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O PRINCÍPIO DA PATRIMONIALIDADE DA EXECUÇÃO E OS

MEIOS EXECUTIVOS ATÍPICOS: LENDO O ART. 139, IV, DO


CPC

Alexandre Freitas Câmara*

RESUMO: O artigo busca mostrar como a interpretação adequada do art. 139, IV, do
CPC leva à possibilidade de emprego, na execução de obrigações de qualquer natureza,
inclusive pecuniárias, de meios executivos atípicos, desde que tais meios sejam
exclusivamente patrimoniais, sendo impossível o emprego de meios de execução
pessoais, que incidam sobre a própria pessoa do executado.

PALAVRAS-CHAVE: Execução – meios executivos atípicos – patrimônio

ABSTRACT: This paper intends to demonstrate that the correct interpretation of article
139, IV, of the Brazilian Civil Procedure Code makes possible the use of enforcement
means that are not described in any statute, whatever is the nature of the civil obligation
(including Money debts). These enforcement means, however, must work over the
assets of the debtor, never over her person or body.

KEYWORDS: enforcement – enforcement means – assets

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O art. 139, IV, do CPC e a atipicidade dos meios


executivos. 3. O princípio da patrimonialidade da execução. 4. Lendo o art. 139, IV, do
CPC. 5. Conclusão.

* Professor emérito e coordenador de direito processual civil da EMERJ (Escola da Magistratura do


Estado do Rio de Janeiro). Presidente do Instituto Carioca de Processo Civil. Vice-diretor de relações
institucionais do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro do Instituto Ibero-americano de
Direito Processual e da Associação Internacional de Direito Processual. Doutor em Direito Processual
(PUCMINAS). Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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1. INTRODUÇÃO

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015,


começaram a ser proferidas algumas decisões que, invocando a aplicação do art. 139,
IV, daquele diploma, geraram polêmica. Foram decisões nas quais se determinou o
emprego, como meios coercitivos atípicos, de medidas como a suspensão do CPF do
executado, a apreensão de seu passaporte ou de sua carteira de habilitação ou a
suspensão do direito de uso de cartões de crédito.1

Tais decisões têm se baseado em um dispositivo que cria uma cláusula


geral de atipicidade dos meios executivos, permitindo o emprego, no cumprimento de
decisões judiciais, de “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. A questão que aqui se pretende
enfrentar é a dos limites da aplicação da norma jurídica que se constrói a partir do já
mencionado inciso IV do art. 139 do CPC. Será mesmo possível a utilização de
mecanismos como estes que foram mencionados? Existirá algum limite para a
imaginação do aplicador do Direito nesse caso? Ou tudo é possível com base nessa
cláusula geral?

Como será possível ver ao longo do texto, os limites existem, e não


podem ser ultrapassados, sob pena de violar-se o que de mais elementar existe no
Estado Democrático de Direito: o respeito à dignidade humana e ao devido processo
constitucional.

A busca da interpretação correta do art. 139, IV, do CPC deve, porém,


partir de uma premissa: o que se tem nesse dispositivo nada mais é do que uma
ampliação – de modo a permitir que se alcance também a execução de obrigações
pecuniárias – de uma cláusula geral de atipicidade de meios executivos que, no
revogado CPC de 1973, já podia ser encontrada no art. 461. E curiosamente não se tem

1 Notícia de decisão em que se determinou a apreensão de carteira de habilitação e de passaporte do


devedor, além de cancelar seu cartão de crédito, pode ser lida em
<http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI245189,101048-
Passaporte+e+apreendido+para+forcar+homem+a+quitar+divida>, acesso em 18/11/2016. Para uma
crítica a essa decisão, STRECK, Lenio; NUNES, Dierle. Como interpretar o art. 139, IV, do CPC? Carta
branca para o arbítrio?, in <http://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-
iv-cpc-carta-branca-arbitrio>, acesso em 18/11/2016.
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notícia de que, ao tempo em que vigorava esse outro dispositivo, decisões como as
anteriormente noticiadas fossem proferidas.

