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Avaliações em larga escala: uma sistematização do debate

Adriana BauerI
Ocimar Munhoz AlavarseI
Romualdo Portela de OliveiraI

Resumo

As reformas educativas implantadas nas últimas décadas


caracterizam-se, entre outros traços, pela utilização de avaliações
em larga escala como instrumento de gestão de redes de ensino
e de responsabilização de profissionais da educação. Isso tem
ocorrido de modo peculiar em cada país e, no Brasil, observa-se a
difusão dessas avaliações, por meio de provas padronizadas. Tais
avaliações geram na comunidade acadêmica e educacional um
debate no qual há posições que vão da contraposição extremada
ao reconhecimento da contribuição das avaliações em larga escala
e das medidas educacionais como norteadoras de políticas e
programas educacionais, incluindo as restrições ao uso que vem
sendo feito de seus resultados. Diante dos argumentos favoráveis
e contrários, incluindo as dimensões técnicas e políticas, neste
trabalho, apresenta-se uma reflexão que reconhece a utilidade
dessas avaliações, ainda que questionando alguns de seus usos para
a gestão como critério, por exemplo, para a alocação de recursos
nas escolas com melhores resultados, a definição de bônus para
professores, o estabelecimento de rankings estimulando a competição
entre escolas e redes de ensino, e seu entendimento como indicador
único e principal de qualidade de ensino. Assim, o objetivo deste
artigo é discutir as principais críticas e ponderações às avaliações
em larga escala presentes na literatura nacional e internacional e
sistematizar o debate em torno de suas potencialidades. Para tanto,
dois aspectos recorrentes na literatura foram destacados, o papel e a
validade das avaliações em larga escala nas reformas educacionais
e o uso de seus resultados para a gestão de sistemas e escolas.

Palavras-chave

Avaliação em larga escala — Avaliação externa — Política educacional.

I- Universidade de São Paulo, São Paulo,


SP, Brasil.
Contatos: dri.bauer@usp.br, ocimar@usp.br
e romualdo@usp.br.

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1367-1382, dez., 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201508144607 1367
Large-scale assessment: debate systematization

Adriana BauerI
Ocimar Munhoz AlavarseI
Romualdo Portela de OliveiraI

Abstract

Educational reforms in recent decades have been characterized,


among other features, by the use of large-scale assessments as a
management tool of school systems and of educator accountability.
This phenomenum has occurred differently in each country. In Brazil
there has been widespread use such assessments with standardized
tests, which generates in the academic and educational community
not consensus but a debate in which there are different positions,
ranging from the extreme opposition to the recognition of the
contribution of large-scale assessments and educational measures
to guide educational policies and programs, including restrictions
on the use made of their results. Considering positive and negative
arguments, including technical and political dimensions, this
article, on the one hand, presents a reflection that recognizes the
usefulness of these evaluations, and, on the other, questions some
of its uses for educational management, for example, allocating
resources in schools with best results, setting bonuses for teachers,
establishing rankings which stimulate competition between schools
and school systems, and understanding test results as a unique and
primary indicator of education quality. The objective of this article
is to discuss the main pros and cons to large-scale assessments in
the national and international literature and systematize the debate
on their potential. For this, it focuses on two recurrent themes in
literature: the role and validity of large-scale assessments in the
education reforms and the use of their results for the management
of educational systems and schools.

Keywords

Large-scale assessment — External evaluation — Educational policy

I- Universidade de São Paulo, São Paulo,


SP, Brasil.
Contact: dri.bauer@usp.br, ocimar@usp.br e
romualdo@usp.br.

1368 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201508144607 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1367-1382, dez., 2015.
Introdução Com algumas exceções que tiveram maior
repercussão, como os livros de Diane Ravitch
As reformas educativas implantadas nas (2010) e o de Almerindo Afonso (2000), a
últimas décadas caracterizam-se por um conjunto contribuição internacional ao debate a respeito
de medidas que articulam os seguintes aspectos: de avaliações em larga escala é praticamente
a) centralização dos sistemas de avaliação, ausente no debate brasileiro acerca do tema,
que passam a ser utilizados como instrumentos de com predominância da difusão de posições
gestão e alimentam políticas de responsabilização críticas a estas.
aliadas a desenhos censitários de avaliação externa; Por outro lado, há trabalhos de autores
b) descentralização dos processos de gestão que não negam a contribuição das avaliações
e financiamento, que fortalecem o discurso da em larga escala e das medidas educacionais
autonomia e da gestão democrática da escola, como norteadoras de políticas e programas
numa perspectiva de melhoria dos resultados, o que educacionais, mas que se contrapõem ao modo
inclui a autonomia financeira para buscar novas como estas têm se difundido no território
fontes de recursos, que não as fontes públicas nacional, bem como ao uso que vem sendo
tradicionais, e novas formas de gerenciamento feito de seus resultados, como encontramos,
da educação pública, o que inclui autonomia de entre outros autores, em Freitas (2013); Sousa,
gestão financeira e autonomia de gestão (school Oliveira (2010).
based management); Os autores deste trabalho reconhecem
c) ampliação das possibilidades de escolha a utilidade dessas avaliações, ainda que
(choice), estimulando mecanismos de competição questionem alguns de seus usos para a gestão,
entre as escolas, o que induziria à melhoria de por exemplo, como critério para alocação de
sua qualidade; e recursos nas escolas com melhores resultados,
d) valorização dos resultados e busca de a definição de bônus para professores, o
maior efetividade do serviço ofertado (school estabelecimento de rankings estimulando a
effectiveness) (Cf. BONAMINO, 2013; LEVIN, 2001; competição entre escolas e redes de ensino entre
OLIVEIRA, 1999, 2000). outros, e seu entendimento como indicador
Ainda que estas características tenham único e principal de qualidade de ensino (Cf.
se difundido de modo peculiar em cada país, OLIVEIRA, 2013; BAUER, 2010; 2012; 2013;
e que nem sempre apareçam ao mesmo tempo MACHADO; ALAVARSE, 2014).
em todas as reformas implantadas, no caso Assim sendo, o objetivo deste artigo é
brasileiro é bastante evidente a difusão e discutir as principais críticas às avaliações em
ampliação de avaliações que têm como traço larga escala presentes na literatura nacional
comum a utilização de provas padronizadas, e internacional e sistematizar o debate em
aplicadas em larga escala, configurando torno dos possíveis usos de seus resultados.
nitidamente um processo de avaliações Para tanto, organizamos o texto a partir de
externas, com crescente importância no dois aspectos recorrentes na literatura: 1. O
desenho das políticas educacionais de todos papel e a validade das avaliações em larga
os entes federados. escala nas reformas educacionais, em que
A aceitação de tais avaliações, entre discutiremos, também, a fundamentação e
nós, longe está de ser consensual. Ao contrário, conceituação dos testes em larga escala; e 2.
ainda encontramos parcelas significativas O uso dos resultados das avaliações em larga
da comunidade acadêmica e educacional escala, para a gestão do sistema escolar e das
que, de maneira geral, desconsideram as escolas em particular, abrangendo o que os
eventuais contribuições que podem se originar sistemas de ensino e as escolas realizam com
das medidas educacionais em larga escala. os resultados de suas avaliações.

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O papel das avaliações em dos níveis de aprendizagem dos alunos (Cf.
larga escala nas reformas CASASSUS, 2013; CASTRO, 2009; FERRER;
educacionais ARREGUI, 2003; MONS, 2009). Tal controle tem
sido exercido por meio dos resultados obtidos
O papel de destaque da avaliação pelos estudantes em provas padronizadas e
padronizada nas políticas públicas educacionais, comparáveis ao longo do tempo, considerados
geralmente, aparece justificado pela necessidade evidência empírica dessa qualidade (Cf.
de mudança nas concepções de gestão na CASASSUS, 2013). Dessa forma, as avaliações
educação pari passu à mudança nas organizações propiciariam informação, diagnóstico,
em geral. Ao se passar do controle burocrático regulação, monitoramento e controle (tanto
e hierárquico do modo de execução para o do indivíduo quanto do sistema educacional)
controle do produto, as testagens revelaram-se e legitimação das políticas (Cf. AFONSO,
instrumentos bastante adequados na educação. 2000; BONAMINO, 2001; BROADFOOT, 1996;
Além de possibilitar uma redução do pessoal CASTRO, 2009a; HOUSE, 1998; KELLAGHAN;
total envolvido com o controle dos processos GREANEY, 1992).
educativos, essa mudança permitiu o que Lícinio Outros argumentos favoráveis à adoção
Lima (2011) chamou de “administração por de avaliações padronizadas em larga escala
controlo remoto” dos sistemas de ensino. De nas políticas educacionais realçam, ainda que
fato, quem controla a avaliação, à medida que potencialmente, que essas avaliações:
essa ganha importância na definição da alocação 1. Responsabilizam professores e
de recursos, dos salários etc., torna-se mais escolas pelos resultados obtidos, sendo
poderoso. Assim sendo, por meio das avaliações, essa responsabilização considerada um dos
busca-se o poder de induzir o(s) outro(s) a fazer maiores benefícios das políticas avaliativas. A
o que se deseja. Ademais, possibilita um discurso prestação de contas do trabalho realizado nas
progressista, agora reconceituado, de possibilitar unidades escolares e a responsabilização de
a autonomia da escola, a descentralização da gestores e professores pelos resultados, fariam
gestão, a participação etc. Não é coincidência que com que esses ficassem mais comprometidos
algumas reformas ancoradas no fortalecimento em melhorar sua prática e garantir o
dos mecanismos de testagens em larga escala aprendizado dos alunos, de acordo com os
defendam medidas democratizadoras da gestão, padrões estabelecidos, ao mesmo tempo em
como a eleição de diretores etc. que poderiam relativizar a responsabilidade
Configura-se assim um novo discurso dos governantes (Cf. EVERS; WALBERG,
acerca da gestão da escola pública, posto que as 2002; MADAUS; RUSSELL; HIGGINS, 2009;
testagens propiciam melhor gerenciamento dos MONS, 2009);
recursos disponíveis (a partir da possibilidade de 2. Instauram uma cultura de avaliação
auxiliar no direcionamento dos investimentos dos serviços públicos e de transparência sobre
na escola pública), bem como pela demanda por seus processos e resultados;
dados educacionais e sobre as aprendizagens 3. Com a publicização dos resultados
a serem utilizados para a melhoria do ensino obtidos pelos estudantes nessas avaliações,
público (Cf. AFONSO, 1998; BARRERA, 2000; permite-se que os pais acompanhem como
CASTRO, 2009a; KLEIN; FONTANIVE, 1995; os alunos de uma determinada escola estão
VIANNA, 2003). se desenvolvendo, possibilitando que façam
Assim, após a virtual universalização escolhas sobre os estabelecimentos de ensino de
do acesso ao ensino fundamental, as testagens preferência para que os filhos estudem, ao mesmo
seriam a chave para se verificar a qualidade tempo em que este processo pressionaria as
do ensino, entendida apenas como elevação escolas a melhorar;

1370 Adriana BAUER; Ocimar Munhoz ALAVARSE; Romualdo Portela de OLIVEIRA. Avaliações em larga escala: uma...
4. Produzem diversas comparações entre 7. Podem responsabilizar os próprios
alunos de uma mesma escola e entre alunos estudantes por sua aprendizagem, desafiando-
de diferentes escolas da região ou, até mesmo, os constantemente a melhorar seus resultados
do país, que não seriam possíveis se elas não e possibilitando que se criem incentivos
existissem. Da mesma forma, em nível de rede de para melhorar as aprendizagens (Cf. EVERS;
ensino, um determinado gestor poderá comparar WALBERG, 2002);
o desempenho das escolas de sua rede com as 8. Impulsionam mudanças em currículos
de outros municípios, estados e com as médias inadequados (Cf. MADAUS; RUSSELL; HIGGINS,
nacionais. Tais comparações são importantes em 2009); e
contextos em que há uma matriz de referência 9. Subsidiam programas de melhoria
ou um currículo básico comum; referentes à idade de ingresso no ensino
5. São, por natureza, mais neutras e superior, com vistas a obter-se maior equidade
objetivas e, normalmente, corrigidas com nos resultados (Cf. EVERS; WALBERG, 2002).
a utilização de programas computacionais, Entretanto, há os que se posicionam
possibilitando manter o anonimato dos estudantes criticamente a respeito do papel político das
e minimizando a subjetividade inerente às avaliações externas. Para alguns, como Arelaro
correções realizadas pelos professores em sala (2003) e Esteban (2012), tais avaliações vêm
de aula. Além disso, o processo de elaboração responder a pressões para mudanças nos
de itens e instrumentos, usualmente, envolve modos de administração e controle das redes de
especialistas para a eliminação de imperfeições ensino, estando aliadas a um novo modelo de
e vieses de resposta e para garantir sua validade gestão educacional (nova gestão pública). Tais
– medir o que se deseja medir. Nesse sentido, a pressões, oriundas de organismos multilaterais,
busca pelo aprimoramento da dimensão técnica seriam no sentido de impor uma agenda
das avaliações, principalmente da validade dos educacional transnacional.
testes e das técnicas de análise dos resultados, Há também os que criticam as avaliações
conferir-lhes-ia, segundo alguns autores, como, estandardizadas devido ao papel que têm
por exemplo, Fernandes; Gremaud (2008), assumido no direcionamento de políticas
maior precisão e credibilidade dos resultados. de responsabilização e prestação de contas
Essa discussão técnica foi bastante enfatizada (accountability), principalmente quando passam
na literatura dedicada ao tema no início da a compor políticas de alto impacto (high stakes
expansão e consolidação de diversas avaliações; tests), como, por exemplo, a atribuição de
6. Garantem a constituição de bases de bônus e/ou premiação a professores e escolas1
dados objetivos e de um sistema de informações (Cf. FERRER, 1996; FREITAS, 2013).
que possibilitam acompanhar a evolução da Assim, como as avaliações padronizadas
educação e favorecem a tomada de decisões em larga escala possuem um papel político
no âmbito educacional das políticas públicas que não pode ser desconsiderado, ganha
com maior consistência. Além disso, o posterior importância a análise tanto de suas finalidades
estudo e análise desses dados, em relação a e propósitos quanto dos efeitos que essas
fatores diversos, tanto referentes a características podem ter nos sistemas educativos em que
dos sujeitos (etnia, nível socioeconômico, sexo, são aplicadas (Cf. BROADFOOT, 1996; COSTA,
background cultural etc.), quanto com relação 1998; OZGA, 2000). Como ilustra Patrícia
às características das escolas, do professorado, Broadfoot (1996, p. 12-13):
das redes de ensino, podem subsidiar o 1- Popham (1987) utilizou o termo high stakes para referir-se a testes
desenvolvimento de programas educacionais cujos resultados tinham consequências severas sobre os alunos.
Complementarmente, o termo low stakes é utilizado para caracterizar testes
específicos, com vistas à melhoria dos resultados padronizados que não têm consequências sobre a população avaliada,
obtidos (Cf. CASTRO, 2009b); direta (alunos) ou indiretamente (professores, gestores etc.).

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1367-1382, dez., 2015. 1371
A maior parte da literatura sobre avaliação que aplicam os testes, associadas, aliás, à venda
de desempenho se preocupa com as técnicas de materiais didáticos.
de avaliação. Enquanto muitos estudos Hagopian (2014) salienta que, acopladas
se preocupam com o desenvolvimento aos programas No child left behind, da
e refinamento de diferentes abordagens administração Bush, e Race to the top, no
de medida educacional, muitos outros governo Obama, as avaliações em larga escala
oferecem poderosas críticas às técnicas constituíram-se em um instrumento para impor
de avaliação de desempenho e falhas um modelo de reforma educacional que, em
dessas mesmas técnicas quando aplicadas. seus resultados, aprofundam as desigualdades
[...] Então, poderosos e intensos debates educacionais entre os alunos com desvantagens
sobre técnicas concorrentes, os quais têm e entre aqueles provenientes de comunidades
tradicionalmente caracterizado a pesquisa pauperizadas, como é o caso de alunos negros.
sobre avaliação educacional auxiliaram Para o autor, não bastando essas consequências,
a excluir da discussão à questão mais que desmascaram as propaladas intenções dos
fundamental relacionada aos propósitos e reformadores de aumentar a equidade, os testes
efeitos dessa atividade. trouxeram pressões sobre professores e gestores
de escolas, atualizando o que se convencionou
A preocupação com os propósitos e efeitos denominar de accountability.
das avaliações, ou com o debate educacional Hagopian (2014), ao recuperar o fio
mais amplo, tem sido alvo de diversos estudos condutor da obra, sublinha a resistência aos testes
e reflexões, mesmo porque os propósitos de alto impacto que começa a ganhar corpo não só
condicionam as opções de técnica a ser utilizada e, entre professores, mas, especialmente, envolvendo
consequentemente, condicionam a interpretação alunos, pais e gestores de escolas e de redes. Esse
e o uso que será feito de seus resultados. movimento, sem negar a importância da avaliação
Para avançarmos nessas análises e dado para o trabalho pedagógico, tem, entre outros
o lugar privilegiado que as avaliações em larga aspectos, procurado evidenciar as limitações que
escala têm nos Estados Unidos da América tais testes possuem intrinsecamente, pelo modo
(EUA), incluindo seu poder indutor em todo como são construídos e validados, e, sobretudo,
o mundo, pode-se destacar o livro More than pelo tipo de orientação e legitimação de política
a score: the new uprising against high-stakes educacional que ignora as principais variáveis do
testing, editado por Jesse Hagopian (2014), processo educacional e que se voltam contra os
sintomaticamente, apresentado por Diane professores, considerados nessas políticas como
Ravitch, introduzido por Alfie Kohn e posfaciado os únicos responsáveis pelos resultados escolares.
por Wayne Au, autores estadunidenses que têm Embora produzindo mais de uma década
se notabilizado por apresentarem um conjunto antes, ainda que sem um posicionamento
de objeções aos testes de alto impacto, quadro cabalmente contrário aos testes de alto impacto,
que seria agravado pelo alcance dos mesmos Stecher (2002), ao estudar a experiência dos EUA
pelo fato de serem avaliações externas. No livro, e estabelecer um tipo de estado da arte dos efeitos
que reúne um conjunto de aportes que retratam dos testes, considera que os mesmos podem ter
o movimento de resistência aos testes de alto efeitos positivos, negativos e até mesmo nulos
impacto nos EUA, Hagopian (2014, p. 7-27), em ou ambíguos. O autor diferencia os impactos em
seu prefácio, destaca que a disseminação dos quatro níveis – alunos, professores, gestores de
testes se fez em nome de reformas da educação escolas e gestores de redes –, demarcando que
pública, tendo à sua frente grandes interesses esses últimos são os que, em última instância,
econômicos, quer do ponto de vista da direção têm a possibilidade de adotar – ou não – os testes
da nação, quer do ponto de vista das empresas como um elemento de suas políticas educacionais.

