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Marieta de Moraes Ferreira Margarida Maria Dias de Oliveira RereSl cel Tur Lato} ‘WY FGV EDITORA FONTES Verena Alberti O TRABALHO COM FONTES ¢ tao importante para as aulas de hist6ria quanto sao as experiéncias em laboratério para as aulas de quimica, fisica ou biologia. De um lado, porque (i) ele permite ampliar o conhecimento sobre o pasado e, de outro, porque (ii) possibilita que alunos e alunas percebam, na pratica, como se constitui o conhecimento histérico. Comecemos pelo segundo fator (ii). Muitas pessoas que nao esto di- retamente envolvidas com a histéria como disciplina podem achar que o trabalho do historiador consiste no estudo de um repertorio mais ou menos fechado de acontecimentos disponiveis para exame, e na transmissio desses acontecimentos na forma de narrativa. & importante entendermos, contudo, que o conhecimento sobre o passado é condicionado pelas perguntas que fazemos As fontes, perguntas essas que permitem que as fontes documentem algo, isto é, se transformem em evidéncia de algo. A semelhanga do cientista no laboratério, o historiador se faz perguntas, as quais consegue ou nao responder a partir dos documentos que encontra. E muitas vezes, em fun- ¢40 mesmo dos documentos que encontra, precisa refazer suas perguntas, © que incide sobre aquilo que descobre. O trabalho com fontes possibilita, ent&o, que os estudantes aprendam que 0 conhecimento sobre 0 passado é tesultado do trabalho intelectual do historiador. Porque as fontes sio tio centrais no trabalho do historiador é que elas Permitem que alunos e alunas ampliem seu conhecimento histérico (i). Fontes estimulantes que possam engajar nossos estudantes na diregio do tema estudado e permitam explorar a complexidade do passado abrem es- Pago para o aprendizado efetivo. Blas so indicios de situagdes vividas e da diversidade de formas de ser e de agir. E Ainda que os documentos possam ser usados para ilustrar ou c “ar a narrativa do professor ou do livro didatico ~ por exemplo: ‘ompro- “vejam Digitalizado com CamScanner 107 < I ° a < de Getilio Vargas” -, 0 trabain -testamento i re centralidade nas aulas de hj iram uma nas tiverem oportunidade de trabal, ;. poderio progredi ir na aquisicao de ae Praticas vineulady, fontes, mais P' go de dados a partir da formulagao de Problemas aanilise ea interpretag secant pode ser indagada como foal Praticamente toda re eimpressos (livros, jornais, revistas cana cumentos en paroquiais, didrios, testamentos), docuren, ce aren misicas, cangdes, oe Bravadas ca audio), imagens (cartazes, pinturas, desenhos, Ca a cartOes-postais, charges, histérias em quadrinho, mapas, graficos, antincios impressos), documentos audiovisuais (filmes, programas de televisao, entrevistas filmadas, antincios em video, videoclipes), achados arqueolégicos, edificagées, objetos, escul- turas, ferramentas, vestimentas, utensilios etc. Para cada tipo hé formas especificas de abordagem, mas determinadas perguntas precisam ser feitas a todos os documentos. cal echo da ¢ aqui um t fontes pressupor Quanto mais 08 @ Storia Ar coy Todo documento precisa ser identificado. Isso significa, em primeito Tugar, saber quem o produziu (pode ser um individuo, uma instituicéo, ou um grupo de pessoas, por exemplo), quando e onde foi produzido e onde Se encontra (em arquivo, biblioteca, museu, residéncia, escola etc.). Se fizer ! Hee sf ede ame instituigao, deve haver também um cédigo de iden- cee vase Para posterior consulta. Se nao for possivél lad (Sem local, sem date’ eae — ade eae Outro conjunto de questées a econ Dene documento foi Produzido? p, ” Tespeito 4 intencionalidade: por 7 j de sua produg eg ttem? Como? Ou seja, quais as condiso® ecomo foi preservado e (se foro caso) fundido? Epor que, ond mM ajud; Jeeques Le Goffa fegeastante as adverténcias feitas pelo historiae® Cumento/monumento”. O docu’ "Ondo chega até ppc idea de “dg ; Pune Presey oe digamos assim, fato de ele et a Mividu0s ou grupog en t® #e ages, voluntérias ou at determ BUpos que ob: Nos Papuan imagens a a . beth. -e objetivam ¢ a