2. O ART. 139, IV, DO CPC E A ATIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS

O art. 139, IV, do CPC de 2015 já foi descrito como responsável por uma
“revolução silenciosa” da execução civil brasileira.2 Afinal, ele prevê uma ampliação do
campo de incidência da cláusula geral de atipicidade dos meios executivos – que já
estava prevista no art. 461 do CPC de 1973 desde a entrada em vigor da Lei n° 8.952, de
13 de dezembro de 1994, que alterou a redação do aludido art. 461 – permitindo seu
emprego também nos procedimento executivos que tenham por objeto o cumprimento
de obrigações pecuniárias. Por força do inciso IV do art. 139 do CPC, então, é possível
o emprego, no procedimento destinado ao cumprimento de decisões judiciais que
reconheçam a exigibilidade de obrigações de qualquer natureza, de medidas executivas
que não estão previstas em lei.

É preciso recordar, aqui, que os meios executivos podem ser divididos


em duas grandes categorias: os meios de sub-rogação e os meios de coerção. Fala o
texto legal, é certo, em duas outras categorias (mandamentais e indutivos), mas estes, a
rigor, se inserem naqueles.

Meios executivos de sub-rogação são aqueles pelos quais o Estado-juiz


pratica atividade que substitui a do devedor, tornando-a dispensável, e produz o
resultado prático que se teria se o próprio devedor tivesse cumprido seu dever jurídico.
É o que se tem, por exemplo, no caso de o devedor de uma obrigação de entregar coisa
móvel não a cumprir e o Estado-juiz promover a busca e apreensão do bem, entregando-
o ao credor. Em situações como esta, a atividade do Estado substitui a do devedor,
promovendo a realização prática do direito do credor, sem que o devedor tenha
precisado desenvolver qualquer atividade. A execução por sub-rogação – também
chamada execução direta – é a que tradicionalmente se emprega no caso das obrigações
pecuniárias, através da técnica da expropriação (em que o Estado-juiz agride o
patrimônio do executado, apreende bens e os retira do seu patrimônio, entregando-os

2 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. In:


http://jota.info/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia, acesso em 18/11/2016.
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diretamente ao exequente ou os transformando em dinheiro que será entregue ao
exequente para satisfação do crédito).

Já a execução por coerção – também chamada execução indireta –


consiste no emprego de mecanismos destinados a compelir o próprio devedor a praticar
os atos necessários à satisfação do direito do exequente. É o que se tem, por exemplo,
no caso de prisão civil do devedor inescusável de alimentos ou na fixação de multa pelo
atraso no cumprimento de obrigação (astreinte). Tradicionalmente, os meios coercitivos
eram empregados no direito brasileiro para a execução de quaisquer obrigações, menos
as pecuniárias (com a ressalva da prisão do devedor de alimentos). A partir da entrada
em vigor do CPC de 2015, porém, passou a ser possível também o emprego da
execução indireta quando se trate de qualquer obrigação de pagar dinheiro reconhecida
em decisão judicial.

No início da evolução do sistema executivo brasileiro, porém, só era


admitida a utilização de meios executivos típicos, isto é, expressamente previstos em
lei. Não se aceitava o emprego de meios executivos atípicos, o que só começou a mudar
com a previsão de algumas cláusulas gerais de atipicidade de meios executivos, o que se
deu a partir das últimas décadas do século XX.

Inicialmente, ingressou no ordenamento o art. 84 do Código de Defesa do


Consumidor, segundo o qual “[n]a ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento”. Aí se previa, pela primeira vez, a possibilidade de determinação de
providências capazes de assegurar a tutela jurisdicional específica e a tutela
jurisdicional pelo resultado prático equivalente, sem indicação precisa dos meios
executivos que poderiam ser empregados para a produção desses resultados. E a
atipicidade dos meios executivos era confirmada pelo disposto no § 5º do mesmo artigo,
segundo o qual “[p]ara a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e
apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de
atividade nociva, além de requisição de força policial”.