1372 Adriana BAUER; Ocimar Munhoz ALAVARSE; Romualdo Portela de OLIVEIRA. Avaliações em larga escala: uma...
Stecher (2002, p. 99-100), contudo, indica seja a avaliação mais importante da escola
a necessidade de aprofundamentos investigativos para o autor.
a respeito da disseminação desses testes, pois: Para Nevo (1995), no entanto, as políticas
educacionais precisariam favorecer e criar
O efeito líquido de testes de alto impacto condições para esse diálogo. Deveriam começar
sobre a política e a prática é incerto. Os pelo reconhecimento de que se as avaliações
pesquisadores não têm documentado externas podem contar com pessoal mais
as consequências desejáveis – de mais especializado tecnicamente e trazer resultados
instrução, trabalho com mais afinco e decorrentes de um olhar menos condicionado
trabalho mais eficaz –, tão claramente pelas rotinas da escola e, portanto, de maior
como as indesejáveis – alinhamento amplitude, podendo envolver comparações
curricular negativo, alocação negativa com um conjunto de escolas, essas avaliações
do tempo de aula para enfatizar tópicos não gozam, via de regra, de reconhecimento
abordados por um teste, treinamento acentuado no processo de trabalho de cada
excessivo, e “trapaça”. Mais importante, os uma das escolas, algo que só uma avaliação
pesquisadores não têm, em geral, medido interna dispõe, ainda que à custa de menor
a extensão ou magnitude das mudanças precisão sobre alguns objetos de avaliação.
na prática que eles identificam como um Nesses termos, até mesmo para que a ideia de
resultado de testes de alto impacto. avaliação formativa possa ser posta em prática,
No geral, as evidências sugerem que os o autor defende que ambas as avaliações se
testes em larga escala de alto impacto têm complementam, superando suas limitações e
sido uma política relativamente potente adicionando suas potencialidades.
em termos de trazer mudanças dentro das Deve-se considerar, ainda, que no debate
escolas e salas de aula. [...] Vai demorar e na literatura há questionamentos em torno
mais tempo e mais pesquisa para determinar da validade, da adequação dos instrumentos
que os impactos positivos no ensino e no utilizados e da confiabilidade dos resultados
aprendizado do aluno superam os negativos. relativos às avaliações padronizadas. Tais
questionamentos colocam em dúvida o que
David Nevo (1995), mesmo são capazes de medir e da própria medição, em
reconhecendo que muitas das avaliações termos de aprendizagem dos alunos, o cerne
externas estão inseridas em políticas daquilo para o que foram projetadas e com
educacionais que ignoram em suas formulações a precisão anunciada de seus resultados (Cf.
as necessidades das escolas, trabalha com a BROADFOOT, 1996; CASASSUS, 2013).
necessidade e a possibilidade de diálogo entre Se tais dúvidas apontam para a
as avaliações externas e as avaliações internas necessidade de discussão de aspectos técnicos,
– estas conduzidas pelos professores ou consideramos que esta deveria ser realizada em
pelos profissionais da educação –, pois cada conjunto com a discussão sobre os objetivos
uma das avaliações possuem potencialidades das avaliações, sua disseminação e usos dos
e limitações, ressaltando, entretanto, que resultados. O debate técnico, inclusive para que
esse diálogo deve ser baseado na escola. As se garanta a meta-avaliação dessas avaliações,
avaliações internas poderiam ser identificadas exigência decorrente da necessidade de
como avaliações institucionais, conduzidas controle social sobre as mesmas, como destacou
com vistas ao conjunto de elementos que Alavarse (2013, p. 148), forçosamente deve ser
caracterizam o trabalho escolar, não se aliado ao debate pedagógico, a fim de que
restringindo, necessariamente, à avaliação da ajustes pudessem ser realizados em prol da
aprendizagem de seus alunos, ainda que essa consolidação de avaliações mais significativas,

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1367-1382, dez., 2015. 1373
ou seja, cujos resultados pudessem alimentar Tentando entender essa aparente
debates e impulsionar o desenvolvimento do contradição, alguns autores têm alertado para o
sistema educacional. fato de que urge recuperar o sentido de avaliar
Outra questão que tem sido discutida os sistemas educacionais e analisar os modelos
é a da seleção dos conteúdos e habilidades que têm sido utilizados para essas avaliações.
que embasam essas avaliações, bem como a Há quem argumente que os resultados das
definição de níveis ou padrões de rendimento, provas não têm tido o impacto esperado na
tanto em seu caráter técnico – o que medir, como melhoria da qualidade do sistema educacional,
medir e como avaliar os resultados –, quanto porque as avaliações configuram-se em
pedagógico – as interpretações em relação ao modelos cuja prioridade é medir o rendimento
conteúdo de ensino e suas condições. Nesse dos alunos e não avaliar2 o sistema como um
sentido, tem-se questionado as orientações todo. A inexistência de clareza a respeito dos
na elaboração das matrizes e na definição de objetivos da avaliação e a dificuldade de definir
parâmetros de avaliação, como são os pontos de e produzir consenso em torno de padrões de
corte em relação às escalas de medida, elementos qualidade claros, que permitam comparar
que não, necessariamente, seriam condizentes longitudinalmente os resultados obtidos e que
com as necessidades sociais e possibilidades de possam ser utilizados para analisar as possíveis
desenvolvimento dos alunos (Cf. BROADFOOT, mudanças que se operam a partir das políticas
1996; CASASSUS, 2013; IAIES, 2003). e programas implementados, faz com que
Ademais, tem se alertado para o fato a preocupação recaia sobre os resultados
de que a definição de padrões (standards) de das provas e sua dimensão técnica, não se
proficiência gera um empobrecimento curricular, enfatizando as análises contextuais que
impulsionando redes de ensino a direcionarem permitiriam um melhor entendimento da
esforços para garantir o ensino do que é situação educacional e uma intervenção mais
cobrado nas avaliações, deixando de lado outros efetiva, como destacou Iaies (2003, p. 18),
conteúdos fundamentais para a educação básica para quem
das crianças e adolescentes em idade escolar (Cf.
HYPÓLITO, 2013; SANTOS, 2013). Os sistemas educativos deixaram de
É possível encontrar, também, na trabalhar para melhorar a qualidade e a
literatura de referência, questionamentos acerca equidade educativa e passaram a trabalhar
do potencial de as avaliações em larga escala para o melhoramento dos resultados
melhorarem a qualidade do ensino, visto que, das avaliações. [...] Os dispositivos e
apesar dos esforços realizados, especialmente seus produtos têm tido maior impacto
pelos países latino-americanos, os dados obtidos na construção do imaginário educativo
por meio dessas avaliações mostram que pouco da sociedade, que na transformação das
tem se alterado no quadro educacional da estratégias educativas.
maioria dos países que as empregam enquanto
instrumento de gestão (Cf. TEDESCO, 2003). A Nesse sentido, há críticas que apontam
isso se soma a própria definição do que seria que as decisões tomadas a partir dos resultados
a qualidade da educação e as possibilidades obtidos, muito relacionadas à redefinição
e termos de sua mensurabilidade, produzindo de conteúdos curriculares, na formulação
polêmicas adicionais que, no caso brasileiro, de indicadores de uma boa educação, da
envolvem o Índice de Desenvolvimento da 2- A diferenciação entre avaliação e medida tem sido alvo de atenção de
Educação Básica (IDEB), como se encontra, inúmeros pesquisadores da área e pode ser encontrada em Vianna (2000).
A avaliação consiste em um processo mais amplo que pode tomar a medida
entre outras fontes, em Machado; Alavarse como uma de suas dimensões, mas se associa à elaboração de juízos de
(2014) e Oliveira (2011, 2013). valor sobre a medida e a proposição de ações a partir dela.

1374 Adriana BAUER; Ocimar Munhoz ALAVARSE; Romualdo Portela de OLIVEIRA. Avaliações em larga escala: uma...
definição de competências e habilidades a serem e professores ou, até mesmo, o fechamento de
desenvolvidas nos alunos, parecem não ecoar na escolas ou sua maior supervisão pelo Estado,
escola, não tendo sentido para aqueles que, em entendida como perda de autonomia;
última instância, fazem as reformas acontecerem, 2. As avaliações em larga escala
ou seja, os professores e técnicos escolares. Essas interferem na autonomia dos docentes,
avaliações, em geral, não atentam para outras influenciando até mesmo a forma como os
demandas que as escolas enfrentam, como as conteúdos são ensinados;
necessidades sociais do público que tem acessado 3. Provas padronizadas e rankings
a escolarização formal e que, anteriormente, incentivam a competição entre escolas e alunos,
estava excluído dela (Cf. OLIVEIRA, 2007, 2011), substituindo o aprendizado pela melhoria nos
as características de formação dos profissionais resultados em provas, gerando processos de
que se dedicam à educação, a garantia de ensinar para os testes, o que, no limite, substitui
condições de educabilidade mínimas, para que os o aprendizado pela difusão de macetes que
estudantes possam produzir suas aprendizagens potencializam os resultados (SANTOS, 2013);
(Cf. IAIES, 2003). 4. As avaliações externas padronizadas,
Dessa forma, haveria uma distância usualmente realizadas em um ou dois dias, não
entre as considerações técnicas que embasam consideram fatores externos que podem afetar
a avaliação e o debate político-educacional que o desempenho dos alunos. Há estudos que
precisa ser enfrentado tanto na escola como nos mostram que muitos alunos não apresentam
níveis centrais, pelos gestores do sistema. Como bom desempenho em testes com itens de
provoca Iaies (2003, p. 20-21), múltipla escolha, bem como que os resultados
dos alunos são influenciados por fatores como
Construíram-se indicadores que se definiram ansiedade, por exemplo;
tecnicamente, e que consideram quase com 5. As avaliações podem gerar o
exclusividade as habilidades acadêmicas. fenômeno do afunilamento curricular, levando
Nossos índices não consideram o aumento os professores a ensinar somente os conteúdos
das taxas de escolarização, a capacidade cobrados nas provas, sem se preocupar em
do sistema para homogeneizar atores de desenvolver outros conteúdos e habilidades
uma sociedade cada dia mais segmentada, importantes à formação dos alunos (Cf.
dar conta dos novos públicos que a escola MADAUS; RUSSEL; HIGGINS, 2009);
tem sido capaz de abrigar, da capacidade 6. As avaliações são parciais,
de conter outras realidades sociais, etc. E normalmente realizadas para poucas disciplinas
essas definições implicam uma tomada de curriculares, e não conseguem captar o
postura ideológica, utilizar umas variáveis crescimento geral no decorrer do ano letivo,
e abandonar outras; o certo é que a induzindo, se muitos valorizados os resultados,
experiência dos '90 faz pensar mais em uma ao afunilamento curricular (Cf. BAUER, 2013;
“não tomada” de posição política, no sentido MADAUS; RUSSELL; HIGGINS, 2009);
de que os tomadores de decisões não se 7. Produzem injustiças relativas à
posicionaram nesse ponto. bonificação de professores e premiação das
melhores escolas (Cf. BAUER, 2012; BROOKE,
Outros argumentos contrários às 2013; FREITAS, 2013; SOUSA, 2008);
avaliações padronizadas que aparecem na 8. A pressão para melhoria de resultados
literatura, consideram que: pode levar os dirigentes escolares a tomar
1. A responsabilização de professores decisões sobre o gerenciamento dos tempos e
e escolas pode levar a medidas punitivas conteúdos a serem ensinados que podem ter
injustas, como a perda do emprego de gestores influência negativa sobre professores e alunos

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1367-1382, dez., 2015. 1375
(Cf. MADAUS; RUSSELL; HIGGINS, 2009). política e ideológica em torno do assunto,
Dentre as ações que as escolas podem realizar o que sublinha o caráter político dessas
para melhorar os resultados estão a recusa de avaliações. Considere-se, assim, primeiramente,
matrícula a alunos de baixo rendimento ou a dimensão que relaciona os usos dos resultados
que necessitem de atendimento educacional à sua divulgação e disseminação, consideradas
especializado ou utilização de mecanismos de bastante marcadas política e ideologicamente.
transferência de alunos de baixo rendimento Ainda que divulgar e disseminar
(Cf. BROADFOOT, 1996; OLIVEIRA et al., 2013); os resultados obtidos seja de fundamental
9. Os estudantes e professores, ao importância para fomentar a discussão a
se sentirem pressionados pela situação de respeito de uma dimensão da qualidade da
avaliação, podem sofrer problemas de saúde educação e, até mesmo, propiciar que escolas
(aumento dos níveis de stress) e, ainda, sentirem- e gestores obtenham dados e informações
se desmotivados ou criar um sentimento para subsidiar a tomada de decisões, ao nível
negativo em relação à escola (Cf. FARBER, local ou regional, observa-se que as práticas
2010; MADAUS; RUSSELL; HIGGINS, 2009); e de publicização e disseminação das avaliações
10. Na busca por melhores resultados, padronizadas são amplamente discutidas.
podem induzir o aumento na desigualdade, Por um lado, encontram-se os defensores
posto que investir mais nos melhores alunos da publicização dos resultados e, até mesmo,
parece mais promissor do que enfrentar as dos ranqueamentos, que consideram que tais
dificuldades de aprendizado dos alunos com práticas dão transparência para o público,
piores resultados (Cf. OLIVEIRA et al., 2013). evidenciando a forma como as instituições
Estes argumentos indicam que se os atuam e utilizam os recursos públicos, como em
resultados das avaliações em larga escala Castro (2007).
forem sobrevalorizados, suas eventuais Cabe destacar que, considerando
contribuições podem ser sobrepujadas por os aspectos técnicos das avaliações, as
indução de resultados indesejáveis ou mesmo generalizações são muitas vezes indevidas
deletérios para escolas, redes de ensino, alunos e a divulgação dos resultados brutos, sem os
e profissionais da educação. necessários detalhamentos, não se sustentam,
Entretanto, o papel que essas avaliações pois impedem que auxiliem na gestão dos
efetivamente assumirão no conjunto da política sistemas educacionais como um todo (Cf.
educacional é determinado pelos usos dos seus BRITZ, 2003; KLEIN; FONTANIVE, 1995). Britz
resultados, algo que ou não é definido a priori (2003, p. 94) alerta para possíveis problemas na
de modo mais completo ou sequer é cogitado na divulgação dos resultados na forma como vem
adoção de avaliações em larga escala. Assim, sendo realizada e aponta, como consequência,
dada sua relevância, é pertinente a análise de a limitação do uso da informação, bem
como a literatura trata os usos dos resultados como a tendência de recuo na divulgação de
das avaliações em larga escala. informações para os meios de comunicação em
massa, dado que:
O caráter político das avaliações
em larga escala A massificação dos indicadores impedirá
de circunscrever seu uso ao âmbito para
Dentre as muitas dimensões deste debate, o qual foram desenhados: cada vez mais
encontra-se a influência da divulgação dos será usado como um ranking para tomar
resultados sobre os seus usos, a relação entre decisões imediatas pela família, cada vez
os objetivos das avaliações e as informações terá mais sentido transformá-lo em base de
por elas produzidas, bem como a discussão um debate político. Esta desnaturalização

1376 Adriana BAUER; Ocimar Munhoz ALAVARSE; Romualdo Portela de OLIVEIRA. Avaliações em larga escala: uma...
dos alcances dos indicadores finalmente escolas, podendo apoiar a tomada de decisões
pode levar ao imobilismo: estariam em seu interior (Cf. EVERS; WALBERG, 2002;
dispostas as autoridades a seguir dando MADAUS; RUSSELL; HIGGINS, 2009);
transparência a sua gestão sem que os 3. Produzem, para comunidades,
instrumentos se voltem contra si? Estariam informações sobre a qualidade do ensino
dispostos os instrumentos de comunicação nas escolas, em relação aos componentes
a não disporem destes dados? curriculares avaliados, auxiliando os pais a
tomar decisões bem fundamentadas sobre onde
Complementarmente, Brunner (2003, p. desejam que seus filhos estudem (Cf. EVERS;
81-82), ao analisar a divulgação dos resultados WALTBERG, 2002);
das avaliações, especialmente nos jornais e 4. Fariam com que professores e
periódicos, salienta que estes não atentam para alunos buscassem melhorar seu desempenho,
a complexidade dos resultados e o contexto vinculadas com políticas de premiação a elas
onde são produzidos. Para o autor, os periódicos associadas, como motivação extrínseca (Cf.
MADAUS; RUSSELL; HIGGINS, 2009); e
[…] se limitam a ressaltar unidimensional- 5. Teriam potencial para manter
mente os produtos finais destes processos – a professores e escolas responsáveis pelo
saber, os resultados enquanto pontuação – e aprendizado de todos os alunos, à medida que
a organizá-los em um esquemático ranking os informam acerca dos alunos que não estão
de países ou tipos de estabelecimento, aprendendo conforme o esperado (Cf. EVERS;
suprimindo toda referência ao contexto WALTBERG, 2002).
onde se obtêm estes resultados. Com isso,
se banaliza a informação que aportam Há ainda autores que discutem que algumas
os estudos nacionais e internacionais de implicações das avaliações sobre as redes e escolas
medida do rendimento escolar e, o que é não são, em essência, boas ou ruins, mas que podem
mais grave, se distorce a opinião pública e ter influências diferenciadas, a depender de cada
se limitam seus efeitos. contexto escolar. Segundo Madaus; Russell, Higgins
(2009, p. 3), por exemplo, nem sempre os testes têm
No que se referem às contribuições uma influência sobre escolas, professores e alunos,
dos resultados das avaliações em larga escala pois “alguns alunos e professores simplesmente
para as escolas e sistemas educativos, alguns ignoram os testes e continuam a fazer o que
aspectos positivos têm sido destacados na sempre fizeram”, corroborando apontamentos
literatura. Nessa perspectiva, as avaliações de Stecher (2002). Para Mons (2009), problemas
padronizadas: podem começar a surgir quando se utiliza o
1. Definem padrões e expectativas para resultado de avaliações locais (regionais, estaduais
o aprendizado dos alunos, podendo servir para ou municipais) para serem tanto ferramenta de
orientar o trabalho das escolas (Cf. BOMENY, gerenciamento quanto medida de efetividade dos
1997). Servem, assim, de guia ao planejamento resultados, visto que o uso gerencial pode gerar
dos professores, dando-lhes pistas sobre o consequências que deturpam o próprio dado obtido
que e quando ensinar aos alunos, apoiando nas avaliações locais.
o gerenciamento de sala de aula e evitando, No entanto, as críticas aos efeitos das
assim, perda de tempo didático (Cf. EVERS; avaliações externas nas escolas e nas redes de
WALBERG, 2002); ensino superam os argumentos favoráveis, pela
2. Mediante o emprego de testes e seus observação de que se concentram no uso dos
resultados, geram informações que ficam resultados associado a políticas de alto impacto.
disponibilizadas para os professores e as Diversos são os autores que se detêm na análise