citeunstang SOMO Outros, Por isso, Sob; Stancias ele foire, Por We um dod mo) Passado, *Tecuperadg ay ‘Uumento foi pre . Tan ‘sformado em fonte dec Digitalizado com CamScanner bem verdade que a ideia de “documento/monumento” ay nao € facil de ser apreendida pelos estudantes da escola basica, especialme . nte no ensino fundamental. Mas convém acostumar as alunas e os alunos a se pergunta- remsobreas circunstancias de producio do documento, pois elas condicio- nam indubitavelmente aquilo que a fonte documenta. Nio podemos isolar o enunciado das condigdes de enunciagio. Pensemos, por exemplo, nos re- gistros produzidos pelos érgaos de repressio durante a ditadura militar. Digamos:fichas sobre individuos considerados opositores pelo servico de informagées. E evidente que precisamos nos Perguntar sobre as condi¢gées de produgao desses registros para avaliar seu contetido. Jaarelevancia das condigdes de preservacao e difusio, no exame de do- cumentos, pode ser facilmente compreendida com a lembranga de algumas imagens recorrentes nos livros escolares e em outros recursos didaticos, como 0 quadro A primeira missa no Brasil (1861), de Victor Meirelles, ou a gravura conhecida como Pelourinho, de Jean-Baptiste Debret, que data da primeira metade do século XIX. Em que circunstancias e por quais razes tais imagens sdo exaustivamente difundidas? O que sera que essas repeti- gbes documentam? Seo professor tiver claro que nao podemos nos aproximar de um docu- mento sem nos perguntar sobre a intencionalidade de sua produgao, de sua preservacdo e de sua possivel difusdo, ele saber “contagiar” seus alunos com a necessidade dessas perguntas, sem precisar necessariamente tratar do conceito “documento/monumento”. Uma pergunta infalivel na andlise de documentos é: “o que a fonte do- cumenta?”. Ou seja: “o que esse quadro, essa entrevista, essa charge etc. efetivamente documentam?”. Para nos aproximarmos das respostas € impor- ‘ante ter em mente que as fontes podem documentar coisas que seus autores criginalmente nao tencionavam registrar. Por exemplo, os horarios de uma ¢scola nos anos 1940 provavelmente foram feitos por necessidade da gestao scolar. Mas, para um historiador da educagao, podem documentar clemens ‘os bem diversos daqueles inicialmente pretendidos. Isso porque o historia- dor da educagao, como todo historiador, conhece outras fontes ¢ aspectos da histéria que, por contraste ou semelhanga com o horirio daquela ‘escola Petmitem novas descobertas. Percebemos, pois, que uma fonte sempre é 4nalisada em sua relagio com outras fontes e com outros cool oae ‘emos do passado e do presente. 0 mesmo vale, por exemplo, para um filme Digitalizado com CamScanner FONTES 109 DICIONARIO DE ENSINO DE HISTORIA mente documenta dimenséeg que para uma revista caracterizag, ja especificidade vislum ramos amos COM OULTAS Tevistas « porque outros conhecimentos. nos e as alunas sejam estimulados a praticar esse alu importante que 0S e menta?” F a ; estionamento, Perguntar “o que 2 Ce Pressupde, ipo de qu hat tipo de qi «Le Goff, desmontar seu significado aparente e deslocar 0 olhar como suger 1" para aquilo que & fonte nao tencionava documentar originalmente. Outra forma bastante efic oat : refletira respeito de quatro niveis de inferéncia: 0 que 0 documento diz?9 que podemos inferir? O que ele nao diz? O que e onde Ce mais? Se a fonte for uma imagem ou o trecho de um documento escrito, ela pode ser fixada no centro de uma folha de cartolina e os quatro niveis podem ser demarcados com retangulos crescentes em volta da fonte. No primeiro retangulo estaria a propria fonte; o segundo retangulo seria destinado as anotagdes sobre “o que o documento diz”; o terceiro, para as anotacdes sobre “o que podemos inferir” e assim por diante. Assim organizada, a atividade se adequa bem a um trabalho de grupo, os alunos sentando em volta da folha de cartolina e fazendo suas anotagdes nos retangulos correspondentes -tal- = G, depois, discutindo entre si as anotagoes, a as conclusdes com o restante da turma. az de nos aproximarmos de um documento ¢ Zid0?”, “Quiaig evs acham que