipanema, e os
de Açúcar ao fundo e toda um dos lugares mais agradáveis do Rio bares Chanchada e Quartinho, ambos
a orla curvilínea que vai até o Leme. Há para uma refeição, seja um brunch, de em Botafogo.

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GASTRONOMIA•
Bruno Agostini Fotos: Bruno Agostini

Do lado, a filial de um ícone carioca, a Do Forte de Copacabana até a Mureta tendo a vista de brinde, e a brisa como
Confeitaria Colombo, que ali serve um do Leme são pouco mais de quatro qui- ventilador.
menu reduzido para um público gigan- lômetros de extensão. De um ponto a Nas últimas semanas, pude com-
tesco. Às terças, quando a entrada (nor- outro, existem 64 quiosques, que apre- provar isso ao visitar alguns desses
malmente R$ 10) é gratuita, fica mais di- sentam os mais variados cardápios: tem estabelecimentos, começando pelo
fícil conseguir uma mesa em algum dos charcutaria, cozinhas marinhas, pratos Café 18 do Forte e terminando na
dois cafés vizinhos. Às 10h já tem popu- nordestinos e até clube de jazz, com di- Mureta do Leme. Bebi Bloody Mary
losa fila na porta, muitas vezes chegando reito a menu italiano para acompanhar com camarão (servido de guarnição
até a Colônia de Pescadores do Posto 6. o som - muito bom, por sinal. no próprio drinque), provei cobb sa-
Com as temperaturas mais amenas e os Com a nova estrutura subterrânea, es- lad de atum, polvo com baião de dois,
dias de sol que marcam a temporada de paço para banheiros e cozinhas equipa- caldinho de feijão e massas “vera-
outono-inverno carioca, tudo fica ainda das, encontramos alguns lugares que não mente” italianas, entre outras coisas
melhor: menos calor, pouca chuva. ficam nada a dever a bons restaurantes, saborosas.

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GASTRONOMIA•
Fotos: Bruno Agostini Fotos: Bruno Agostini

ambientes que remetem à cultura nor-


destina, tem um menu repleto de car-
ne-de-sol, queijo coalho e escondidinho
de camarão, mas também tem picanha e
até pratos vegetarianos.
Não falta nem mesmo uma boa tratto-
ria, ainda que o nome não indique isso:
no Gávea Beach Club, já no Leme, com
unidades também em São Conrado e na
Barra, quem dá as cartas são os irmãos
napolitanos Jolanda e Maurizio Rug-
giero. O menu é mediterrâneo, como
eles. As massas são excelentes, cozidas
no ponto certo, al dente, e com molhos
clássicos, como o matriciana, ótima es-
colha. No subsolo existe até um club de
jazz, a Taverna del Mar, que é um verda-
Nosso roteiro praiano começa no Café giando receitas mais leves, com desta- nho de 2013), um dos pioneiros, serve mos temporadas temáticas, como a que de gim, fireball, cordial de abacaxi, soda deiro achado.
18 do Forte, que está com menu novinho que para peixes e frutos do mar, como a petiscos com nomes bem humorados, celebrou os Novos Baianos e a homena- artesanal Dumare e espuma de pitaya
em folha, lançado em meados de abril. Tuna Cobb Salad, uma versão da famosa que trazem expressões típicas da cidade, gem à música de Minas Gerais – diz Dani com capim-limão. TERMINAMOS O PASSEIO NA
Alguns pratos não podem ser excluí- salada californiana, que fazia sucesso como o Tirando Onda (anéis de lulas à Barreto, sócia da casa. Seu vizinho é a novidade mais re- MURETA DO LEME, ONDE ESTÁ
dos, caso do steak tartare, muito bem entre artistas de cinema, composta por dorê servidos com molho rosé da casa) cente, inaugurada no fim de março: é O QUIOSQUE DE MESMO NOME,
temperado, que pode ser escoltado por atum selado, ovo, minimilho, tomati- o Tá Ligado (dadinhos dourados de ta- CONTINUANDO PELO CALÇADÃO a filial oceânica do badalado botequim FAMOSO PELO PÔR-DO-SOL E
fritas de verdade, cortadas na faca, as- nhos, cebola roxa, azeitonas, brócolis e pioca com queijo coalho servidos com PROJETADO POR BURLE Enchendo Linguiça, que tem esse nome PELA ESTÁTUA DE CLARICE
sim como a carne. gergelim. Muito adequado. Assim como geleia artesanal de pimenta de abacaxi), MARX ALUDINDO ÀS ONDAS por fazer seus próprios embutidos, que LISPECTOR.
Ali, o menu é dividido em dois horá- a carta de vinhos, com direito a bons ró- o Show de Bola (filé-mignon aperitivo ATLÂNTICAS, TEMOS UMA DUPLA estão entre os destaques do menu. As-
rios. De 10h às 13h e das 16h às 19h são tulos próprios. acebolado servido com aipim crocante DE QUIOSQUES VIZINHOS QUE SE sim como o célebre joelho de porco, um O menu é eclético, e vai de petiscos,
servidos itens de café da manhã, como na manteiga de garrafa e queijo derre- COMPLETAM, AMBOS ABERTOS dos melhores e mais fotografados do Rio. como pastéis, batata frita com queijo e
waffle, bagel com salmão e ovo, além CONTINUAMOS O TOUR À tido, para até três pessoas), o Fala Sério! RECENTEMENTE. Uma TV de cachorro, onde ele é prepa- bacon, filé aperitivo e porções de frutos
de drinques leves, como mimosa. Ao BEIRA-MAR, E NO CAMINHO (camarões empanados em massa leve rado, na matriz do Grajaú, ali surge em do mar empanados, a pratos como ri-
meio-dia tem início o menu de almoço, PODEMOS TIRAR UMA FOTO servidos com aïoli de ervas finas) e o De um lado está o Dumare, inaugurado forma de cenografia, dominando a en- soto de camarão cremoso, tornedor de
que traz o tartare, alguns outros petis- COM DRUMMOND SENTADO Vem que Vem Quicando (camarões com na véspera de Natal do ano passado, em trada do boteco. mignon ao Madeira, picanha na chapa,
cos bons para beliscar, como bolinhos ETERNAMENTE NO SEU BANCO casca salteados em azeite com alho). As 24 de dezembro. Como o nome sugere, Um pouco mais antigo, inaugurado com arroz, feijão e farofa, e costelinha
de brisket e o crudo de atum com strac- DE GRANITO. receitas foram criadas com a consultoria serve um menu voltado aos pescados, em 2021, o Arrastapé poderia estar na ao barbecue. Encerramos vendo o cair
ciatella, além de sanduíches e pratos das chefs Rô Gouvêa e Ciça Roxo. Já os onde podemos degustar receitas como Feira de São Cristóvão, mas escolheu da tarde e os anzóis sendo lançados no
quentes. Entre as novidades está o arroz Em frente ao hotel Pestana está ou- drinques foram criados pelo bartender o polvo com baião da praia, os camarões Copacabana, e serve uma boa amostra Caminho dos Pescadores, a continua-
meloso de polvo, com linguiça. tra boa parada, com jeitão de boteco e uruguaio Walter Garin, um dos melhores empanados no coco, a frigideira de frutos da cozinha nordestina, o que atrai tu- ção da calçada da Mureta.
A gente sai da fortaleza e praticamente menu irreverente: é o Coisa de Cario- do Rio, criador de receitas como o Pôr do do mar e a panela de peixada à escabe- ristas interessados na cultura brasileira Do desjejum no Café 18 do Forte até o
tropeça no Tropik, primeiro quiosque ca, que tem um bom jazz nas noites de Sol, com maracujá, abacaxi e pimenta da che, além de ceviches, entre outras re- e cariocas. Foram os campeões do Prê- fim de tarde na Mureta do Leme, cruza-
do Posto 6, que pertence ao hotel Fair- segunda, e shows diários, com altura Jamaica, incluindo versões sem álcool. ceitas com pescados. Também tem chef mio Sabores da Orla 2022, promovido mos toda a orla, na zona mais turística
mont, logo defronte. Pertinho do mar, moderada e bom repertório, também - Temos música ao vivo todos os dias. consultor conhecido, Dudu Mesquita. pela Orla Rio, que tem a concessão dos do Rio. E podemos fazer isso comendo
tem cardápio que também traz itens de com muito samba. Prestes a completar Segunda tem jazz, programa que está Para beber, a pedida são os drinques, mais de 300 quiosques da cidade. Com bem. Como, aliás, muitos cariocas an-
café da manhã, além de pratos, privile- 10 anos (foi inaugurado no dia 5 de ju- completando um ano. E também cria- como o Iemanjá, que traz a combinação capacidade para 250 pessoas e diversos dam fazendo.