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1367-1382, dez., 2015. 1377
de consequências negativas dos testes como, produzir informações que permitam superar
por exemplo, a tomada de decisões sobre a os usos políticos e ideológicos que vêm sendo
continuidade de estudos dos alunos, os recursos feitos dos resultados. Este debate contribuiria
financeiros a serem disponibilizados para as efetivamente para iluminar a problemática
escolas, a bonificação de professores, bem como educacional, possibilitando a realização de
outros usos relativos ao gerenciamento das redes ações que sejam direcionadas para a melhoria
escolares, contratação e demissão de gestores da educação, o que exige uma análise que
escolares, envio de recursos extras para escolas ultrapasse a comparação de resultados
de bom desempenho etc. (Cf. CASASSUS, 2013; quantitativos sobre níveis de aprendizagem, mas
MADAUS; RUSSELL; HIGGINS, 2009; MONS, que considere também aspectos curriculares, de
2009; RAVITCH, 2010). Ainda que se considere infraestrutura e de formação docente, dentre
que muitos desses resultados negativos não outros (Cf. ESQUINSANI, 2010; IAIES, 2003).
sejam intencionais, é importante salientar que É importante observar que apesar de
não se pode deixar de considerá-los no debate. muitos pesquisadores se dedicarem ao estudo
Além das críticas realizadas ao uso dos das avaliações de sistema e aos problemas delas
resultados das avaliações em políticas de alto decorrentes, estas reflexões parecem ter pouco
impacto, a leitura dos textos de referência impacto entre os gestores das políticas, visto que a
para este artigo permite afirmar que, em incorporação da crítica e uso dos conhecimentos
geral, as críticas referem-se a influências elaborados para a reorientação das avaliações
das avaliações sobre o currículo, o trabalho parece estar fora do rol de intenções dos
realizado pela escola e, inclusive, sobre as técnicos responsáveis pelo gerenciamento
abordagens metodológicas adotadas pelos das avaliações. Broadfoot (1996) ilumina essa
professores em sala de aula. Uma consequência questão identificando uma desarticulação, um
seria, por exemplo, que conteúdos e disciplinas distanciamento, entre os acadêmicos da área
não avaliados receberiam menor atenção de avaliação e os responsáveis pela definição
nas escolas, inclusive com a diminuição do das políticas, que se mantêm isolados em seus
tempo dedicado à sua aprendizagem, fenômeno respectivos campos de atuação.
conhecido como afunilamento curricular, em De fato, a maioria das avaliações
que há um direcionamento das práticas de sala externas em larga escala pretende medir o
de aula para preparar os alunos para obter bons nível de aprendizagem dos alunos brasileiros
resultados (Cf. BROOKE, 2013; CASASSUS, em determinadas disciplinas – normalmente,
2013; MADAUS; RUSSELL; HIGGINS, 2009). português e matemática – e correlacioná-
A valorização dos resultados educacionais, em lo a determinadas condições extra e
detrimento dos processos escolares pode, também, intraescolares que poderiam favorecer ou
incentivar professores e escolas a procurar não a aprendizagem nessas disciplinas. Mas,
estratégias para aumentar os resultados obtidos mensurar níveis de aprendizagem, a partir de
sem, necessariamente, melhorar o aprendizado determinados critérios, é o mesmo que medir
dos alunos (Cf. BROADFOOT, 1996). qualidade de ensino?
Apesar disso, é possível localizar
limites dos usos dos resultados das avaliações Conclusão: um convite à reflexão
relacionados às dimensões técnica, política e
ideológica, conforme apontado anteriormente. Apresentados os argumentos favoráveis
Fica claro que o debate a respeito das e contrários, é necessária uma breve reflexão
avaliações em larga escala deve ser encarado para julgar as avaliações em larga escala.
em sua complexidade, a fim de que os sistemas Certamente, as críticas não são desprezíveis.
já consolidados possam se desenvolver e Levantam problemas reais. Entretanto,

1378 Adriana BAUER; Ocimar Munhoz ALAVARSE; Romualdo Portela de OLIVEIRA. Avaliações em larga escala: uma...
majoritariamente, elas incidem sobre questões e professores a estímulos por melhoria a partir
relativas ao uso inadequado de seus resultados. de indicadores ancorados nessas avaliações pode
A preocupação com o conjunto do ter um sentido diverso do pretendido. Podem
sistema educacional coloca-nos questões estimular comportamentos perversos, dos quais
substantivas, certamente não respondidas pelo os mais conhecidos são a exclusão das populações
discurso da “autonomia da escola”. Se aceitarmos que se supõe terão os piores resultados, já
esse argumento estamos fazendo vistas grossas nos processos de matrícula, sua ocultação nos
às desigualdades já existentes. Ou seja, as dias de aplicação das provas, convidando-os
experiências escolares pregressas da população a não comparecerem, ou simplesmente uma
são diferenciadas, de modo que aquelas que amplificação das desigualdades no interior
tiveram menos ou nenhuma experiência anterior da escola, investindo-se mais nos alunos que
com a escola (em geral a parcela mais pobre e apresentem potencialmente perspectivas de
discriminada da sociedade) têm menos condições melhores resultados.
de formular uma crítica que induza a escola a Assim, diante do se poderia denominar de
melhorar. Ao contrário, as evidências indicam visão ingênua das virtudes das avaliações em larga
que essas populações tendem a ver a escola mais escala, inclusive porque constatamos características
positivamente, afinal, qualquer escola é melhor que deveriam ser suprimidas, consideramos que
que nenhuma. Assim sendo, cabe ao centro do essas avaliações têm potencialidades para produzir
sistema, seus administradores, se preocupar com avanços no conhecimento do universo educacional.
a redução da desigualdade e a garantia do direito Entendemos que podem, garantidas determinadas
ao aprendizado a todos. condições e adequada utilização, estabelecer
Da mesma forma, alimentar ilusões a pontos de apoio para políticas de melhoria dos
respeito do poder indutor das avaliações em larga sistemas educacionais no sentido da garantia do
escala é desconhecer que a resposta das escolas direito à educação a todos.

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Recebido em: 07.01.2015.

Aprovado em: 11.03.2015.

Adriana Bauer é pesquisadora do Núcleo de Estudos em Avaliação, do Departamento de Pesquisas Educacionais da


Fundação Carlos Chagas e professora do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo. É membro do Conselho Editorial da revista Estudos em Avaliação Educacional.

Ocimar Munhoz Alavarse é professor no Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação, da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo, onde coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave).

Romualdo Portela de Oliveira é professor Titular no Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação,
da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, pesquisador 1D do CNPq, membro da coordenação de Ciências
Humanas 3 (Educação e Psicologia) da FAPESP e Coordenador de Educação da Capes.

1382 Adriana BAUER; Ocimar Munhoz ALAVARSE; Romualdo Portela de OLIVEIRA. Avaliações em larga escala: uma...
Gênero, raça e avaliação escolar

GÊNERO, RAÇA E AVALIAÇÃO ESCOLAR:


UM ESTUDO COM ALFABETIZADORAS 1

MARÍLIA PINTO DE CARVALHO


Professora do Departamento de Administração Escolar da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo
mariliac@usp.br

RESUMO

Este estudo pretendeu avaliar se a definição de objetivos pedagógicos claros e a consequente


adoção de critérios de avaliação de aprendizagem bem delimitados poderiam minimizar os
desequilíbrios socioeconômicos, de sexo e de raça, evidenciados no interior do grupo de alunos
indicados para atividades de reforço por nove professoras alfabetizadoras de diferentes escolas
públicas na cidade de São Paulo. Foram realizadas observações em sala de aula, entrevistas
com as educadoras e formulados questionários de caracterização socioeconômica dos alunos.
Conclui-se que: a maior alteração relativa a alunos e alunas de baixa renda se refere ao papel
atribuído pela professora à recuperação, que passa a ser considerada não como punição, mas como
oportunidade de aprendizagem; a presença majoritária no reforço de crianças percebidas como
pretas, pardas e indígenas diminui ligeiramente pela melhor definição de critérios de avaliação
escolar; é nítido o equilíbrio na indicação de meninos e meninas ao reforço quando se avalia
com precisão a aprendizagem e não o comportamento. São feitas também indicações para a
formação inicial e continuada de educadores/as no que se refere a relações de gênero e de raça.
AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM – GÊNERO – RAÇA – ENSINO FUNDAMENTAL

ABSTRACT

GENDER, RACE AND SCHOOL EVALUATION: A STUDY WITH LITERACY TEACHERS. This
study aimed to verify if both the definition of plain educational goals and the adoption of clearly
defined evaluation criteria could minimize inequalities at school, especially those related to
socioeconomic, sex and race disparities noticed within a group of students referred to additional
support activities by nine literacy teachers at different public schools in the city of São Paulo. The
teachers were interviewed and the students answered a socioeconomic survey. Furthermore,
observations within the schools were taken. The study concludes that the disproportionate
number of children from low income families in that group is due to the particular role teachers
attribute to those activities, which are considered not as a punishment, but as an opportunity to
learn. Also, the incidence of black, mixed and native students is slightly reduced when evaluation

Pesquisa desenvolvida com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-


nológico – CNPq.

Cadernosde
Cadernos dePesquisa,
Pesquisa,v.v.39,
39, n.138,
n. 138,p.837-866, set./dez. 2009
set./dez. 2009 837
Marília Pinto de Carvalho

criteria are precise. Finally, it is easily noticed that girls and boys are equally referred when only
the learning process is evaluated, and not behavior problems. Some indications to initial and
continuing education of teachers are also made.
LEARNING EVALUATION – GENDER – RACE – PRIMARY EDUCATION

Nos últimos anos, tenho frequentado escolas, assistido aulas e entre-


vistado professoras do primeiro ciclo do ensino fundamental, em busca de
explicações para a presença insistente, entre crianças de sexo masculino, de
trajetória escolares mais truncadas, interrompidas por abandonos e repetências
(Carvalho 2001, 2004, 2004a , 2005). Nessa busca, concentrei-me em tentar
compreender os critérios de avaliação utilizados pelas professoras, pois percebo
sua importância na determinação dos destinos escolares das crianças e pude
constatar a grande dificuldade das equipes escolares para definir com clareza
objetivos de aprendizagem e critérios de avaliação, uma dificuldade em verdade
partilhada pelo conjunto do sistema escolar brasileiro e até mesmo no plano
internacional. As professoras afirmavam avaliar os alunos com base em uma
multiplicidade de instrumentos e diziam levar em conta tanto o desempenho
propriamente dito, quanto o que denominavam “compromisso do aluno”.
Avaliar esse “compromisso”, porém, era uma tarefa extremamente subjetiva,
mesmo em escolas razoavelmente estruturadas e com espaços coletivos de
discussão. Para fazê-lo, utilizavam repertórios e referenciais pessoais, apenas
relativamente conscientes, sem perceber integralmente seu caráter arbitrário, e
dessa forma reproduziam valores, ideias e símbolos decorrentes da hierarquia
socioeconômica e das relações de gênero e etnorraciais. Assim, uma pergunta
me acompanhava desde as primeiras fases da pesquisa: a definição de objetivos
pedagógicos e critérios de avaliação de aprendizagem bem delimitados poderia
minimizar os desequilíbrios socioeconômicos, de sexo e de raça evidenciados
no interior do grupo de alunos indicados pelas professoras como portadores
de dificuldades de aprendizagem?
Não se trata de reduzir problemas sociais e políticos a definições téc-
nicas, supondo que um método pedagógico possa reverter as relações de
poder na sociedade e na escola, mas apenas de indagar se e como o domínio
teórico e prático de metas e de uma proposta pedagógica pode atuar no sen-
tido inverso das desigualdades sociais de classe, gênero e raça, minimizando
ou não seus efeitos sobre o desempenho escolar. Não há como negar que

838 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

mesmo uma avaliação ancorada em objetivos curriculares resulta de escolhas


culturais referidas à ideia de excelência escolar em vigor. Como nos aponta
Phillipe Perrenoud (2003) “voltar ao currículo não resolve todos os dilemas
quanto à definição do sucesso escolar, na medida em que ele próprio é objeto
de controvérsias e interpretações divergentes” (p.18), sendo os critérios de
sucesso e fracasso escolar foco de disputa e negociação permanente entre os
diferentes atores envolvidos, numa relação de poder desigual. Contudo, este
autor sugere que “ater-se ao currículo e às suas finalidades é a única maneira
coerente de colocar o problema dos critérios de sucesso” (p.18). E propõe
a definição clara das finalidades da escola e dos critérios de avaliação como
ferramenta indispensável na democratização do ensino.
No que se refere às diferenças entre meninos e meninas, foco deste
estudo, há indicações na literatura internacional de que uma nítida separação
entre avaliação de comportamento e avaliação de aprendizagem tende a
diminuir o número de meninos indicados para classes especiais ou atividades
de reforço, resultando em presença paritária entre os sexos, uma vez que, da
mesma forma que nas escolas por mim estudadas, os meninos são considerados
mais agitados, indisciplinados e dispersos (Connell, 2000; Lingard, Douglas,
1999; Jackson, 1998; Hey et al., 1998). Valerie Hey et al.(1998), por exemplo,
em estudo sobre atendimento a alunos com dificuldades de aprendizagem
em quatro escolas primárias públicas de Londres, verificaram que a única em
que havia números proporcionais de meninos e meninas nas atividades de
reforço era a escola em que se colocava ênfase no sentido pedagógico desta
ação, separando-a explicitamente dos problemas comportamentais, que eram
enfrentados por meio de outras estratégias (p.138).
Para verificar essa hipótese, foi desenvolvido um estudo qualitativo com
nove professoras alfabetizadoras de quatro diferentes escolas. Escolhi centrar
o estudo em professoras alfabetizadoras em primeiro lugar porque, no caso
do primeiro ano da escola pública paulista 1, havia um amplo consenso de que
sua finalidade era a alfabetização2, ao lado de alguns rudimentos de soma e

1. A pesquisa foi realizada antes da ampliação por lei federal do ensino fundamental para nove
anos, com a incorporação – a ser efetivada até 2010 – das turmas de pré-escola.
2. Utilizo, com base em Soares (2004), o conceito de alfabetização em seu sentido específico, como
“processo de aquisição do sistema convencional de uma escrita alfabética e ortográfica” (p.11),
diferente de letramento, definido pela autora como “práticas sociais de leitura e escrita” (p.6).

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 839


Marília Pinto de Carvalho

subtração. Assim, considerei que seria mais provável encontrar professoras


nessa etapa da escolarização trabalhando com metas curriculares e critérios
de avaliação bem definidos.
Em segundo lugar, têm alguma difusão na escola brasileira as assim cha-
madas teorias construtivistas e suas hipóteses sobre o processo de aquisição
da escrita, o que pode dar em um suporte teórico à definição de critérios de
avaliação da aprendizagem. Muitos são os estudos, além disso, que apontam
“o construtivismo” como alternativa para diminuir os problemas de fracasso
escolar e alcançar uma escola mais igualitária (Angelucci et al., 2004). Pareceu-
me que seria rico dialogar com essa ideia, colocando no centro da pesquisa
professoras alfabetizadoras consideradas por seus pares como bem-sucedidas
e que adotassem, de acordo com sua própria declaração, o método ou a
abordagem “construtivista”. O objetivo, cabe enfatizar, não era verificar em
que medida elas aplicavam adequadamente esses pressupostos teóricos, mas
indagar se, uma vez tendo estabelecido critérios bem delimitados de avaliação,
elas tendiam ou não a reproduzir desigualdades de sexo, raça e nível socio-
econômico neste processo.

AS ALFABETIZADORAS

Cada professora foi entrevistada mediante um roteiro flexível, as famílias


dos alunos responderam a questionário de caracterização socioeconômica e
sempre que possível foram feitas observações complementares na classe 3. As
professoras foram convidadas a classificar todos os alunos de acordo com os
critérios de raça/cor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
– (branco, preto, pardo, amarelo ou indígena) e a indicar aqueles que consi-
deravam com dificuldades de aprendizagem, os que causavam problemas de
disciplina assim como aqueles que consideravam como bons ou boas alunas.
Quando havia algum tipo de atividade de reforço na escola, indagávamos quem
eram os alunos indicados para essas atividades e por quê. Quando não havia
esse tipo de apoio, perguntávamos quem elas indicariam caso houvesse um

3. Agradeço a Vivian Vitasovic de Alencar e Andréia Botelho de Rezende, bolsistas de Iniciação


Científica da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – Fe/Usp – e do CNPq,
pelo apoio na parte empírica da pesquisa.

840 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

reforço escolar. Em todos os casos, pelo menos uma outra professora alfabe-
tizadora da mesma escola foi incluída entre os sujeitos da pesquisa, para que
pudessem ser feitas comparações.
Ao final de dois anos, foram entrevistadas nove professoras de quatro
diferentes escolas públicas da capital: Clara e Milene 4 trabalhavam numa escola
estadual em bairro de setores médios da Zona Oeste, com famílias de nível so-
cioeconômico bastante diversificado (a única escola onde havia estudantes com
renda familiar mensal acima de 20 salários mínimos) e que dispõe de prédios
e equipamentos pedagógicos de boa qualidade, além de uma dinâmica intensa
de trabalho coletivo entre seus professores. Marisa e Talma lecionavam em um
bairro de setores médios e altos da Zona Sul, atendendo também um público
relativamente diversificado, numa escola estadual bem equipada, porém com
pouco trabalho coletivo. Na Zona Noroeste, em uma escola da rede munici-
pal com boa infraestrutura, mas frágil trabalho coletivo, trabalhavam Jussara e
Rebeca, com alunos que provinham tanto de uma favela próxima quanto de
setores médios de baixa renda. Por fim, num bairro muito afastado do centro,
na Zona Leste da Capital, encontramos Leila, Priscila e Meire, lecionando para
crianças com rendas familiares bastante homogêneas, quase todas abaixo de
cinco salários mínimos mensais, numa escola que dispunha de poucos recur-
sos pedagógicos, funcionava em três turnos diários além de um noturno, e
tinha classes com 40 alunos. Por meio de suas entrevistas, estas três últimas
professoras nos permitiram perceber a importância do trabalho coletivo e da
atuação da coordenação pedagógica naquela escola. Ao todo, foram envolvidas
310 crianças de 1ª série, consideradas as nove turmas estudadas.
Além da diversidade de suas condições de trabalho e das condições
socioeconômicas das famílias de seus alunos, o grupo de entrevistadas tinha
poucos pontos em comum em termos de idade, tempo de experiência no
magistério e formação. Marisa, Talma e Jussara contavam com mais de vinte
anos de trabalho como professoras de ensino fundamental; Meire, Priscila, Leila
e Clara tinham menos de cinco anos de experiência; Milene e Rebeca conta-
vam com dezessete e quatorze anos respectivamente. A maioria fizera Curso
de Magistério e curso de nível superior, sete delas em Pedagogia. Clara tinha
também curso de mestrado em Educação e Talma concluíra no ano anterior à

4. Todos os nomes de pessoas e instituições são fictícios.

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 841


Marília Pinto de Carvalho

pesquisa, um curso de formação em serviço parcialmente a distância (dezoito


meses), seu único diploma de nível superior.
Três das professoras (Milene, Meire e Priscila) haviam frequentado em
turmas diferentes, um curso de formação continuada organizado pela Secretaria
de Ensino Fundamental do MEC em convênio com prefeituras e redes estaduais
o – Programa de Formação de Alfabetizadores – Profa. As propostas desse
curso eram referências constantes em nas falas, assim como da coordenadora
pedagógica da escola da Zona Leste, que reproduzia algumas das atividades
deste programa nas reuniões, o que decerto influenciava também a Leila, pro-
fessora no mesmo local. Este parece ser um dos poucos pontos em comum
entre parte dessas educadoras, embora deva-se destacar que, por um lado,
Milene não conhecia as colegas que trabalhavam na Zona Leste, e por outro,
as falas de Talma eram muito semelhantes às delas, embora não as conhecesse
nem houvesse participado do Profa. Mais do que uma referência específica a
um curso de formação, trata-se, ao que parece, de uma referência comum
a uma leitura da psicogênese da língua escrita, tal como foram difundidas no
Brasil as teorias de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky.
Todas as professoras se autoclassificaram como brancas, com exceção
de Jussara que se classificou como preta. Jussara foi também a única a criticar
a tabela apresentada pelas entrevistadoras por escrito para essa classificação,
baseada nos critérios do IBGE: “Não é preto, é negro. Não é negro? [...] O
preto é cor de alguma coisa: cor da sua bolsa, não cor de raça.” Contudo,
ao ser solicitada a classificar as crianças pelos mesmos critérios, Jussara não
retomou qualquer dessas críticas e fez a classificação utilizando inclusive os
termos preto e pardo.