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Posteriormente, esses dispositivos foram (quase que literalmente)
reproduzidos no Código de Processo Civil de 1973, o que se deu por força da redação
atribuída pela Lei n° 8.952/1994 ao art. 461 daquele diploma.

Até aí, porém, a cláusula geral de atipicidade dos meios executivos só era
aplicável quando se tratasse de deveres jurídicos de fazer ou de não fazer. A incidência
de tal cláusula geral só seria ampliada para permitir o emprego de meios executivos
atípicos no caso das obrigações de entregar coisa quando a Lei n° 10.444/2002 fez com
que se incluísse no CPC de 1973 o art. 461-A, cujo § 3º determinava a aplicação, ao
cumprimento das decisões judiciais que reconhecessem a exigibilidade de obrigações de
entregar coisa, “[d]o disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461”.

Como se vê, pois, o CPC de 2015 não criou a cláusula geral de


atipicidade de meios executivos. A inovação contida no novo Código quanto ao ponto
foi, apenas, a ampliação de seu campo de incidência, de modo a alcançar também as
obrigações pecuniárias.

A cláusula geral de atipicidade de meios executivos leva,


necessariamente, a que se tenha de examinar sua conformidade constitucional. Seria
compatível com a Constituição da República a existência de um poder do juiz de
empregar meios executivos – sub-rogatórios ou coercitivos – que não estejam
expressamente previstos em lei, e que podem ser criados a partir da imaginação do
magistrado (ou de um advogado que requeira o emprego de uma medida atípica que
venha a ser aceita por decisão judicial)? Pois a resposta é evidentemente afirmativa.

A legitimidade constitucional da cláusula geral de atipicidade de meios


executivos provém de sua compatibilidade com dois princípios constitucionais: o
princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV) e o princípio da eficiência (art.
37). Aliás, vale a pena recordar que ambos esses dispositivos constitucionais são
reafirmados como normas fundamentais do processo civil, como se vê pelos arts. 3º e 8º
do CPC de 2015.

Por força da garantia constitucional de tutela jurisdicional efetiva


estabelece-se uma exigência de que o resultado prático do processo coincida, tanto
quanto possível, com o resultado prático que se produziria se o direito substancial fosse
espontaneamente realizado. É, em outras palavras, uma garantia constitucional de que
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haverá a maior coincidência possível entre o resultado prático do processo e aquilo a
que o titular do direito material faz jus. Vale, aqui, recordar a máxima chiovendiana
segundo a qual “o processo deve dar ao titular do direito, na medida do que seja
possível na prática, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de
conseguir”.3

De outro lado, a garantia constitucional da eficiência do processo, que


não é exclusiva da atividade administrativa (como poderia resultar do texto do art. 37 da
Constituição da República), mas de toda e qualquer atividade estatal, aí incluída a
jurisdicional,4 impõe que o resultado do processo seja alcançado com o menor
dispêndio possível de tempo e energias. Assim, impõe-se que se busque obter o
resultado prático do processo com o mínimo possível de esforço.

A junção dessas duas normas fundamentais do processo civil, efetividade


e eficiência, faz com que se torne legítimo o emprego, para a execução de comandos
contidos em decisões judiciais, de meios que, não obstante não estejam expressamente
previstos em lei, se revelam, no caso concreto, os mais adequados para assegurar a
efetivação do preceito judicial.

Evidentemente, isso tem de acontecer de modo compatível com o modelo


constitucional de processo estabelecido pela Carta de 1988. Em outras palavras, isso
quer dizer que o emprego de meios executivos – típicos ou atípicos – depende do
integral respeito aos princípios constitucionais que regem o processo jurisdicional
brasileiro. Dito de outro modo, o emprego de meios executivos atípicos, autorizado pela
cláusula geral encontrada no art. 139, IV, do CPC, deve se dar em conformidade com a
garantia do devido processo constitucional. Afinal, como afirma o texto constitucional,
ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens senão mediante o devido
processo legal.