14  RIO•JÁ RIO•JÁ  15
CIDADE•

O ROXY
DEVOLVIDO mestre como uma casa de espetáculos.
“O Rio que já teve casas inesquecí-
Fotos: Divulgação
regiões do Brasil e sejam uma atração
para a visita de turistas. A expectativa é

AO RIO
veis e lendárias como Oba Oba, Plata- que 80% do público compre a experiên-
forma e Scala, que foram vencidas por cia completa e 20% adquiram somente
empreendimentos imobiliários, ficou o espetáculo. Já a equipe será composta
sem nenhuma alternativa do tipo para por 200 funcionários, cerca de 70 deles
cariocas, turistas nacionais e estrangei- só no elenco do espetáculo.
ros que visitam nossa cidade. Quere- “Acreditamos muito nesse projeto. O
mos trazer uma nova experiência com Roxy é um lugar histórico para mim.
gastronomia, drinques, música ao vivo Tenho várias memórias de garoto e
e um espetáculo sensacional. Com cer- recordo de diversos filmes a que assisti
teza mostraremos o melhor da cultura aqui. Esse lugar tem uma história
brasileira com muito profissionalismo gigantesca, e o mercado mudou, hoje
e respeito à nossa brasilidade”, diz Ale- as pessoas vão a shoppings para ir ao
xandre Accioly. cinema. O Roxy também será para
Segundo ele, o projeto do novo Roxy cariocas, e todos eles vão ter a chance de
buscou inspiração em outros estabele- conhecer o lugar como ele foi construído.
cimentos internacionais, como Moulin
Rouge, em Paris, e Le Extravagance, em ESTAMOS RESTAURANDO TODA
Buenos Aires. O projeto da casa é um in- A ARQUITETURA ORIGINAL
vestimento de R$ 40 milhões. Além das QUE FOI ENCOBERTA COM A
inspirações em modelos de outros países, CONSTRUÇÃO DAS TRÊS SALAS
Accioly revela que se espelhou também DE CINEMA. QUERIA TRAZER
na experiência da cidade de Gramado. NOVAMENTE O ART DECÓ PARA
“Gramado é uma cidade que tem quase A POPULAÇÃO” DIZ ACCIOLY.
o mesmo número de quartos de hotel em de teatro. Seu piso de mármore de rochas
relação ao número de habitantes e rece- tipo calcário lioz rosa, as pilastras do lo- De acordo com o engenheiro Sergio
be cerca de sete milhões de turistas na- bby e a famosa escadaria logo na entrada Dias, o projeto apresentou muitos de-
cionais por ano. Ao passar quatro noites também estão sendo recuperados. safios — talvez o principal deles o de não
lá, você tem uma programação diurna, O palco contará com um grande pai- haver uma planta original guardada em
inclusive para crianças, e muitos equi- nel LED, e as luzes nas mesas e abóboda qualquer arquivo técnico. Foi necessário
pamentos de entretenimento. O Natal lá vão interagir com o que é apresentado realizar levantamentos topográfico e fo-
dura mais de um mês. É disso que o Rio ao público, em um trabalho de light de- tográfico e redesenhar toda a planta. Ele
JAN THEOPHILO O velho cinema, ofertados pelas novidades tecnológi- precisa”, afirma o empresário. sign assinado por Maneco Quinderé. A recorda que o projeto original era de um