“A gente está usando as fases de escrita”

O primeiro elemento que se mostrou decisivo nas formas de avaliação


adotadas por essas alfabetizadoras refere-se ao conhecimento e utilização,
como único critério de avaliação escolar, das hipóteses definidas pelas teorias
da psicogênese da língua escrita. Respondendo à questão sobre quem indicaria
para atividades de reforço, Priscila por exemplo, descreveu sua turma no início
daquele ano letivo: “Quando começou o ano, eu tinha cinco alunos alfabéticos.
Eu tinha 18 alunos em hipótese pré-silábica, oito alunos em hipótese silábica

842 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

sem valor e só oito alunos com hipótese silábica com valor... eles não foram
alfabetizados na pré-escola” (Priscila).
Nesse grupo de professoras poderíamos incluir Talma, Milene, Priscila,
Leila e Meire. É importante destacar que essas professoras, além de conhece-
rem individualmente os processos de alfabetização vividos por cada um de seus
alunos e alunas, estavam também atentas aos aspectos comportamentais, que
elas conheciam, descreviam e sobre os quais procuravam atuar para construir
uma postura que consideravam adequada.
Priscila e Meire chegaram a elaborar uma ficha de avaliação apresentada
aos pais em reuniões bimestrais, composta por dois quadros. No primeiro
quadro, podia-se acompanhar mês a mês a hipótese de escrita em que estava
a criança. No segundo, são respondidas com “sim” ou “não”, questões como:
“Tem um bom nível de atenção? É cooperativo com os colegas e professora?
Respeita os combinados de boa convivência em sala de aula?”, entre outras.
Elas relataram explicar aos pais, em todas as reuniões, o significado de termos
como “pré-silábico” e “silábico com valor” e que não estavam atribuindo notas
ou conceitos aos alunos.
Aspectos do relacionamento entre as crianças foram enfatizados em
diferentes momentos das entrevistas de todas essas professoras: “Eles são afe-
tivos. É uma classe... eles são muito participativos... muito bagunçeiros [risos].
Mas é uma classe unida, é bonito ver a união dessas crianças. Não existe rixa
com as crianças, ninguém menospreza ninguém dentro da sala. É um ambiente
muito legal” (Talma).
E elas falaram da dificuldade de obter concentração e construir rotinas
de trabalho, em especial devido ao tamanho das turmas, ao tipo de trabalho
que desenvolviam e à ausência de auxiliares:

Quarenta crianças, agitadíssimas, muito faladores, eles bagunçam mesmo [risos].


Não encontrei ainda uma solução para isso, mas também uma classe de 40
alunos de sete anos fica bem difícil. Ainda mais do jeito que a gente trabalha,
com grupos, textos coletivos. [...] Então, a gente está buscando este equilíbrio
ainda, mas eu saio esgotada da sala. (Priscila)

Todas revelaram um conhecimento individualizado de cada aluno também


quanto às condições familiares, de vida, de saúde, atividades fora da escola: “O

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 843


Marília Pinto de Carvalho

V. está silábico-alfabético também, está quase lá, mas a mãe dele ficou grávida
agora. Ele tem 7 anos e agora que a mãe dele ficou grávida, então ele teve
uma recaída, mas eu acho que até o final do ano ele volta ao normal”. (Leila).
No caso dessas professoras, as condições, quase sempre difíceis ou pre-
cárias, não eram invocadas para justificar impossibilidades nem como barreiras
para a atuação pedagógica, ainda que se possa reconhecer nas falas precon-
ceitos sobre “famílias desestruturadas”, sempre que a unidade familiar não
correspondia ao modelo nuclear completo. Essas situações eram consideradas
apenas como pano de fundo para entender as dificuldades dos alunos e, muitas
vezes, como afirmação de que essas eram as crianças que mais precisavam
delas, tanto para aprender quanto para construir uma postura adequada de
aluno, como diz Talma:

Eu acho que cada criança tem um ritmo, ela tem uma história de vida, assim,
diferente, né? Às vezes ela conta exclusivamente com a escola, com o professor,
com os colegas de classe. A família é pouco presente na vida escolar do aluno: a
mãe trabalha fora, o pai trabalha fora. Às vezes a mãe vê a criança à noite. Então,
eu acho que o importante é você saber de tudo isso, [...] saber a hipótese que
essa criança está trabalhando, compreender isso, pra você poder auxiliar. (Talma)

Não se tratava, portanto, de professoras que desconhecessem aspectos


não cognitivos da vida escolar e mesmo extraescolar de seus alunos, mas de
professoras que priorizavam nos critérios de avaliação elementos ligados ao
currículo, à aprendizagem escolar:

Por que, senão, a gente teria muitas outras coisas para medir nessa hora. Ficaria
mais difícil. Então a gente teria que prestar atenção assim: “Ah, este aluno está
alfabético, mas ele bagunça, não tem um bom relacionamento”. Não, no nosso
critério, a gente está usando a hipótese de escrita, porque é nisso que a gente
coloca nossas forças. (Priscila)

“A gente avalia a criança como um todo”

De maneira contrastante, as demais professoras afirmavam incluir um


conjunto amplo de elementos ligados à postura e ao comportamento em sua

844 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

avaliação, tanto no que se refere à atribuição de conceitos, quanto à indicação,


durante a entrevista, das crianças que precisariam de atividades de reforço. Ma-
risa e Clara não utilizaram em qualquer momento as hipóteses de escrita como
critérios de avaliação, referindo-se às crianças apenas como “alfabetizadas”
ou “não alfabetizadas” ou ao fato de “já saberem ler”. Essas duas professoras
utilizavam critérios bastante vagos e amplos na avaliação das crianças, em geral
referindo-se a seu comportamento e ao suporte familiar de que dispunham:

A nossa avaliação é contínua, diária, né? A gente tá avaliando não só a parte


pedagógica, o que o aluno faz, mas também os valores, o que ele traz de casa...
Tudo isso, o dia-a-dia dele, desde a hora que ele já está lá em formação para vir
para a sala de aula, até a hora da saída. (Marisa)

Já Jussara e Rebeca se referiam a seu trabalho pedagógico e a seus alunos


muitas vezes a partir das hipóteses de escrita, que identificavam como “fases”
ou “estágios”: “Quando a gente prepara a atividade com determinada letra ou
tema, a gente pensa na criança que está na fase pré-silábica, silábica, em todas
as fases” (Rebeca).
Essas professoras demonstraram conhecimentos a respeito das hipóteses
de escrita, chegando até mesmo a elaborar quadros com o conjunto de seus
alunos que indicavam passo a passo, ao longo do ano, a hipótese em que es-
tariam, de maneira semelhante aos realizados por Priscila e Meire. Entretanto,
apesar disso, Jussara e Rebeca não colocavam essas “fases” no centro de sua
avaliação das crianças, na qual predominavam questões amplas, de ordem com-
portamental, emocional, familiar ou até mesmo de saúde, aproximando suas
falas daquelas das professoras que não se referiam às hipóteses de escrita: “A
gente conta muito o todo da criança: a participação em sala, com as atividades,
caderno, relacionamento entre amigos, o relacionamento da criança com os
funcionários da escola. Tudo isso é levado em conta na avaliação”(Rebeca).
Dessa forma, seria possível dividir as nove professoras em dois grupos,
de acordo com seus critérios de avaliação: um primeiro grupo que utilizava
como único critério, para atribuição de conceitos ou indicação a atividades de
reforço, a hipótese de escrita em que a criança estaria; esse grupo incluía cinco
alfabetizadoras de três diferentes escolas: Milene, Talma, Meire, Priscila e Leila;
e um segundo grupo que, mencionando ou não estas “fases”, utilizava como

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 845


Marília Pinto de Carvalho

critério uma visão global do aluno ou aluna, aí considerados aprendizagem,


comportamentos, atitudes, problemas familiares etc. Nesse segundo grupo
seriam incluídas Clara, Marisa, Jussara e Rebeca.

“Mas o que é um bom aluno?”

Outro aspecto, contudo, também se mostrou relevante nas falas das


professoras sobre os alunos. Quatro das alfabetizadoras do primeiro grupo
– Talma, Milene, Meire e Priscila –além de procurar utilizar as hipóteses de
escrita como único critério de avaliação, recusaram uma lógica classificatória,
questionando as entrevistadoras sobre a possibilidade de indicar “bons ou maus
alunos” e reafirmando o potencial de todas as crianças. É muito expressiva des-
se movimento a postura de Talma que, ao ser indagada ao final da entrevista,
se tinha mais alguma coisa a comentar, retomou a classificação que fizera dos
alunos e questionou a própria lógica da pergunta:

Quando você fala “quem você considera bom aluno”, “o que é um bom aluno
pra você?” Eu acho que é uma pergunta... Você direciona a pessoa a fazer um
conceito disso daí, né? [...] [Você ficou incomodada com essas perguntas?] Sim,
incomodada com essa pergunta, com esse “bom”, entendeu? Eu acho, assim,
que na verdade, vocês me induziram a colocar um conceito. [...] Porque não
vai existir o mau aluno. Não existe isso, do mau aluno. Tirar “d”, tirar “e”: não
tem. O aluno quando traz a lição pra você ver, ele produziu o melhor que ele
pôde. É aquilo que ele acha que é. Cabe a você fazer essa criança progredir,
aprender, cabe ao professor. (Talma)

Ao final dessa conversa, Talma, que havia assinalado alguns alunos e


alunas de sua classe como “bons”, retomou a lista e marcou todos como
“bons”, reafirmando: “Todos os alunos são bons”. Sua fala também destaca o
incômodo dessa professora, partilhado pelas demais citadas, com a necessidade
de atribuir conceitos às crianças, necessidade com a qual cada uma delas lidava
de formas diferentes, conforme o contexto da escola e as possibilidades de
acomodação entre suas convicções e as exigências burocráticas, como Meire
e Priscila, que elaboraram uma ficha de avaliação própria, “sem notas”, a ser
apresentada aos pais.

846 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

Também a entrevista feita simultaneamente com Priscila e Meire resultou


em uma conversa muito rica a respeito das exigências burocráticas de atribuir
conceitos e dessa lógica classificatória, de mérito, que faz parte do senso co-
mum em vigor nas escolas:

Priscila: Bons alunos? Eu vou apontar os que gostam de estudar. [risos] O que é
um bom aluno? Ai, meu Deus! É que a gente tem aquela coisa, a gente acredita,
a gente quer acreditar em todos, né? Mas quando você faz uma pergunta dessas.
Ai, meu Deus do céu!
Meire: Agora, este bom aluno que você está perguntando, é o bom aluno no
ambiente escolar? [É o que vocês entendem por bom aluno.] Bom aluno? A S.
é silábica sem valor e eu acho a S. ótima. Ela é uma menina que sabe respeitar
um ambiente público, ela é muito delicada comigo, delicada com os colegas, ela
é minha aluna mais... [faz gestos de carinho com as mãos]. Ai, é muito difícil!
[...] Pode ficar sem responder a pergunta?
Priscila: Muitos são bons alunos... é muito difícil. Eu sei daqueles que precisam
de mais ajuda. Porque eu não dou conta em uma sala de 40, de estar com
eles individualmente, ficam 39 precisando de mim, gritando pela sala. Então,
eu sei destes, que eu gostaria que tivessem um reforço para poder ter uma
atenção mais individualizada, porque eu acho que eles merecem, mesmo pelo
aproveitamento deles, pelo que eles avançaram. Eu diria que é uma sala boa.
São alunos bons [risos].

A pergunta que incomodou a essas professoras foi a solicitação de que indi-


cassem quem eram “bons ou boas alunas”. Enquanto as demais responderam sem
hesitar, Milene, Talma, Priscila e Meire ensaiavam fazê-lo, recuavam, mostravam
dúvida e incômodo. Ao assumir esse tipo de posição, elas estavam questionando
a lógica das perguntas feitas pelas entrevistadoras. Isso implicava uma atitude
de contestação à relação de autoridade entre entrevistadora e entrevistada, no
quadro daquilo que Bernard Lahire (2003) chama de “efeito de legitimidade”
(p.75). E o grau e facilidade com que foi feita essa contestação variaram, a meu
ver, conforme a segurança da professora diante dessa situação de poder e as
condições da entrevista, e não apenas de acordo com convicções e práticas.
O fato de não se incomodarem nem terem dúvidas ao indicar os alunos
“que precisariam de reforço” parece decorrer de que essa classificação não

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 847


Marília Pinto de Carvalho

implicava uma hierarquia ou um sentido de valor, mas o reconhecimento de


que essas crianças poderiam desenvolver-se melhor caso houvesse um tra-
balho específico dirigido a elas (já que na maioria das escolas pesquisadas não
havia reforço nas turmas de 1ª série). As quatro alfabetizadoras tinham muita
clareza de que essas crianças, mais do que as outras, dependiam da escola e
das professoras para adquirir tanto conhecimentos escolares quanto hábitos
e comportamentos adequados como estudantes, segundo expressou Talma,
falando de uma de suas alunas:

Ela é estimulada aqui na escola, na classe, você está estimulando aquilo. Mas
ela chega em casa, não tem ninguém que se interesse pela vida escolar dessa
criança. Ela não tem ninguém para mostrar aquilo que ela produziu. Há esse
desinteresse total. [...] Agora, quem tem de fornecer esse recurso, se ela não
tem? É a escola, é o professor. Não digo todos, porque você não vai ficar com
essa criança o tempo todo. Mas durante o período que ela está aqui na escola,
você tem que pelo menos tentar suprir isso daí. (Talma)

Todas essas professoras tinham algum tipo de dificuldade e críticas em


relação aos conceitos que eram obrigadas a utilizar na avaliação formal dos alu-
nos, conceitos que tão bem sintetizam a lógica classificatória da escola. Embora
o incômodo com a atribuição de conceitos em fichas formais fosse generalizado
entre todas as entrevistadas, para as demais a questão eram as dúvidas sobre
como utilizá-los, às vezes levando à sugestão de que não fossem apenas três
(NS, S e PS). Não havia a ideia de sua supressão. Assim, poderíamos formar
um subgrupo composto por Milene, Talma, Priscila e Meire, professoras que
recusavam abertamente o sentido hierarquizador da classificação de seus alunos
por meio de notas ou conceitos.
Finalmente, as falas de duas professoras em particular foram desafiadoras
quanto à formação desses agrupamentos. Leila, que trabalhava ao lado de Meire
e Priscila na escola da Zona Leste, utilizou as hipóteses de escrita como forma
de avaliação de seus alunos indicados para um eventual reforço. Contudo, ao
ser indagada sobre quem seriam seus “bons alunos e alunas”, não hesitou,
perguntando apenas: “Pode ser caracterizado como os melhores da sala?”. Em
seguida marcou com um “B” 23 de seus 39 alunos. Quanto ao critério dessa
indicação, esclareceu: “Todas as atividades que a gente pede eles conseguem

848 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

realizar, já estão alfabéticos”. Assim, embora não tenha recusado a possibilidade


de indicar “bons alunos”, Leila classificou quase 60% de sua classe como parte
desse grupo e ofereceu explicações ligadas apenas à aprendizagem para essa
avaliação. Deve-se observar, contudo, que sua entrevista foi uma das mais
curtas e ela aparentemente tinha pouco a dizer. Começara apenas aquele ano
a trabalhar na mesma escola que Priscila e Meire e adotava até mesmo em suas
fichas formais de avaliação a classificação dos alunos por hipóteses de escrita e,
ao contrário de suas colegas, que foram ouvidas em dupla, Leila foi entrevistada
sozinha. Ela fizera curso superior de Matemática e não frequentara qualquer
curso de formação específico sobre alfabetização como o Profa, diversas vezes
mencionado por suas colegas. Tudo isso pode tê-la deixado menos à vontade
para assumir uma postura crítica diante das perguntas da entrevista, e pode
tê-la induzido a apenas classificar as crianças conforme solicitado.
Por sua vez, Rebeca, que trabalhava na escola da Zona Noroeste,
recusou-se a indicar alunos para o reforço, caso houvesse esse tipo de atividade
em sua escola, por ainda estarmos em abril. Isso poderia nos levar a incluí-la
entre as professoras que recusavam todo tipo de hierarquização entre seus
alunos. Entretanto, Rebeca não demonstrava qualquer problema com relação
à atribuição de conceitos às crianças e, quando solicitada a indicar “os bons
alunos e alunas”, respondeu: “Bons em matéria de tudo, de comportamen-
to, de rendimento escolar, são esses aqui”, marcando 13 nomes na lista de
chamada. À pergunta sobre qual critério usara para classificá-los, respondeu
sem hesitação: “Eu vejo a participação em sala de aula, o interesse, se trouxe
a lição de casa, se está com o caderno completo, se ela se relaciona bem com
os amigos da sala de aula”. Assim, concluí que Rebeca não poderia ser incluída
entre as professoras que recusavam a lógica hierarquizadora do ensino escolar.
A fim de conhecer melhor sua classificação das crianças, voltei à escola no
ano seguinte e registrei as avaliações que ela atribuíra a seus alunos e alunas,
utilizando as informações nas tabelas e gráficos que se seguem. Quanto a Leila,
preferi mantê-la no grupo de professoras mais voltadas à avaliação de conteúdos
curriculares, porém dedicando especial atenção aos resultados de sua classe.
Trabalho a seguir, portanto, com dois grupos de professoras: Milene, Talma,
Priscila, Meire e Leila, que comporiam o Grupo 1, o qual utilizava critérios
bem definidos de avaliação; Clara, Marisa, Rebeca e Jussara, o Grupo 2, com
critérios vagos.

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Marília Pinto de Carvalho

Renda e desempenho escolar: “ele já nasceu A!”

