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Mesa redonda do Observatório do Meio Rural (OMR):

Capital e conflitos no meio rural

Maputo, 6 de Outubro de 2016

Reassentamentos: viabilizar projectos extractivos,


empobrecendo as comunidades

Thomas Selemane, OMR

1. Nota de abertura
Os reassentamentos tal como os conhecemos hoje são mecanismos de viabilização de
projectos à custa do bem-estar das comunidades directamente afectadas pela
implantação desses projectos.
Tendo se tornado num dos principais focos de conflito social em Moçambique (Feijó
2016, Selemane 2016), o modelo dos reassentamentos merece ser desconstruído,
muito para além das habituais “faltas ou falhas”: falta de
comunicação, informação e de conhecimento dos detalhes do reassentamento por
parte dos reassentados, falta de respeito pelos direitos humanos dos reassentados, falta
de compensação justa, falta de cumprimento das promessas das empresas para com os
reassentados, etc.

Esta comunicação resume os principais pontos de debate em torno dos


reassentamentos em Moçambique, fá-lo questionando os questionamentos (“faltas ou
falhas”) que têm sido apontadas aos reassentamentos. Não discordando desse
mecanismo de monitoria e advocacia, propõe-se um degrau mais acima
na reconstrução do modelo de desenvolvimento nacional.

2. Argumento central
Os reassentamentos são parte integrante (consequência – processo à jusante de
projectos extractivos, e não causa – processo à montante) de um modelo de
desenvolvimento capitalista centrado na extracção de recursos naturais e minerais
(não renováveis), visto como inevitável.

Assim, a inevitabilidade dos reassentamentos resulta da ideia da inevitabilidade do


modelo económico extractivo, que perfaz o capitalismo predador que tem o conflito
social como componente intrínseca (Selemane 2010; Mosca e Selemane 2012, Castel-
Branco 2014, Selemane 2016).

Os aspectos considerados negativos (o que falta, o que falha, o que está errado) do
modelo de reassentamento são, na verdade, feitio do modelo e não defeitos.
Questionar e corrigir essas falhas pode resolver os problemas dos reassentados no

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curto e médio prazo, mas não resolvem a questão mais geral e mais duradoira
do desenvolvimento a longo prazo.

3. Pontos de discussão: questionando os questionamentos à volta dos


reassentamentos
Discuto nesta subsecção cinco aspectos que considero mais importantes no debate em
torno dos reassentamentos.

3.1 Sobre a não observância de aspectos socioeconómicos e culturais nos


processos de reassentamento.
O Decreto 31/2012 de 8 de Agosto (Regulamento sobre o Processo de
Reassentamento Resultante de Actividades Económicas) justifica a sua existência
com um questionamento ao então modelo de reassentamento. O Governo questiona
o facto de existir uma “crescente demanda pelos recursos naturais no país, (que) tem
vindo a ditar a necessidade de mais espaços físicos para a implantação de
empreendimentos económicos, que impliquem o reassentamento da população em
outras áreas, sem a observância dos aspectos socioeconómicos e culturais.” Assim, o
Decreto procura transmitir a ideia que com ele passam a ser observados os “aspectos
socioeconómicos e culturais.” Essa pretensão é negada tanto no plano teórico (a linha
de orientação do próprio Decreto) como no plano prático (os reassentamentos
realizados, ou pelo menos os que deveriam ter sido realizados após a entrada em vigor
do referido Decreto).

No plano teórico, o regulamento foi concebido a pensar em camadas sociais pobres


(veja-se, por exemplo, o art. 16 na sua alusão a casas de tipo III com 70m2 de área),
porque pensava-se em reassentamentos feitos em zonas rurais para implantação de
projectos. Mas depois aprovou-se um regulamento a ser aplicado não somente a
projectos mineiros mas a todos os projectos de actividades económicas.

No plano prático, não somente continua o desrespeito pelos aspectos socioeconómicos


como há registo de incumprimento total do Decreto. Veja-se o caso da Jindal em
Tete e sua recusa em reassentar as mais de 500 famílias ali residentes, mantendo-as
dentro da sua área de concessão com uma cerca igual a que se usa para gado.

3.2 Sobre a falta de informação e comunicação aos reassentados.


A falta de informação e comunicação efectiva aos reassentados tem sido apontada
como uma das mais graves deficiências do actual modelo de reassentamentos. Desde
uma perspectiva legalista pode-se criticar essa lacuna como “violação do art. 14 do
Regulamento de Reassentamentos.” Entretanto, no geral, critica-se o défice de
informação e comunicação verificado das autoridades governamentais para a
população reassentada. Mas, de facto, o governo não possui informação independente
das empresas (Selemane 2014, Boas & Associates 2011).

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Os contratos de concessão mineira e petrolífera são assinados entre as empresas e o
Governo central. Até 2013 esses contratos eram secretos. Nem os governos locais
(províncias e distritos) tinham conhecimento do seu conteúdo. Ou seja, a falta de
informação não se verifica apenas ao nível da população reassentada, mas também ao
nível das autoridades governamentais fora do nível central. E este problema gera um
outro: o da falha na coordenação governamental.

