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Ed. Aorlewe
bb. 53- 62
Sociogénese da Sociologia do Crime
1. RESULTADOS ESPERADOS DE APRENDIZAGEM
No final do processo de aprendizagem desta unidade programitica, 0 estudante deverd
estar apto a:
+ delinear um sucinto esboco histérico do pensamento social sobre o crime, apontando
2s principais hipsteses explicativas para as cavsas deste fenémeno;
+ identificar os condicionalismos sociais,filosoficas, hist6ricos e empiricos subjacentes
as diferentes interpretacées e andlises dos fenémenos criminais;
+ contrapor a visio optimista do Huminismo com o pessimismo determinista do posi-
tivismo criminolégico;
« problemnatizar 0 positivismo criminol6gico, apontando as respectivas politicas critm!-
nais subjacentes;
+ apontar os elementos precursores da abordagem cientifica do crime,
2. 0 PENSAMENTO SOBRE O CRIME NA ANTIGUIDADE
Durante muito tempo acreditou-se que a ocorréncia do crime se devia a factores exter-
nos 20s individuos, nomeadamente de origem sobrenatural e divina, e por isso em larga
‘medida inexplicéveis. Mas desde cedo existiu a preacupagio de indagar se no existiriam
factores intrinsecos ao ser hurnano que explicassemn a propensao para a violagdo das regras
da sociedade. Se alguns autores se cingiram & busca de explicacéo para o comportamento
criminal em tragos de carécter dos individuos (maldade, imoralidade, egotsmo, irracionali-
dade), outros houve que se debrucaram sobre causas internas de carécter bial6gico.
‘Terfamos que esperar pelo século XIX pare se iniciar a abordagem propriarmente cien-
tifica do comportamento criminoso ou delinquente, variando as perspectivas consoante osrine
investigadores alicergavam a sua andlise nas caracteristicas biolégicas, psicol6gicas ¢
sociais para explicar a ocorréncia do fenémeno criminal. Mas jé na Antiguidade encontre-
‘mas vestigios da reflexao em torne do crime ¢ da busca de fundamentago empirica de um
pressuposto que tem acompanhado os estudos do crime e do criminaso até hoje—0 de que
0 criminoso necessariamente diferente e que essa diferenga poder explicar 0 motivo
pelo qual determinados individuos cometem crimes e outros néo.
‘Almeceon de Cretona, flésofo e médico grego do século VI a.C., contempordneo de Hipd-
crates e considerado por muitos 0 pai fundador da patologia fisiol6gica, considerava que 0
hhomem tinha tanto de divino como de animal, pelo que o delinquente (assim como o doen)
representava um desequilfbrio que potenciava a faceta animalesca do ser humano. SupGe-se
que Almeceon foi o primeiro a dissecar animais, com o objective de estudar as correlagbes
entre as condutas e as caracteristicas biolégicas do cérebro, interessando-se em particular
pela busca das diferengas que se supunha existirem nos cérebros dos delinquentes.
‘Enquanto Sdcrates (469-399 a.C.) defendeu que a instrugio e a formagao de carécter
possibilitaria reabilitar os criminosos, prevenindo a reincidéncia, 0 seu discfpulo Platdo
(428-347 a.C,) debrugou-se sobre os factores politicos, econémicos e sociais que poderiam
potenciar a criminalidade, elegendo na obra A Repdlica, que compés provavelmente entre
380 e 370 a.C. (Platio, 2005), a ignorancia, a miséria e a cobiga como as causas determi-
nante da ocorréncia do crime. Nesse dislogo, em que Platio elege como personagem prin-
cipal Sécrates, que surge ocupado em debater os conceitos de justigae injustica, € exposta
a sua concepedo de sociedade perfeita. Esta obra apresenta as matrizes principais de varios
ovimentos de reforma social surgidos na modernidade e as principais interrogacbes que
zpodemos encontrar sio as seguintes: O que € um homem bom e como chega ele a ser 0
‘que 6? O que é um Estado bom e por que é bom? Que conhecimento deve o homem ter
para ser bom? O que deve o Estado fazer para levar os homens & aquisiggo desse conheci-
mento, que & condicéo da virtude?