A pesquisa forneceu indicações limitadas sobre as relações entre a


situação socioeconômica das famílias e o desempenho escolar das crianças
conforme avaliado pelas professoras. Em primeiro lugar, porque foram altos
os índices de questionários não devolvidos pelos alunos e em segundo lugar
porque, devido a problemas em algumas das cópias e à dificuldades das famílias
em compreender as perguntas relativas à escolaridade dos responsáveis, pude
dispor apenas dos dados relativos à renda familiar, que são um indicador precá-
rio da situação socioeconomica. Ainda assim, por ser este um dos temas mais
amplamente estudados no que se refere ao desempenho escolar, considero
ser possível avançar algumas afirmações.
A primeira delas diz respeito ao alto índice de coincidência entre a não
resposta ao questionário e a indicação para reforço: em todas as classes de
ambos os grupos de professoras, a proporção de “não respostas” entre as
crianças indicadas para reforço é mais alta que no conjunto da turma 5. A meu
ver, isso decorreria de três situações correlacionadas: muitas das crianças
foram indicadas para reforço devido a um grande número de faltas, o que
pode tê-las levado a estar ausentes, seja no dia da entrega dos questionários,
seja no dia em que deveriam devolvê-lo; em segundo lugar, provinham de
famílias de baixa escolaridade muitos dos alunos que as professoras, mesmo
aquelas do Grupo 1, avaliaram como necessitando de um apoio específico, e
essas famílias podem ter tido dificuldade de ler e responder o questionário;
e, por fim, depreende-se das entrevistas que muitas das famílias de crianças
indicadas como portadoras de dificuldades de aprendizagem eram exatamente
aquelas mais ausentes da vida escolar ou que pelo menos apresentavam uma
relação frágil e pouco frequente com a professora, o que pode ter incluído a
recepção e resposta ao questionário. Situações como essas foram relatadas
por educadoras de todas as escolas e dos Grupos 1 e 2, em relação aos alunos
que indicariam para reforço.
Em segundo lugar, a tendência em quase todas as classes era de uma
maior proporção de alunos de baixa renda no grupo indicado para reforço,
sem que se possa fazer uma diferenciação entre escolas, entre tipo de ava-

5. Com exceção da sala de Milene, em que todas as crianças retornaram o questionário.

850 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

liação adotada pela professora ou mesmo entre aquelas professoras que se


recusaram a indicar bons alunos e as demais. Com exceção de Marisa, todas
as demais professoras percebiam que as crianças provenientes de famílias de
mais alta renda tendiam a ter menos dificuldades no processo de alfabetização 6.
A interpretação do papel da alfabetizadora perante a dificuldade é que variava
profundamente.
O grupo de professoras que avaliava “o aluno de forma global” e que
aceitou classificar parte de seus alunos como “bons”, sem críticas à hierarquia
assim estabelecida, esperava e cobrava das famílias, em especial das mães, uma
participação na escolarização dos filhos que a professora não poderia suprir, e
cuja ausência atrapalharia “o rendimento”, isto é, a aprendizagem das crianças:

Não participam de reunião, não querem nem saber, não se envolvem, não estão
envolvidos com o dia a dia do filho, sabe? Tudo bem que eu sei que às vezes
eles têm que correr atrás do pão de cada dia deles, eles têm que garantir uma
forma de melhoria dentro da casa deles, mas fica difícil também pra gente essa
ausência da família. A ausência da família é muito negativa diante do quadro que
você vê, diante do rendimento deles. (Marisa)

Em outras falas a questão é percebida como “problema social”:

E eu tenho muito problema social lá dentro da minha sala, demais. Isso não
é o ponto principal, mas é um ponto que influencia no rendimento da classe
toda. [Quais são esses problemas?] Eu tenho uma aluna adotada, a mãe teve
essa menina quando ela estava presa. Eu tenho um aluno que não mora com
a mãe de segunda a sexta, e só vê a mãe de sábado e domingo. [...] Eu tenho
crianças que ficam na rua o dia inteiro, o caso de uma mãe que está envolvida
com drogas. Estes casos são os que eu descobri. (Rebeca)

Além de designar um lugar específico às mães na educação das crianças,


as falas de professoras do Grupo 2 reproduzem pressupostos do senso comum

6. Deve-se observar, contudo, que o índice de não resposta na classe de Marisa foi de 28%, o
que corresponde a 9 alunos, sendo que 4 deles foram indicados para o reforço.

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 851


Marília Pinto de Carvalho

entre educadores escolares a respeito do “desinteresse das famílias” e da ine-


vitável existência de problemas quando a estrutura familiar não corresponde
à nuclear completa, um conjunto de ideias já bastante estudadas no Brasil e
em outros países (apenas a título de exemplo, podemos citar Patto, 1990 e
Lahire, 2003). Embora esses preconceitos estivessem presentes também nas
falas das demais professoras, eles me pareceram mais explícitos nesse grupo
e foram utilizados como explicação para os problemas de aprendizagem das
crianças, diferentemente das professoras do Grupo 1.
Em algumas falas, em especial quando as professoras que aceitaram
fazê-lo descreviam seus “bons alunos”, a questão do capital cultural das famílias
apareceu de forma explícita, em geral por meio de termos como “repertório”
ou “bagagem” que a criança traz de casa:

O C., ele é uma criança que também os pais dão muita..., têm muito acesso a
essa questão de cultura, de cinema, de teatro, de viagem. Ele conta coisas do
Pantanal porque há uns dois anos atrás ele viajou para o Pantanal. São vivências
que eles acabam trazendo e que fazem diferença. (Clara)

“Eu sei daqueles que precisam mais de mim”

Já para o grupo de professoras que se recusou a indicar “bons alunos” e


revelou um discurso articulado contra o caráter hierarquizador da atribuição
de notas, as dificuldades das crianças de baixa renda apareciam como motivos
para que elas se empenhassem mais, para que oferecessem mais atenção, even-
tualmente indicando essas crianças para atividades de reforço. Não se tratava
de uma hierarquia, mas de uma espécie de “ação afirmativa”, um apoio extra
àquelas crianças que, se tratadas de forma homogênea, não teriam condições
de se desenvolver tanto quanto as demais, mesmo que em ritmo mais lento.
É a mesma ideia que destacamos, quando sublinhamos em uma fala de Priscila
a afirmação: “eu sei desses que precisam mais de mim”.
Talma utilizou a comparação entre dois de seus alunos, Daniel e Larissa,
provenientes de famílias com escolaridade e situação socioeconômica bem
diversas, para, no final da entrevista, sintetizar um ponto de vista sobre a
arbitrariedade do sistema de avaliação escolar e sua estreita articulação com a
desigualdade socioeconômica:

852 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

O Daniel, a mãe é professora, o pai fez Engenharia. Eu tenho certeza que a


mãe é super presente, se interessa pela vida escolar dele. [...] Então o Daniel
tem outros recursos que a Larissa, por exemplo, não tem. Agora, quem tem de
fornecer esse recurso, se ela não tem? É a escola, é o professor! [...] O Daniel,
a mãe lê todos os dias pra ele. Então o vocabulário desse menino é mais rico,
ele já tem livros de histórias. Essa menina tem o quê? [...] A trajetória dessa
menina, pra ela se alfabetizar, pra ela começar a ler, compreender, interpretar,
vai ser mais difícil, mais lenta. E essa menina, eu vou dar o quê pra ela? Eu vou
dar um “e”, um “d”? Tá certo? Não tá. Eu vou dar “a” pro Daniel? Ele já nasceu
“a”, ele tem toda ajuda, todo recurso possível. (Talma)

Acredito ter indicações suficientes, portanto, de que a percepção da


arbitrariedade da avaliação escolar, assim como a recusa das hierarquias que ela
estabelece podem romper com a reprodução de desigualdades socioeconômicas
no âmbito da avaliação de desempenho na escola. Não basta avaliar com critérios
referidos a conteúdos de aprendizagem: é preciso questionar a própria necessi-
dade e possibilidade de classificar os alunos e alunas em “bons”, “medianos” ou
“maus”. É preciso atribuir à avaliação um sentido pedagógico, de diagnosticar o
trabalho desenvolvido, chamando para a escola a responsabilidade pela aprendi-
zagem de cada criança, principalmente aquelas que mais dependem da instituição
para ter contato sistemático com a linguagem escrita e a cultura escolar em geral.
Os bons resultados obtidos por Milene, Talma, Priscila e Meire com a maioria de
seus alunos e alunas, incluindo os de mais baixa renda, ressaltam que a escola
pode ajudar a minimizar as desigualdades socioeconômicas, seja ao recusar uma
hierarquização das crianças, seja ao oferecer oportunidades de aprendizagem
mais intensas àquelas que mais precisam, deixando de considerar a indicação
para o reforço como um problema e percebendo-a como uma possível solução.

Raça e desempenho escolar: “não existe uma discussão feita”

Analisando os dados sobre as nove classes tomadas uma a uma, percebe-


mos que em apenas três delas a proporção de crianças brancas, de acordo com
a heteroclassificação feita pela professora, era maior ou igual no grupo indicado
para reforço e no conjunto da turma (classes de Talma, Priscila e Leila), sendo
que apenas na turma de Priscila observou-se uma diferença significativa. Rebec-

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 853


Marília Pinto de Carvalho

ca e Meire por sua vez embora tenham classificado praticamente a metade da


classe como brancos, só percebiam negros7 e indígenas no reforço. Se, contudo,
somarmos o total de alunos e alunas das classes de acordo com os grupos de
professoras, percebemos que no grupo daquelas que apresentavam critérios bem
delimitados de avaliação (Grupo 1), a proporção de crianças brancas e negras
nas classes e no reforço é muito semelhante (Fig. 1).8 Em contraste, a soma das
classes do grupo de professoras que “avaliavam a criança como um todo” (Gru-
po 2) revela maior proporção de crianças negras e indígenas entre as indicadas
para o reforço (Fig. 2). Além disso, as professoras deste grupo classificaram uma
proporção muito maior de alunos como indígenas (num total de 122), embora
nenhuma das escolas atendesse a grupos socialmente identificados como tal.
Concluímos portanto que a existência de critérios bem delimitados de
avaliação de aprendizagem tende a equilibrar a proporção de crianças indicadas
para reforço escolar no que se refere ao pertencimento racial atribuído, porém
isso ocorre de maneira pouco definida e, como veremos adiante, menos nítida
se comparada a seu efeito sobre a diferença entre meninos e meninas.

FIGURA 1
GRUPO 1– CLASSES E REFORÇO EM NÚMEROS
ABSOLUTOS DE ACORDO COM A RAÇA ATRIBUÍDA

Classe Reforço
Brancos 119 Brancos 31
Negros 62 Negros 13
Indígenas
Indigenas 0 Indígenas
Indigenas 0
Total 181 Total 44

Classe x Raça atribuída Reforço xx Raça


Reforço Raça atribuída
atribuída

Brancos
BRANCOS
Negros
NEGROS
Indígenas
INDÍGENAS

7. Soma dos alunos classificados como “pretos” e “pardos”.


8. Nenhuma professora desse grupo classificou qualquer de seus alunos como “indígena”.

854 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

FIGURA 2
GRUPO 2 – CLASSE E REFORÇO, SEGUNDO A RAÇA ATRIBUÍDA AO ALUNO

Classe Reforço
Classe
Brancos 72 Brancos
Brancos 13 72
Negros 42 NegrosNegros 15 42
Indígenas
Indigenas 8 Indígenas
Indigenas
Indigenas 2 8
Total 122 Total Total 30122

Classe xx Raça
Classe Raçaatribuída
atribuída Reforço
Classe
ReforçoxX
Raça atribuída
x Raça
Raça atribuída
atribuída

Brancos
BRANCOS BRANC
Negros
NEGROS NEGRO
Indígenas
INDÍGENAS INDÍGEN

Todas as professoras mostraram incômodo para classificar seus alunos


do ponto de vista racial e declararam tomar como critério a cor da pele, traços
faciais e tipo de cabelo. Algumas mencionaram também informações dadas
pela criança sobre sua ascendência e a visão que tinham de seus pais ou mães:

Eu fui pela cor da pele [rindo], que eu os identifico pela cor da pele. E eu não
tenho em mãos a certidão de nascimento, que seria, acho, o mais correto, não
é? E eu fui, então, pelo que eu conheço, lembrando dos pais também, que eu
já conheço, então eu fui classificando por aí. (Marisa)

Como vimos, apenas Jussara, a única professora que se autoclassificou


como negra, apresentou questionamentos aos critérios do IBGE. Porém, as
dúvidas e a percepção de que a mesma criança poderia ser classificada por outra
pessoa de maneira diferente estiveram presentes em muitas entrevistas, tal como
na fala de Marisa, que mencionou a certidão de nascimento como fonte confiável.

Eu enxergo eles assim. Engraçado que não bate em nada com os que os pais
dizem. A gente fez um questionário deste na escola. Justamente os que a gente
acha que são pardos, os pais falam que são negros. Os que a gente acha que são

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 855


Marília Pinto de Carvalho

negros os pais colocam brancos. A maioria dos pardos os pais colocaram brancos.
Eles enxergam que o filho é branco. (Priscila, comparando com o questionário
do Censo Escolar 2005)

Embora revelem uma reflexão inicial sobre as ambiguidades da questão


no Brasil, essas dúvidas e questionamentos não resultavam de debates e refle-
xões sistemáticas no âmbito das escolas, como declararam todas as professoras:
“A gente vai fazendo e a gente não pára muito para pensar no que pode ser. [...]
Não existe uma discussão feita e uma conclusão tirada” (Clara). As situações
relatadas se referiam geralmente a atitudes individuais de alguma professora,
que buscava discutir com os alunos as diferenças e discriminações em geral:

A gente costuma trabalhar a diversidade na sala de aula de uma maneira lúdica,


praticamente, através de características físicas, pessoais, valorizando a diferen-
ça, sem a discriminação. Valorizando que cada um... , que bom que cada um
é diferente, que cada um tem seu valor dentro de um grupo e cada um tem o
seu lugar dentro de um grupo. (Rebeca)

No que se refere, à percepção das professoras sobre indisciplina, as alfa-


betizadoras reunidas no Grupo 2, que utilizavam critérios amplos de avaliação,
tenderam a apontar um maior número de crianças indisciplinadas e de forma
muito mais acentuada no grupo de alunos percebidos como negros e indígenas.
Como indicam as tabelas da figura 3, as professoras do Grupo 1 aponta-
ram como indisciplinadas 7,6% das crianças que classificaram como brancas e
4,8% das classificadas como negras. Já as professoras do Grupo 2 apontaram
problemas disciplinares em 9,7% das crianças que percebiam como brancas,
em 19,1% das vistas como negras e 37,5% das percebidas como indígenas.
Destaque-se que eram de sexo masculino 80% de todos os classificados como
indisciplinados.
Apesar de existirem variações expressivas quando consideramos os
dados classe a classe, é possível perceber a presença mais intensa entre as
professoras do Grupo 2 de um quadro de referência que associa masculinidade
negra e indígena a comportamentos indisciplinados. Por tudo isso parece que
as professoras do Grupo 2, menos críticas do sistema de avaliação escolar
como um todo, assim como de seu papel na reprodução das desigualdades

856 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

socioeconômicas, também eram mais susceptíveis a reproduzir as desigualdades


raciais e os pressupostos associados à masculinidade nãobranca, contrastando
até mesmo com os resultados que obtive em pesquisas anteriores (Carvalho
2004, 2004a, 2005).

FIGURA 3
CLASSE E INDISCIPLINA NOS GRUPOS I E II,
SEGUNDO A RAÇA ATRIBUÍDA AO ALUNO

GRUPO 1 Classe Indisciplinados %


Brancos 119 9,0 7,6
Negros 62 3,0 4,8
Indígenas 0 0,0 0,0

GRUPO 2 Classe Indisciplinados %


Brancos 72 7,0 9,7
Negros 42 8,0 19,1
Indígenas 8 3,0 37,5

Mais ainda, se as diferenças entre os grupos 1 e 2 estão pouco relacio-


nadas aos critérios de avaliação e mais à capacidade crítica das professoras,
pode-se afirmar que, para reverter esse quadro, é necessário informá-las e
capacitá-las no que tange às relações raciais no Brasil, para que as discutam de
maneira planejada e constante com suas classes e saibam enfrentar situações
de preconceito e discriminação entre as crianças.

Sexo e desempenho escolar: “além de ter indisciplina, ele é agressivo”

Os dados das classes cujas professoras declararam utilizar como critério


exclusivo de avaliação as hipóteses de escrita (Grupo 1) revelaram uma tendên-
cia bem definida em todas as turmas de um número proporcional de meninos
e meninas, nos grupos de reforço e, em alguns casos, maior proporção de
meninas. A única exceção foi a sala de Leila, com mais meninos no reforço,
o que tanto pode ser creditado a um mero acaso, quanto às características
desta professora. Somadas todas as crianças atendidas por essas professoras, o

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 857


Marília Pinto de Carvalho

agrupamento resultante mantém a tendência de igual proporção de cada sexo


nas classes e no reforço (Fig. 4)

FIGURA 4
GRUPO I - CLASSE E REFORÇO, SEGUNDO O SEXO DO ALUNO

Meninos Meninas Total


Classes 81 100 181
Reforço 19 25 44

x Sexo
Classes X Sexo Reforço
Reforçox X
Sexo
sexo

Meninos
Meninas

Diferentemente, a tendência nas quatro classes cujas professoras afir-


mavam “avaliar a criança como um todo” (Grupo 2) era de uma expressiva
maioria de meninos indicados para reforço (Figs.5 a 8).

