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O fascismo italiano e a ascensão da extrema-


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direita no Brasilnews and updates.
Por Ricardo Silas - out 14, 2018

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A maioria das pessoas contrárias ao autoritarismo político já escutou em certas


discussões que é um equívoco, quando não um exagero, comparar figuras como Marine
Le Pen, Donald Trump ou Jair Bolsonaro – para citar apenas os mais conhecidos – com
os ditadores fascistas do século passado. O principal argumento em defesa do uso
restrito do termo fascismo adverte que ele retrata um momento muito específico da
primeira metade do século XX, sendo, portanto, descabido atribuí-lo às tendências
autoritárias de alguns governantes do século XXI. Afinal, Trump não construiu câmaras
de gás para exterminar negros e mexicanos, Le Pen não ergueu campos de concentração
para aprisionar imigrantes, e tampouco Bolsonaro decretou o extermínio de gays em
escala industrial; tais atrocidades, e tantas outras ainda piores, foram cometidas por
facínoras da estirpe de Mussolini, Hitler, Stálin e demais ditadores que se entregaram às
trevas do totalitarismo. Entretanto, veremos ao longo deste texto que o fascismo não se
define, a princípio, pelo número de mortes que causa  – embora todos os seus
partidários, sem dúvida, tenham suas mãos sujas de sangue –, mas sim por um
conjunto de condições históricas e valores como sacralização do nacionalismo, crises que
levam à descrença na democracia, difusão do pânico contra uma ameaça externa e
interna (que pode ser exacerbada, verdadeira ou fabricada) e o mais importante de
tudo: escolhas humanas.

Para melhor analisar essa questão, tomarei como exemplo a ascensão do fascismo na
Itália e, na tentativa de abrir as portas e as janelas para o debate, confrontarei suas
semelhanças e diferenças com a possibilidade, remota ou não, de estarmos vivenciando
um fenômeno similar. De antemão, reconheço que aceitar esse desafio requer manobras
intelectuais extremamente We'd like to show
arriscadas, masyou notifications
nada for the latest
é mais arriscado do que me omitir
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diante da gravidade de nosso and updates.
cenário atual. Até mesmo os críticos mais ferrenhos de Jair
Bolsonaro se dividem ao decidir se ele e seus eleitores merecem ser tratados, em termos
acadêmicos e teóricos, como fascistas confessos ou apenas como um bando de lambe-
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botas de ditadores militares. O mero levantamento dessa discussão já é preocupante por
si mesmo porque ele nos impõe o dever indispensável de compreender como o fascismo
se desenvolveu no passado para aprimorar nossa capacidade crítica de reconhecê-lo
caso ele ouse ressurgir no presente ou no futuro. Um livro recomendado aos
interessados em entender as raízes desse problema, e que será a minha referência daqui
até o término da leitura, chama-se A Anatomia do Fascismo, de Robert O. Paxton,
historiador norte-americano e renomado especialista na área. Nesse livro, Paxton faz
uma autópsia muito precisa dos primeiros movimentos fascistas da história, com
enfoque para o fascismo italiano de Benito Mussolini e o nazismo alemão de Adolf Hitler,
esclarecendo, ainda, o processo de ascensão e declínio de ambos os regimes. Dentro das
devidas proporções e ciente de todas as ressalvas, meu objetivo será descobrir se é
possível interpretar Jair Bolsonaro sob o enigmático e obscuro prisma do fascismo
italiano, a fim de concluir se existe um suposto “fascismo brasileiro” em curso. Antes de
prosseguirmos, deixo o alerta de que minha intenção não é fazer uma equiparação moral
entre Mussolini e Bolsonaro, muito menos insinuar que o capitão reformado foi possuído
pelo espírito maligno do Dulce, pois é evidente que ambos pertencem a contextos e
universos extremamente distintos.