N
cas. Com o tempo, as salas de exibição Para voltar aos anos dourados, o Roxy plateia terá mesas e cadeiras, como toda cineteatro com palco, cortina e backs-
a década de 1960, a cidade abandonado pela foram sendo ocupadas por farmácias, está sendo completamente restaurado boa casa de espetáculos, e 180 dos 920 tage, como será o novo. No seu auge, o
do Rio de Janeiro contava templos religiosos ou academias. Mas pelo arquiteto e urbanista Jorge Astorga, lugares serão no balcão. A proposta é que Roxy comportava 1.630 pessoas em sua
com nada menos que 198 mudança de hábitos uma boa notícia para os cariocas chegou a convite de Sérgio Dias e Ana Lúcia Jucá, o público possa desfrutar de uma viagem plateia. “Estou completamente apaixo-
cinemas de rua. Entre eles,
62 salas com capacidade
da cidade, está para quebrar essa lógica que conspira
contra a cultura. Inaugurado em 1938, o
autores do novo projeto arquitetônico da
casa, que vem sendo trabalhado des-
sensorial, visual, sonora e gastronômica,
e viva a experiência de visitar todo o país
nado pelo projeto. Quando pensamos
que já fizemos de tudo, encontramos
superior a mil espectadores. Muito mais sendo transformado cine Roxy, uma verdadeira joia do estilo de março do ano passado. O glamour estando em um espaço grandioso. uma nova paixão desafiante. Fui criado
do que meros locais de entretenimen- Art Déco, localizado na esquina da Nossa já começa na entrada: a nova calçada A noite começará às 19h, com um naquela rua, assisti aos melhores filmes
to, eles se constituíam em espaços de em uma grande casa Senhora de Copacabana com Bolívar, foi de pedras portuguesas tem desenho jantar embalado por um show de bos- ali, e aquele era o cinema do Rio mais
socialização comunitária e construção
de cidadania. Nas décadas seguintes,
de espetáculos adquirido pelo empresário Alexandre
Accioly, sócio da rede de academias Bo-
semelhante ao do calçadão da praia de
Copacabana. A cúpula, projetada pelo
sa nova comandado por um sexteto. Às
21h30 terá início o espetáculo, e a noite
perfeito para mim. O Roxy estava desfi-
gurado, com suas principais caracterís-
muitas foram as últimas sessões para um dytech. Em parceria com Dody Sirena, engenheiro Emílio Henrique Baumgart se encerrará às 23h. O objetivo é de que ticas arquitetônicas escondidas, e agora
público cada vez menor, e cada vez mais empresário do cantor Roberto Carlos, com 36,2m de diâmetro, e que já foi a as apresentações tenham foco nas mú- todos poderão ver sua beleza novamen-
retraído em casa graças aos confortos o espaço será reaberto no segundo se- maior do mundo, voltará a compor a sala sicas e características culturais das cinco te”, afirma Dias.

16  RIO•JÁ RIO•JÁ  17
INCLUSÃO•
Fotos: Caroline Rocha

PROJETO Fazendo
a Diferença no
Jiu-Jitsu beneficia
cerca de 30 pessoas

SIMONE
MATOS,
de 50
anos, mãe
do João
Vitor

fica num sobrado e os pais aguardam tendência de sensibilidade à luz, sons e “Pitbull” é mostrar sua arte para o mun-
no térreo enquanto os filhos treinam no toque. Além disso, a maioria dos alunos do todo acompanhado do seu principal

Lutando pela
pavimento de cima. No mesmo lugar, possui dificuldade na fala, sendo alguns parceiro. “Meu sonho é competir fora do
André Seabra, fundador do Fazendo não-verbais. Brasil e, com certeza, eu vou levar quem
a Diferença no Jiu-Jitsu, dá aulas para Para lidar com as particularidades eu amo de paixão: meu mestre”, disse o
pessoas sem deficiência a partir de dois com excelência, Seabra coleciona es- faixa-preta.

INCLUSÃO
anos. “O que eu vejo do projeto é além pecializações, como treinamento de pri- “Muitos que olham acham que é uma
do Jiu-Jitsu. Cada criança que sobe, meiros socorros, curso sobre autismo e bobeira, mas não é. Para eles é um in-
desce com um olhar diferente”, afirmou workshop de pedagogia. Os diplomas centivo enorme. É isso que o professor
Simone, mãe do João. nas paredes só perdem espaço para as transmite para eles: confiança. Não é só a
As aulas são gratuitas para todos os prateleiras de troféus, recebidos por ele luta. É a confiança de saber ‘eu posso, eu
integrantes do FDJJ. A pequena renda e pelos alunos. consigo’”, afirma Simone Matos.
que Seabra recebe vem dos “anjinhos”, “O Jiu-Jitsu mudou minha vida. Eu era
como chama as crianças, e dos adultos muito brigão. O Jiu-Jitsu me acalmou”,
sem deficiência. Todo o dinheiro ar- conta Jonathan Pitbull, de 33 anos, faixa OS OBSTÁCULOS DO DIA A DIA
CAROLINE ROCHA
Academia de um menino de 17 anos com Síndrome
de Down. O objetivo da iniciativa, que
recadado vai direto para manutenção
da sede.
preta 2° Dan e embaixador da Federação
Sul-Americana de Jiu-Jitsu. Jonathan foi
A discriminação é apresentada às pes-
soas com deficiência desde a mais tenra


coração, razão, emoção…
É sentimento a ponto de
jiu-jitsu ensina também atende alunos com Transtorno
do Espectro do Autismo e Deficiência
O principal desafio é descobrir como
adaptar a arte marcial para cada um
o primeiro aluno com deficiência a quem
Seabra deu aula. Desde lá, já são 25 anos
idade. Contudo, apesar de marginaliza-
dos, eles distribuem o que têm de mais
eu estar desse jeito”,
contou Simone Matos en-
de graça crianças Intelectual, é usar o esporte como fer-
ramenta para inclusão social de pessoas
dos alunos, que possuem tempos de
aprendizado diferentes e questões físi-
lutando pela inclusão dessas pessoas na
sociedade.
precioso: amor. Os que entram naquele
sobrado na Rua Artur Neiva, em Sulacap,
quanto mostrava os pelos e jovens com com deficiência (PCDs). cas que precisam de atenção especial. Jonathan Pitbull já enfrentou inúmeras são recebidos com sorrisos, abraços, bei-
do braço arrepiados. Ela é mãe do João Integração, inclusão e interação são Em pessoas com Síndrome de Down, lendas do esporte, entre eles José Aldo, jos e um caloroso “eu te amo”.
Vitor e descrevia comovida o ‘Fazendo deficiência no os três pilares do projeto, que benefi- por exemplo, geralmente há redução de Thales Leites, Warlley Alves, David Viei- Os elogios também são constantes e
a Diferença no Jiu-Jitsu’ (FDJJ), projeto cia cerca de 30 jovens do bairro Jardim força muscular e má-formação estru- ra, Leonardo Santos e Raphael Abi-Riha. a maioria tem um destinatário em co-
social que tem como atleta o seu filho, Jardim Sulacap Sulacap, na Zona Oeste do Rio. A sede tural do coração. Entre os autistas, há E ele não quer parar por aí. O objetivo do mum: o professor Seabra. “Meu mestre