FIGURA 5
JUSSARA – CLASSE E REFORÇO, SEGUNDO O SEXO DO ALUNO

Meninos Meninas Total


Classe 14 15 29
Reforço 6 1 7

ClassexXSexo
sexo Reforço
Reforço xXSexo
sexo
Classe

Meninos
Meninas

858 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

FIGURA 6
REBECA – CONCEITOS FINAIS, SEGUNDO O SEXO DO ALUNO

Meninos Meninas Total


Classe 13 16 29
NS 5 5 10

ClasseXx sexo
Classe Sexo Conceitos NSXx sexo
Conceitos NS Sexo

Meninos
Meninas

FIGURA 7
MARISA – CLASSE E REFORÇO, SEGUNDO O SEXO DO ALUNO

Meninos Meninas Total


Classe 16 16 32
Reforço 8 3 11

Classe x sexo
Classe X Sexo Reforço X
Reforço x sexo
Sexo

Meninos
Meninas

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 859


Marília Pinto de Carvalho

FIGURA 8
CLARA – CLASSE E REFORÇO, SEGUNDO O SEXO DO ALUNO

Meninos Meninas Total


Classe 14 16 30
Reforço 6 4 10

Classe x Sexo
Classe X sexo Reforço
Reforço xXSexo
sexo

Meninos
Meninas

Os resultados indicam, portanto, que uma avaliação que não considere


aspectos relativos ao comportamento do aluno ou aluna e procure ater-se a
elementos de aprendizagem leva a um equilíbrio na proporção de meninos
e meninas. As crianças do sexo masculino – em sua maioria de baixa renda
e percebidas como negras – estariam recebendo conceitos negativos e indi-
cações para atividades de reforço não por problemas de aprendizagem, mas
pela maior dificuldade de manifestar comportamentos considerados corretos
pela escola e pela professora da classe. Esta constatação é particularmente
importante diante da literatura de enfoque conservador, que tem grande re-
percussão na mídia e entre as professoras. Estes autores afirmam diferenças
inatas nos processos de aprendizagem entre os sexos, devido à conformação
cerebral, com as mulheres mais propensas à comunicação e linguagem e os
homens à orientação espacial e cálculos, ou afirmam a existência inevitável
de trajetórias emocionais diferenciadas entre meninos e meninas. Com isso,
acusam as escolas de estarem despreparadas para ensinar meninos (Pollack,
1999; Biddulph, 2002).
Os resultados desta pesquisa, no entanto, indicam que não estamos
diante de uma diferença de aprendizagem, mas de comportamento, ao lado
de uma grande indefinição de critérios de avaliação, o que pode estar criando
dificuldades tanto para meninos, em sua maioria negros, que muito cedo cons-
troem uma imagem de alunos incapazes de aprender; quanto para algumas

860 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

meninas dedicadas e bem comportadas que nem chegam às turmas de reforço,


mas que teriam muito a usufruir de uma atenção individualizada ou um apoio
extra, se fosse considerada efetivamente sua aprendizagem.
Ao mesmo tempo, essa equalização entre os sexos na avaliação escolar
não significa que as questões de gênero no âmbito da escola poderiam ser
resolvidas apenas com a adoção de objetivos de aprendizagem bem definidos
e de uma avaliação focalizada nessas metas. Isso resolveria simplesmente a
questão dos objetivos do reforço, que poderiam voltar-se com exclusividade
aos problemas de aprendizagem.
Como disseram todas as professoras de ambos os grupos, a maior parte
dos problemas relativos à disciplina era com meninos. E uma vez que, entre
as professoras que utilizavam critérios vagos de avaliação, a indisciplina era
associada à percepção da criança como negra ou indígena, o debate sobre as
desigualdades de gênero e raciais se torna central para modificar esse quadro.
Pois, decerto, cabe também à escola ajudar todas as crianças a desenvolverem
atitudes adequadas como alunos.
Assim, uma nova pergunta precisa ser feita: quais são essas atitudes
adequadas? Como definir o comportamento esperado das crianças, de forma
que seja um facilitador de sua aprendizagem e não apenas uma avaliação sub-
jetiva na qual podem-se mesclar com facilidade preconceitos e pressupostos a
respeito de masculinidades, feminilidades e pertencimento racial? Tanto quanto
o conteúdo curricular, o significado de disciplina escolar e a definição de quais
seriam os comportamentos adequados são um “produto discursivo histórico
de uma configuração escolar e econômica singular”, como afirmou Bernard
Lahire (2003) a respeito de sucesso e fracasso escolares (p.54). Mais ainda, nas
séries iniciais do ensino fundamental o debate sobre a disciplina dificilmente é
feito de forma sistemática, por não ser visto como prioritário, uma vez que a
crise de autoridade da escola em relação às crianças é menos aguda do que
diante dos jovens. A definição de regras e comportamentos adequados fica
em geral nas mãos de cada professora e, por consequência, varia segundo sua
formação e seus valores. Se esse ponto não for alvo de uma reflexão crítica, é
campo livre para a manifestação das diferentes formas de senso comum, que
incluem preconceitos de classe, raça e gênero.
Tanto professoras do Grupo 1 quanto do Grupo 2 tendiam a perceber
a necessidade de criar um processo de aprendizagem das posturas e com-

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 861


Marília Pinto de Carvalho

portamentos que definiam como adequados à construção do conhecimento,


em particular por lidarem com crianças muito pequenas, que iniciavam a vida
propriamente escolar:

Umas crianças vêm de creche, mais aberta, aquela coisa menos sistematizada,
algumas crianças demoram um pouquinho para perceber essa estrutura de
escola, que a gente tem horário, que aqui não é só brincadeira, que brinca
muito menos do que se brincava antes, que aqui a gente tem mais coisa para
aprender. (Clara)

Mas a definição das posturas adequadas, de quem classificar como alu-


no indisciplinado, parecia ser muito difícil, e pelo menos algumas professoras
do Grupo 1 mostraram perceber a subjetividade desse processo, como, por
exemplo, Priscila e Meire, que classificaram na entrevista a pergunta sobre
indisciplina de “difícil, horrível” e enfatizaram perceber múltiplos aspectos nos
comportamentos de cada criança. Cabe lembrar que essas duas professoras
haviam elaborado uma ficha de avaliação a ser discutida com as famílias, com
perguntas bem delimitadas a respeito da aprendizagem e também do compor-
tamento do aluno (onze questões, referentes a atenção, interesse, freqüência
às aulas, organização dos materiais, comunicação oral e relacionamento com
colegas e professora, cooperação e respeito às regras). Esse foi o caso de maior
clareza de definição das posturas esperadas das crianças entre as professoras
estudadas.
Nas entrevistas, quase todas as nove alfabetizadoras afirmavam que a
classe inteira era agitada e esclareciam estar apontando como indisciplinados
apenas “os casos mais graves”, aqueles que destoavam do conjunto e atra-
palhavam o desenvolvimento do trabalho de toda a turma: “O M., eu acho
que é meu problema mais sério, porque ele é agitado, agressivo, não pára na
carteira, ele bate e pula em cima do colega, as brincadeiras dele são violentas,
ele é muito agressivo” (Jussara).
Nem sempre essas atitudes pareciam ter reflexo no aprendizado da pró-
pria criança, que conseguia bons resultados, embora atrapalhasse seus colegas e
a dinâmica da classe, mais uma vez tanto nas palavras de professoras do Grupo
1 quanto do Grupo 2: “Por exemplo, esse ano, a que mais se destaca, quem
é “a pimenta”, é a G. Nossa! Tem dia que ela está atacada e aí ela ataca todo

862 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

mundo. [E não atrapalha o desempenho dela?] Não. Ela é super rapidinha. Ela
faz o que tem que fazer” (Clara).
Cabe reafirmar: com raras exceções, como nesse exemplo da classe de
Clara, apenas meninos foram apontados como problemas sérios, classificados
como “agressivos” ou “nervosos” e acusados de bater nos colegas. Já a indisci-
plina das meninas seria mais branda, ligada à dispersão, conversa e brincadeira:
“Não é um problema de disciplina, é um problema porque elas conversam e
isso atrapalha o rendimento delas. [...] Não seria aquele problema de disciplina,
mas são meninas irrequietas, não um problema de disciplina” (Rebeca).
Enfim, mesmo entre as professoras que reuni no Grupo 1, à clareza
de critérios de avaliação de aprendizagem nem sempre correspondia uma
clareza do que seria um comportamento adequado a ser construído pela
escola, uma disciplina escolar, embaralhando os grupos de professoras antes
estabelecidos. Apenas uma pesquisa de maior fôlego sobre o cotidiano das
classes poderia explicitar os critérios efetivamente em uso e esclarecer até
que ponto eles se relacionavam às concepções de gênero, aos preconceitos
em relação às famílias pobres e à percepção racial das professoras sobre as
crianças. As informações obtidas só me permitem afirmar que os meninos
eram a fonte maior de dificuldades de disciplina, ainda que a própria definição
dessas dificuldades fosse variável.
Como discuti (Carvalho, 2004a), com base no que já foi também explora-
do na literatura internacional (Connell, 1998, 2000; Kimell, 2000; MacAnGhail,
1995), diferentes formas de masculinidade e feminilidade são forjadas por meio
das atitudes de contraposição às regras e à autoridade escolar. Se parece ser
necessário, antes de mais nada, delimitar entre as professoras essas regras e
exigências, um segundo passo seria uma compreensão mais profunda desses
processos de contraposição à autoridade e seus significados para as próprias
crianças. Tal aprofundamento poderia evitar a naturalização de comportamen-
tos masculinos expressa em frases do tipo “os meninos são assim mesmo”. E
decerto ajudaria as professoras a construírem com seus alunos uma relação
mais positiva com a escola, suas exigências e, consequentemente, também
com o conhecimento escolar.
Finalmente, numa perspectiva de justiça social, a escola deve contribuir,
para além de tudo isso, na construção de relações mais igualitárias e na acei-
tação de uma multiplicidade de formas de ser homem e ser mulher, menino e

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Marília Pinto de Carvalho

menina, branco, branca, negro, negra ou indígena. Isso só será possível com
uma ampla discussão desses temas como parte da formação inicial e continuada
das professoras, de forma que elas possam cumprir um papel transformador
em relação às crianças e às famílias, por meio não apenas de questões relativas
ao desempenho cognitivo, mas também de valores e práticas.
Pois mesmo as professoras que se mostraram atentas à necessidade de
romper com modelos rígidos de gênero junto a suas classes, encontravam
dificuldades, como contou Meire:

[A ideia de] que menina não pode jogar futebol, por exemplo. Então, a gente
conversa muito com as crianças, dá bastante bronca. Por que não pode? Eu
tenho três meninas na minha sala que adoram futebol. No começo, eles tiveram
muita resistência, mas agora eles já brincam. Elas estão umas gracinhas. (Meire)

Creio que para entender as relações de gênero nas escolas, é necessário


reafirmar que a construção de masculinidades e feminilidades entre crianças
e jovens está longe da simples aprendizagem de normas únicas, sendo um
processo com múltiplos caminhos, influenciados por classe, culturas, raça, e
etnia; e que produz diversos resultados. Trata-se de encontros complexos entre
crianças em desenvolvimento com uma instituição poderosa, mas ela mesma
dividida, múltipla e em constante transformação, num processo nem sempre
coincidente com outras dinâmicas sociais ou as histórias de outras instituições.
Essa perspectiva, ao articular as questões de gênero às relações inter-raciais e
de classe social, permite começar a entender o fato de que, na escolarização,
a maioria das mulheres vai melhor que seus pares do sexo masculino, embora
ocupem posições subordinadas no conjunto da sociedade. Isto porque assume
não apenas a especificidade da escola perante outras instâncias sociais, mas
também procura, sem perder de vista, as possibilidades de ação dos sujeitos,
apreender os resultados contraditórios e mutantes das articulações entre diver-
sas relações de poder em cada etapa da vida e em diferentes lugares sociais.
Trazer esse olhar para a análise de dados empíricos, contudo, é um desafio
permanente, uma tarefa complexa que apenas começa a ser enfrentada pelos
estudos educacionais no Brasil.

864 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Gênero, raça e avaliação escolar

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KIMMEL, M. “What about the boys?” What the current debates tell us and don’t tell us about
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Research on Women’s, jan.2000.)

LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo: Ática,
2003.

LINGARD, B.; DOUGLAS, P. Men engaging feminisms: pro-feminism, backlashes and school-
ing, Buckingham: Open University Press, 1999.

MaCanGHAILL, M. The Making of men: masculinities, sexualities and schooling. Buckingham:


Open University Press, 1995.

Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009 865


Marília Pinto de Carvalho

PATTO, M. H. S. A Produção do fracasso escolar: histórias de submissão e resistência. São


Paulo: T. A. Queiroz, 1990.

PERRENOUD, P. Sucesso na escola: só o currículo, nada mais que o currículo! Cadernos de


Pesquisa, São Paulo, n.119, p.9-27, julho 2003.

POLLACK, W. Meninos de verdade: conflitos e desafios na educação de filhos homens. São


Paulo: Alegro, 1999.

SOARES, M. B. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação,


Rio de Janeiro, n. 25, p.5-17, jan./abr. 2004.

Recebido em: junho 2008


Aprovado para publicação em: fevereiro 2009

866 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, set./dez. 2009


Luckesi - avaliação em educação
INTRODUÇÃO --- Este blog trata do tema "avaliação em educação". Os títulos dos artigos já publicados encontram-se indicados na sua aba
direita, em ordem numérica, usando como referência a sequência de publicação em termos de data.--- ENDEREÇO ELETRÔNICO PARA
CONTATO - ccluckesi@gmail.com

sábado, 27 de setembro de 2014

28 - Sobre “medir conhecimento”, “avaliação como modo de discriminação”, “curva de Gauss”,


“conteúdos mínimos necessários”

Texto publicado anteriormente no Terra Blog, em 19 junho de 2010


Cipriano Luckesi

Após uma conferência, recebi pela internet algumas perguntas e alguns comentários, cujas
respostas partilho com todos os interessados, expressando minha gratidão ao emissor da
mensagem, que provocou as considerações que se seguem sobre questões metodológicas da
avaliação, bastante específicas.

Pergunta: Durante a graduação sempre achei que fui "avaliado" de forma injusta, pois muitas
vezes os professores davam notas como 5,1 ou 4,9 e me questinava: "o que significa 0,1 (um
décimo) do meu conhecimento?"  Então surgiu a minha primeira questão sobre a avaliação:
"Como inferir sobre o conhecimento de outra pessoa?" [procuro pensar nessa questão usando
o termo "outra pessoa" de modo filosófico, psicanalítico] .

De fato, é impossível medir uma variação da inteligência de alguém em termos de décimos. Isso
só pode ser feito em função de se admitir uma política classificatória em termos de valores
numéricos utilizados como recursos de expressão dos pontos obtidos através de acertos e erros
num determinado teste. Os procedimentos classificatórios têm mais a ver com concurso do que
com avaliação da aprendizagem. O modelo classificatório foi importado de fora da escola para
dentro da escola. Quando os exames escolares foram sistematizados no século XVI, o modelo
proveio de sistemas classificatórios de fora da escola. Por exemplo, três mil anos antes da era
cristã, os chineses se serviam de provas para selecionar novos membros para o exército. Sendo
seletivo, o processo tinha por base a classificação. A escola importou esse modelo, sem um crivo
crítico e, desse modo, até hoje, usamos no nosso cotidiano escolar o modelo classificatório.

Porém, o ato de avaliar não exige um modelo classificatório; ele, por si, é estranho à avaliação.
Daí a inadequação ou “injustiça” como você denomina.

Uma observação; Outra coisa que percebi, principalmente após ler um pouco de Pierre
Bourdieu - especialmente sobre o conceito de "capital cultural" -  é que a avaliação pode ser
um forte instrumento de discriminação. Tento minimizar, pois para mim, não importa a "nota
per si" mas o caminho percorrido pelo aluno para conseguir aquela determinada nota, pois sei
que para muitos alunos conseguir tirar 4 ou 5 já é um esforço monumental pois muitos deles
estudam somente na escola, não tendo nenhum apoio dos pais, seja por ausencia ou por falta
de escolaridade. Enquanto outros dispoem de largos recursos em casa….
São duas coisas diferentes: uma é a questão do uso inadequado da avaliação como recurso de
discriminação e outro é a questão da efetiva aprendizagem, ou não, dos educandos.

Na história da educação, existem vários estudos, como os de Pierre Bourdieu, de Michel Foucault,
de Philippe Perrenoud, que abordam, dentro de suas respectivas perspectivas, a questão de como
os atos examinativos (que eles denominam, inadequadamente, de “atos avaliativos”) são
discriminadores, do ponto de vista sociológico. Concordo com essa tese, na medida em que em
nossa história social, efetivamente, os atoss examinativos prestaram-se a esse papel e ainda
prestam. Pierre Bourdieu fala da violência simbólica, Michel Foucault do micropoder que a tudo
controla e Perrenoud fala das duas lógicas, uma aparente (avaliar) e outra oculta (discriminar).
Todavia, esses, efetivamente não foram atos avaliativos, mas sim examinativos (classificatórios).

A avaliação, para ser avaliação não necessita da classificação. O ato de avaliar é um ato de
investigar a qualidade do resultado da ação. O que importa saber é se ele tem a qualidade que
deveria ter. Somente isso. Não necessita de ser comparado a outro resultado. A qualificação da
realidade, no ato de avaliar, tem sua base na comparação da realidade descrita com um critério,
mas não com outro resultado. Desse modo, a avaliação, por si, somente detecta a qualidade do
resultado, e, por isso, não discrimina ninguém. Ela diagnostica uma situação, porém nem julga
nem discrimina. O julgamento e a discriminação decorrem de elementos externos à avaliação,
propriamente dita. Para avaliar dez estudantes, não há nenhuma necessidade de compará-los entre
si. Cada um necessita de ser comparado ao seu próprio desempenho, ou seja, cada um aprendeu
ou não de modo satisfatório o que tinha que aprender. E isso basta, pois que só a partir daí ele
poderá ser reorientado.

Outra observação:  Gostaria de saber se "normalização de notas" é um processo justo?  Darei


um exemplo. Quando preparo uma prova e a maior nota da sala é, por exemplo, 8 sei que
houve alguma falha no processo. Então uso uma regra de três, fazendo com que a maior nota
seja equivalente a 10 e as outras são calculadas com base nessa razão.

O termo “normalização” tem sua origem em Gauss, que descobriu que tudo na vida pode ser
distribuído, segundo uma curva estatística denominada “normal”, ou seja, sempre haverá um
segmento inferior, um médio e um superior um determinado grupo, organizado dentro de uma
escala que vai do menor para o maior.

Com essa abordagem nunca conseguiríamos uma curva assimétrica em “j”, ou seja, todos
classificados no segmento superior da curva. Quando você toma a maior nota e a assume como o
maior valor de referência ( “dez”) e, a seguir, distribui todos os outros estudantes
proporcionalmente a este, adota a “distribuição normal”, de Gauss, como o parâmetro. Usando
esse procedimento você mantém sempre a discriminação. Os estatísticos, que, efetivamente,
trabalham com avaliação e não com o rankeamento dos participantes de uma turma de estudantes,
não usam a curva de Gauss como recurso para atribuição de qualidade ao desempenho dos
estudantes, mas sim o critério, ou seja, o padrão de resposta desejado. Em avaliação, o que
podemos dizer é que um estudante aprendeu ou não o que lhe fora ensinado. Somente isso. E, a
partir disso, se necessário, proceder a reorientação para que aprenda o que necessita de aprender.

O rankeamento (classificação) é uma decisão externa à avaliação. Ela, sim, é uma escolha
totalmente política, porque desnecessária. Então, na sua prática, se deseja que, efetivamente, seus
estudantes aprendam o que necessitam de aprender, não deverá tomar a maior nossa e assumi-la
como “dez” e, a seguir, rankear os outros estudantes, mas, sim, ensinar cada um, para que atinja o
mínimo necessário e, então, todos estarão, minimamente, no mesmo nível de aprendizagem — o
necessário, nem mais nem menos que isso.

Por último:  Em tempo: Como dar conta dos  conteúdos  mínimos  e ainda conseguir com que
todos os alunos tenham uma ótima curva de aproveitamento, mesmo quando muitos deles não
demostram nenhum tipo de respeito pela escola, pelo professor?
A meu ver, a solução viável é o estímulo do educador, mostrando como a aprendizagem (aquisição
de habilidades) permite solucionar problemas do dia a dia, o conhecimento necessita de ter uma
significação no cotidiano e tem, importa compreender como cada coisa que ensinamos tem seu
significado na vida e nos ajuda a resolver questões. O que ensinamos e aprendemos é para tornar a
vida melhor. É o nosso entusiasmo de educadores é o recurso fundamental para comprometer
nossos estudantes. Somos os líderes na relação pedagógica. Por último, quando propus fazer uma
curva do aproveitamento dos nossos educandos numa determinada turma não foi e, a meu ver, não
deve ser, para estabelecer um ranking de notas das maiores para as menores, mas sim foi para
sugerir um olhar sobre a efetividade de nossa ação. A curva dos resultados pode nos mostrar como
nossa atividade está sendo efetiva para todos os estudantes, ou não. Se não está, o que faremos
para que venha a ser eficiente para todos? Usar a “curva de Gauss” para justificar uma “justiça”
com todos os estudantes não ajuda em nada. O que ajuda é dar suporte para que cada um aprenda
o mínimo necessário. Marx definiu que justiça é dar a cada um o que ele necessita. Pessoalmente,
acredito que essa é mais significativa forma de justiça. Ela não decorre da comparação, do
ranking, mas da necessidade. Uns necessitarão de mais cuidados e outros menos.