FASCISMO NA ITÁLIA
Na transição do século XIX para o XX, a polarização política da Europa e dos EUA se
dividia em três principais correntes filosóficas, ideológicas e partidárias: liberalismo,
socialismo e conservadorismo. Com o advento da Primeira Guerra Mundial, em 1914,
uma quarta tendência se impôs entre as demais, fundada em 23 de março de 1919,
numa sala de reuniões situada na Piazza di san Sepolcro, em Milão, cuja repercussão
imediatamente contagiou diversos movimentos radicais por quase todo o mundo: o
Fasci  italiani  di combattimento. Criado pelo jornalista e combatente militar Benito
Mussolini, expulso do Partido Socialista Italiano por defender que a Itália deveria
ingressar na Primeira Guerra junto aos Aliados, o fascismo foi ganhando notoriedade à
medida que se alimentava do medo e do desespero de cidadãos comuns ante duas
grandes ameaças iminentes: o agravamento da crise econômica, que dilacerava a
Europa no período entre guerras, bem como o terremoto que a Revolução Russa causou
em muitos países europeus. Ao romper com os socialistas italianos, Mussolini iniciou sua
campanha rumo ao poder. Uma de suas estratégias foi culpá-los pelo declínio político,
cultural e moral da nação, se apresentando como uma alternativa forte, revolucionária e
radical para unir tanto os socialistas e sindicalistas desiludidos quanto a burguesia
tradicional e os veteranos da Primeira Guerra. Os grupos radicais que se aliaram a
Mussolini começaram a perceber que os parlamentaristas italianos – liberais, socialistas
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reformistas e conservadores  like to show
– eram you notifications
incapazes de resgatar forothe latest
país do abismo caótico
news andporque
legado pela guerra, principalmente updates.muita desconfiança havia sido lançada sobre
as instituições legais e democráticas desde então. Pouco a pouco, o fascismo
arregimentou um amplo apoio popular em resposta a essa suposta incapacidade de os
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sistemas tradicionais superarem o problema; logo, optar pelas vias radicais e extralegais
de mudança social foi sendo cogitado como solução final para a Itália. Esse radicalismo
se inflamou ainda mais após a eclosão da Revolução Bolchevique, levando Mussolini, que
havia se tornado um antissocialista visceral (embora tenha incorporado certas
reivindicações sindicalistas em seu governo, como a jornada de trabalho de oito horas
diárias), a convencer o povo da necessidade de extirpar toda ameaça socialista interna e
externa. Após muitos assassinatos e atentados violentos contra grupos de esquerda,
acusados de conspirarem contra os interesses soberanos da nação, Mussolini ascendeu
até ser nomeado primeiro-ministro da Itália pelo rei Vítor Emanoel III, em 1922,
assumindo plenos poderes sobre o governo e as Forças Armadas, sob o título de Dulce
II. Para termos uma prévia do que o fascismo apregoava, o Partido Nacional Fascista
italiano, já no auge de seu poder, parecia, em tese, mais uma mistura de
antiesquerdismo com antiliberalismo (entendido aqui como uma forma de capitalismo
financeiro internacional), regado a um forte impulso ao nacionalismo, à militarização da
política e a outros elementos que veremos a seguir. Na prática, entretanto, Mussolini
deixou de cumprir suas ameaças aos capitalistas, que se tornaram grandes aliados
contra o socialismo.

Por ora, o resumo acima sobre o nascimento do fascismo, que reconheço não ter sido
detalhado o suficiente, permite-nos extrair alguns elementos fomentadores (mas não
determinantes) dessa ameaça comumente percebida nos crescentes movimentos de
extrema-direita contemporâneos. Para Paxton, tais elementos despertam o que ele
chama de “paixões mobilizadoras”, as quais sintetizo nos seguintes estágios:

1) O terreno mais propício para a semente do fascismo germinar são as democracias


relativamente desenvolvidas que, devido a uma suposta incapacidade de solucionar
crises internas, perdem a credibilidade e o respeito dos cidadãos. No caso específico da
Itália, os impactos sofridos ao término da Primeira Guerra Mundial e, posteriormente, da
Grande Depressão de 1929 levaram ao que muitos historiadores consideram uma
condição sine qua non do fascismo: um sintoma de paralisia e de adoecimento crônico
das democracias modernas. Aliás, uma diferença crucial entre um governo fascista e um
regime militar e autoritário é que o primeiro depende da existência de uma democracia
em crise, enquanto o segundo pode vigorar sem a necessidade de haver sistema
democrático prévio;
2) Uma das premissas mais importantes do fascismo é que ele não pode existir sem que
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haja uma política de participação direta e espontânea das massas, que sacrifica, por
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meio do consentimento ou da coação, suas liberdades individuais no altar do grande líder
em prol do bem-estar coletivo de toda a nação. (Mussolini, por exemplo, defendia o voto
a partir dos 18 anos de idade e o sufrágio feminino, diferente do Allow
Cancel voto censitário peculiar
às democracias liberais e conservadoras);

