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@AGNEBIN, Jeanne Mare S “Oo ini io da histéria e as lagrimas de “ Tucidides” in: Revista Margem. - ‘S40 Paulo: PUCISP, 1992. zfs fe 2. ah O inicio da historia e as ei lagrimas de Tucidides JEANNE MAKIE GAGNEBISS Em mem Se Clso M. Geimanes Fete artigo retoma algumasaulas de 72 descrigio da constituisSo deste tipe ‘um curse de flosofia da historia, dado 3° “Hecurso que, mais tarde, sera cha UE ies anos. A sua pretensio nso é made de histéra, Trés aspectos seF30\, cerescentar um comentario original 205 Tessaltadas_nesta_analise dis, priucss ) sermerosos ji existentes sobre 35 ODras partivas de Herddote e.de 7 i mefiesgoto e Tucidides!, mas esboser a coneinasl “da meméria do passado, 2 Tucidides, ci Fant Oo ¢ mae tada (a narragdo dos ‘acontecimentos, TKenucne de Romy, na ja ctada surodute <° Geschichte, mas também Ercihlung) 180 aetee da Pia; Mace! Detienne, Livnension é,_a_dindmica temporal que. preside Herodate 0 livre fundamental .ngois Fiartog, 3 hist a (eiscip aerratines dele demeratiesrecse (Par, Here jerdoto © Tusl a alidade e a posigso do tes res aspecios que vemetem e uma concepcio subjacente, junto dos acontecimentos, Geschichte vejancia’, em alemdo tambem Histon), idides recgbera / 10 ance =mAAcODE 18 na tradigido, como ‘o pal da historia’, enquanto se fazia de Tucidides o primel- ro historiador.critieo. Tais denominagses ‘pours sobre puimulseecsaasiedores caracteristicas, alls, de qualquer ciéncia em busca de seu certificado de origem. Mas, nos textos de nossos primeiros ‘nistonadorer'a palavea “hist 8 existe (ndo se encontra, fora engano, jnenhuma vez na obra de Tucidides)‘.ou, entio, possui um sentido muito afastado do nosso. Pois quando Herédoto decla- 13, has_primeiras linhas_da_sua obra, “Herédoto de Halics s_apresenta aqures resultados da sua investigagio (itstereS apoderi)..", a palavra, histor n5O”pode ser simplesmente traduzida ver hi © sas sce imain um’ gh be minado; a vpabr sees sor est 6p5ca enneste contexto, uma significacdo muito mais ampla; ela zemele & palavia sir, ‘aquele que viu, testemunhou’.O radical id esti ligado & visio (videre, em latim ver), a0 ver e 20 saber (oida em grege significa eu vie também eu sei, pois a vieko acarreta o eaber).’ Herédoto quer apresentan mostrar (cpoder's) aqui- 3 tiva e dgradivel que engichaciaspectos — aa lignos, de-mensio_e de memgyia. No hi nenhuma restrisio a invalid 0 Uta da traducdo brasileira: Hise da Guerra Jo Pelponcse, pois hisirie nao existe no Utulo grego! 3. Cl, Emile Benveniste, Veuvisire des insSatons Indo-eurqpeene, ciado por Harog op. cit, p27 um objeto determinads: a histori? pode pesquisar a tradigao dos povos longin- quos, as causas das enchentes de Nilo owas raz6es de uma derrota militar. Esta profusio de dados que nos parecem heterogéneos"e que incomodam os sé ios professores atuais, preocupados em distinguir a historia da geografia ou a sociologia da antropologia, esta profusio nfo embaraca Herédoto, pelo contririo. O que diferencia a gua quisa de outras formas narrativas no @ oT EU DUIEIOTS)- mas o process0 de aquisicio ote eagle laguilo que ele mesmo viu, jue _ouviu falar por outros; ele privile; lest? eee es Srade oot limeras vezes, no decorrer da sua narrativa, o nosso viajante menciona as suas ‘fontes’, se ele mesmo viu o que conta ou se s6 ouviu falar e, neste caso, seo ‘informante’ tinha visto, ele mesmo, ou s6 ouvido falan* Esta pregcupacio ‘que podemos relacionar com a crescente pritiea judiciiria, na Grécia do século V, See Je audicag de de testemunhas — has — traz consigo uma primeira diferenca essencial entre a RaWrauvahistérica’ de HerSdot narrativay Pili por exemplo. Herédoto so quer falar daquilo que _viu ou daquilo "de _qye ouviu alae O “perlodo_ eronoiégico alcancado se limita, 2. portanto. a duas, ou trés geracSes anles da, Sua. visit poise resto do tempo se perde no ngo-mais-vista, isto é no.nio-relatével TA ese respeito, ef. Francois Hartog. op. cit, * pate, cap. 2: € Marcel Detienne, 03. cit, cap. 3 fes conhecimentos, Herd $2 manggune -mangoe 12 tonta dar a-roeio, a causa_(aitia) dos acantecimentes, anuncigndo_a_famos + exigincia plasinica delogen didonai (dar 2 rues) Jé dinsemes_quasesia_busce Fiivilegia_a palavra_de_testemunhas vivab que passa pelo vere pelo ouvir. \g/Herodoto ado “uss —_e_auase_nle OT pensiong_zdocumentos_eseritos | a} poderiam ajudi-lo na resonstrugso do | \ pugdg, Esta primasia d_oralidade > | timbem sublinha w 2uaproamidade da (| tiigio_ al 2] de geragio em_gerayio atravde de f vig aprendizado de dada esetita da leitura, na imediate= \e + aa¢palavra Talada © owvida. Ao rime narrative _das histori * também Jembra © do poema épico, dev clamado em vor als 80 piblico reunido “> em torno do cede: a prosa de Herédoto & ests cheia de digressdes maravilhosas, | _\9 ceanedotas amenas ou pedagéiess que XS mantém aceso o interesse do ouvinte (¢ L /doTTeitor).’ Nada da arquitetura austera : “Uf argumentativa do texto tucididesno, \Corerite para ser lide no futuro, mas 2 \ fhsider de historias contadas, sem di- vida, para informar e ensinar, mas também pelo simples prazer de contar. Neste rio de histérias que, como o Nilo que deserevem, transborda is vezes © teu leito e fertilisa terras no previstas to desenho do racioeinio, nes = posica,_tranemitida 1, Fe Soft pelo ths historiag, porém, wing um principio ~ ovo e exiggnte-a-busca das verdadeiras raz0es (aitiai), das caueas.que Hensdoto pode, a sua maneira, verificaz.em opo- TSE Francois Hartag. op it. pp.28255. digGo as alegadas. ‘Apis explicitar a sua trela de reagate do passado, Herédoto enumera algumas pseudocausas geralmente citadas para explicar a inimizade entre 0s gregus © (os barbaros’; sio lendas antigas © con~ fusas que variam segundo 0 povo que ‘as conta, Falam de sucessivos raptos de mulheres: os fenicios teriam raptado Io, filha do rei grego de Argos; em repre- cilia, alguns gregos (cujos nomes sto desconhecidos) fizeram 0 mesmo com a filha do rei dos fenicios e, mais tarde, com Medéia, uma outra princesa estran- geira. Vendo que os gregos arrebatam mulheres impunemente, Piris de Troia foi até Esparta roubar a bela Helena. Em vez de se conformar com este aconteci- mento desagradavel, mas, afinal, nada catastrbfico, os gregos ficaram irados ¢ desencadearam uma expedicao punitiva contra Tréia. Segundo esta tradicio mi- ties, portanto, a origem das Guerras Médicas deveria ser procurada na Guer- a de Trbia. Herédoto no esconde a sua irenia. Tais narrativas, diz ele, nio s80 dignas de fé, pois mudam totalmente segundo quem as conta, Elas no con- seguem verdadeiramente explicar, s80 sé ridieulas, pois ninguém de bom senso acreditari que estas historias de rapto podem desencadear guerras nenhuma mulher vale uma guerra, 50- pela_uadisdo mitica. Te tavnarns sto of maoereges. aqueles que {alam uma lingua estranha, icompreensi el: “BE thr bar, Nessa primeira defini, nao Ra ne Phisn sentido pejoratio pres. Que © Outro, © Cumngtiro, de diferente que @ se tome seivagem Trenucl jh rernete a usm processo histonco Bem Sewerinado. jbretudo, nenhuma mulher, nes afirma 0 vardo Herédoto, se deixa raptar contra a sua vontade (4). / 7” ®estas lendas contadas de gerasio ga geragio sem penhuma, a de +o pall, Hersdoto opbe = cana 4 ie _ pas Gan ale ans abe "Sto exeas as rates Tov pers # os Tetios. Quan to a mim, nio direi a respeito dessas 1 coisas que elas acontecoram de uma mancira ou de outra, mas apontarei 2 pessoa que, em minha opiniio, foi a primeira a ofender o¢ helenos, « assim prosseguirei com a minha narragio, | falando igualmente das pequenas ¢ grandes cidades dos homens” (1, 5) Herédoto opera aqui i \ entre dois iy vat que cor- espondem a duas formas de tempo: hi cumha harvatlve mitica, endiria, cam ero- sprog posiral © alastado dog deuses ¢ doghomens: ¢ hi fastade ¢ 2 ina narrativa ‘NistGrica’ (ge ua lemp esquisivel € pesquisado}, com referer __ cia cronologicas. passiveis de_serein 5 encontradas,-lé"Wata_ do ieinpo mais . ‘brecénte dos homens. Como 0 ressalta Vidal-Naquet’, esta oposiczo orienta o discurso de Herédoto muito mais que ‘uma suposta oposicio entre tempo cieli- coe tempo linear. Notemos também que Herédoto néo duvida da existanca-des - te-tempo antedor aitico- significa ‘mundo’ e ‘ordem’: 0 mundo bremos JE Anarimands, fragmentos citados por Simpli- Gus, Fee, 24, 13; cl, Presorrtices (S30 Paulo, ‘Abr Cultural); Os Pensasores, 7.16. si ests em ordem ¢ deve ser mantide Mee Sn order’ essencia). Varios episédios das historai confirmam esta necessidade (ananké) secular, & qual, segundo 0 pensamento mitico, mesmo, ‘os deuses obedecem; por exemplo, 2) famosa hist6ria de Policrates (HI, 39-43), tirano que tudo consegue ¢ tenta em ‘vio se livrar dessa sorte grande demais, jegando no mar um anel muito pre- ‘cioeo, reencontrado, alguns dias depois, na barriga do peixe servido a sua mesa. Poncrage acabard assassinado VergO- nhosamente (IIT, 125). tendo um fim sae propersionalmente 20 #0 €Xces go de sore ‘sone entko om Herédoto um pis- op at ieinde peace | eee ne modems gguco Tee 0 © que 02 deuses castigam (5g org deometide GTA). pretensio dé tim homem_de_sér_mais que um Komem, A natragip_hiterice aeencontia' aj licoes da tragédia”®. Mes- mo se Herédoto menciona, Com muita perspicicia, uma série de causas mais imediatas das guerras (um incendio cri- ree uum jaremento tansmitdo ae vty em geraio,o caster especial- seer eocoel deme ete)" 8 verdadeira razio da derrota persa deve ser procurada no_necessirio castigo da ambicio lumitada de Darius e de Xer- pest esta za, ‘or reis barbaros (e alguns tiranos gre- t } 1 3 ica ita oss: MAARACORES E NTERPRETES-CINGODAMSTORAE. 