18  RIO•JÁ RIO•JÁ  19
INCLUSÃO•
Fotos: Caroline Rocha

MESTRE ANDRÉ
SEABRA e Luigi, que
tem Síndrome do X
frágil, treinando

creveu como aluno na academia onde


ele trabalhava. O treinamento era vol-
tado para o público em geral e apesar de,
JONATHAN até então, nunca ter atuado com PCDs,
PITBULL, faixa preta André topou o desafio. “Eu falei: ‘Eles
2°Dan de Jiu-Jitsu também são capazes. Então vamos ten-
tar”, relembrou.
Jonathan ficou por pouco tempo, e só
voltou em 2012, mas outros meninos e
é meu grande amigo”, disse Rodrigo “O JIU-JITSU MUDOU MINHA VIDA. com algum tipo de deficiência dizen- meninas com deficiência passaram, em
Ribeiro, de 21 anos, faixa roxa. Além de EU ERA MUITO BRIGÃO. O JIU- do: ‘seus vídeos me inspiram’”, contou momentos distintos, pela vida profis-
lutador, ele é modelo profissional e atleta JITSU ME ACALMOU” André. Ele acrescenta que é comum a sional de André. Um deles era um garoto
da Marinha. própria família deixá-los à margem, ou surdo. “Naquela época eu não sabia li-
“É uma felicidade tremenda eles me "EU ERA CRIANÇA E JÁ SOFRIA por achar que são “coitadinhos” ou por bras. Eu tinha que demonstrar ou fazer
darem a oportunidade de poder apren- PRECONCEITO. NOS BRINQUEDOS medo do preconceito. mímica e ele copiava”, afirma o lutador.
der um pouquinho com eles. Muitos DO SHOPPING, A MOÇA ESTAVA Mas foi em 2001, como voluntário do
acham que só eu ensino. [Mas são] eles GRÁVIDA E DISSE: ‘TIRA ESSA MESTRE E MELHOR AMIGO Centro Integrado de Educação Pública
que me ensinam. A gente vai de braço CRIANÇA DOENTE’. ERA EU” Diretor de Jiu-jitsu adaptado da Federa- (CIEP) Aracy de Almeida, também em
dado e segue juntos”, afirma o fundador ção Sul-Americana de Jiu-Jitsu, cam- Sulacap, que a semente do FDJJ começou
do FDJJ. (JONATHAN PITBULL, DE 33 ANOS, peão mundial da Confederação Brasilei- a germinar. Seabra foi convidado para
A maior dificuldade não é lidar com FAIXA PRETA 2° DAN E PRIMEIRO ra de Jiu-Jitsu Olímpico em 2015 e faixa ser mestre de duas turmas de Jiu-Jitsu
a diferença, como acredita o senso co- ALUNO DA ACADEMIA PARA PES- preta 5° Dan, o professor não vive da arte adaptado no CIEP, onde ficou por quatro
mum, e sim com a falta de apoio finan- SOAS COM DEFICIÊNCIA) marcial. A renda para sobrevivência vem anos. Como um bom filho à casa torna,
ceiro. “São vários desafios do lado ma- do hospital onde trabalha como radiolo- em 2019 ele voltou aos tatames do colégio RENATO, JOÃO VITOR E DAVI, da esquerda para a direita, alunos do FDJJ
terial, principalmente porque muitos gista concursado e dos poucos clientes a convite de uma amiga.
[dos alunos] não têm condições”, ex- que sobraram da época que trabalhava Nesta época, André se dividia entre o ço próprio para atuar no Jiu-Jitsu. Mas também na Rua Artur Neiva. Hoje, ainda
plica Seabra. como barbeiro. Ele e o tio eram donos voluntariado no colégio, o trabalho de como fazer isso com pouco dinheiro? voluntário, ele considera o CIEP um nú-
O projeto se mantém de pé devido à de um salão que quebrou após o perío- professor em uma academia de luta e os Morador do bairro por quase 30 anos, cleo do Fazendo a Diferença no Jiu-Jitsu.
caridade, principalmente de amigos. produzem vídeos demonstrando posi- do de lockdown durante a pandemia de atendimentos como radiologista. Os pla- André encontrou um vizinho solidário “Eu me sinto realizado, como profes-
Às vezes, chegam doações de kimonos, ções e golpes para o perfil do Instagram, Covid-19. nos mudaram quando, em 2021, a dona que cedeu o espaço onde ministra aulas sor e como pessoa, de poder em algum
tatame e equipamentos para treino. Se- que já ultrapassa 17 mil seguidores. Seabra dá aulas para PCDs desde 1998. da academia fechou o estabelecimento e até hoje. nível fazer a diferença e fazer parte da
gundo André, as redes sociais também “Hoje eu recebo muitas mensagens de A história começou quando Jonathan mudou de estado. André então propôs que todos os alu- vida deles. Isso é o que me motiva”, afir-
têm trazido alguns doadores. Os alunos pessoas que tem filho, sobrinho, irmão Pitbull, na época faixa branca, se ins- Ali surgiu a ideia de buscar um espa- nos do Centro Integrado fossem treinar ma o mestre.

20  RIO•JÁ RIO•JÁ  21
COMPORTAMENTO•

Perna de imento
TA S
autoconh
Acervo pessoal / Fátima Cajueiro Foto: Luisa Prochnik
LUISA PROCHNIK

T
ornar-se pernalta, cami-
nhar em cima de pernas de
pau, faz de você um folião e
uma foliã, mas também faz
muito mais que isso. Tornar-
-se pernalta é sobre-ver, ser visto. Que
mundo você enxerga e o que você quer
mostrar para o mundo?
Sobre-ver o mundo, a partir de outra
perspectiva, do alto. E sobre ser visto em
destaque, acima. A arte da perna de pau
se tornou muito presente no carnaval do
Rio de Janeiro. Em muitos blocos, per-
naltas encantam, dançam, marcham e

pau e
distribuem sorrisos com glitter. Mas a

e
perna de pau, apesar de ser associada
à arte circense, e é de fato uma modali-
dade pertencente aos circos, acontece
PERNAL
c
de forma muito mais ampla em várias
culturas, de diversos países.