‘As interrogagdes formuladas por Plato em A Repdblica sio retomadas na su@ obra
final As Leis (Platzo, 1999), que apresenta o crime como resultado de uma doenca de cause
que poderia ser triplice: fruto de «paixées» (inveja, cobiga e célera), da ignoréncia e da
busca desenfreada do prazer. Nesse contexto, a pena deverd surgir néo como castigo, mas
como remédio para a doenca, ou seja, como forma de libertar o delinquente do mal que
assolou. Assim, se a concepcio platénica de Estado se funda na ideia de que este deve pro-
porcionar ao homem as melhores condigdes para desenvolver as suas virtudes ¢ eliminar
‘0s seus males, as penas assumiréo uma vertente pedagégica, um papel educativo, desti-
rrado a conduzir o homem para o Bem (ideia suprema). Nunca, na perspectiva de Plato, 0
cumprimento das leis de urna sociedade deve ser feito por temor & punigéo, mas sim por
vontade de manter a coeséo social
A reflexo sobre o crime, as suas causas € acgSes para a sua prevenedo ou eliminacao €
retomada por Aristételes (384-322 a.C.), nos Escritos morais e politicos; principalmente
em Etica a Nicémano (1950) e em Politica (1991). A andlise que o filésofo grego faz do
crime é em larga medida contraditéria: se em Etica a Nicémano adopta uma visio repres-
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siva do crime, considerando o criminoso um inimigo da sociedade que deve ser castigado
pela forca, em Politica considera a miséria principal causa do crime e da revolta e os deli-
tos mais graves seriam os cometides para consumir 0 supérfluo.
Temos assim que em Etica a Nicdmano, obra que apresenta os fundamentos da moral
aristotélica ¢ a doutrina metafisca fundamental, 0 filésofo entende que todo o ser tende
necessariamente para a realizacSo da sua natureza e nisto esté o seu fim, 0 seu bern, a sua
Ielicidade. Visto ser a razdo a ess6ncia caracteristica do homem, este realiza a sua natureza
Vivendo racionalmente e consegue a felicidade mediante a virtude, que equivale ao racio-
nalismo, Neste sentido, de acordo com 2 moral aristotélica, o criminoso é um ser irracio-
nal, que se afasta da virtude. J6 na obra Politica, na qual se debruca sobre as formas de
troca e a passagem da economia natural para a economia monetaria, aponta o factor eco-
némico como estando na base do desvio 8 virtude, chamando a atengao para a responsa
bilidade do Estado na tarefa de educacdo e formagao do homem e de assegurar as necessi
dades basicas dos cidadaos. Aqui, o criminoso assume o papel de vtima de uma sociedade
economicista e de um Estado preocupado sobretudo com a guerra ea conquista
3. A VISAO ESPERITUAL
Na Idade Medieval o crime € considerado um pecado e susceptivel de punigdes cruéis €
tortura para obter a confissae do acto. As causas do crime sio procuradas em factores
sobrenaturais e divinos (Vold ef al,; 2002: 2-4) e 2 chamada «explicacao espiritual» para a
ocorréncia do crime fundarnentou a justica criminal na Europa, durante séculos (Vold e¢
all, 2002: 14), A identificagdo do crime com o pecado atribuia & Igreja e 20 poder politica
a autoridade moral necesséria para, em nome de Deus, infligirem penas ¢ torturas consi-
deradas brbaras aos olhos da civilizacao ocidental dos dias de hoje. O pr6prio simbolismo
religioso presente em muitos dos castigos atribufdos aos criminosos atesta esta vis4o do
crime como pecado,
‘As explicagoes de origem sobrenatural para a ocorréncia do crime tradugern uma con-
cepedo do mundo e da sociedade que, em parte, vai ser refutada por S, Tomas de Aquino
(1226-1274), monge dominicano, fildsofo e te6logo italiano que procura conciliar a floso-
fia aristotélica com o cristianismo e apresenta os primeiros fundamentos da justiga distri-
butiva (defesa da ideia de dar a cada um o que & seu, segundo uma logica de relativa igual-
cade).
Em parte, 0 pensamento de S. Tomés de Aquino dé continuidade & explicagio espiritual
da ocorréncia do crime: parte do conceito de «Lei natural divinan, que entende ser acessi-
vel ao entendimenta humano pela conjugacio da observago com a fé. Acredita que a natu-
reza humana apresenta na sua esséncia a busca permanente do bem. De acordo com este
entendimento, o crime tanto prejudica a vitima como o criminoso, na medida em que 0
acto criminal se desvia da lei divina e da propensio natural do homem para o bem.