3 CHIOVENDA, Giuseppe. Dall’azione nascente delcontrattopreliminare. In. CHIOVENDA, Giuseppe.


Saggididirittoprocessualecivile, t. I. Milão: Giuffrè, 1993, pág. 110.
4 CAPPONI, Bruno. La leggeprocessualecivile – Fonti interne e comunitarie. Turim: Giappichelli, 2ª ed.,

2004, pág. 13.


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3. O PRINCÍPIO DA PATRIMONIALIDADE DA EXECUÇÃO

A evolução histórica da execução civil é por demais conhecida, e não


precisa ser aqui descrita de forma detalhada. Impende recordar, porém, que desde a
edição da Lex PoeteliaPapiria, no ano de 326 a.C, a atividade executiva passou a incidir
tão somente sobre o patrimônio, e não mais sobre o corpo do devedor. Tornou-se, então,
vedado o emprego de mecanismos corporais de execução, como seriam a prisão civil ou
a redução do devedor à condição de escravo. Toda a atividade executiva (com
raríssimas exceções, como a prisão civil do devedor inescusável de alimentos) passou,
então, a incidir tão somente sobre bens que, integrando o patrimônio do executado,
tenham valor econômico.

Assim é que, por exemplo, na execução das obrigações pecuniárias


desenvolveu-se uma técnica de execução por expropriações,5 em que o órgão
jurisdicional apreende bens do devedor e o expropria, transformando-os no dinheiro
necessário para viabilizar a satisfação do crédito do exequente. Na execução das
obrigações de fazer e de não fazer nomeia-se um terceiro para realizar a obra à custa do
executado (e, posteriormente, se promove a execução da quantia em dinheiro necessária
para custear a obra realizada pelo terceiro) ou se promove uma conversão da obrigação
em perdas e danos. Por fim, nas obrigações de dar se realizar uma atividade de
desapossamento, com a busca e apreensão da coisa móvel que se entrega ao exequente,
ou com sua imissão na posse do bem imóvel. Mesmo os meios coercitivos que há muito
tempo vinham empregados na efetivação desses deveres jurídicos, como a multa pelo
atraso no cumprimento do preceito judicial, incidem sobre o patrimônio (bastando, para
confirmar essa informação, recordar que a execução da multa devida pelo atraso no
cumprimento da decisão judicial é, afinal de contas, uma execução por quantia certa).

Durante muito tempo o ordenamento jurídico brasileiro admitiu apenas


duas exceções ao princípio da patrimonialidade da execução: a prisão civil do devedor
de alimentos e a prisão civil do depositário infiel. Mesmo esta última medida executiva
corporal, todavia, desapareceu do Direito brasileiro a partir do reconhecimento do
caráter supralegal da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto da São José da
Costa Rica), que admite tão somente a prisão civil do devedor de alimentos.

5GARBAGNATI, Edoardo. Il concorsodicreditorinel processo diespropriazione. Milão: Giuffrè, 1983,


pág. 12-13.
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O sistema estabelecido pelo CPC não se afasta do princípio da
patrimonialidade. Tanto assim é que a lei expressamente estabelece que o executado
responde com todos os seus bens, presentes e futuros (art. 789), o que indica que o
executado responde com seus bens, e apenas com eles, pelo cumprimento da obrigação
exequenda.

É, pois, patrimonial a execução civil dos títulos judiciais ou


extrajudiciais que se desenvolve no Direito brasileiro, e isso tem de ser levado em conta
na interpretação e aplicação do art. 139, IV, do CPC.

4. LENDO O ART. 139, IV, DO CPC

Diante do quanto se expôs até aqui, deve-se buscar interpretar, então, o


art. 139, IV, do Código de Processo Civil. Por força de seu texto normativo, como já
dito, deve-se admitir, para o cumprimento de decisões judiciais, o emprego de “todas as
medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto
prestação pecuniária”. E essas medidas, coercitivas ou sub-rogatórias, devem,
necessariamente, ter caráter patrimonial, sob pena de violar-se o princípio da
patrimonialidade da execução, criando-se uma responsabilidade não patrimonial onde só
se admite que o executado responda com seus bens.