3.3 Sobre as falhas na coordenação entre os diferentes níveis de governo


A descoordenação entre as entidades governamentais acontece de forma vertical: do
governo central ao provincial e deste ao distrital e de localidade. E de forma
horizontal ou intersectorial: entre os diferentes ministérios como, por exemplo, o de
recursos minerais e energia com o da agricultura e segurança alimentar; e deste para o
das obras públicas e por aí em diante.

Essa descoordenação não pode ser resolvida sem que se resolva a base na qual assenta
o modelo de reassentamento, que trata o sector dos recursos minerais como „dono do
projecto mineiro‟ e o sector do ambiente como „dono dos estudos de impacto
ambiental‟ onde são tratadas as questões ligadas ao reassentamento.

Outros sectores (agricultura e segurança alimentar) são tratados como uma espécie de
„convidados a assistir‟ com a finalidade de “disponibilizar espaços para a prática de
actividades de subsistência” (ver alínea d do número 4 do artigo 12 do Decreto
31/2012). Outros sectores são simplesmente ignorados até à fase em que por algum
conflito social, como o havido em Cateme em Janeiro de 2012, são lembrados e
chamados a intervir (interior, defesa, economia e finanças).

3.4 Sobre as defeituosas avaliações dos bens da população reassentada e a


determinação das indemnizações e compensações
A determinação dos montantes de indemnização dos afectados pelos reassentamentos
depende de o que o Decreto chama de “perfil socioeconómico” (ver art. 20) que
devem, supostamente, incluir aspectos como os níveis de produção e de rendimentos
dos afectados, a dimensão das perdas, regime de ocupação dos imóveis em que os
afectados moram, número de contribuintes na renda familiar, e outros. Os cálculos das
compensações e indemnizações acabam sendo vítimas de dois problemas.

O primeiro e mais importante problema é de natureza corporativa, comercial, que


procura minimizar até ao limite possível os custos do reassentamento, porque eles são
contabilizados como custos de implementação do projecto, e por isso, devem ser
mantidos em mínimos dos mínimos possíveis.

O segundo problema, menos importante, porque facilmente superável dependendo do


interesse que o Governo possa ter, é de natureza técnica: as equipas de pesquisa
encarregues de fazer o censo dos afectados pelo reassentamento enfrentam, regra
geral, limitações técnicas significativas. A composição das equipas não tem sido

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suficientemente multidisciplinar para captar todas as nuances da população abrangida.
As técnicas de cálculo do valor das indemnizações não permitem captar a “economia
política” da comunidade afectada. Olha-se apenas para os bens mensuráveis
monetariamente.

3.5 Participação pública: consulta ou negociação?

É suposto os reassentamentos serem realizados mediante uma “consulta pública” (art.


23 do Decreto). Muitas Organizações da Sociedade Civil (OSC) criticam os contornos
dessas consultas por diversas razões: a não disponibilização de informação completa,
em tempo útil, insuficiência de tempo para as necessárias discussões entre os
membros da comunidade, uso de truques para aldrabar as comunidades
maioritariamente iletradas, falta de autonomia financeira e material dos representantes
do Estado que devem acompanhar o processo de reassentamento.

Ora, por cima do questionamento dos contornos da consulta pública é preciso


questionar o modelo por detrás da consulta pública. Repare-se na terminologia do
Regulamento que fala dos afectados como tendo direito de “dar opinião” e não de
“decidir” – ver alínea f do art. 10 do Decreto 31/2012 de 8 de Agosto.
Existe uma grande diferença entre opinar e decidir, entre consultar e negociar. A
única forma que pode romper com o ciclo de empobrecimento das comunidades
reassentadas é adoptar o formato de negociação e não de consulta.

4. NOTA FINAL: Dado que os reassentamentos empobrecem as comunidades


afectadas, que saídas?
Em face do acima exposto, há três possíveis saídas. A primeira saída (NADA
FAZER) passa por continuarmos a reassentar tudo e todos como se faz actualmente,
assumindo que “o país é pobre, e por isso precisa de implementar estes projectos
extractivos”. Esta seria uma saída precária, inútil ao país e prejudicial às comunidades
afectadas hoje bem como às gerações vindouras. Esta saída pode ser designada como
a de “nada fazer.”

A segunda saída (MANTER O ACTUAL MODELO, CORRIGINDO-O). Esta saída


passaria por dizermos algo como “podemos continuar a reassentar tudo e todos” desde
que “corrijamos as falhas que o actual modelo tem” na esperança de que os
reassentamentos deixem de ser empobrecedores. Esta saída pode resolver os
problemas dos reassentamentos passados, no curto prazo, mas não é sustentável no
longo prazo.

A terceira saída (RECONSTRUIR E SUBSTITUIR O ACTUAL MODELO). Esta


saída implica desconstruir todo o modelo por detrás da inevitabilidade da extracção
mineira que torna inevitável os reassentamentos. Ou seja, é preciso tratar a indústria
extractiva em pé de igualdade com as outras indústrias, sem a primazia de que ela
goza actualmente sobre a indústria agro-alimentar, turística, etc.

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