- A PERNA DE PAU É UM
BRINQUEDO ANCESTRAL.
BRUXAS, MAGOS, FEITICEIRAS,
CURANDEIRAS, AGRICULTORES
E ARTISTAS. AQUI NO OCIDENTE,
A GENTE CONHECE MUITO
PELO VIÉS ARTÍSTICO, POR
ISSO SEMPRE ASSOCIAM AO
CIRCO. MAS A PERNA DE PAU
ESTÁ PRESENTE EM RITUAIS Luisa Prochnik Luisa Prochnik
MUITO ANTIGOS E TEM MUITAS
POTENCIALIDADES.

p e rn alta Esta fala da Raquel Potí, atriz, pernal-


Ser ão e
ta, educadora, produtora criativa e mãe,
acontece em um ambiente mágico e co-
iv e rs
éd
lorido, dentro da sua própria casa. Nas

a rn a v al, paredes, fantasias diversas ocupam es-


paço e contam histórias de encantados,
éc
o Rio
seres míticos da cultura popular que, em

m as n cima das pernas, lá no alto, são vistos e


cultuados por todos. Os pernaltas atra-
ém
é tamb a
em sorrisos e olhares. É sobre ser visto.

rm
uma fo l de
- E QUANDO A GENTE É VISTO, O
QUE A GENTE QUER COMUNICAR?

n ce s tra QUANDO A GENTE TEM A


a POSSIBILIDADE DE TER VOZ,
tar DE SER IMPORTANTE, DE SER
enfren RECONHECIDO POR ALGUÉM, O
, QUE A GENTE QUER FAZER COM

medos ISSO?

r
supera des
Raquel Potí é uma das responsáveis
por difundir o uso da perna de pau no
da
dificul or
Rio e, com brilho nos olhos, fala sobre
a importância do carnaval como uma
p
e se im
vitrine, quando pessoas conhecem e se
aproximam de uma técnica milenar, an-

22  RIO•JÁ RIO•JÁ  23
COMPORTAMENTO•
Lana Borges Micael Hocherman
cestral. Mas, para ela, formada em Educa-
ção Física, que tem a técnica, mas sempre
buscou a arte e a cultura para elaborar sua
própria metodologia, vestir a perna de pau
vai muito além da folia. É uma forma po-
tente de autoconhecimento.

- DURANTE A OFICINA, A GENTE


VAI SE INVESTIGANDO PARA
SABER O QUE TEM DENTRO
DA GENTE QUE É ESPECIAL,
QUE É BONITO E QUE FICA
SOTERRADO POR UM MONTE DE
PADRÃO, DE COMPORTAMENTO,
DE ABUSOS, DE SITUAÇÕES
QUE VÃO DISTANCIANDO A
INDIVIDUALIDADE DA PESSOA
DELA MESMA.

Em sua casa, acompanhada de um


suco de maracujá com limão e mel e
uma música inspiradora, a professora e
produtora cultural revela que o processo
de subir na perna é, antes de tudo, deixar
cair as máscaras. Entender a si mesmo
para, assim, entender quem se é quando
se está acima, no alto, em destaque.
O ápice da ideia de se despir veio com
um convite para alunos e ex-alunos irem
com a professora até a praia naturista de
Abricó. Caminhar com pernas de pau na
areia e se deixar ser visto e ver o outro para mulheres. gente passa por processo de reflexão, de drões, com vários receios, com vários li-
sem roupas. A prática atrai cada vez mais Fátima Cajueiro foi aluna de Potí. Na quanto a gente esquece da gente. Quan- mites, com julgamentos. E elas vão abrir
interessados que não querem, apenas, primeira aula, a dificuldade de se manter do a gente se deixa caído no chão, fica se as asas delas e voar. O que a gente vê nas
aprender a técnica de subir em uma es- marchando em cima da perna era enor- arrastando. A vida é um pouco assim se oficinas são pessoas abrindo as asas.
trutura de madeira, seja da altura que me. Algumas quedas depois, a professo- a gente não ficar atento. Encantados são os que assistem, en-
for. Mas, sim, ávidos por ter consciência ra se aproximou e disse: cantados são os seres míticos repre-
sobre seu corpo e suas potencialidades. - Até quando você vai se abandonar? SER PERNALTA É PARA TODOS. sentados nas fantasias, encantados são
Quando questionada sobre o motivo A proposta de autorreflexão surtiu E NÃO APENAS PARA OS todos que desafiam a gravidade para se
de vermos mais mulheres que homens efeito imediato. Fátima precisava ter PÁSSAROS DE PERNAS LONGA colocarem distantes do chão, mas pró-
em pernas de pau, Raquel Potí aprofun- mais autoconfiança, mas, também, OU PESSOAS SARADAS. É PARA ximos de si mesmos.
da ainda mais na proposta de se colocar mudar a perspectiva do seu olhar. Afi- TODAS AS IDADES, PARA TODOS - Depois que você é tocado pelo en-
em posição vulnerável. E não apenas nal, perna de pau é sobre ser visto, mas OS TIPOS DE CORPOS. CADA canto, não tem volta. É um perigo. Por-
pela altura e medo de queda. também sobre ver a partir de outra pers- ALUNO QUE SE FORMA NAS que nunca mais você vai conseguir não
pectiva, segundo Fátima. AULAS DA POTÍ SE TONA UM colocar sua energia de alguma forma
- ESTAR SENDO VISTO - Eu marchei e pensei, eu não vou mais PASSARINHO. fidedigna com sua energia vital, com
AMEDRONTA. E OS HOMENS me abandonar. Aí eu comecei a olhar sua vida, com sua história – diz, rindo,
ESCONDEM MUITAS EMOÇÕES, para frente. Não olhava mais para o chão, - As pessoas chegam lá pequenas, Raquel Potí, encantada ela mesma há
SENTIMENTOS. E, ALI, É UM olhava para a Baía (de Guanabara). A encolhidas, com medo, com vários pa- anos pela potência da perna de pau.
LUGAR DE VULNERABILIDADE.
VOCÊ SE ENCONTRA COM MEDOS
E SITUAÇÕES QUE NÃO QUER
ENTRAR EM CONTATO. VOU
SER VISTO. MAS O QUE VAI SER
VISTO? EU QUERO SER VISTO?