Resulta daí a absoluta incompatibilidade entre o modelo constitucional de


processo brasileiro e decisões que imponham a suspensão da inscrição do devedor no
cadastro de pessoas físicas (CPF) – o que impediria o devedor, por exemplo, de
apresentar sua declaração anual de imposto de renda – ou o cancelamento de seus
cartões de crédito (o que o impediria, por exemplo, de organizar as compras de produtos
essenciais, como medicamentos e alimentos, de forma a concentrar o pagamento em
data posterior ao recebimento de seu salário – o qual, registre-se, é impenhorável até o
limite de cinquenta salários mínimos). Do mesmo modo, é inadmissível a suspensão da
carteira de habilitação (que poderá implicar uma absoluta vedação ao desenvolvimento
de atividade profissional como motorista, por exemplo, além de impedir o executado de
dirigir automóvel que não lhe pertença mas que pode lhe ser emprestado por amigo ou
pessoa da família para, por exemplo, levar um filho doente ao hospital). Aliás, a questão
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que aqui se põe é a de saber como, e em que condições, impedir o executado de
apresentar a declaração de imposto de renda, comprar medicamentos ou levar um filho
doente ao médico seriam medidas capazes de tornar a atividade executiva mais eficiente
e efetiva. Parece evidente que a resposta, aqui, é a de que não há qualquer possibilidade
de que tais medidas ampliem a efetividade e a eficiência da execução.

É preciso, então, buscar identificar situações em que seria possível a


aplicação do art. 139, IV, do CPC, apontando-se exemplos de meios coercitivos que
poderiam ser empregados, inclusive na execução das obrigações pecuniárias.

Pois chama a atenção o fato de que as decisões que têm sido noticiadas –
e que são aqui criticadas – são sempre ligadas a casos em que o executado é pessoa
natural. Isto porque parece evidente que o art. 139, IV, do CPC tem grande utilidade em
casos nos quais o executado é pessoa jurídica (os quais, certamente, são grande parte
das execuções civis instauradas no Brasil). Afinal, é fato notório que muitos dos
procedimentos executivos são voltados contra instituições financeiras, concessionárias
de serviços públicos (como telefonia ou energia elétrica, por exemplo), operadoras de
planos de saúde, entre outras que se apresentam como litigantes repetitivas.6

Pois é aqui que o art. 139, IV, do CPC se revela de grande utilidade
prática. Figure-se o exemplo de uma instituição financeira condenada a pagar a alguém,
a título de reparação de dano moral, o valor de cinco mil reais. Tal valor, ainda que
adequado para reparar o dano moral sofrido pelo demandante, é evidentemente irrisório
quando examinado em confronto com a capacidade patrimonial do executado. Ainda
assim, porém, é cediço que os executados, especialmente os de grande porte, valem-se
de todas as medidas que encontram ao seu alcance (respeitados, ao menos como regra
geral, os limites impostos pela boa-fé) para impugnar a execução, fazendo com que essa
atividade demore muito para atingir os resultados a que se dirige. Não é incomum que
execuções como essa do exemplo apresentado demorem anos, na prática, para chegar à
satisfação do crédito exequendo. E há uma explicação bastante evidente para isso: é que
o executado não sofre grande prejuízo com essa demora. É certo que ao valor da
condenação se acrescerão correção monetária e juros, além de uma multa (de 10%) e

6 Para confirmar o que vai dito no texto, basta dizer que entre 2013 e 2017, entre as trinta pessoas mais
demandadas nos juízos cíveis do Estado do Rio de Janeiro, havia nove concessionárias de serviços
públicos, treze instituições financeiras, três pessoas jurídicas de direito público, três operadoras de planos
de saúde, uma empresa varejista e uma empresa de TV por assinatura.
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honorários advocatícios (também de 10%). Ora, é de se convir que mil reais (valor da
multa e dos honorários advocatícios somados, considerando-se o exemplo anteriormente
figurado), no caso em tela, e sendo o devedor economicamente poderoso como seria
uma instituição financeira, é uma quantia irrisória. Quando se pensa que, além disso, o
valor devido pelo banco continuará com ele até o final da atividade executiva, podendo
ser objeto de aplicações financeiras e de empréstimos a juros elevadíssimos, facilmente
se conclui que a demora na satisfação do crédito pode ser, para o devedor,
verdadeiramente lucrativa.

