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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Instituto de Ciências Humanas e Sociais


Departamento de História e Relações Internacionais
Antropologia Social

Trajetórias e Memórias de Caminhoneiros


A realidade enfrentada pelos estradeiros

Yngrid Freitas – 2014260395

Rio de Janeiro, 04 de dezembro de 2015.


O presente trabalho tem por objetivo desconstruir esterotipos e mostrar suas trajetórias
dentro do convívio familiar dos caminhoneiros, tentaremos compreender os valores que
são designados à eles dentro e fora de seu contexto social. A ausência familiar, solidão
e os mais diversos obstáculos enfrentados por eles os tornam profissionais de grande
valor e importancia, porém, de pouco valorização no país. Para que se tornasse possivel
este trabalho, utilizei de entrevistas com caminhoneiros ativos e aposentados, minhas
próprias experiências sendo eu filha de caminhoneiro, programa de televisão “siga bem
caminhoneiro”, revista do caminhoneiro e artigos e dissertações.

Introdução:

A necessidade de levar o sustento para suas familias os levam a escolhas muitas vezes
dificeis, muitos passam 15, 20, 30 dias ou mais, longe de suas famílias, em uma jornada
de trabalho árdua. Muitos encontram forças no sentimento de amor pela profissão e
família.

A cada dia os caminhoneiros enfretam constantes lutas, o preço pago por esses
profissionais são de jornadas de trabalho excessivo, má alimentação e ainda abrem mão
de suas vidas em sociedade, crescimento dos filhos e também do lazer. Tudo isto gera
no trabalhador, que não recebe seu devido valor, doenças fisicas e psicologicas, uso de
entorpecentes como ribite, para se manterem acordado durante as viajens. Em meio a
estes trabalhadores à sim aqueles que tem um comportamento desagradável, porém não
podemos generalizar uma classe com a idéia de um caminhoneiro sem estudo, velho,
barbudo, que não tem dinheiro, trai a mulher nas estradas da vida, abusa de crianças e
adolescentes, isto já é algo ultrapassado. Pode se disser que muitos caminhoneiros
andam bem arrumados, quando estão com suas famílias. Ainda mantêm-se dentro do
possível permitido uma higiene, buscam completar seus estudos e estão conscientes das
leis.

A crença em uma religião, ou divindade é uma das características presentes na vida


desses profissionais que enfrentam todos os dias os desafios e as surpresas do trabalho e
se apegam a estes momentos de fé para se tranquilizar. Notamos aspectos de solidão,
amor, felicidade nas diversas frases colocadas nos para – choques dos caminhões.

O perigo de cada dia enfrentado pelos “moradores da boléia” é algo ainda preocupante,
os inúmeros roubos a carga tornam a vida nas estradas muito difíceis, os caminhoneiros
se protegem como podem, uns utilizam de armas outros andam em grupos para evitarem
estas situações desagradáveis que põem suas vidas em risco. A vida na estrada é cheia
de aventuras e desafios, alegria e tristeza. “Ser um caminhoneiro significa passar por
dificuldade, viver longe da família e acima de tudo é ter histórias para contar”, ir e
voltar de viagem na expectativa de chegar logo em casa e retornar as estradas sem saber
se irá voltar.

1. A família e o trabalho
A familia muitas vezes fica prejudicada pela longa jornada de trabalho. A
trajetória que a vida os leva, é algo incrivel, pois mesmo passando longas horas
fora de casa percebe se o orgulho dos filhos, significa que existe uma boa
relação familiar dentro do possivel, o vasto conhecimento de lugares, pessoas os
tornam únicos, “mapas cerebrais”. A forma como é passada suas histórias para
seus filhos e netos nos mostram o amor pela profissão. Em minha trajetória
como filha de um caminhoneiro guardei muitas memória boas e ruins, as viajens
em familia, tornava aquele momento especial, não se via tristeza ou solidão, mas
alegria, as longas viajens pareciam mais interessantes, muitas vezes me vi
conversando no rádio px com caminhoneiros de vários lugares e culturas, era
uma forma de passar o tempo. Lembro me dos dias que não pude viajar e meu
pai chegava de viajem e no mesmo dia tinha que voltar para sua companheira de
todos os dias e horas, a boléia, quando ia embora sempre cantavamos a música:
“... Sentado na cabine do possante eu me preparo para
mais uma jornada, esquento a máquina, me ajeito no
volante, dou uma buzinada e para a turminha canto
assim:Tchau tchau piquitita, tchau tchau, cuida bem da
mamãe pra mim.Tchau tchau piquitita, tchau tchau, "Vou
cuidar papaizinho, sim sim" (A Piquitita - Duduca e
Dalvan)