E, além disso, no Rio de Janeiro, a perna


de pau é protagonizada por mulheres na
gestão. São mulheres que dão oficina,
que ensinam. Não são homens. São
mulheres que estão gerindo a história
da perna de pau na cidade e isso faz com
que esse ambiente seja muito acolhedor

24  RIO•JÁ RIO•JÁ  25
TV•
Paulo Belote / Divulgação Sérgio Zalis / Divulgação João Miguel / Divulgação

Série de sucesso no
streaming, “Encantado’s”,
o supermercado que “vira”
escola de samba, chega à
Globo e ganha mais uma
temporada

JOIA
AYDANO ANDRÉ MOTTA
do subúrbio
E com representatividade numa di- negros e periféricos realizada pela Globo
desde sempre na sua vida. Criança, cum-
pria com a família o ritual de, nos dias de
desfile, ir à Avenida Presidente Vargas,
ver os carros alegóricos na concentração.
Depois, atravessava a noite diante da TV
assistindo até de manhã ao cortejo da Pas-
sarela, o colchão no chão da sala.
Thais, 40 anos, criada no Flamengo
(“Mas a Zona Sul é só onde pago o IPTU”),
apaixonou-se pela Mocidade Indepen-
movimento que não tem mais volta”.
Para desenvolver a trama, as duas fu-
giram do clichê de personagens negros
satélites dos protagonistas brancos. As
muitas histórias entrelaçadas dão o de-
vido destaque a todos – e obrigou os atores
a sair da caixa imposta pelas mazelas bra-
sileiras. Escalado como galã da principal
trama romântica, Digão Ribeiro, o sensível
FlashBlack, que sonha ser cineasta en-
pitão Guimarães (contraventor que lidera
as escolas de samba). “A generosidade
do Tony quebrou a banca”, brinca Thais.
As duas criadoras tiveram, como par-
ceiros, os experientes roteiristas Antônio
Prata e Chico Mattoso, que foram apre-
sentados a algumas “exclusividades ca-
riocas” por elas. “Incluímos uma refe-
rência ao aniversário Guanabara e eles
não sabiam o que era”, lembra Thais, fa-

E
mensão inédita na mídia eletrônica bra- em 2018. Inspiradas pelos maneirismos dente high-tech de Renato Lage, nos quanto suspira pela linda Pandora (Dan- lando do badalado evento na rede do va-
stá na aba ‘ficção’, mas tem sileira. No elenco de 15 atores, dez são do subúrbio, as duas – amigas “há mais anos 1990, também a partir dos passeios dara Mariana), confessou sua dificuldade. rejo. “Não conheciam o Milton Cunha!”,
muito de vida real a histó- negros – entre eles os protagonistas, a de 25 anos” – conceberam “Encanta- pelas alegorias e do desfile visto com a fa- “Sempre tive uma arma na mão em cena. completa Renata, citando o apresenta-
ria do mercado de bairro abnegada Olímpia (Vilma Melo), che- do’s” como trabalho final do curso, ainda mília no mesmo estilo, com o inesquecí- Não sei se consigo fazer um galã”, comen- dor-ícone do Carnaval.
que, à noite, se traveste de fe do mercado-título da produção, e o em outubro de 2018. “Quisemos falar do vel cachorro-quente como protagonista tou, ainda nos ensaios. (Mas conseguiu Nem a Intendente Magalhães, a via na
escola de samba pequena atrapalhado Eraldo (Luis Miranda, espe- Rio autêntico, suburbano, espontâneo, do cardápio. Tanta influência não poderia com louvor, compondo um dos mais ca- Zona Norte que abriga as apresentações
e aguerrida, um e outra lutando pela tacular), presidente da escola de samba mas nada caricato. É tudo daquele jeito ser em vão. tivantes personagens da série.) das menores escolas, objetivo da Joia do
própria sobrevivência. A conjugação do Joia do Encantado, empreendimentos mesmo”, revela Renata. “Foi muito fácil “Nosso caminho não privilegiou a dor Outro ponto alto é um dos poucos atores Encantado, na sua saga de superação
empreendimento/instituição cultural herdados do pai. Misturando jovens e construir a série, porque nos baseamos dessa parcela da população, mas tam- brancos, Tony Ramos, sensacional como das incontáveis agruras comuns aos pe-
carrega a melhor cara do Rio – e é o mote veteranos, surge um desfile de encantos em pessoas que a gente conhece”, ex- bém não romantizamos os problemas”, o bicheiro Madurão. Totem da TV, ele to- quenos grêmios. Até fazer a festa – aliás,
de “Encantado’s”, série do Globoplay e especificidades do Rio, para construir plica Thais. atesta Renata. “Usamos o tom das pes- pou de primeira o personagem alegórico, muito mais espontânea do que a enges-
que, de tanto sucesso, chega agora em trama surpreendente, divertida e apai- Nascida 41 anos atrás em Oswaldo Cruz, soas reais, que enfrentam as dificuldades vilão atrapalhado que sonha ficar com sada folia da Passarela do Samba.
maio à TV Globo para todos. Prova, mais xonante. bairro da Zona Norte berço da sua Porte- sem perder o bom humor”. Thais oferece o mercado enquanto se ajeita sob uma O resultado final é uma delícia – e, em
uma, da potência do subúrbio carioca, A obra nasceu da criatividade de Re- la, Renata cresceu numa família dividida outra perspectiva, conectada a um novo peruca rebelde, num misto de Jorge Per- mais uma conquista, a odisseia do mer-
na sua caudalosa produção de histórias nata Andrade e Thais Pontes, integran- com o Império Serrano, ninho de bam- tempo, mais diverso, da TV no Brasil. “A lingeiro (o apresentador-presidente da cado/escola de samba chega ao olimpo
e personagens. tes da oficina de humor para roteiristas bas da vizinha Serrinha, e tem o Carnaval negritude e o subúrbio vendem. É um Liesa, que lê as notas do Carnaval) e Ca- da TV aberta. Uma joia do audiovisual!