3) Encontrar bodes expiatórios e acusá-los de provocar a decadência cultural, moral e a


perda de identidade nacional de um povo ou grupo. “A crença de que esse próprio grupo
é uma vítima”, segundo Paxton, “serve como justificativa para qualquer ação, sem
limites morais ou legais, contra seus inimigos” internos ou externos. Os inimigos a serem
exterminados variam de acordo com o tempo, a geografia, a cultura e o tipo de regime
em vigor, sendo em geral judeus, estrangeiros, ciganos, gays, esquerdistas, capitalistas
gananciosos, dissidentes políticos, entre outros. O fascismo, inclusive, não empreendeu
campanhas antissemitas na mesma escala que o nazismo, já que seu alvo principal era
combater as tendências internacionalistas e cosmopolitas do socialismo;

4) Os apelos aos valores tradicionais e patrióticos, ao ethos do militarismo, bem como à


violência radical como principal meio de estabelecer a ordem permitiram que os
primeiros fascistas evoluíssem de meros movimentos clandestinos para o patamar de
partido único à frente do governo. Isso também implica a intensa personalização de um
líder carismático e merecedor de devoção quase mítica, que se demonstre capaz de
esmagar seus opositores e unir o povo em torno dos propósitos soberanos da nação;

5) O apoio quase incondicional das elites financeiras e conservadoras que, em vez de


tentar restaurar as instituições democráticas para a solução legal dos conflitos, se
associam aos líderes fascistas para preservar seus privilégios e combater o inimigo em
comum;

6) A ascensão e a tomada do poder seguidas do colapso total do regime (decidi não me


aprofundar no estágio 6 porque o Brasil ainda pode estar prestes a vivenciá-lo – ou não).

Qualquer país que atravessasse um cenário catastrófico que reunisse todas essas
fragilidades estaria sujeito à toda sorte de tiranos lunáticos e inescrupulosos, decididos a
despertar as paixões mais extremistas dos cidadãos, sob discursos legitimadores da
violência, e a questionar a validade dos preceitos democráticos a fim de assumir o poder.
Isso não soa um pouco familiar?

SEMELHANÇAS
SEMELHANÇAS
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A partir de cada um desses elementos é possível estabelecer uma breve análise, ainda
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que muito movediça e arriscada, sobre a probabilidade de o Brasil estar experienciando
algo relativamente próximo ao fascismo. Como prova de que valorizo a inteligência do
leitor, deixarei que ele ou ela examine se já atravessamos algum dos 6 estágios, desde
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que estejam cientes das proporções cabíveis. O primeiro passo é concordar que de fato
temos uma crise econômica e política muito grave. Obviamente que, para os padrões do
período entre guerras, nossas dificuldades não são nada se comparadas à destruição e
aos escombros deixados por toda a Europa depois da Primeira Guerra Mundial e da
Grande Depressão de 1929. Mesmo assim, temos diante de nós alguns vetores que
colocaram a democracia brasileira em xeque, como a crise financeira de 2008, os erros e
crimes cometidos dentro dos governos Lula e Dilma, os protestos de junho de 2013, os
desdobramentos da Operação Lava-Jato, que, com todos os seus defeitos e qualidades,
descortinou um grande esquema de corrupção pluripartidário que envolvia as maiores
empresas públicas e privadas do país e, por fim, o golpe contra Dilma (chamem de
impeachment, se preferirem). Ainda que nossa crise seja muito mais amena para os
parâmetros do século passado, é inegável que ela existe e esteve vulnerável às
manipulações de grupos oportunistas que forjaram, com o apoio da grande imprensa,
um quadro apocalíptico para impor o ódio e o medo sobre os cidadãos. É exatamente
isso o que as democracias em declínio fazem. O resultado foi a criação de ameaças
internas (gays, esquerdistas, petistas etc.) que precisavam ser apontadas como as
únicas causadoras da crise. Parte numerosa da população, por sua vez, já saturada de
toda suposta ineficiência do sistema democrático, aderiu a esse discurso e caiu na
armadilha de escolher um líder de perfil militar, “nacionalista”, defensor de valores
tradicionais e disposto a promover mudanças extremas, mesmo que para isso ele
considere legítimo o uso brutal da tortura e da violência.