15 gos)":0 rei dos reis sempre quer ir além dos limites impostos pela ordem material ou social. Esta vontade de transgressSo o faz ultrapassar as fron- teiras naturais para deixar a Asia, seu dominio proprio, e invadir a Europa, que nio lhe pertence: Ciro, fundador da dinastia, constréi uma ponte sobre 0 rio ‘Araxe no norte de seu império; Darius atravessa 0 Bésforo; Xerxes, enfim, er- gue, por duas vezes, uma ponte sobre o Helesponte para chegar a Grécia. A primeira ponte é destruida por uma tempestade que manifesta claramente 2 recusa do mar divino. Xerxes manda flagelar o Helesponte, como se fosse © seu escravo, e constréi uma segunda ponte: no é por acaso que seré derro- tado na batalha naval de Salamina: © mar ultrajado se vinga através da frota ateniense vitoriosa. O rei persa tampou- co respeita as leis estabelecidas pelos homens: ultraja 0 corpo dos seus siidi- tos, ox flagela. os corta, 05 amputa, 05 tormira ou, entio, os deseja demais (2 palavra ems <6 se aplica a0s reise a0s Eranos nas historici). Deseja-os mais ain- da quando the sio proibidos pelas leis umanas: Cambisies deseja suas iris, © faraé Mikerinot sua filha, Xerxes 2 mulher de seu filho ete. Imperialismo & erotisme caracterizam efta vontade sem freio do soberano que, finalmente, 0 levard a sua perda. Com efeite, na andlise de Herédoto, os gregis Filo vencem porque eio malho- rep ~ sejam eles maiz ‘civilizades’ que FECL Frangeie Hanog. ‘Le pouvsir despotique. fp. cit. pare IIL cap 3 \, estes, basbaros_‘elvagens”_ssjam_eles guerreiros mals corgioeos-O aus funda a superioridads dos sresas £ quaciee ndo obedevem ag, shicots dem senhor dee: poiigg fo despotés perss), masa.uma reszp, Te Gono aus gmemenene, theram e estabeleceram.” Ao privilegia ‘demotracia, em particular a democracia ateniense, contra a morarquia ea traria, Herodoto nao escolhe simplesmente unt regime politico. Defende uma concepear da sociedade humana fundada no logos, isto é no didlogo argumentativo entre jiguais que procuram juntos uma regra comum de acSo; a este paradigma| racional e democratico se opoe uma concepcio do social baseada no poder e| na vontade (para ndo dizer na vontade| de poder!) do mais forte, na sua trans! gressio das regras do convivio social e} pra sua expansio sem limites. Este con flito, que perdura até hoje, preside a oposigiio-mestra das kistoriai, a oposicio ‘entre gregos e barbaros. Uma gerag5o mais tarde, com Tucidides, e, depois, com Platio e a sofistica, a contradigso entre roms (lei, regra) e piyss (natureza) cor- roeri por dentro o belo edificio da polis ateniense. Conta-se que Herddoto leu, em 445 ou 444 a.C., 0 seu texto em voz alta a0 povo ateniense reunido: transportados pelo entusingma, of cidadios de Atenas Ihe ofereceram tum prémio. como se fazia nos concursss de poesia trigica. Talvez Je Bata vert a opinigo de Tucldides que, por isso, desiniressar.se-a dos barbaros,estagio anterior ¢3 ivibuarao. Ch Tucldides, Gxera uo Plgponeso, 1, Gre Pranguis Hasiog, op- ci, POT 76h Frangoss Hanog, op. cit, pp-0ss EFRASINDAEEE TE ON mee A re wanoenne MAGS 0 182 tama das razées deste sucesso decorresse de Herédoto ter conseguido construir através da longa descrigdo dos povos barbaros uma imagem convincente de ’nés’, dos gregos, em particular dos ate- nienses, Observe-se: no uma imagem bela demais ou demagogicamente lison- jeira. mas a confrontagio de como © ‘outro’ permite, por um jogo de espe- thes", pintar um retrato do ‘mesmo’ ‘muito mais coerente e pleno do que teria feito uma simples reproducio dos seus traces: somente a mediacSo pelo outro permite esta auto-apreensio segura de si De que, pois, falam as historia sendo dos gregos através dos birbaros? Como fo mostra o livre de F, Hartog, uma lei TS isbsrapiiia, de gostar demais dos Sérbaroe), mas muita mais para enten- der como funciona o qWerente, Esta estunte Tora a wnidade da obs, muitas vezes negada pela tradicéo cri ica, Os primeiros quatro livros sio Gedicados & deserigie dos ‘Outros’ ~ dos persas, dos epipcios, dos scitas etc. ~, vs cinco Ultimos 4 historia pro- priamente dita das Guerras M Muitos comentadores quiseram ver um corte epistemolégico entre um ‘Herédo- to emologo’, apaixonads pelo diferente, pelo maravilhoso, pelo exético, © um "Herddoto historiader’, relater sereno & maduro da primeira vitéria da racio- Ta Dale belo titulo do litre da Hartog. Le mir nie = Essa gut le rerésentation de sur alidade ocidental sobre as forcas ca6- tices do Oriente. Ora, como o ressalta Hartog’, 0 ‘Harddoto etnélogo’ e 0 ‘Herédoto historiador’ fo um e 56 pesquisador que tenta entender aquilo que € condiggo de convivencia e também pussibilidade de guerra: a dife- renga. Se ele € mais prolixo e esti seduzido pelo exético nos quatro pri- meiros livros, € porque © outro é tio iferente que s6 pode provocar admira- do; os cinco iltimos livros, por tratarem Ge ‘nds’ mesmos, pedem um tom mais sono. ‘Um pouco & imagem da sua cidade ratal ~ Halicarnassos, situada na costa da Asia, mas pertencendo & civilizac grega ~, Herédoto tentaria manter uma posigio privilegiada de intermediario, de mediador, aquele que est no meio, entre os bérbaros asiiticos © 05 gTegos europeus, aquele que estabelece uma mmediagio entre dois opostos. Lugar mediano, singular, que © estaruto de exilado de Herédoto reforga.” As andli- ses de Hartog ressaltam essa_yontade explicta do autor de marcar_a sua posicto de narradgy, isto &de su soberand_ da_enunciaciaeu_si, “eu ou’ cea contarei’, ‘eu, mostraret’, ‘eu direl’, mas também ‘eu no dire!’ ‘eu sei, mas manterei a informacio. gna’ ate, Ents expressées pontuam © texto e nos lembram incessantemente que a nossa informacio s6 provém do Fee Frais Hanog, op. cit. pp37ss ‘1 Herooto tem que se ena, pois a sua fama fe opts sem sucesso 20 tirano da cidade. Obser~ Sere que tambem Tucisides sera uin extado. | oss: AAARACORES ENTERPRETES-ONGODAHSTORAE. 17 seu saber. Hartog também chama a atengio para o fato de Herédoto falas, las vezes, nos birbaros e em ‘nés' (isto @, eue os outros gregos incluindo-se nos ‘nés), mas tambérn, muitas vezes, nos barbaros e nos gregos, usando esta ter- ceira pessoa que, segundo as analises de Benveniste ®, nio é realmente uma pes- soa, reservando, assim, a0 ‘eu-narrador’ um lugar & parte, a igual distincia dos ‘barbaros e dos gregos. Ora, esta posicdo privilegiada do narrador, que deveria assegurar tanto © seu poder como a sua objetividade {t8o cara aoe historiadores futuros), cesta posigio mediadora e imparcial € sub-repticiamente minada pelo fluxo da narrativa, Se, como jé assinalamos, @.2 Jel da comparagéo entre gregos € barbaros que estrutura 0 texto herodo- tiano, esta comparaso se transforms, na maioria dos casos, numa inversio simatrica, cujo primeizo termo 26 pode ser o referencial grego. Hartog™ observa que Herédoto quer realmente descrever os outros povos, narrar com generosi- dade e admiracio os seus tio estranhos costumes; mas ele 56 consegue falar deles ‘em grego’, isto &, com as catego- Flas e com a logica de compreensio de um grego do século V. Ele, aliis, ni sente nenhuma necessidade em apren- der as linguas dos povos que visita, ‘Assim, ao tenter entender o que é © diferente, Herddoto 0 transforma no FICE Emile Benveniste, Protéme de lnguisizue eveale (Paris, Gallimard, 1960), cap. 18 CL, Francois Harog, op. ppatss ‘outro do mesmo’, no duplo inverso & simétrico do modelo primeiro - isto &, grego ~, modelo sempre presente, também, quando nio esti explicito (so- bretudo quando nfo esté explicito?).O Livre I, consagrado ao fabuloso Egito, esta cheio destas deserigdes invertidas, que deveriam, sem divida, nos mostrar © quanto sio estranhos os eg{peioe, mas cujo efeito consiste muito mais em os remeter a0$ nossos costumes de sgregos. Assim, por exemplo, a d passagem do Livro TI, 35, n= inversio entre gregos © birbar descrita pela inversio dos papéis mas- culinos e femininos (pois a primeira e incompreensivel diferenca & a dos se- x08): “Mas vou alongar-me em minhas observacées a respeito do Egito, pois em parte alguma hi tantas maravilhas como li, ¢ em todas as terras restantes nio hi tantas obras de inexprimivel grandeza para serem vistas; por isso falarei mais sobre ele. Da mesma forma que o Egito tem um clima peculiar e cou rio é diferente por sua natureza de todos os outros rios, todos os seus costumes ¢ instituicdes sio geralmente diferentes dos costumes ¢ instituicoes dos outros homens, Entre 05 egipcios as mulheres compram e vendem, en- Guanto os homens ficam em casa € tecem. Em toda e parte ce tece levando a tama de baixo para cima, mas os egipcios « levam de cima para baixo Os homens carregem o fardos em suas cabecas, mas as mulheres os carregam em seus ombros. As mur Theres urinam em pé, © os homens paneneRRe) ios Fi TN, on PRE MREAEN TE enna i i / i | | se uancgune-MARCODE 12 acocorados. Eles satisfazem as suas recessidades naturais dentro de casa, mas comem do lado de fora, nas raas, alegando que as necessidades vergonhosas do corpo devem ser sa- fisfeitas secretamente, enquanto as nio vergonhosas devem ser satistei- tas abertamente. Nenhuma mulher & consagrada a0 servico de qualquer divindade, seja esta masculina ou femi- ina as homens sio sacerdotes de todas as divindades. Os filhos no sio com- pelidoe contra a sua vontade a sustentar seus pais, mae as filhas deve fazé-lo, mesmo sem quere:” Para ser fiel & intengdo das suas historiai, 0 narrador Herédoto tenta permanecer firmemente no lugar pri- vilegiado do meio e da mediacio, significanda aos gregos que os birba- 0S no so nem piores nem melhores, diferentes. Para mas, simplesmente, Gescrever e entendé-los, foposicdo, & inversio, ao contririo, a todas as figuras que transformam a diferenga multipia em alteridade (no sentido etimolégico do latim alter [outro de dois)). Esta lei de oposicao bindria € to forte que, como assinala Hartog”, quando Herédoto descreve um conflito entre dois povos birbaros, um deles tende, inexoravelmente, a se helenizar, ‘a assumir, por exemplo, a estratégia dos hoplitas gregos: entre o grego € seu contririo, © uma terceira (4) dade. Nesta partilha, 0 eu do narrador Bid. pesos. jf escoiheu, talvez contra a sua vontade coneciente, o lado grego, esse lado que nio entende a lingua “bir/bar/a’, € tampouco precisa aprendéla. Como se a bela lingua grega pudessa dizer tudo: desejo - ou hybris? - do primeira histo- Hador, ¢ de outros