Cumprir isso na sala de aulas, com as carências que temos em termos de condições materiais e
sociais do ensino, é difícil, bem o sei. Todavia, o caminho é esse. Poderemos executá-lo mais, ou
menos, plenamente, mas, parece não haver como fugir dele. Fazer o melhor que podemos, com as
parcas condições que temos. Essa é a possibilidade. Lamentar o escuro não resolve o escuro,
todavia, ascender um palito de fósforo já faz alguma luz.

Grato pela sua missiva.


Um abraço e sucesso em sua vida.

========================================================================
Postado por Cipriano Luckesi às 17:45
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4 comentários:

1.
Anderson Candido9 de junho de 2020 às 20:34

Texto interessante, aprendi algumas dicas de avaliação. Obrigado.

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2.
Unknown29 de outubro de 2020 às 18:13

Acredito que o educador tem o compromisso de transpor barreiras, para atingir objetivos, como ele termina
o texto definindo que somos os lideres na relação pedagógica, e estamos tendo a oportunidade de promover
alguma mudança. Vai valer a pena!

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3.
Anônimo3 de maio de 2023 às 14:05

Sabemos o quanto atualmente está difícil exercer a profissão de professor, porém não podemos desistir do
nosso sonho de uma educação melhor para todos.

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4.
Anônimo4 de maio de 2023 às 15:36

as avaliações, são feitas a todo tempo mesmo entre colegas educados, infelizmente as mesmas
injustiças,muito exclarecedor everdedeiro.

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LISTA DOS ARTIGOS JÁ PUBLICADOS

Os artigos de 01 a 70, foram importados, durante o ano de


2014, de um blog que era mantido por mim no Portal Terra.

01 - Início deste blog

02 - Aprendizagem da avaliação

03 - Avaliação e aprendizagem bem-sucedida

04 - Critérios para a avaliação da aprendizagem

05 - Ainda sobre os critérios de avaliação da aprendizagem

06 - Avaliação da aprendizagem na escola hoje

07 - Resistências ao ato de avaliar

08 - Avaliar domínios cognitivo, afetivo e motor

09 - Completando o tema cognitivo, afetivo psicomotor

10 - Ainda afetividade, cognição e psicomotricidade

11 - Avaliação: instrumentos de coleta de dados I

12 - Avaliação: instrumentos de coleta de dados II

13 - Avaliação: instrumentos de coleta de dados III

14 - Avaliação: instrumentos de coleta de dados IV

15 - Avaliação: Instrumentos de coleta de dados V

16 - Resultados positivos e investimento nos resultados

17 - Frequência como critério de avaliação


18 - Expansão da cultura da avaliação

19 - Expansão da cultura da avaliação, mais uma vez

20 - Novamente, expansão da cultura da avaliação

21 - Planejamento, execução e avaliação

22 - Investigação em geral e avaliação como ato de investigar

23 - Avaliação da aprendizagem e avaliação de sistema

24 - Como praticar a avaliação da aprendizagem

25 - Sobre o texto "Avaliação da aprendizagem: para além do


autoritarismo"

26 - Sobre prova

(Número 27 não existe)

28 - Sobre "medir conhecimento", "avaliação como modo de


discriminação", "Curva de Gauss", "conteúdos mínimos
necessários"

29 - Sobre a simplicidade do ato de avaliar a aprendizagem

30 - Meu novo livro sobre avaliação da aprendizagem

31 - Ensinar, aprender e avaliar: três atos distintos

32 - Avaliação da aprendizagem, institucional e de larga escala

33 - ENEM: avaliação, seleção e orientação para o ensino


médio

34 - Prêmio Jabuti pelo meu último livro sobre avaliação da


aprendizagem

35 - Avaliação de larga escala e diversidades regionais e locais

36 - Prática avaliativa igual para todos os educandos?

37 - Cuidados necessários na prática da avaliação da


aprendizagem

38 - Compreendendo mais sobe: "Avaliação de larga escala e


currículo nacional"

39 - Avaliação de larga escala e currículo escolar nacional

40 - Enem, seleção para o ensino superior e atendimento às


necessidades regionais

41 - Aprofundando: como registrar os resultados da


aprendizagem

42 - O fetiche das notas escolares

43 - Então, como atribuir notas, se essa é a prática em nossas


escolas?

44 - As distorções epistemológicas com as notas escolares

45 - Notas escolares ponderadas

46 - Avaliação e fracasso escolar

47 - Livro sobre notas escolares

48 - Cuidados com a avaliação da aprendizagem: uma síntese

49 - Sobre os estados emocionais e a avaliação da


aprendizagem

50 - Avaliação da aprendizagem e a questão metodológica

51 - Avaliação da aprendizagem: duas compreensões


diferentes, ainda que parecidas

52- Sobre o registro do testemunho do educador de que o


educando aprendeu o que deveria ter aprendido: nota

53 - Recursos técnicos para a coleta de dados para a avaliação


da aprendizagem

54 - Cuidados éticos na prática avaliativa

55 - Avaliação da aprendizagem e o engano do uso do


argumento da subjetividade

56 - Avaliação da aprendizagem: então, onde fica a


subjetividade?

57 - Avaliação da aprendizagem: compreensão teórica e


investimento

58 - Avaliação da aprendizagem escolar: em busca de um


caminho
59 - Intervenção para a construção de resultados satisfatórios
na aprendizagem de redação

60 - Onde os atos de examinar e avaliar se encontram

61 - Educação e maturidade emocional

62 - Momentos históricos da avaliação da aprendizagem

63 - A questão da certificação na prática escolar

64 - Exames e avaliação: onde eles se encontram?

65 - Prática da avaliação da aprendizagem e notas

66 - Novamente, avaliação e registro dos resultados

67 - Avaliação e seleção: fenômenos diversos

68 - Avaliação e níveis de escolaridade

69 - Avaliação dialógica

70 - Avaliação da aprendizagem e Ratio Sudiorum

Artigos publicados em 2014

71 - Sobre recuperação de aprendizagem

72 - Sobre verificação e coleta de dados para avaliação

73 - Transitando dos exames escolares para a avaliação

74 - Sobre avaliação da aprendizagem e avaliação de larga


escala

75 - Registro do desempenho do estudante e avaliação

76 - Avaliação da aprendizagem e atitude proativa I: "da


necessidade de uma atitude positiva em avaliação da
aprendizagem"

77 - Avaliação da aprendizagem e atitude proativa II: "o que é


ser proativo na prática avaliativa"?

78 - Avaliação da aprendizagem e atitude proativa III:


"desempenho da turma de estudantes como desempenho do
sistema de ensino"

79 - Avaliação da aprendizagem e atitude proativa IV: "papel


da gestão escolar"

80 - A questão da justificativa frente frente às dificuldades em


obter em obter sucesso na prática educativa escolar

81 - Práticas complementares: avaliação da aprendizagem


centrada no educando e na prática educativa escolar

82 - Inteligência emocional e avaliação da aprendizagem

83 - Livros sobre avaliação no e-Book

Artigos publicados em 2015

84 - Artigo sobre avaliação na educação infantil

85 - A questão da objetividade ou da subjetividade no ato de


avaliar a aprendizagem dos aprendizes

86 - Avaliação da aprendizagem na educação infantil

87 - O significado do padrão de qualidade na avaliação da


aprendizagem escolar, também na educação infantil?

88 - Ludicidade e formação do educador

89 - O que é "ser rígido --- ou exigente --- na educação


escolar"?

90 - Ainda "sobre ser exigente"

91 - Mais uma vez "sobre ser exigente"

92 - Praticar avaliação no ensino-aprendizagem parece ser


difícil, mas importa investir

93 - O educador como gestor e como avaliador em sala de aula

94 - Ensinar, aprender, avaliar

95 - O cérebro trino, os estados emocionais e o fluxo da vida


96 - Como o cérebro evoluiu e a importância da aprendizagem

97 - Aprendizagem e operação conjunta dos três segmentos


funcionais do cérebro

98 - Condições de ensino e atividade pedagógica

Artigos publicados em 2016

99 - Avaliação da aprendizagem: olhar para o passado ou olhar


para o futuro?

100 - Pela erradicação da reprovação em nossas escolas

101 - Entrevista sobre avaliação, publicado no Jornal do Brasil


no ano 2000

102 - Base comum para o currículo nacional

103 - Senso crítico na abordagem da base nacional comum


curricular

104 - Avaliação subsidiando o sucesso na prática educativa

105 - Avaliação da aprendizagem: senso comum e senso crítico

106 - Aprovar na prática educativa escolar: senso comum e


senso critico

107 - Avaliação e as distorções da contabilização das notas


escolares

108 - Avaliação. Como, então, registrar o desempenho dos


estudantes em sua aprendizagem?

109 - Tipificação da avaliação em educação: uma questão


epistemológica

110 - Heteroavaliação, auto-avaliação e avaliação por opinião:


cuidados metodológicos necessários

112 - O ser humano,m suja educabilidade e o educador

113 - Refinando os conceitos dos atos de examinar e de avaliar


na prática escolar

114 - Ainda refinando conceitos: relação entre ato de avaliar,


tomada de decisão e investimento na melhoria dos resultados
da ação

115 - Compreendendo a avaliação em educação: questões


epistemológicas e práticas

116 - Compreendendo o ato de avaliar em educação... mais


uma vez

Artigos publicados em 2017

117 - Em torno das denominações adjetivadas para a avaliação


em educação

118 - Aprofundando a questão dos usos classificatório e


diagnóstico dos resultados do ato avaliativo da aprendizagem

119 - Avaliação da aprendizagem no ensino superior

120 - Para quê avaliar?

121 - Novo endereço eletrônico do autor do blog

122 - O ato de avaliar e investimento na construção de


resultados satisfatórios

123 - Refinando a compreensão da relação do "uso


diagnóstico" e do "uso classificatório" dos resultados do ato de
avaliar

124 - Ensino, avaliação e democratização social

125 - Anais do VII Congresso Internacional em Avaliação


Educacional/Avaliação e seus espaços: desafios e reflexões

126 - Avaliação na Educação Infantil

127 - Compreensão do significado do ato de avaliar em


educação

128 - Avaliação como um ato natural no ser humano: o que


aprender com ele?
129 - Recriando o ato avaliativo praticado pela natureza:
modalidades sucessiva e pontual

130 - O uso dos resultados da avaliação em educação:


diagnóstico, probatório e seletivo

131 - Professor gestor da sala de aula e professor avaliador

132 - Escola e transformação social

Textos publicados em 2018

133 - Funcionalidade do conhecimento, ensino e avaliação

Textos publicados em 2019

134 - Importância do gestor no ato pedagógico

Textos publicados em 2020

135 - Avaliar como um dos três atos universais praticados


pelo ser humano

136 – Avaliação a serviço do sucesso na


aprendizagem dos estudantes
137 - Avaliação como investigação e base
para sucessivas e ajustadas decisões
138 – Avaliação da aprendizagem escolar
como investigação da sua qualidade
139 Mapa dos conteúdos componentes de um
instrumento de coleta de dados para a
avaliação da aprendizagem
140 Linguagem compreensível na coleta de
dados para a avaliação da aprendizagem
141 Comaptibilidade entre ensinado e
aprendido na elaboração de instrumentos de
coleta de dados para a avaliação da
aprendizagem
142 Precisão

143 Retomando sinteticamente o ato de avaliar a aprendizagem


como uma investigação da qualidade do aprendido

Artigos publicados, por ordem de data e


numerados em ordem crescente

▼  2014 (82)
▼  setembro (33)
01 - INÍCIO DESTE BLOG
02 - Aprendizagem da Avaliação
03 - Avaliação e aprendizagem bem
sucedida
04 - Critérios para a avaliação da
aprendizagem
05 - Ainda sobre critérios de
avaliação da aprendi...
06 - Avaliação da aprendizagem na
escola hoje
07 - Resistências ao ato de avaliar
08 - Avaliar domínios cognitivo,
afetivo e psicomotor
09 - Completando tema cognitivo,
afetivo, psicomotor
10 - Ainda afetividade, cognição e
psicomotricidade
11 - Avaliação: instrumentos de
coleta de dados I
12 - Avaliação: instrumentos de
coleta de dados II
13 - Avaliação: instrumentos de
coleta de dados III
14 - Avaliação: Instrumentos de
coleta de dados IV
15 - Avaliação: instrumentos de
coleta de dados V
16 - Resultados positivos e
investimento nos resul...
17 - Frequência como crtiério de
avaliação
18 - Expansão da cultura da
avaliação
19 - Expansão da cultura da
avaliação, mais uma vez
20 - Novamente, expansão da
cultura da avaliação
21 - Planejamento, execução e
avaliação
22 - Investigação em geral e
avaliação como ato de...
23 - Avaliação da aprendizagem e
avaliação de sistema
24 - Como praticar a avaliação da
aprendizagem
25 - Sobre o texto “Avaliação da
aprendizagem: par...
26 - Sobre Prova
28 - Sobre “medir conhecimento”,
“avaliação como m...
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avaliar a apre...
30 - Meu novo livro sobre avaliação
da aprendizagem
31 - Ensinar, aprender e avaliar:
tres atos distintos
32 - Avaliação da aprendizagem,
institucional e de...
33 - ENEM: avaliação, seleção e
orientação para o ...
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ARTIGOS

O sentido da avaliação educacional:


percepção docente na escola básica
Hélio José Santos Maia*
Urânia Auxiliadora Santos Maia de Oliveira**

Resumo: O presente artigo propõe apresentar resultados de uma pesquisa realizada junto aos professores
da educação básica, considerando como esses professores percebem e compreendem a “avaliação” em
suas práticas pedagógicas. Constitui-se, assim, uma pesquisa de natureza qualitativa, utilizando-se a técnica
de grupos focais realizados durante as coordenações pedagógicas dos professores, no espaço de formação
continuada. A realização de grupos focais representou a forma metodológica menos impactante no tempo
dos professores, já altamente demandados pelas atividades docentes do seu cotidiano. Na sua organização,
professores foram congregados por áreas de atuação, Ciências Naturais e Exatas, Linguagens e seus Códigos
e Ciências Humanas e a cada grupo se apresentou o questionamento “qual o sentido da avaliação na sua
prática pedagógica?”. As discussões foram gravadas e posteriormente transcritas para análises e obten-
ção dos resultados, refletindo os diversos pontos de vista dos envolvidos, ao tempo que se aponta para a
transdisciplinaridade como um caminho mais humano do avaliar. De modo geral, é possível concluir que as
concepções docentes sobre avaliação educacional são múltiplas, mas convergem para o domínio cognitivo
na concepção de Russel & Airasian (2016), ou seja, está centrada nas atividades de cotejo que demandam
aquisições intelectuais.

Palavras-chave: Avaliação. Educação básica. Percepção docente.

* Doutor em Educação, mestre em Ensino de Ciências pela UnB, graduado em Ciências Biológicas pela UFBA, professor adjunto da
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB), ensina na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Educação
na Modalidade Profissional (FE/PPGE-MP/UnB). Contato: heliomaia@unb.br
** Doutora em Educação, mestre em Arte e Educação, graduada em Artes Cênicas pela UFBA, professora Associada da Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA), ensina na graduação e nos Programas de Pós-Graduação Doutorado Mul-
tinstitucional e Muldisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC) e em Educação na Modalidade Profissional (FACED/PPGE-MP/
UFBA). Contato: uraniamaia@gmail.com

42 Revista Com Censo #24 • volume 8 • número 1 • Março 2021


Introdução Durante as aulas, um professor muito simpático
deslindava os tipos de avaliações, como eram cons-
Intenciona-se apresentar neste artigo percepções tituídas, as objetivas e seus tipos, as subjetivas e seus
de professores da educação básica sobre o sentido tipos e aprendia-se a composição técnica de questões
da avaliação em sua prática docente, objetivando evi- para uma avaliação. Pouco se discutia sobre os outros
denciar os múltiplos entendimentos que professores papéis da avaliação, afora a quantificação, a mensu-
possuem sobre o assunto. Na primeira parte do traba- ração do conhecimento adquirido. Naquela época,
lho, intitulado Observando o passado, são apontadas uma compreensão ingênua e rasteira sobre o assunto
observações de como a avaliação historicamente era apenas reforçava os encaminhamentos da educação
tratada, isto é, conectada a um modelo de educação tradicional em uma acepção “bancária” como salien-
bancária, e em seguida a evolução dos conceitos de tada por Paulo Freire. O educador centralizava em si a
avaliação e posturas docentes discordantes sobre os narrativa a ser construída pelos alunos. Segundo Freire
mesmos. O item Revelando questionamentos destaca (2017, p. 80-81),
supostos caminhos para a conscientização dos profes-
sores sobre o sentido da avaliação, ao mesmo tempo A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os edu-
em que faz uma crítica sobre os resultados malsucedi- candos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais
dos do Brasil em avaliações internacionais como o PISA ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipien-
(Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). tes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “en-
No item Metodologia da Pesquisa, são esclarecidos chendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor
educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”,
os caminhos metodológicos utilizados, centrando-se
tanto melhores educandos serão. Desta maneira, a educação
na estratégia de formação de grupos focais com pro-
se torna um ato de depositar, em que os educandos são depo-
fessores da educação básica, com vistas à busca da per- sitários e o educador, o depositante. Em lugar de comunicar-
cepção dos mesmos sobre avaliação. Em Resultados e -se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os edu-
análise de dados, são apresentadas considerações das candos, meras incidências, recebem pacientemente, memori-
percepções dos professores, procedendo-se análises zam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação,
reflexivas sobre seus posicionamentos acerca de avalia- em que a única margem de ação que se oferece aos educan-
ção, ao tempo que são apontados caminhos da trans- dos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.
disciplinaridade para uma avaliação mais humanizada.
Por fim, em Considerações Finais são apontadas a Assim, ao estudante resta o papel secundário e
importância do trabalho de levantamento de percep- passivo de retentor de informações e supostamente,
ções dos professores sobre avaliação, refletindo a mul- de conhecimentos, para posterior “colheita”, com o
tiplicidade de olhares sobre realidades plurais, além de intuito de medir, por meio da avaliação. O sentido
identificar, de modo geral, a opção dos professores “bancário” da educação pode se conectar ainda mais
por certo tipo de avaliação e suas justificativas diante ao propósito de medida trazido pela avaliação tradi-
do sistema educacional vigente, não muito flexível em cional, de forma que é comum se falar em “avaliação
vários aspectos e, em particular, sobre a avaliação. do rendimento escolar”, onde a expressão “rendimen-
to” pode ser tomada no sentido de “poupança” ou
Observando o passado de “investimento” (indo ao campo da economia). O
professor deposita o conhecimento no estudante, com
No final da década de 1980, quando um dos au- a intenção de que ele “renda”, “fermente” de algu-
tores fazia licenciatura em Ciências Biológicas, depa- ma forma e a expectativa é que o estudante reelabo-
rou-se com uma disciplina pedagógica optativa que re ainda melhor do que lhe foi depositado. É comum
escolheu cursar – a princípio por pura curiosidade em estudantes reclamarem de questões complicadas nas
função do seu nome. Chamava-se “Medidas Educa- avaliações, enquanto os exemplos ensinados pelo pro-
cionais”. Entre as expectativas, diante de alguns ca- fessor foram muito simples. Possivelmente isso reforça
minhos, poderia intuir do que se tratava. "Medidas" a ideia de rendimento como incremento da compe-
poderiam se referir a "providências", "deliberações", tência esperada dos alunos. Esse rendimento é men-
"planos", "projetos", mas podia também significar surado em escala numérica ou menções classificatórias
"medição", "aferição" e era esta última acepção que que vão do reprovado ao aprovado superior.
as "Medidas Educacionais", enquanto disciplina, se A avaliação neste sentido tem conotação estática.
referia, tratando-se de avaliação. Um caminho posi- Embora os sujeitos envolvidos no processo ensino e
tivista do quantificar, medir, atribuir “peso”, “quanti- aprendizagem, em resumo, sejam alunos e professo-
dade”, rótulos numéricos. res, a avaliação em um sentido tradicional mensura