Bolsonaro ainda conta com outro elemento que esteve presente na Itália de Mussolini, o
apoio espontâneo e natural das massas, as quais o investiram com o manto de grande
líder, conferindo-lhe poderes quase absolutos para agir em nome do povo supostamente
oprimido. Outro exemplo pitoresco de devoção a Bolsonaro, e que mais parece ser um
abrasileiramento tosco das saudações “Viva el Dulce” e “Heil mein Führer”, é o título de
Mito que seus seguidores lhe atribuíram, título este impregnado de uma vil e repugnante
idolatria política. Quanto aos inimigos responsáveis pelo desastre da nação, são eles os
esquerdistas, comunistas e toda a base de apoio social do Partido dos Trabalhadores.
Isso fica explícito no programa de governo intitulado Projeto Fênix, de Bolsonaro, em
que ele, sem nenhum critério lógico, insinua que os elevados índices de homicídio no
Brasil têm relação causal com as reuniões do Foro de São Paulo, declarando, no mesmo
documento, que a crise econômica é “legado de ineficiência e corrupção do PT”. Além
disso, por mais que a ameaça de uma marcha comunista fosse real aos italianos e
demais povos europeus no começo do século XX, Bolsonaro age como se a mesma
ameaça estivesse à nossa espreita. Imprimindo essa retórica em seus discursos, ele
apenas contribui com a difusão de Fake News e de delírios conspiratórios que teriam
feito qualquer bolchevique sisudo morrer de rir, embora as consequências instantâneas
We'd
desses discursos não tenham like to graça.
a menor show you notifications for the latest
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Quanto às centenas de declarações autoritárias que o capitão reformado já proferiu
durante sua campanha eleitoral, temos esta: “Não existe essa historinha de Estado laico,
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não! É Estado cristão […] Vamos fazer um Brasil para as maiorias”, e prosseguiu: “as
minorias que se adequem ou simplesmente desapareçam”. Lembremos que não se trata
de uma verborragia gratuita, e sim de um candidato a Presidente da República
assumindo sua completa incapacidade de estabelecer diálogos e mediar os conflitos do
povo, e sendo tolerado apesar disso. Em momentos de crise, quanto maior a passividade
de certos órgãos fiscalizadores diante de flagrantes ataques à Constituição Federal,
maior o incentivo ao trabalho sujo de políticos raivosos, que em troca recebem 49
milhões de votos no primeiro turno de eleições presidenciais. Quando se perde a
oportunidade de pará-los antes, é difícil pará-los depois. Além de um apoio expressivo
das massas, Bolsonaro recebeu também um vasto patrocínio das elites econômicas
tradicionais (agronegócio), dos políticos conservadores, das igrejas evangélicas e de
muitos componentes das Forças Armadas, militares e milicianas do país. Mussolini
também obteve regalias similares em sua ascensão ao poder, e o fato mais emblemático
é que, naquele período, as elites tradicionais, a ala conservadora do parlamento italiano
e o próprio Papa Pio XI se aliaram ao Dulce por enxergá-lo como um instrumento
poderoso de combate ao comunismo. Para as elites, provavelmente Bolsonaro seja visto
não apenas como um mero instrumento, mas também como um fantoche do
establishment. Seja como for, sabemos que quais inimigos eles tem em comum.
DIFERENÇAS
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news and
Depois que a retórica da ameaça updates.uniu Mussolini às elites conservadores e aos
comunista
liberais italianos, os desdobramentos dessa aliança imediatamente se fizeram sentir.
Inúmeros atos de violência irromperam na Itália como prova de que mesmo as
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sociedades mais civilizadas da Europa não eram imunes ao vírus do extremismo
genocida. Felizmente, ao menos em tese, é difícil imaginar que algo comparável possa
ocorrer no Brasil, embora os impactos de políticas autoritárias deixem sempre rastros
indeléveis de intolerância, perseguição e, em último caso, morte. Um dos rastros mais
sangrentos até agora foi o assassinato do baiano e mestre capoeirista Moa do Katendê,
que, ao se posicionar contra Bolsonaro e ter declarado seu voto ao petista Fernando
Haddad, foi brutalmente esfaqueado pelo bolsonarista fanático Paulo Sérgio Ferreira de
Santana. Em menos de uma semana após o primeiro turno, outras dezenas de casos de
violência contra antibolsonaristas (não necessariamente pessoas de esquerda) foram
registrados em todo o Brasil. Entretanto, é bastante improvável  – mas não posso dizer
impossível – que atentados em escala industrial se desencadeiem por aqui. De qualquer
maneira, é imprescindível permanecer atento e trabalhar para impedir que uma escalada
violenta saia totalmente de controle.