depois dele, de poder descrever o outro sem que este nos desalojasse necessariamente da nos- sa gramatica e da nossa terminologia, nos forgasse a sair da nossa lingua com fo risco de ficarmos, talvez por muito tempo, sem palavras. §. Existem, também, vérias histérias sobre Herédoto. Uma delas conta que eu trechos de sua obra num concurso literdrio que acompanhava as provas esportivas dos jogos ollmpicos; na assisténcia, um adolescente ficou emo- cionado até as Iigrimas: era 0 jovern Jucidides. Histéria ‘verdadeira’ ou ficgio ‘mentirosa’? Nada nos impede de continuar essa bela hist6ria, nos perguntando sobre as ligrimas de Tucidides. Por que chorou? Por que teve revelada ai a sua ‘vocagio’ de Ristoriador, como pretendem virios comentadores? Ou, talvez, por que chorava sobre esta bela imagem da ‘Atenas democritica herbica, salvado- ra éa Grécia inteira, imagem jé prestes a desaporecer? Ou, ainda, por que pressentia que, em breve, deveria des- pee que 2! vra ena tolerincia da razio? Ninguém © sabe, Agora, quando le: Felopaneso, 0 que chi ase deste estilo amivel e serena da confiava ne prazer da pala 1os A Guerra do a nozea atengo —_——_ \ sooeig et Aenea iba anh gba rentic ue ste ito y posse nARRAOORES EWTERPRETES-ONMIDUUARITERAE. 18 introduzide_por h a rativa da ‘historia’, em particular em telagig a Herddoto (que, por sua vez, também tinha criticado seu antecessor /o visjante Hecateu). Nada mais da emo- gio que, talvez, sentiu ao escutar 0 ‘pads Fistia’ (e de taftas historias) ‘Thcidides “rejeita Herddoto_no_domi- niS“das Stiga tradigbes_mitieas,no Imythodes que recusa porque, sob, S€us ios agradaveis e sedutores, ele nie poroui nenhuma solidez ¢ s¢ desfaz fom a rapidez dag palavras langadas 26 srgyilhoso foto, Tucidides rejeita, também, a importincia da memé! qelegando 36 passado_a antiga deus Mnemosyne. Herédoto, queria salvar 0 wronordvel, resgatar 0 pasado do es- quécimento, buscando nas palavras das festemunhas a lembranga das obras, hu- manas. Tucidides ressalta a fragilidade da meméria, tanto alhg fathas constantes de meméria ro ‘uma profunda mudanga ne trabalho do como sua: 3s Thistoriador’, que no pode confiar nem pa sua exatiddo nem, na sua bjeti- Vidade, Nos primeizos parigrafos 43 ua obra consagrados ~ poderiamos dizer ~ a sua metodologia de pesquisa, Tucidides despacha juntos a2 2026 71 prias lembrangas e 05 testermunhos dos Paros, ambos condenados & subjetl Vidade das preferencias pessoais © 2 ge a2 memoria: “Quanto a0 Ju Sobre a wistancia de Tuctuides em eelacto 2° Fire e a momona, cl as paginas decsivas Se Marect Bstieanc. oP. city PPA1058. discursos pronunciados por diversas personalidades quando estavam prestes p desencadear a guerra ou quando ja estavam engajados nela, foi dificil re- cordar com precisio rigorasa os que feu mesmo ouvi ou os que me foram transmitides por virias fontes Tais discursos, portanto, eS0 reproduzidos ‘com as palavras que, no meu entendi- mento, os diferentes oradores deveriam ter usado, considerande os respectives assuntos € 08 sentimentos mais per- tinentes a ocasifo em que foram pronunciados, embora av mesmo tem- po eu tenka aderido to estrtamente Guanto possivel ao sentido geral do que favia sido dito. Quanto acs aconte- cimentos da guerra, considerel_ meu dever relaté-los, no como apurades através de qualquer informante casual nem como era a minha impressio pes- ssoal, mas somente apés investigar cada detalhe com o maior rigor possivel, seja no caso de eventos dos quais eu jmesmo participei, seia naqueles a res- peito dos quais obtive informacdes de ferceiros. © empenho em apurar 0s fotos constituia uma tarefa laboriosa, pois teetemunhas oculares de varios Eventos nem sempre faziam os mesmos Felatos a respeito das mesmas coisas, mas variavam de acordo com suas sim- patias por um lade ou pelo outro, ou de acordo com sua meméria”. E notivel, aqui, 2_insisténcia_de Jucidides em afirmar.que aiesai rl: tap as palavras real: TErTuckaites, Le Guerre de Pelponine, hae ard SEY ik i : t | ‘ t 20 wanceines -MAAgO DE 1 Isto poderia ser até implicit 2¢ lembras- mos que 0s discursos proferidos o cram em assembléins ad hac, sem relator ner secretirio; mas se Tucidides insiste nesse onto, ¢ du Si di ioe imiposmbilidade mas essencal nS 3e pode _acredi ifarna memoria para ga- Srantir a Wddlidade do, relato. & (3 rlsie, Eo oposite a ada meio S anterior a meméria em Tucfdides,ndo desconfisnga motiva a critica severa 20s métodos de pesquisa de Herédoto, aqui claramente citado, mesmo se ndo nomeado: perguntar as mais diversas % sessoas sobre um mesmo evento no \traz informagées, mas s6 ocasiona con fusio, pois cada um responde “... de teordo. com suas simpatias (..) 