‘A grande inovagao deste pensador foi defender que a pobreza é incentivadora do roubo
—— eeManual de Sociologia da Crime
~0 crime mais vulgar na sociedade do seu tempo -, chegando ao ponto de na obra Summa
Theologica defender 0 chamado furto farnélico. Defendia que a pena devia ser uma medida
de defesa social e contribuir para a regeneracdo do culpado, além de implicitamente
conter uma ameaga e ur exemplo,
Ao longo dos séculos XV e XVI a concepeio sobrenatural e divine do crime vai coexis-
tindo com o avanco lento de uma abordagem de outro tipo de causas explicativas para a
ocorréncia do crime, Destacam-se autores como More, que desenvolve ums reflexio sobre
as causas sociais ¢ econdmicas do crime, e Della Porta, que lana alguns fundarnentos do
estudo dos factores biolégicos.
Thomas More (1478-1535), fil6sofo poltico chanceler de Inglaterra, admirador de
Plato e autor da obra Utopia (1516), na qual concebe a arquitectura da sociedade ideal,
apresenta-se como um pensador humanista e optimista e como tal considera o crime um
reflexo da sociedade, apontando como causa dominante a opuléncia dos ricos, que atrai os
pobres para a cobiga e 0 roubo. Na cidade imaginéria que idealizou, no existe crime ¢
apenas ha um minimo de leis, por dois motives: porque existe a comunho de bens einsti-
tuiu-se a abolicdo da propriedade privada. Nesta sociedade, as pessoas viveriam sem luxos,
trabalhando apenas 0 necessério para sobreviver, pelo que nao haveria distingSo entre ricos
@ pobres ~ fundamento da maioria dos actas criminosos,
1Hé ainda que atender & obra produzida pelo matemético italiano renascentista Giovan
Battista Della Ports (1535-1615), que langa os fundamentos da frenologia (estudo da estru-
tura do cranio) e da fisiognomia — suposta ciéncia que pretende «adivinhar» o comporta-
mento com base em caracteristicas faciais, que teve amplas repercussbes na Europa nos
séculos XVIII e XIX. Os impactos desta abordagem foram considerdveis nos primérdios da
andlise biol6gica dos criminosos, no século XIX, em particular nos trabathos desenvolvi-
dos por Lombroso, fundador da criminologia cientifica
4, A CRIMINOLOGIA CLASSICA
periodo iluminista foi prédigo em reflextes sobre as articulagdes entre o criminoso,
1 sociedade e as leis, criando-se as bases da denominada Criminologia clissica, que vai
refutar a argumentacfo anterior das causas naturais ou divinas da ocorréncia do crime. A
caracteristica fundamental da Criminologia cléssica é basear-se no pressuposto de que 0
crime resulta de um acto individual de livre vontade, de carécter racional e calculista, que
se guia pelo principio da obtenao maxima do prazer, procurando evitar o sofrimento.
Assitn, 0 criminoso realiza sempre o acto racional e livre de ponderar as vantagens e des-
vantagens de praticer 0 delito.
Um dos autores mais representatives da Criminologia cléssica é Beccaria (1738-1794),
‘mas as origens histéricas desta corrente de pensamento pode ser encontrada nos pens2-
dores do «contrato social», como Hobbes (1588-1678), Montesquieu (1689-1755), Voltaire
(1694-1778) ¢ Rousseau (1712-1778).
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Sociogénese de Sociologia do Crime _
O ilésofo¢ tebrico inglés Thomas Hobbes, autor de obras fundamentais como Leviatd
(1651) ¢ Do cidedgo (1651), assume como tema fuleral da sua reflexdo a ordem social ¢
procura debater as dificuldades de estabelecer uma sociedade justa e pacifica a partir de
individuos egofstas, individualistas e dispostos a produ 0 dano no seu semelhante. A
natureza egofsta dos homens conduzem-nos & guerra, mas para evitar a autodestruigao
surge a necessidade de uma sociedade organizada, de um contrato social, pelo qual éesta-
belecido um pacto entre todos, que obriga a que cada individuo prescinda de parte dos seus
direitos em prot do bem comum. Uma vez constituida a sociedade e assegurada a ordem
social, cada individuo espera proteceio da parte do soberano (Leviat8)e cria-se a expecta-
tiva que todos cumpram a sua parte do acordo, acarretando com os custos e as vantagens
de uma accio colectiva. Neste contexto, 0 criminoso é entendido como alguém que nso
cumpre o contrato social, send legftima a acco pela forca, por parte do Estado, para asse-
urar a manutencio da ordem social e punir a accio perturbadora da per social.