Como eu já disse, o fascismo de Mussolini era carregado de discursos antiesquerdistas,


anticapitalistas, seguidos de inúmeros falatórios enaltecedores do nacionalismo
militarizado, somados a uma forte obsessão pela guerra imperialista. Na prática,
entretanto, o Dulce expropriou apenas uns poucos capitalistas estrangeiros por não
atenderem aos propósitos de bem-estar da nação. Já os capitalistas italianos, estes
participaram ativamente do regime e gozaram de muitos privilégios, desde que
dedicassem uma soma razoável de recursos financeiros para impulsionar o crescimento
econômico da Itália. Em contrapartida, se os quase 30 anos de vida pública de Bolsonaro
fossem vasculhados nos mínimos detalhes, encontraríamos uma sequência infindável de
contradições que não nos permitiriam traçar nenhum posicionamento lógico sobre
economia. Sabe-se que, numa entrevista à Revista Veja, em 1999, ele considerou o líder
venezuelano Hugo Chávez como uma figura “ímpar” e uma “esperança para a América
Latina”, dizendo ainda que desejaria reproduzir sua filosofia no Brasil. Acontece que, em
ocasiões anteriores, Bolsonaro já havia defendido, por dezenas de vezes, a ditadura
militar de 1964, que certamente teria se contraposto à Venezuela em qualquer
circunstância imaginável.  Seja como for, após abjurar de seu flerte irrefletido com o
chavismo, Bolsonaro se autoafirmou um “crítico ferrenho do comunismo”, o que não
impediu que seus posicionamentos permanecessem marcados por diversas distorções.
Exemplo típico: um presidente não pode ser nacionalista nem patriota se defende as
privatizações de empresas estatais e escancara seu país ao livre comércio estrangeiro.
Nisso ele difere não apenas de Mussolini, mas de quase todos os demais candidatos a
neofascistas contemporâneos. Donald Trump, que vem realizando um governo altamente
protecionista nos EUA, deflagrou uma intensa guerra comercial contra a China e impôs
uma série de embargos alfandegários a pretexto de proteger a indústria norte-americana
das pressões competitivas globais. Bolsonaro sequer sabe o que isso significa. Dizer-se
nacionalista ou patriota e, em pose de continência militar, uivar as siglas USA de um país
comprovadamente mais poderoso, faria um fascista clássico sair do caixão e condená-lo
à pena de morte.

NEOFASCISMO
Primeiramente, concordo com Paxton quando ele argumenta que é impossível encontrar
We'd que
uma essência única do fascismo like to showexistir
possa you notifications for the latest
de forma idêntica em todos os lugares.
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O fascismo, assim como o liberalismo, está sujeito a alterações que atendem a diferentes
fronteiras, símbolos e tradições culturais de cada sociedade. Na América Latina, o mais
próximo de um movimento fascista clássico que já existiu foi a Ação Integralista
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Brasileira, com os camisas verdes de Plínio Salgado correspondendo aos Camisas Negras
italianos. Se Bolsonaro está munido de todo o aparato necessário para criar um
movimento equivalente, alcançar o estágio 6 e converter seu regime numa nova espécie
de governo fascista, isso é algo difícil de prever. De qualquer forma, alguém que afirma
que os portugueses nunca pisaram os pés na África durante o período colonial possui um
baixíssimo QI para ler, estudar, compreender ou sequer assimilar os elementos genuínos
de um fascista. Tanto isso é verdade que os bolsonaristas chegaram ao cúmulo de
empurrar as ideias fascistas para o espectro político de esquerda, assim como o fizeram
com o nazismo em resposta desengonçada a um vídeo didático divulgado pela
Embaixada Alemã sobre como ensinar o Terceiro Reich nas escolas. Por um lado, isso
pode nos tranquilizar em alguma medida, pois se nenhum bolsonarista tiver a menor
ideia do que o fascismo significa, talvez estejamos relativamente seguros enquanto eles
não desenvolvem um fetiche consciente pelo sistema. Por outro lado, é assustador
constatar que, mesmo estando totalmente desinformados sobre o tema, eles conseguem
repetir experiências muito comuns aos primeiros movimentos fascistas da história. Isso
evidencia que ninguém, nem mesmo o militante político mais desinformado de todos,
está protegido do contágio silencioso e assustadoramente espontâneo da conduta
fascista.