Segundo Michael Pollak a memória é uma operação coletiva dos acontecimentos e das
interpretações do passado que se quer guardar na tentativa de reforçar sentimentos de
pertencimentos sociais, assim como família, religião. Essas lembranças servem para nos
manter em nossos respectivos lugares dentro da sociedade. Em minha entrevista com
Ralmilia da Silveira Freitas, filha de um caminhoneiro, perguntei lhe como ela via o pai
e como era sua relação familiar, bom ela me respondeu:

“Sempre o vi como um cara que conseguia domar


um monstro (Caminhão) e por isso sempre tive
verdadeira admiração por ele,assim como tenho
pelos meus irmãos,dirigir ônibus, Caminhões e
Cavalo hidráulico é uma verdadeira arte e a relação
familiar era boa na medida do possível, como ele
tinha essa vida de estrada e via muita coisa,acho
que existia uma cobrança maior em casa!”1

Em nossa conversa senti uma paixão na profissão do pai, e que mesmo com todas as
dificuldades e cobranças ela o amava. Em suas palavras era nítido o orgulho e
entusiasmo da mesma. “Eu, estou disposta sim a está profissão, vou seguir estes passos,
porém estou buscando me aperfeiçoar como instrutora... para que ajude a manter essa
profissão limpa! Cair na estrada é o meu sonho... e vou! Um futuro próximo!”

Muitos estudos dizem que caminhoneiros escolheram esta profissão pela falta de estudo,
porém acredito que seja muito mais que isso, o entrevistado Raimundo afirma escolher
essa profissão ainda pequeno, era seu sonho, quando lhe pergunto sobre a forma como é
visto o profissional, ele humildemente me responde que a pessoa é aquilo que ela quer
ser, ele quis não se envolver com as coisas que lhe eram oferecidos na estrada, e isso é
uma decisão de cada um, e ainda afirma que sua vida melhorou muito depois que entrou
para o evangelho.2

2. Os riscos da profissão e como é visto o trabalhar carreteiro


Atualmente, os diversos assaltos a cargas tem se tornado algo constante, os
perigos dessa profissão não compensam a remuneração que lhes é dada, dados
do sindicato nos mostram que o piso salarial em 2015/2016 de motoristas
carreteiros está em 1.757,05, valor este considerado pouco em relação a todas as
dificuldades em pistas com péssimas condições, assaltos, horas esperando dentro
de um pátio para carregar e descarregar, às vezes perde o dia nesses lugares,

1
Entrevista realizada em 04/12/15 com Ralmilia da Silveira Freitas, filha do caminhoneiro Malcenir da
Siveira Freitas (Falecido em 2004).
2
Entrevista realizada no dia 06/12/15 com o Senhor Raimundo, caminhoneiro aposentado, 75 anos e
casado.
além de ficarem sem comer porque alguns pátios como o da COSIGUA depois
que o motorista entra não tem um lugar para comer. Riscos de saúde como
obesidade, embora alguns, na maioria os novos entre 25 anos façam academias
quando tem disponibilidade para se manterem com o corpo visualmente bem,
entre outras doenças mais graves.
A Lei dos Caminhoneiros (Lei 13.103/15) prevê a construção de pontos de
descanso nas principais rotas do Brasil. Creio que esta lei está sendo aplicada,
apenas no papel, assim como a que diz que o caminhoneiro que não respeitar as
regras da lei de descanso (12.619/12) será punido, que também não se faz valer,
a punição deveria vir também para as empresas que submetem seus funcionários
a metas absurdas.

“(...) o motorista, realmente, merece de nós,


consideração e reconhecimento, por seus
infindáveis e imprescindíveis serviços. Serve à
nação, servindo seus filhos. Entrega se a luta,
arriscando a própria vida, pela vida e bem estar de
seus irmãos...” 3

Dentre os riscos que os caminhoneiros são expostos em suas trajetórias, um dos


classificados com maior gravidade é o de acidentes, o Sr Malcenir da Silveira se recorda
de dias em que perdeu o freio na descida da Serra das Araras/ RJ, conta que foram horas
de extremo estresse, medo, por sua vida e pelas vidas das outras pessoas 4, então
percebemos mais um problema, veículos sem boas condições de uso, alguns em estado
precário, normalmente os caminhões de autônomos é que se encontram desse jeito, pois
o valor ganho nos fretes não supre o alto custo de manutenção dos mesmos.