Montesquieu, escrito e filésofo francés, considerado por alguns o fundador da Socio-
logia do Diteito e 0 «primeiro a fazer obra sociolégicas (Mendras, 1974: 9), autor da obra
De Vesprit des lois (1748), verdadeira critica & sociedade francesa do seu tempo, procura
compreender as regras que a sociedade impde e como estas se relacionam com as condi-
tas dos homens e a estrutura geral do meio social, acreditando que a diversidade e a rela-
tividade das sociedades e culturas hummanas resulta dos impactos diferenciados que 0
clima, a educagio, a cultura e as condigées de vida criam nas relacdes sociais, Neste
Ambito, proclamava que o bom legislador empenha-se na prevenco do elit, e nio se
Contenta, simplesmente, em castigar. Pode afirmar-se que o autor inaugura o sentido ree-
ucador da pena e se preocupa em classificar os crimes consoante o bern jurdico atingido.
O filbsofo Jean Jacques Rousseau (1712-1778) apresenta uma concepeao do crime que vai
de encontro aos grandes temas desenvolvidos pela sua reflexio central: a origem natural das
sociedades e 0 contrato socal. Ao falar de um estado natural, procura legitimar e funda-
mentar 08 direitos @ liberdade e & igualdade, inaliendveis do individvo. Mas em O Contrato
social (1762) discorre sobre a ordem social, pela qual o individuo € chamado a ceder uma
parte dos sews direitos a uma vontade colectivaesoberana, Bsta vontade geral, se estiver bem
organizada pelo Estado, verd reduzido o crime, Estes pressupostos vo de encontro a uma
concepgio da criminalidade que € retomada por Vollaire (1694-1778), poeta, filésofo e
ensafsta francés que via na pobreza a causa dos roubos efurtos e condena aaplicagso da pena
de morte, os martirios, supicios ou torturas aplicadas contra o delinquents, ao mesmo
fempo que empreende a luta pela reforma das prisdes ¢ a defesa dos direitos dos reclusos.
No conjunto dos te6ricos do contrato social, destaca-se César Bonesana, o Marques de
Beccaria (1738-1794), jurista e pensador italiano, por apresentar um conjunto de propostas
de reforma do sistema de justiga criminal, de forma a torné-lo mais racional, mas também
de modo a evitar a excessive crueldade das punides infligidas aos criminosos. Em 1764
publica 0 livro Des delites e das nenas, que consolida a ideia da separacio entre a justica
divina ea humana. Esta obra apoia-se ne ideia de Rousseau manifestada em O Contraio
social, para fundamentar a ideia da legitimidade de punir eda utilidade das penas, enten-‘Manual de Sociologia do Crime
endo que cada homem tem de prescindir de uma parcela da sua liberdade, para preser-
vagio da segurance e tranquilidade piblicas; mas a pena a atribuir devia ser proporcional
a liberdade «cedidan. Crflico do sistema penal vigente, entende que devem ser prevenidos
todos os abusos das autoridades, defendendo alguns princfpios como os seguintes: os
jufzes no devem interpretar 2s leis penais; a acusagSes nao devem ser secretas; as penas
ddevem ser proporcionais aos delitos; nfo se pode admitir a tortura do acusado; 0 objectivo
dda pena nda € castigar, mais sim impedir a reincidéncia e servir de exemplo; a pena deve
ser pitlica, pronta e necesséria; o réu jamais poderd ser considerado culpado antes da sen-
tenga condenatéria. Tal como outros autores, entende que 0 roubo é ocasionado geral-
‘mente pela miséra e pelo desespero, motivo pelo qual as penas dever ser moderadss, con-
siderando ainda que a sociedade nao temo direito de aplicar a pena de morte.