26  RIO•JÁ RIO•JÁ  27
RESISTÊNCIA•

SABOR E
RESISTÊNCIA
Em plena selva urbana, perto dos Arcos da Lapa, o Armazém
do Campo oferece boa comida, produtos orgânicos, música
popular e ainda ajuda a divulgar a luta pela terra

Fotos: Luisa Prochnik


LUISA PROCHNIK produzidos. Nas prateleiras, só entram

O
insumos que vêm de assentamentos do
s alimentos expostos nas MST ou de coletivos de pequenas famí-
prateleiras são todos agro- lias de agricultores. E em vários pontos
ecológicos, muitos deles há placas que contam sobre a origem do
orgânicos. Grãos diversos, alimento. Até que chegamos ao famoso
geleias, conservas, cacha- arroz do MST. Segundo o Irga – Institu-
ças, sucos, laticínios, frutas, legumes to Rio Grandense do Arroz –, até 2022 o
e muito mais. Cada produto, no entan- Movimento era o maior produtor de arroz
to, apresenta algo além de um convite orgânico do Brasil.
a experiências gastronômicas, como O mais difícil é encontrar muitos
explica Gabriela Santos, estudante de pacotes de arroz do MST na prateleira.
ciências sociais, que trabalha no Arma- Como o espaço físico do Armazém para
zém do Campo. estoque não é muito grande e o produ-
- Os alimentos aqui, além de serem to é um grande sucesso, há sempre que
bons, de terem seu valor comercial, têm pedir novas entregas e tudo que chega
valor histórico e político muito grande. é vendido rapidamente.
Este aqui, por exemplo, é o café Guaií, Além disso, o arroz do MST é o pro-
que é de Minas Gerais. O assentamento tagonista dos almoços de sábado, rea-
deles sofre bastante repressão há muito lizados no Armazém semanalmente. O
tempo. Então, é um café de muita resis- evento se chama ‘Culinária da Terra’ e
tência e muito gostoso. é uma parceria entre o espaço e alunos
Gabriela nasceu e foi criada em um de gastronomia da UFRJ, que realizam
assentamento do MST. Ela trabalha há no local o projeto de extensão chamado
um ano e meio no Armazém do Cam- Convivium.
po, responsável por atender os clientes, do MST para expandir as cooperativas, - Nossa meta é criar cardápios sema-
trabalhar no site que faz entregas, na ampliar nossa produção, como forma nais aproveitando ao máximo os insu-
organização interna, nos eventos e no de valorizar o trabalho das famílias e de mos da reforma agrária. Todo começo
planejamento das atividades. O Arma- projetar o MST na sociedade também, já de semana a gente recebe a lista de in-
zém localiza-se em um sobrado de dois que a gente é muito criminalizado pelas sumos que estão disponíveis, que vêm
andares, no número 135, na Avenida ocupações. O Armazém é uma forma de dos assentamentos, e cria um cardápio
Mem de Sá, onde ficam os charmosos iluminar os bons frutos dessa luta. em cima disso.
Arcos da Lapa, região central da cidade, Enquanto circulamos pela loja, Gabrie- - Hoje, tinha várias conservas aqui
há quase cinco anos. la me apresenta todos os produtos, suas que não tiveram muita saída, vários
- O Armazém do Campo é um projeto origens, e contextualiza onde e como são legumes como beringela, abobrinha,

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RESISTÊNCIA•
Fotos: Luisa Prochnik

ALT ASTRAL
BRUNO AGOSTINI
www.rioja.com.br

Fotos: Divulgação

cebola. Tinha abóbora para caramba e a


gente fez um cardápio usando isso: um
creme de abóbora com carne seca des-
fiada. E uma caponata de beringela de
entrada - conta o professor do curso de
Gastronomia da UFRJ, Ivan Bursztyn.
O cliente chega e é atendido por al-
guém da própria universidade. No car-
dápio, duas opções de prato: vegano e
não vegano, mais bebida e duas opções
de sobremesa.
- Nossa atuação aqui enquanto univer-
sidade também é um projeto de pesquisa,
onde a gente está criando o índice de pro-
ximidade dos cardápios, em que a ideia é
valorizar alimentos regionais dentro de
um contexto de um sistema alimentar
NOVA CARTA DE DRINQUES DA
NOI FAZ HOMENAGENS A NITERÓI
mais sustentável – completa Ivan.
Os alunos são incentivados a criar as
próprias receitas a partir dos insumos
existentes, proporcionando uma auto- que formam os coletivos agrícolas. rentes ritmos procuram o Armazém para
nomia que dificilmente vão encontrar O mesmo acontece quando há even- parcerias e shows, como Carimbó, Ma- Nascida em Niterói, a cervejaria Noi tem três restaurantes na
nos primeiros anos de vida da profissão. tos culturais no local, no segundo andar racatu e Reggae. Ainda há samba e forró. cidade, além de outro em Búzios. As quatro unidades não vivem só
do sobrado, chamado de ‘Espaço Cultu- Há também lançamentos de livros, de IPAs, Pilsners e afins. Os drinques também merecem atenção -
ALUNOS DE GASTRONOMIA DA ral Marielle Franco’. Festas divertidas, alguns editados pela ‘Expressão Popu- inclusive, eles lançaram não faz muito tempo um gim, o Íon.
UFRJ PARTICIPAM DO PROJETO, mas que como tudo dentro do Armazém lar`. Se o visitante quiser, pode se sen- Na nova carta, que acaba de ser lançada, os coquetéis fazem
ENCARREGANDO-SE DOS do Campo trazem temas políticos para tar ao lado das prateleiras, escolher um homenagem a Niterói.
CARDÁPIOS E DA ELABORAÇÃO o debate. Na sexta-feira, dia 14 de abril, título sobre lutas e política e tomar um Entre as novidades, criadas por Michell Agues, mixologista e
DOS ALMOÇOS DE SÁBADO teve a festa ‘Terra Colorida LGBTQI+’. café orgânico com gosto de resistência. mestre destilador, a carta tem receitas como o Costão de Itacoa,
- Uma militante MST aqui do Rio, que Afinal, o Armazém do Campo é tudo que leva Gin Íon, suco de limão e de uva, xarope de framboesa e
Gabriela completa que os almoços trabalha no Armazém com a gente, e isso, um espaço que vende alimentos, bitter; o Cidade Sorriso, explorando sabores tropicais, com base
rendem bons frutos para as vendas do que é uma pessoa trans, foi agredida em produz almoços, festas, lançamento de rum, xarope de coco, creme de cupuaçu e sucos de limão e de
Armazém, já que pessoas chegam para março. E a gente está fazendo essa festa de livros. Entretenimento e sabores di- abacaxi; Nikiti Beach, com uísque, rum, limão, xarope de manga,
experimentar uma comida bem tempe- em resposta à violência, mas também versos, tudo envolvido em um contexto mate e limão, uma releitura alcoólica do clássico praiano “mate
rada e vendida a um preço justo, e aca- em comemoração à vida dela, por ela político e histórico que ajuda a enten- com limão”; o Clericot Noi, com espumante, licor de pêssego, licor
bam conhecendo e comprando comidas estar aqui conosco – conta Gabriela. der melhor o movimento rural do país de framboesa, fatias de morango, suco de limão, laranja e hortelã;
e bebidas da prateleira e apreendendo A estudante de Ciências Sociais tam- a partir da perspectiva de assentados e e o São Francisco, feito com espumante, xarope de manga, limão,
mais sobre a luta do MST e das famílias bém nos conta que vários grupos de dife- pequenos produtores. suco de maracujá e espuma de gengibre.