“Vejo os carreteiros como uma profissão de alto risco e pouco valorizada, homens que
vivem sós na estrada por semanas e até meses com um salário baixo, é um risco muito
grande! Dirigimos para nós e para os demais!” 5

Esta é a visão de alguém que conhece de perto a vidas destes heróis da estrada. No livro
de Norbert Elias, Estabelecidos e Outsiders o autor mostra a relação de estigmatização,

3
Trecho de artigo escrito por PEIXOTO, Adelívio. “Para o motorista o dia é todo invisível”, Correio de
Uberlândia, Uberlândia, 25/07/70, suplemento especial, sessão: um fato em foco.
4
Entrevista realizada no dia 02/12/15 com Malcenir da Silveira Freitas, caminhoneiro, casado, 45 anos.
5
Idem
do que se acha superior para com o inferior. O caminhoneiro por muitos anos foi
colocado na sociedade como inferior as outras profissões pelo fato de os requisitos para
adentrar nesta profissão era somente ter o ensino fundamental incompleto, e como diz
Norbert Elias, são tão estigmatizados que aqueles o qual estão sofrendo com isso
acabam tomando para si aquela imagem que tem sido feita dele, crendo que ele
realmente é aquilo que lhes foi imposto, no caso dos caminhoneiros muitas vezes
impostos pela sociedade. Olhando o quesito fofoca colocado pelo mesmo autor posso
considerar que algumas reportagens lançadas pela mídia de modo um tanto exagerado,
criaram nas pessoas que não conhecem este meio, uma espécie de medo, o que entendo
como uma fofoca destrutiva ao caminhoneiro, que já não é visto como um profissional
de tal importância, mas sim um profissional de má fé e desvalorizado.
Considerações finais

No livro o “O trabalho do antropólogo” o autor Roberto Cardoso de oliveira estabelece


que o escrever está profundamente associado ao pensamento, que é no escrever que o
pesquisador tem seu momento de analise sobre os problemas encontrados na observação
e tenta encontrar meios de saída para eles, é no ato de escrever que as informações são
estruturadas e as idéias nascem, e evoluem na transcrição das informações, deste modo,
espero que os métodos utilizados para tornar este trabalho possível, além do esforço e
desempenho, tenham contribuído e ajudado as pessoas terem uma nova perspectiva
deste tema e também para que os leitores possam conhecer um pouco melhor a trajetória
destes homens e mulheres que disponibilizam grande parte do seu tempo em prol de
suas famílias e sonhos.

Acredito que ainda há muito que melhorar para estes profissionais e que também
existem muitas histórias de vida belíssimas de tristeza e alegria e paixão entre o homem
e a máquina, que se fazem companheiros em todos os momentos.

Descrevo com orgulho e ao mesmo tempo tristeza, Malcenir, 45 anos, casado, dirige
desde seus 17 anos com seu pai, trabalhou por anos na estrada, chegando a ficar mais de
três meses fora de casa, muitas vezes andei por esse Brasil fazendo companhia em suas
vagens, hoje é dono de seu próprio caminhão, porém não trabalha nele, pelas péssimas
condições oferecidas aos trabalhadores pelas empresas que pagam fretes, vejo a tristeza
em seus olhos ao ver seu velho amigo se acabando ao sol e chuva, a cada ligação de
compradores, percebi uma resistência em vende - lo mesmo diante das dificuldades
financeiras enfrentada.

Por fim, posso dizer que foi uma experiência engrandecedora ouvir várias histórias de
diferentes opiniões e aprender cada dia a respeitar esses profissionais de grande valor,
reconheço que ainda há muito a se explorar, muito a se aprender, sobre este tema e que
ainda há muitas histórias a serem contadas.
Significados

“Morador da boléia”: Caminhoneiro que vive dentro do caminhão, boléia é o termo


utilizado para se referir à cabine do caminhão.

Rádio Px: é a faixa de radiofreqüência em torno dos 27MHZ, pela qual é transmitida por
um transceptor especifico. Meio de comunicação utilizado antigamente pelos
caminhoneiros.

Bibliografias

http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2009/expocom/EX14-0747-1.pdf

http://livros01.livrosgratis.com.br/cp017192.pdf

http://projeto.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/viewFile/79/57

http://www.cargapesada.com.br/edicoesanteriores/edicao149/edicao149_.php?id=132

http://www.sindicargadeferraz.org/news/piso/

http://blogdocaminhoneiro.com/2013/06/vida-na-estrada-tem-o-seu-valor/

http://www.namaocerta.org.br/pdf/PerfildoCaminhoneiro2010_Relatorio.pdf

http://www.automotivebusiness.com.br/noticia/19913/caminhoneiros-tem-a-pior-saude-
entre-os-profissionais

http://www.brasilcaminhoneiro.com.br/V4/estradas/obrigatoriedade-de-area-de-
descanso-em-rodovias-pedagiadas-e-rejeitada-por-comissao/

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/vida/online/vida-de-
caminhoneiro-historias-de-quem-vive-pelas-estradas-do-brasil-1.1130754

ROSA, Ivani. Trilhando caminhos e perseguindo sonhos: Histórias e memórias de


caminhoneiros. 2006. 206 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-
graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais.

POLLAK, Michael. 1989. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos Históricos.


Rio de Janeiro, vol.2, nº 3, CPDOC, pp.3-15.
ELIAS, Norbert & SCOTSON, John L. 2000. Os estabelecidos e os outsiders.
Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro:
Zahar.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever.


In: O trabalho do antropólogo. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.

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