‘Nao obstante as diferentes perspectivas aqui apresentadas do crime e do crimineso, os
tedricos do contrato sécial tém em comum o pressuposto de que o individuo est dotado
de livre vontade, guiando-se pela razdo e interesses pessoais. Poder ser controlados pelo
‘medo ao castigo: se o sofrimento suscitado pela pena for superior ao prazer ou vantagens
retiradas da prética do crime, seré de esperar que as pessoas escolliam néo cometer 0
crime, De acordo com Vold ef al. (2002), a viséo cléssica da criminologia continua ainda
hoje, sem grandes alteragdes, a corresponter «ds concepydo da natureza humana apre-
sentadas pelas insténcias de controlo social em todas as sociedades industriais desenvot-
vidas» (Vold et al,, 2002: 20).
5. ACTIVIDADE FORMATIVA 5
6. 0 POSITIVISMO CRIMINOLOGICO
0 inicio da publicagdo de estatisticas criminals anuis, em Franca, em 1827 (Vold ef a,
£2002), veio revelar alguns factos sobre o fenémeno criminal que fragilizaram a tese da crimi-
pologia clissica, de que o acto criminal resulta de urn acto de livre vontade: por um lado, as
estatisticas evidenciaram a regularidade do crime e néo a sua variago; por outro lado, cons-
tatou-se que ao contrério das previsées optimists dos teSricos do contrato social, o crime néo
estava a ser controlado socialmente, mas antes se assstia 2 um aumento da criminalidade.
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Sociogénese da Sociologia do Crime _
No século XIX, vérios condicionamentos sociais e hist6ricos vao proporcionas 0 nasci-
mento do denominado «positivismo criminolégicon, cujos postuladas principais sfo os
seguintes: negagio do livre-arbitrio e crenca no determinismo ¢ previsibilidade dos fené-
menos humanos, recondutiveis a «leis»; crenga na neutralidade axiolégica e separacéo
entreaciéncia e a moral; recurso prvilegiado aos métocos experimentais e ao empiricismno.
Neste periodo de acelerada urbanizacSo, expansio demogréfica e industrializacao, 0
lima social, politico e intelectual do estudo do crime alterou-se radicalmente, assistindo-
-se a uma faléncia das expectativas optimistas criadas pelas reformas penais avancadas pelo
Tuminismo, em parte porque o visivel aumento da criminalidade leva ao questionamento
rmais intenso sobre a natureza e causas do crime.
Nao seré demais dizer que foi sobretudo Cesare Lombroso (1835-1909) quem mais
impulsionou os estudos da criminalidade no século XIX, com repercussbes que se disse-
minaram 2o longo do século XX e que, nos dias de hoje, continuam ainda a marcar as abor-
dagens biopstquicas da criminalidade mais ortodoxas e radicais. De facto, os trabalhos
deste professor universitério, médico psiquiatra e criminologista influenciado pela freno-
logia e fundador da denominada antropologia criminal viriam a marcar decisivamente as
décadas posteriores de investigacio sobre as causas do crime.
A influéncia de Darwin (The origin of species, 1859) € visivel na abordagem que Lom-
bbroso faz do crime e do criminoso. Séo de destacar as obras de Lombroso intituladas O
‘homem criminaso (1876) O crime, suas causas e solugdes {1899) por lancarem os funda-
mentos da sua proposta de «criminologia cientifica», pela qual as causas do crime séo pro-
empirica de tragos fisicos de criminosos, acreditando-se poder
curadas pela observac
alcangar a determinagao de leis que permitissem prever a ocorréncia da criminalidade,
segundo uma légica predefinida e determinada peias caracteristicas inatas dos individuos.
Com base em estudos genéticos e evolutivos influenciados pelo darwinismo, Lombroso
defende que certos criminosos tém tracos de «atavismon fisico e psiquico (reaparigao de
caracteristicas que foram apresentadas somente em ascendentes distantes) de tipo heredi-
trio, reminiscente de estdgios mais primitivos da evoluggo hurmana e que se traduz em
formas ¢ dimensées anormais do crénio e da mandibula e assimetrias da face. Com base
no pressuposto da existéncia de atavismo no criminoso, criou um tipo-ideal de criminoso
rato (individuo geneticamente predisposto para a prética do crime), que revelaria ura ou
vérias das seguintes caracteristicas fisicas: forma ou dimensio «anormal» da calota cra-
niiana ¢ da face; fartas sobrancelhas; molares proeminentes; orelhas grandes e deformadas;
dessimetria corporal; grande envergadura de bragos, mos e pés.