0 de acordo com sua meméria”. £ verdade que, varias vezes, Herédato nfo esconde teu ceticiamo em relagio as versdes dos 2 Were 1 Merwier Ai fatos ou As explicagéee ouvidae. Tueldi- des no se contents com um eaticismo benevolente; exige uma, reconetituicio critiea dos atontecimentos, eujos eritée fo’ racionals sto a verossimilhanga da Hiiagso e a pestinéncia das palavrac pronunciadas: “Tais discursos, portante, sfo reproduzidos com as palavras que, no meu enlendimento, os diferentes oradores deveriam ter usado, consi- derando os respectivos assuntos ¢ 05 sentimentos mais pertinentes a ocasifo em que foram pronunciados..."". Signi- ficaria esta passagem que Tucidides, em vez de relatar as palavras ditas, as ame inventa sem dar a devida importincia se Tatea?” Talvez. No minimo significa que Tacidides escreveu_0$ seus numerosos e¢ famosos, ‘discursos scpundo a ordem das raades historicas, CEES Eos Talo politico ou um observador Paitloge, a ne cronista, confiande emsuaslemby rancas. Na _erdem_dos_discursos (des logo’) privalece, portanto, 0 critéria zacional da conveniéncia e da_veroecimihansa, amparade por uma andlize da_conjut 108 fame: tufa politica e da natureza. psicolégica do orador, Na ordem dos acontecimen- da Werificagio, igualmente amparado fa vefossimilhanga racional, Tucidides no Para deixar 6 leitor livre de escolher a que mais Ihe apraz. O seu texto resulta de uma escolha prévia a partir de um material que nio é nem sequer mencionado, e segundo critérios cujos detalhes desconhecemos. A inte!'- géncia de Tucldides ja decidiu por nes 3 versio racional’a ser adotada. A sua rarrativa se desenvoive de maneira coe- rent dai suas hipdteses e das suas interpre tagées. Pela primeira vez, a histéria Flimana nde, @ apresentada como com- blfaiges A trima escura e dramitica da Guerra do Peloponeso desenha-se wood a cniticar a falta de ‘cientificidade’ de Th ides, Cl RG. Collingwood, A ide de list {20 Paulo, Martins Fontes), ppass sobre o fundo luminoso de um discurso (logos) @ de uma razio (logos também) que atravessam 0, ca0s dos fates, para Geles retirarem conclusoes valiosus ¢ _euuramentos elernos, O diseemimento J de Tuck ermite compreender 4 reconalmente a Histo nosy ede, 20 mmesmo_ tempo, de conceber uma outra Xy Histéria que aquela escrita por ele. NBS maginar uma outs “uma outfa Guerra umd pois Tucidides inio"eily Ss suas fontes nem menciona documentos (uma exigincia ‘cientifica’ freer © sbefie gente de contr Tucidides conse 1h Efade racional e definitiva da historia Jem se deixar levar pelg_prazer da \c0; dai, também, a austeridade do fou relato, no qual as emosGet raramen- .sparecem, ‘A escrita tucidideana obe fna que feencontramos em PlatSo: Ge um lado, a razio, a custeridade, o rigor e 0 controle; de outro, © emogio, © prazer, 0 maravilhoso cheio de cores que atrai mulheres ¢ criangas inuthodes. De um lado, uns poucos que cuem compreender, analisar, ter fe justo, que j j iq um discurso competent | também sabem dirigir (Péricles); de ou- i | | ‘os muitos, o pove que se deixa levar ss @ pelos que nao qosst, mARIOORESEWTERETES-ONIGOOAMETERAE. 21 da autoridade alheia. Em Tucidides - Giferentemente de Platio, que Fesguar- daré o seu valor sagrado -, a meméria pertenceao_muuthodes.e.ap engode. Ela ao reproduz fielmente o pasado, mas ogee ele Tegundo 3F convenitncias ido momento presente, Assim, por exem- plo, a tradigio ateniense conta a facanha Fremorivel do assassinato dos tiranos pelos hersis Harmodios ¢ Aristogitio. Esta histéria pertence a0 repertorio das Jendas que glorificam a democracia em vigor na cidade. Na verdade, diz Tuci- ides, os ‘tiranacidas’ no obedeceram g clevados motives politicos, mas sim 9 Gtimes amorosos bem mais comuns: prova dizeo 6 que s6 um dos tiranos foi morto, enquanto © outro, mais velho € mais poderoso, continuou reinando até que um complé de cidadios (ajudados pela inimiga Eeparta!) 0 derrotasse.” A aan annstn em relagio 8 meméria ns ceevese Tam projets muito maigamplo. aque chamariamos, hoje, de.g78ea,ideo- TOBE, pois meméria « teigio formar fee conglomerade confused, fl evidencias, da qual 0 presente tira 2 sua justiicativa, A escrita desmistificadors de Tucidides no poupa nem a tradisio politica nem a tradicd0 religiose. Exem- plares, aqui, S30 as suas observasder Gepois da dramatica descricao da ‘peste’ fem Atenas: “Em seu desespero [or atenienses} lemeravam-se, como era na tural, do seguinte verso oracular que, segundo os mais velhos ente eles, fora proferido havia muito tempo: ‘Vird um FC. Tucidides, cxato po wit, pads. ave! Detienne, oP | cnpasiyeriaaiebo ngs Ine SYMON IRI OTHE | | | | \ % sol ye OQ. ma wangewnr 1 -MARCOOE IE dia a guerra déria, ¢ com ela a peste’ Houve na época muita discussto entre fo povo, pois uma parte da populace pretendia que no verso em vez de peste floimas) se deveria entender fome (Limos). fe naquela ocasiio prevaleecu 0 ponto de ists, que a palavra era peste; isso era muito natural, pois a3 lembrangas dos omens se adoptam 5 fuss siestaes se sierra daria depois esta e com ela vier 2 fome, imagine Gque entenderio o verso & luz das novas circunstincias”™. ‘© tinico remgdio para qvitae e#! nanipulagio ¢0 pasado € deka ret tutamente osencantos da oralidade, dae palavras que voam de boca pars Poca, ccham-se de desgos © paises ¢ che: gam cheias, de histérias | ves” Facidides