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Fotos: Divulgação Fotos: Divulgação

MARINA NA GLÓRIA RECEBE


FESTIVAL DE MÚSICA COM
PROGRAMAÇÃO ECLÉTICA

FAMOSO TARTARE
DA CASA DA SUÍÇA
Está recheada de atrações a próxima edição do Festival de Inverno que acontece na Marina da Glória, de 14 a 23 de julho. E a lista
ESTÁ DE VOLTA, de artistas é bem eclética.
Na noite de abertura, Maria Bethânia, Pitty e Duda Beat sobem ao palco. No dia seguinte, sábado 15 de julho, é a vez de Paralamas,
NO JOÃO BARRO Nando Reis e Samuel Rosa. Já no primeiro domingo do festival as atrações são Alexandre Pires, Ferrugem e Pedro Sampaio.
No fim de semana seguinte, o evento tem uma atração "surpresa" na sexta, dia 21, quando também se apresentam Marcelo Falcão
Com a morte de Volkmar Wendlinger, e Armandinho. No sábado, dia 22, Natiruts, Seu Jorge e Bala Desejo dividem o palco. No encerramento, dia 23, Belo, Diogo Nogueira
em 2017, a Casa da Suíça, na Glória, fe- e Xande de PIlares fazem os shows.
chou as portas, para a tristeza de muitos. Os ingressos podem ser comprados no site https://www.ingresse.com/busca/festivaldeinvernorio
Um dos pratos mais famosos do restau-
rante era o steak tartare, preparado à
mesa, por ele e pelo maître Arnaldo de
Paula, que trabalhou ali por 34 anos. Ele
ainda segue a receita original que era pre-
parada pelo austríaco, agora no restau-
rante João de Barro, no Centro: a fórmula
tem carne crua, anchovas, alcaparras,
pepino batido, clara de ovo picada, gema
de ovo picada, cebola, salsinha, gema de
ovo crua, limão, sal, azeite, pimenta-do-
-reino, ketchup, mostarda clara, mostarda
escura, molho inglês e brandy.
"Vamos colocar um réchaud no salão,
para fazermos alguns pratos flambados,
como o steak Diana, outro clássico do
lugar", diz Arnaldo.
Saudosos como o especialista em
bares e pesquisador da cultura gastronô-
mica carioca, como Guilherme Studart,
têm aparecido por lá, para apreciar
novamente o prato.

CAETANO VELOSO SE APRESENTA


NA PRAIA DE COPACABANA
CCBB INAUGURA RETROSPECTIVA ARTISTA SÉRVULO ESMERALDO
A praia de Copacabana vai ser palco de shows gratuitos, nos dias 20, 21, 27 e 28 de
maio, durante o TIM Music Rio, com direito a apresentação do baiano Caetano Veloso. Com curadoria de Marcus Lontra e Dodora Guimarães, foi inaugurada no final de abril, e fica em cartaz até 26 de junho a mostra
Este é o maior festival de música gratuito do país, que voltou a acontecer no ano passa- "Sérvulo - Linha e Luz", uma retrospectiva do ilustrador, gravurista, pintor e escultor cearense Sérvulo Esmeraldo (1929-2017), um
do, depois da pandemia. dos mais completos artistas brasileiros.
Também vão se apresentar Daniela Mercury, Liniker, BaianaSystem, Matuê, Bala Reconhecido no Brasil e no exterior, Sérvulo tinha domínio de várias técnicas, do entalhe à xilogravura, passando pela utilização
Desejo, Pretinho da Serrinha, que sobe ao palco com a participação especial de Jorge de tecnologias aplicadas na geração de efeitos cinéticos, óticos e eletromagnéticos.
Aragão, além de Monobloco, que divide o palco com Juliana Linhares. Para completar o programa, um almoço no LIlia Café é sempre uma boa pedida.

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AROEIRA

LIMA COCINA PERUANA REABRE EM


SEU PRIMEIRO ENDEREÇO CARIOCA
O chef peruano Marco Espinoza chegou ao Brasil em 2010, quando inaugurou o seu primeiro restaurante, em Brasília. Em 2013
estreou no Rio, com a abertura do Lima, na rua Visconde de Caravelas, 113, em Botafogo. Com filiais em Laranjeiras, Tijuca e Niterói,
ele agora retorna ao endereço original, que vem sendo frequentado por clientes como a atriz Bruna Marquezine, que se diz viciada
na comida do lugar, aonde tem ido semanalmente.
Muitos pratos são preparados na brasa, como os tentáculos de polvo. No menu, uma seleção de ceviches, com seis versões, que
podem ser pedidos juntos, tipo degustação (três tipos, a escolha do cliente), e outros pratos típicos do país, incluindo um arroz de
frutos do mar e um canelone de pato, além do lomo saltado, muito popular no Peru.
Entre os petiscos, tem feito sucesso o sanduíche de manjubinha frita, o croquete de pato braseado e a "carbonara", com o molus-
co cortado como se fosse um talharim.
Para beber, aposte nos drinques, em especial as variações em torno do Pisco Sour, o coquetel nacional peruano. Para fechar, uma
releitura do suspiro limeño, com calda de vinho do Porto.

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