Daí a importância de uma regra como a que se constrói a partir do texto


normativo do art. 139, IV, do CPC. Basta pensar na possibilidade de se estabelecer, na
decisão judicial condenatória, que a instituição financeira pagará ao demandante cinco
mil reais a título de dano moral, acrescido de juros e correção monetária, com a
advertência de que, caso o devedor seja intimado para efetuar o pagamento em quinze
dias e não o faça incidirão 10% de multa e outros 10% de honorários advocatícios e,
além disso, caso o atraso no pagamento chegue, por exemplo, a trinta dias, passará a
incidir multa diária de dez mil reais. Nesse caso, e basta fazer a conta, a demora no
cumprimento da decisão judicial deixará de ser lucrativa para o devedor, que terá todo o
interesse em que a satisfação do crédito exequendo se dê rapidamente.

Raciocínio análogo pode ser feito em outro exemplo: pense-se, então, no


caso de uma empreiteira especializada em obras públicas ser condenada a cumprir
determinada obrigação pecuniária. Pois seria perfeitamente possível impedir essa pessoa
jurídica de participar de novas licitações até que a decisão judicial esteja cumprida.

Evidentemente, é também possível o emprego de medidas executivas


atípicas quando o devedor é pessoa natural. Devem tais medidas, contudo, ter caráter
exclusivamente patrimonial.7

O que se vê a partir dos exemplos figurados (e de outros que poderiam


aqui ser apresentados) é que o art. 139, IV, do CPC permite o emprego de meios
executivos atípicos que “doem no bolso”, isto é, que fazem com que seja menos oneroso

7 Talvez seja possível o emprego de medidas atípicas de natureza não patrimonial no cumprimento da
decisão judicial que reconhece a exigibilidade da obrigação de prestar alimentos, onde até mesmo a prisão
civil do devedor pode ser admitida. Este, porém, é ponto sobre o qual aqui não se faz qualquer
consideração, já que precisaria ser mais bem desenvolvido em outra sede, fazendo-se neste ponto, apenas,
uma provocação à reflexão.
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para o devedor a rápida produção dos resultados práticos capazes de promover a
satisfação do direito material do exequente. E é dessa forma que tal dispositivo deve ser
empregado. Só assim a disposição contida no art. 139, IV, do CPC terá sido lida em
consonância com o modelo constitucional de processo civil, observando-se o devido
processo constitucional. E apenas desse modo se terá assegurado que, por intermédio do
disposto no art. 139, IV, do CPC, a atividade executiva será dotada de efetividade e
eficiência.

5. CONCLUSÃO

O art. 139, IV, do CPC é, como já foi lembrado, responsável por uma
“revolução silenciosa” na execução das decisões judiciais que reconhecem a
exigibilidade das obrigações, especialmente as pecuniárias. Desde que interpretado e
aplicado em conformidade com a Constituição da República e com o princípio da
patrimonialidade da execução, poderá esse dispositivo contribuir para a máxima
efetividade e a maior eficiência da execução, notoriamente um dos pontos de
estrangulamento da atividade jurisdicional no Brasil. Pois se deve augurar que com o
incremento da efetividade e da eficiência da execução se consiga, numa espécie de
“efeito cascata”, a diminuição do acervo dos procedimentos executivos em curso, o que
teria evidente impacto no desenvolvimento das atividades próprias do Judiciário e, por
consequência, serviria como grande contribuição do Código de Processo Civil de 2015 à
tão almejada realização da garantia constitucional da duração razoável dos processos.

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