Estas assumpgdes cristalizaram-se na ideia de que o criminoso formaria urs tipo antro-
poligico unitério, cujas caracteristicas fisicas seriam acompanhadas de determinados
comportamentos e tragos de personalidad, tais como sensibilidade diminuta a dor, cruel-
dade, leviandade, aversdo 20 trabalho, instabilidade, vaidade, tendéncias a superstigdes €
precocidade sexual
O positivismo criminolégico conheceu amplas repercussbes, traduzidas nomeada-
mente nos discfpulos de Lombroso mais reconhecidos, como Enrico Ferri e Rafae! Gar6-Manual de Socclgia do Crime
Es
falo, embora o primeiro tenha chamado a atengao para.a importancia dos elementos socio-
ldgicos na ocorréncia do crime e 0 segundo tenha apantado 0 peso dos factores psi-
contramos o miicleo fundamental do positivismo: o pastulado
coldgicos. Mas ern ambos enc:
tafisicas, partindo
determinista ea rejeigio do livre arbitrio e decorrentes pressupostos met
de uma clara e decisiva influéncia da teoria da selecréo natural com base nos pardmetros
do evolucionismo darwinista. Assim, se Lombroso trabalhou o conceito de «atavismo>,
Garéfalo dissertou sobre a «lei da adapta» (Gar6falo, 1888). 0 positivismo no estudo do
crime é levado a uma forma extremada, como fica patente nas seguintes palavras de Ferri:
«Para nds & 0 método experimental que constilui a chave de todo 0 conhecimento»
(Mannheim, 1984: 295).
Neste conjunto de autores, assistimos a uma concepeio de politica criminal assente na
ideologia do tratamento do criminoso, e & ampliagio das exigencias e direitos da sociedade
sobre o criminoso, reforgando-se assim o primado da defesa da sociedade perante a «ameaga»
a criminalidade, que levaria Gar6falo a considerar desejével a eliminacio do criminoso se
este denotasse incapacidades psiquicas para a vida social (Dias e Andrade, 1997: 19).
‘A criminologia cléssica e 0 positivismo criminolégico adoptam assumpcdes distintas
sobre 0 crime eo criminoso, que servem de base a diferentes polities criminais. Se 0 indi-
viduo possui livre vontade e guia a accdo pela rezio e pelo célculo, adoptando uma postura
hedonista, pela qual procura maximizar prazer e evilar a dor e sofrimento, entéo 0 sis-
tema de justiga criminal deveré punir o criminaso, procurando desse modo evitar ou dimi-
nuit a pratica do crime. Se 0 comportamento criminoso resulta de factores bioldgicas e ou
psicol6gicos, eno a opeio sera a sociedade eliminar o criminoso ou traté-lo.
No debate actual em torno das politicas criminais, 0 confronto entre estas duas ten-
déncias € ainda evidente (Walklate, 2003: 19).
7. ACTIVIDADE FORMATIVA 6
8. SINTESE
Nesta unidade de aprendizagem expem-se as principais caracteristicas do pensemento
sobre o crime ~ sua natureza e causas ~ em diferentes perfodos hist6ricos. Remete-se ainda
1s alunos para as possiveis implicacées politico-criminais subjacentes a uma postura de
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Saciogénese da Sociologia do Crime
acentuacio das responsabilidades da sociedade perante o criminoso, por um lado, contra-
posta a uma posigio de defesa face ao crime, sentido como ameaca.
9. TESTE FORMATIVO
Destina-se 3 auto-avaliacZo do aluno, tendo come objectivo proporcionar os elementos
necessdrios para que 0 aluno possa aferir 0 progresso dos seus conhecimentas em cada
uunidade de aprendizagem,
1. Explique como é que os pensadores da Antiguidade procuravam a fundamentagao
empirica da ideia de que 0 criminaso tem: caracteristicas diferentes dos outros indi-
viduos.
2, Bm que medida Platio e Aristoteles apresentam uma concepgao pedagégica da pena?
3. Explique os princfpios biologizantes da ocorréncia do crime que se pode encontrar
‘em Giovan Battista Della Porta.
4, Aponte os autores precursores da abordagem sociolégica do crime que consideram
que a pobreza e as desigualdades sociais potenciam a ocorréncia do crime.
5, Sintetize os principios humanistas do Iluminismo na abordagem do fendmeno cri-
inal e do criminoso.
6. Exponha os pressupostos que conduzem o positivismo criminolégico a focalizar as