Resta-nos, por fim, emitir um veredito parcial sobre o problema levantado no início deste
texto. Bolsonaro e seus seguidores são fascistas? Se entendermos o fascismo como uma
injúria gratuita e vazia, então qualquer um que discorde de você poderá sê-lo.
Entretanto, se o que estiver em jogo for o conceito histórico do fascismo, então é preciso
ter em mente que, nos moldes do regime italiano e do nazifascismo alemão, a resposta
será não. Talvez os historiadores do futuro saibam definir o atual momento com uma
precisão mais acurada do que a nossa, mas a princípio é mais apropriado tratar o
fenômeno brasileiro, a nível parcialmente teórico, como um caso de neofascismo em
curso, abrangendo também o ressurgimento outros movimentos de extrema-direita na
Europa e nos EUA. A explicação é que o neofascismo reúne elementos específicos que
vigoraram no fascismo clássico, estando aberto, todavia, a novos fatores que não
existiam anteriormente. Hoje em dia, por exemplo, nenhum europeu simpatizante do
modus operandi fascista e partidário da extrema-direita tem uma inclinação à anexação
de novos territórios por meio de guerras expansionistas. O que define os partidos de
extrema-direita neofascista hoje é exatamente o inverso, por exemplo, as propostas
radicais de secessão feitas por movimentos favoráveis ao Brexit, ou ainda, no caso do
Brasil, a reivindicação dos separatistas radicados na região Sul, onde se concentra o
maior número de neonazistas.

O termo protofascismo também seria apropriado, mas ele ainda é bastante problemático,
pois pressupõe que qualquer sinal de fascismo tende a se desenvolver e seguir um
padrão cronológico idêntico ao do Partido Nacional Fascista italiano, sendo que as
condições existentes na Europa de quase um século atrás não mais se fazem presentes
no cotidiano dos europeus de hoje. Se um movimento inspirado nos Camisas Negras
eclodisse na Bélgica ou no Brasil, ele poderia receber, portanto, outra definição, já que,
por mais que um país desenvolva o ambiente ideal para fazer germinar a semente do
fascismo, nada determina que ele nascerá e sobreviverá até conquistar o poder, muito
menos seguindo os mesmosWe'd like to show
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aqui observados. Muitos movimentos
de inspiração fascista foramnews and updates.
natimortos ou de baixíssima adesão ao longo do século XX,
mas agora eles parecem, por razões diversas, apontar uma estranha e nova direção.

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Embora seja impossível controlar o ritmo dos recentes desdobramentos políticos do
Brasil, é importante acatar os pedidos de cautela não só para conceitos complexos como
fascismo, mas também para temas igualmente controversos, como liberalismo,
socialismo, comunismo e outros ismos que se vulgarizaram nos debates
contemporâneos. Também compreendo, por outro lado, que às vezes o momento
presente demanda respostas firmes para defender a democracia e os direitos humanos
ameaçados pelos tiranos de nossa geração. Se quisermos estar atentos a essas
ameaças, é imprescindível saber reconhecer um “fascista” onde houver um, antes que
ele possa reconhecer você.

Ricardo Silas
Estudante de História (UFRB), 25 anos.

ALSO ON UNIVERSO RACIONALISTA

Vida é … Usina de … Imagens …


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