reivindica a escrita come mei de fixagio dos acontecimentos, fazende da imutabilidade do. esérite 1g catia de fidelidade.” Virjas Wee cle te.define como sendo Um SUSsrpliciss, aquele que escreve (grephin) Junto (gun) os acontecimenios, utulo que Smbem to apliea 20s juristas redatores de Proje tas de lei ou contratos precisos entre Sdadios. Trata-se, entdo, de uma gratia que engaja a quem 3 escreve ou a 18 uma eserita que exige uma atitude pra- tea e uma coeréncia a longo prazo. Nao remete 3 tradigo poético-literaria do iades, como 0 faziam ainda as Itisto- Dime, pO. sa Bid, ppaliss, 1. Neste ponte nto conconda com aise, ue 1O Fete 2 sider a sri uma prove 62 3 gidee arbitra _a Herédoto, que fala rai de Herédoto, mas politico juridicas de um cupado com o future: © abandona_ r longo temp dimensao_ficcional 4a Figioria_ para congagrarse a sua dimensio_pelitic: Haides transforma esta técnica de agér fogon ogo, luta de discurses opostor) num instrumento de andlise poltics: $7 sem precisr se asus objesvidede Jmpessoal de narrador, ele pode, grasa sa construcSo antilégiea, apontar para os aspectos mais problematicos de uma dada situagdo e desvelar a trama de poderes que af se esconde. Contra os Exercicios retoricos dos sofistas, Platso propés 0 didlogo comum em vista de ima verdade Unica, recusando as anti- logias que tornam qualquer conclusso substancial impossivel, pois sempre pre- sam de um Srbitro exterior, de um ju fque saiba compariclas ¢ julgi-las. Em rbitro habita a propria ual: € 0 Heitor fururo a quem Tucidides fornece todos 08 de anilise e de decisdo através da colocacdo em cena de Tucidides. este discursos contraditérios: s0 mesmo tem- Giscussdes antagéi come © sabiam muito bem 05 sofistas, que as decisdes pessoais ou coletivas, na sua grands maioria, mio se baseiam ya forga racional da argue mentagio, mas sim no poder de cacla interlocutor. Poder de persuasio, sem divida, que a famosa deusa Peithd en- cama, mas também poder material ¢ politico, poténcia concreta daquele que fala, pois poder de persuasio e poder politico sio co-pertencentes. Em Tuci- dides, também, a técnica tio fina da exposicéo antagénica & inseparivel de uma andlise dos poderes politicos em jogo. O que sustenta a construsio retérica @ a reflexio tucidideana sobre 0 poder, ‘em particular a sua teoria do imperialis- mo atenience.” Ja no comeco da obr= este imperialiemo (no no sentido demo, é clare) que leva Tucidi distinguir com uma acuidade notivel tenure o9 protextos da guerr, as razBes Slegadas, © a sua causa verdadeira mas ro dita: “As raztes pelas quais ele (ot atenienses 05 peloponésios) romperam a tregua e os fundamentos de sus dieptsta feu exporei primeire, pura que ninguém jamais tenha de indagar com os Helenos thegaram a envolverse em uma gue jeagse mais veridis to grande. A ex apesar de menos fregiientemente alegaca & na minha opiniio, que os Atenienses estavam tornando-se muito poderosos, € {sto inquietava os Lacedeménios, compe- lindo-os a recorrerem & guerra. As raz5es publicamente alegadas pelos dois lados, e que os teriam levado a romper todavi BiG neste respeite,sobreno, Francois Cite let, op. cit. Tuctdites, op. cit. LB. 2s MARGE V-mangoe 2 © poder de Atenas nasceu do seu papel essencial na vitéria sobre os Per Toe Os atenienses venceram os barbaros _gragas a eva frota, deslocando o exo das Guerrae Médicas da terra para o mar Esta oposigio entre terra e mar & cons- tirutive, na andlise de Tucidides, da rivalidede entre Fsparta (cidade mais tradicional, ligada terra firme) ¢ Ate- ras (cidade aberta ac novo que trazem Se navegantes).” A ligase de Atenas 20 mar desenha a trojetdria da sua grande a: iniela com a vitéria de Salamina, Sumenta com a constituisio da Liga de Delos (originariamente uma confedera~ Gio de cidades iguais, unidas contra 2 fameaga persa, a Liga tranaformer-te-d hho império de Atenas sobre o2 outros membros) e termina com a expedisio de SSeflia, A andlise tucidideana ressalt 3 necessidade desta trajet6ria, insistindo, fem particular, na estreita conexdo entre Gemocracia ¢ imperialismo atenienses Em oposicio a Esparta, que encema a tradigo ea conservagio do stains fio, a jovem democracia representa & vontade de mudanca e a dindmica da fevolucSo, Aberta as novidades técnicas, feconémicas e ciemtifieas, Atenas tem que progredir sempre no seu desen volvimento. pois qualquer interrup¢io significaria um retrocesso. Orgulhosos Ge sua cidade. os cidadios prezam ¢o- jremoracées, festas e monumentos cada vez mais suntuosos: os metecos (eStFO" Jers para a cidade que conta, cob Péricles, cerea de quatrocentos mi ee. abitantes. A campanha atica no pode fomecer alimentos suficientes para esta multidde: © dominio de Atenas, gracas 4 Liga de Delos, sobre o Mediterrineo oriental assegura também aos seus Na- ios a ‘rota do trigo’, buscado até nas planicies da atual Russia. Hi, portanto, para Tucidides, um vinculo necessirio Cntre a realizacdo interna da democracia eo estabelecimento da deminacéo, 4a tirania externa. A