esse document ~ Quais ‘i a © documents 4? © Por que wee Presentes no documento ajuda™ 10 Fl escritofproduzidan tO/PFOduzido?” “Para que publi? TVar amareeenn s Original ou can; dade do documento. Por exemp! Se manuscrito, datilografado ou de Digitalizado com CamScanner | gitado;se contém anotagoes & mao, carimbo, cabecalho, papel timbrado ete. Basses elementos também podem informar sobre a Procedéncia e 0 processo de elaboragao do documento. O ideal é trabalhar com vers6es fac-similares, que permitem esse tipo de observacao, bem como o teconhecimento de dife- rengas e semelhancas ortograficas, quando se trata de documento escrito. No caso de documentos sonoros e/ou audiovisuais, o exame pode ter como foco as tecnologias de gravacao, a qualidade do some da imagem, a iluminagao, oritmo da fala, a existéncia de rufdos e de chiados, a musica de fundo, as legendas, as locugées em offetc. Nao podemos esquecer de questionar as fotografias, que muito frequen- temente sao tratadas como “retratos da realidade”, como se nao tivessem, elas também, intencionalidade, contexto de producao, autoria etc. O que dizer do enquadramento, da escolha da imagem a ser fotografada, ou ainda da decisao acerca da fotografia a ser revelada e ampliada, no meio de tantas outras? Perguntas interessantes a serem feitas seriam: “onde esta a pessoa que fez a fotografia? Quem era essa pessoa, a seu ver? Como as pessoas foto- grafadas (se for 0 caso) parecem se relacionar com ela2”. Além dessas, podem seriiteis as seguintes questdes: “por que vocés acham que a fotografia foi feita2”. “Como vocés acham que era o equipamento no qual a fotografia foi feita?” “Quanto tempo vocés acham que levou para a fotografia ser feita? Por qué?” E quanto ao objeto fotografado: “descrevam o que vocés veem: as Pessoas (0 que esto fazendo, o que esto vestindo, onde esto), a paisagem, olocal, se é de dia ou de noite, se é na cidade ou no campo etc.”. “Descrevam a fotografia: “a imagem estd centralizada? O que se vé no plano da frente e do fundo? A imagem esté focada?” O trabalho com fontes é es} pecialmente proveitoso quando faz parte de “im Percurso de pesquisa, no qual se preconiza a autonomia dos estudantes. © Professor ou a professora pode disponibilizar para suas turmas uma va~ Medade de documentos a serem trabalhados numa investigacao, a partir de ‘ma ou mais perguntas de pesquisa. Por exemplo: “quem era a favor e quem ra contra a abolicao da escravidao no Brasil e por qué?”. Entre as fontes, Podem estar reportagens de jornal, textos e propagandas a favor e contra a aboligao, debates parlamentares, biografias de personagens que se destaca~ “im nas campanhas, dados dos censos de 1872 ¢ 1890 ete. Como resultado, a Propor aos alunos que preparassem uma ae ae ‘um modelo previamente elaborado. As apresentagoes Pp Digitalizado com CamScanner FONTES m m2 DICIONARIO DE ENSINO DE HISTORIA 5 ntas do tipo: “quais eram os principais argum, tadas a partir de Pee eram 0s abolicionistas e coma ane fn 4 ates e por qué?”. Entre as fontes fornecidas Pode ue pouco ou nada tém aver coma pergunta de pesquisa, ¢ 0s — aoa ees ue decidir se elas seriam tteis ou nao para desenvolyer alunos ee variedade de fontes favorece a autonomia dos alunos en. elegitima sua producao autoral. om seja, nao se trata de uma atividade que instrua “leia o documento tal e retire do texto tal informacig” ou “ouca a misica tal e faca isso e aquilo”. Professores e professoras de histéria que tém a possibilidade de transfor. mar o trabalho com fontes numa rotina contagiam suas turmas e Possibili- tam o aprendizado efetivo do passado e das formas como o conhecimento histérico se constitui. Além disso, como os alunos e as alunas aprendema olhar os documentos de modo critico, podem empregar as mesmas reflexdes sugeridas neste verbete na avaliagio e na andlise de aneas, como filmes, artigos de jornal, telejornais, tedes sociais etc. Os estudantes, aprendem que mon tos a “Quem produg6es contempo- antincios, mensagens em € necessario identificara Digitalizado com CamScanner

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