liberdade de Atena: depende éa sua superioridade cons- tantemente renovada e assegurada em pelagio as outras cidades invejosas. P who se tornarem escravos, 08 civstos tenienses devem permanecer ¢. = snhores a qualquer custo; esta dialerice assume na Antiguidade feises muito reais, pois numa guerra os vencides si0 geralmente mortos ou vendidos como eceravos. A grandeza de Atenas repousa tobre o imperialismo extemo ¢, dentro Ga cidade, sobre a escravidio. Diz Chatelet: “Esquematicamente, acontece com © império o mesmo que com a Classe cervil. Os cidad3os asseguravam © seu bem-eetar, a sua independéncia e 3 sua seguranca com tanta mais efiedcin que exploram uma maior mul saditos ¢ Ge escravos” vA dialélica tucidideana entre do- minagio e liverdade lembra a antiga nocio de iybris, Go importante para Herédoto: interesse © ambicio, fontes Jy Chatcet. ops 6, p26. Poderia- Shonierses, Ci. Nicole Lora Les oo node esta -agas neo sna p nas anto, série racia tenas, sons aem Para adios Aética suite 2s slo come dentro De sno de re do- 2 pare fontes Poser qosst: CORES EWNTENTETES-onigooANETEAAE. 27 de grandeza ¢ heroismo, também con duzem as cidades a sua perda. Atenas ~venceu heroicamente os persas, livran- do os gregos do jugo barbaro, mas tstabeleceu sobre os seus compatriotas tim dominio talvez pio, que teria sido o estrangeiro. Como observara wm ge wneral siciliano, os belos discursos de jigualdade e de liberdade se transforma ram em justificativas de dominaséo.” © mesmo raciocinio, aliss, aplicar-se-& 2 Esparta: se, no decorrer da guerra, tomnou-se ironicamente 0 arauto da li- perdade face a uma Atenas democritica © imperialists, transformar-se-é tam- bem, quando estiver vitoriosa, numa poténcia trknica, sem respeito aos di- reitos dos seus siditos. Entze_o_realismo oessimista_de Tuctdides eo ssaliamo descarado dos safistas ancas_si0_muitas. Trata-se sempre do conflite entre justica is socials e poder, ou ainda entre a¢ hhumanas e 0 direito natufal do mais forte, a oposicao entre romes © phsis |A defesa do direito do mais forte por varios sofistas encon pondente real e cotidiano na prética imperialista de Atenas, descrita por Te cidides. O famoso episdio de Melos oferece um paradigma desta pratics. Melos era uma pequena ilha, povoada por colonos de Esparta que tentou fica: neutra na Pi Atenas exige a sua submissio € Dlo- queia 0 porto. Segue-se um debate altamente tenso entre os embaixadores juldies, op. cit, VI. 76 atenienses e 05 notiveis de Melos, que tentam expor a justeza da sta posicéo. Com ¢ fracasso das negociacbes comeca ‘um sitio de um ano, no fim do qual Meloe deve render-se. Os homens so mazzacrados, as mulheres ¢ as criancas Yendidas como escravas. Mais tarde, ‘Atenas repovear a ilha com colonos atenienses. ‘Tucidides demora-se no relato das negociagSes noe dé aqui uma belissima peca de refloxio histériea e paliice Mais uma vez, ele coloca em = cursos antagénices: 0 dos emban—— atenienses que falam a linguagem do realismo e do poder, ¢ 0 dos repre- sentantes da Assembléia de Melos que invocam 0 direito ¢ a justiga. Mas, como estes iltimos observam, desde o inicio 4 igualdade dos parceiros do didloge fencontra-se negada pela presensa amea~ adora das tropas atenienses no porto. Os atenienses no s0 justifcam esta desigualdade como tambem a consi gram como uma ‘ei’ divina e humans: *Realmente, em nossas agdes ndo es tamos nos afastando da reveréncia humana diante das divindades ou do aque ela aconselha no trato com as mes- mas. Dos deuses nés supomos © dos homens nbs sabemos que, por uma lei de eva propria natureza, sempre que podem eles mandam. Em nosso caso pertante, nfo impusemos esta lei nem fomos os primeiros a aplicar os seus preceitos; encontramo-la vigente ¢ ela Tigoraré para sempre depois de nés; pororla em pritica, entio, convencidos Ge que vés ¢ 08 outros, s# detentores 2 i t t apnaena ee Rem TTR MIO i I Bh ARGENT MARES OE IE mesma forca nossa, agirieis da mesma forma”™. ‘Na sua argumentagdo, os represen- tantee de Atenas, a cidade democrética fedueadorn da Grécia’, misturam com maeetria 0 rigor da razio e o cinismo do poder; desaconselham os habitantes Ge Melos esperar pela justica ou pela sjuda doe aliados espartanos, pois 2 coperanga § um sentimento que $6 ilude q engana. A reivindicacio de justisa ¢& Csperanga opdem 0 fri realismo da GominacSo, que culminaré na matanca future. (© leitor futuro, a quem Tucidides reserva a sua obra, pergunta-se 20 ler ste epizédio sangrente: como distin- guir a razio que guia 0 discurso tio coerente dos embaixadores atenienses @a racionalidade imposta pela forca? Como distinguir 2 racionalidade da realidade historica da razio dos vence- Gores? A grande questio hegeliana da acionalidade do real ja se coloca nas paginas do primeiro historiador que Guis compreender logicamente 2 histo fa e 56 0 conseguiu através de uma teoria do poder e da dominacdo. Fem, VS. Jeanne Mavie Gagnebin floste professors UC: She Geicarp.

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