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unilateralmente, focando e restringindo-se ao estudan- eliminatório das avaliações um elemento persistente
te. Porém, nas palavras de Hoffmann (1991, p.17-18), nas escolas. Isso pode indicar que, embora o aprimora-
mento da pesquisa acadêmica a respeito da avaliação
A avaliação é a reflexão transformada em ação. Ação, essa, exponha novas tendências e caminhos, os enfoques
que nos impulsiona a novas reflexões. Reflexão permanente mais tradicionais não são superados. As novas aborda-
do educador sobre sua realidade, e acompanhamento, passo gens da avaliação passam a conviver com aquelas mais
a passo, do educando, na sua trajetória de construção de antigas, levando a um quadro de confusões, no qual
conhecimento. Um processo interativo, através do qual edu- quem persiste nos enfoques tradicionais culpa os no-
candos e educadores aprendem sobre si mesmos e sobre a
vos enfoques da avaliação pelo fracasso na aprendiza-
realidade escolar no ato próprio da avaliação.
gem estudantil e os que postulam e adotam as mudan-
O sentido de avaliação apontado pela autora ci- ças colocam a responsabilidade de eventuais fracassos
tada acima confere uma dinâmica de feedback em na persistência dos métodos tradicionais de avaliar.
que o ato avaliativo retroalimenta processos de su- Possivelmente, as discordâncias apontadas acima
pervisão, com a intenção de correção de rumos que podem encontrar um ponto de equilíbrio na conciliação
enseja mudanças com vistas à aprendizagem. Avaliar das abordagens. Luckesi (2005, p. 109) aponta que:
não deve ser apenas julgar o que o aluno aprendeu,
mas analisar também como o professor ensinou. Neste Para praticar a avaliação da aprendizagem na escola, nós não
entendimento, a educação nos seus processos de en- necessitamos abandonar os instrumentos de coleta de dados,
sino-aprendizagem ganha uma dinâmica de constan- que já viemos utilizando em nossa experiência. O que necessi-
te reinvenção, aprimoramento, reelaboração, retorno tamos é usá-los na perspectiva da avaliação e não do exame.
O que distingue a avaliação dos exames não são os instru-
a outros caminhos e estratégias. Valorar seria esse
mentos, mas sim a postura na sua construção e nos seus usos.
o sentido da avaliação, dar valor. Todavia, na maior
parte das vezes não é isso que ocorre. Professores, ao Posturas docentes são influenciadas por fatores
classificarem numericamente estudantes após uma como a formação inicial, aprendizagem vicária vinda da
avaliação de aprendizagem, constantemente estabe- experiência com outros professores, os meios materiais
lecem essa ação como o momento final do processo. da escola onde leciona, entre outros. É importante en-
Ao aluno cabe a responsabilidade de se sair melhor tender as influências de fatores específicos para com-
em outra oportunidade focada em outros conteúdos, preender posturas individuais dos professores.
sem retorno àqueles onde experimentou o fracasso.
Aprender é uma questão temporal. Caso o aluno per- Revelando questionamentos
ca a oportunidade de aprender neste tempo, cabe a
ele se autodirigir para um estudo, quase autodidata, Todavia, como fazer para que professores adap-
caso queira uma recuperação de aprendizagem, sem tados a processos tradicionais avaliativos mudem o
mais a participação do professor. Sobre o aluno recai a enfoque para uma abordagem mais global da avalia-
culpa do fracasso e sobre o professor o mérito do seu ção? É possível pensar em soluções como formação
sucesso, ainda que o professor se “ausente” em um continuada, coordenação pedagógica reflexivas sobre
suposto processo de reorganização do aluno diante o assunto e em vias assemelhadas. Porém, na maior
dos percalços da sua aprendizagem. parte das vezes, estas abordagens progressistas não
são desconhecidas dos professores. Boa parte passou
Os testes, as perguntas e as operações matemáticas, entre pela formação inicial nestes enfoques de avaliar como
tantos exemplos, são usados como instrumentos para pro- processo de construção pedagógica; no entanto, o
var o que o aluno não sabe. Provado que não foi aprendido, exercício de estar em sala de aula e as rotinas escola-
o aluno é culpabilizado e retido. No entanto, os caminhos res, com suas jornadas estafantes das salas lotadas e
já conquistados pelo educando são esquecidos. A ele não ruidosas, das muitas turmas, das longas jornadas de
é possibilitado um olhar encorajador como o do técnico ao
trabalho, enfim, da dura realidade da educação públi-
atleta, ou como o diretor ao ator (FURLAN, 2007. p.38).
ca brasileira, induz o professor à massificação de pro-
Furlan (2007) também mostra em linhas gerais a cessos, favorecendo abordagens que são mais práticas
evolução dos conceitos de avaliação ao longo do sé- para esta realidade. Assim, a avaliação se centrando,
culo XX, saindo de um enfoque de medida para um mera e simplesmente, no exame quantitativo de clas-
enfoque descritivo, passando mais tarde a um pata- sificação, parece ser a maneira mais prática deste pro-
mar de julgamento. Aponta ainda que, a partir da dé- cedimento, afinal o estabelecimento de pontuação se
cada de 1990, a avaliação ascende a um patamar de coaduna com a exigência dos preenchimentos de diá-
negociação, sendo, porém, o caráter classificatório e rios e boletins de rendimento escolar dos alunos.

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para continuar aprendendo ao longo da vida, aplicando os
Sobreviver na escola pública real com suas difíceis
conhecimentos em contextos diferenciados e tomando deci-
condições materiais conduz a uma abordagem tradi-
sões com base no saber historicamente acumulado.
cional por parte dos professores, da aula expositiva
à avaliação. É inevitável essa constatação quando se Utilizar conhecimentos aprendidos em contextos
conversa com os professores. Mesmo que haja alguma diferenciados parece ser o grande desafio dos es-
divergência sobre o assunto, quando a conversa é par- tudantes brasileiros e isso se liga à insuficiência nos
ticular, uma discussão no grupo fortalece essa opinião. outros domínios da aprendizagem. Enquanto o foco
No senso comum, quando se fala de avaliação, avaliativo se centra, no mais das vezes, na cobrança
muitas pessoas pensam sobre provas, testes e asseme- da memória conceitual, as outras aquisições são ne-
lhados. Todavia, como nos apontam Russel & Airasian gligenciadas e ficam evidenciadas nos resultados dos
(2016, p. 15), exames internacionais como o PISA.

A avaliação em sala de aula ocorre por três domínios prin- Metodologia da pesquisa
cipais. O domínio cognitivo engloba atividades intelectuais,
como memorizar, interpretar, aplicar conhecimento, solu- A presente pesquisa delimita-se como qualitativa,
cionar problemas e pensar criticamente. O domínio afetivo utilizando-se a técnica do grupo focal e ocorreu entre
envolve sentimentos, atitudes, valores, interesses e emoções. professores de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em
O domínio psicomotor inclui atividades físicas e ações em que
horário de coordenação pedagógica em uma escola
os alunos manipulam objetos como uma caneta, um teclado
pública do Distrito Federal. A opção pelo grupo focal
ou um zíper.
nas coordenações dos professores pareceu a mais ade-
Os indicativos de Russel & Airasian (2016) se ligam quada, uma vez que questionários ou entrevistas semi-
com a ideia de Delors (2010) sobre os quatro pilares da -estruturadas individuais ocupavam o tempo do pro-
educação para o século XXI: o aprender a conhecer, fessor já tão demandado por tantas atividades. Assim,
o aprender a fazer, o aprender a conviver e o apren- a realização dos grupos ocorreu durante os momentos
der a ser, que exigem do professor outras dimensões destinados à formação continuada, o que fomentou
avaliativas que extrapolam o aprendizado conceitual. discussões e trocas de ideias. Como a escola congrega
Talvez o “aprender a conhecer” seja, na maior parte vários professores das mais diversas áreas, foram pro-
das vezes, a única competência avaliada pelos exames gramados grupos focais nas áreas assim organizadas:
quantitativos tradicionais, que visam apenas mensurar Ciências Naturais e Matemática; Linguagens e seus
a aquisição de conceitos e nem de longe chegam perto Códigos; e Ciências Humanas. Os mesmos ocorreram
da profundidade dos outros domínios apontados. É de em dias diferentes da semana, sendo realizados três
se supor que o domínio cognitivo da avaliação preva- grupos focais contendo cada um de 4 a 10 profes-
lece sobre os demais, sobretudo em concepções tradi- sores, não havendo interações entre professores de
cionais de educação, o que possivelmente leva o Brasil áreas diferentes.
a uma permanente avaliação negativa nos exames in- Definir grupo focal enseja caminhos polissêmicos
ternacionais como o PISA (Programa Internacional de e, segundo Barbour (2009, p.20), “tem resultado em
Avaliação de Estudantes) da OCDE (Organização para confusão mesmo no que diz respeito à definição do
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Nesse que constitui um grupo focal, com os termos "entre-
sentido, nas palavras de Waiselfisz (2009, p. 14), vista de grupo", "entrevista de grupo focal" e "dis-
cussões de grupo focal às vezes utilizados de forma
[...] as avaliações do PISA centram-se nas competências de- intercambiável”. Assim, neste trabalho, sobre grupo
monstradas pelos alunos, isto é, nas habilidades e aptidões focal, adota-se as ideias de Kitzinger e Barbour (1999,
para analisar e resolver problemas, para trabalhar com infor- p. 20): "Qualquer discussão de grupo pode ser cha-
mações e para enfrentar situações da vida atual e não só nos mada de um grupo focal, contanto que o pesquisador
conhecimentos adquiridos na escola, o que as diferencia de esteja ativamente atento e encorajando às interações
outras propostas avaliativas. Nesse terreno o PISA considera
do grupo". Nesse sentido, o encorajamento às intera-
que dominar conhecimentos específicos é importante, mas
ções do grupo procurou garantir que os participantes
que sua utilização depende fundamentalmente da aquisição
de conceitos e habilidades mais amplos. Assim, por exem-
interagissem entre si e não somente com o pesquisa-
plo, na área de Ciências, o domínio detalhado dos nomes
dor. De modo geral, apenas uma questão foi proposta
das plantas e animais é menos importante do que a compre- inicialmente para os grupos de professores: “qual o
ensão de temas de maior abrangência, como o consumo de sentido da avaliação na sua prática pedagógica?”.
energia, a biodiversidade ou a saúde dos indivíduos. Essas Como procedimento metodológico, utilizando-se
habilidades refletem também a capacidade dos estudantes apenas um gravador digital, as interlocuções foram

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registradas e, posteriormente, foram transcritas para Nacional do Ensino Médio (ENEM). A princípio, pro-
análises e obtenção dos resultados. Salienta-se que fessores se expressaram sobre a avaliação como uma
as transcrições visaram apenas a literalidade das falas, “motivação” indutora do “hábito” de estudo. Ou seja,
não se usando para tal, por exemplo, técnicas e exten- nessa visão, o hábito de estudo nasce a partir de uma
sa lista de símbolos-padrão para análise de conversa- coerção representada pela avaliação. Essa postura se
ção prevista por Atkinson & Heritage (1984). Segundo coaduna com a ideia de avaliação punitiva. O aluno es-
Bauer & Gaskell (2002, p. 275), a transcrição completa tuda para obter nota, tendo também uma conotação
de uma análise de conversação pode incluir clímax, classificatória, já que a benesse do dedicado estudo é
sonoridade, ritmo, respirações audíveis e cronome- a nota alta e a punição do não estudo é a nota baixa.
tragem. Certamente esse enriquecimento de detalhes As discussões neste sentido evoluíram para a refle-
nas transcrições pode ser importante em metodolo- xão de que apenas posturas docentes que cobrem o
gias como narrativas de histórias de vida, entrevistas compromisso dos estudantes para a seriedade com os
que envolvem experiências emotivas, entre outras, estudos fazem a diferença entre o que se convencio-
porém, como citado acima, o que se levou em conta nou chamar de escola boa e escola ruim. Alguns pro-
nesta transcrição foi o posicionamento dos professo- fessores apontaram que essa seriedade está centrada
res expressos por suas falas. nos enfoques relacionados à avaliação. Abaixo, uma
professora assim se expressou:
Resultados e análise de dados
A partir de quando a escola pública começou a ficar ruim?
O espaço de coordenação pedagógica é a opor- Para mim, está muito relacionado à avaliação! Podem inven-
tunidade de troca de experiências entre professores, tar modalidades, ciclos, semestralidades... Mas... A avaliação
sendo também espaço formativo e reflexivo. Nele con- pra mim é crucial! Se você não cobra do aluno... Se você não
cobra, não vai adiante! Isso é uma questão que me preocupa
vergem ideias que se renovam, germinam e tomam
muito... Aliás, os alunos chegam assim na Universidade! Prin-
uma forma comum. Enquanto convivência de profes-
cipalmente nos cursos de pedagogia... Esses cursos menos
sores para trocas de ideias, a coordenação pedagógica
concorridos! Nos cursos de licenciatura então... Nem se fala!!
se reveste da importância de espaço de formação con- É complicado isso! A escola pública, quando ela foi de quali-
tinuada e, como tal, sua condução envolve um traba- dade, o que era diferente de hoje? A avaliação. (informação
lho intencional com o objetivo de discutir problemas, verbal – participante da pesquisa).
apontar soluções, aprimorar ideias, estudar teorias, le-
vantar percepções individuais e até coletivas dirigidas A expressão da professora pode ser vista como
à reflexão da prática pedagógica. O papel do coor- uma espécie de saudosismo de um tempo em que o
denador pedagógico, portanto, é aquele do formador próprio sentido da avaliação impunha respeito entre
reflexivo, que nas palavras de Alarcão (1996, p. 8), os estudantes para com a instituição escolar. A rigi-
dez da avaliação é vista como garantia da competên-
[...] é o formador que, detentor das três atitudes básicas iden- cia profissional na atuação docente. Professores mais
tificadas por Dewey (abertura de espírito, responsabilidade e severos, que aplicam avaliações mais duras, que re-
entusiasmo), analisa, numa postura prospectiva, interactiva e tém alunos que não alcançaram os valores normativos
retrospectiva, as implicações da sua actuação não só ao nível mínimos nas suas notas, garantiriam uma educação
técnico e prático, mas também crítico ou emancipatório para de qualidade, pois há uma tendência dos estudantes
ser o agente do desenvolvimento automatizante do profes-
encararem professores rígidos com mais respeito e se-
sor. É a pessoa que sabe adaptar, à sua autoformação, as
riedade. Em um sentido oposto, na visão de Fagundes
estratégias de formação reflexiva que usa com os formandos.
É o profissional que procura a resposta para os problemas
(2015, p. 103-104),
que se lhe colocam na encruzilhada dos factores que tornam
É muito comum, principalmente entre aqueles professores
compreensível o próprio problema.
que desconhecem os princípios da Educação, reprovarem al-
Nesta visada, se propôs aos grupos de professores, guns alunos por "décimos" em uma avaliação final achando
na perspectiva de “grupo focal”, durante as coorde- que com isso estarão forçando os alunos a reverem suas pos-
turas e comportamentos, principalmente quando se trata de
nações pedagógicas, uma discussão-reflexão sobre o
uma prova final ou verificação suplementar. Isso é um grande
sentido da avaliação na prática docente de cada um.
equívoco e ao mesmo tempo um retrocesso. Na realidade,
Para isso, uma abordagem ampla sobre avaliação foi
o professor está tratando a avaliação como um instrumento
feita como preâmbulo para a discussão, aproveitan- meramente quantitativo e excludente o que demonstra ser a
do a oportunidade de refletir sobre um evento roti- avaliação punitiva uma verdadeira aberração.
neiro que ocorre na escola: um simulado para Exame

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que tem características diferentes daquele executado pelo
A inquietação de um professor atiçou mais ainda os professor, que para isso é remunerado. O fato de o aluno
ânimos ao apontar que a leniência com as avaliações sentir-se proprietário do que ele faz o inclui na escola e nos
de certa forma facilitava a aprovação do estudante. estudos. Para que isso ocorra, ele tem de verdadeiramente
Alunos são aprovados sem ter alcançado os objetivos participar da organização, do desenvolvimento e da avaliação
do trabalho: seu, da sua turma e da escola.
de aprendizagem e as avaliações traçadas pelos pro-
fessores não auxiliam no alcances destas metas. Outro Essa postura disciplinar é fruto da formação acadê-
fato apontado pelo professor, diante da perspectiva mica tradicional, pautada na ideia de que o professor
de reprovação dos alunos, é a demonização que o do- tem um trabalho solitário e que deve desenvolver seus
cente sofre quando aumenta o índice de reprovação conteúdos, da melhor maneira possível, competindo
nas turmas em que leciona. Assim, por temor dos di- com o tempo escasso e com a falta de recursos ma-
versos rótulos que está sujeito, abranda a avaliação de teriais, como já foi abordado. A modelagem discipli-
modo a promover mais alunos. nar compreende o conhecimento e a avaliação como
Em um dos grupos de professores, da área de Ci- tramas racionais organizadas, que não consideram os
ências Naturais, um professor levantou outro elemen- fatores afetivos e simbólicos do comportamento hu-
to sensível na discussão sobre educação: a realidade mano. A característica principal da disciplinaridade é a
social dos indivíduos frente o trabalho individual dos objetividade, que define a educação contemporânea,
professores. Para apontar ao cerne desta discussão, se onde os saberes se encontram separados entre si. Uma
transcreve abaixo a expressão deste professor. objetividade desenvolvida em detrimento da subjetivi-
dade, onde se encontram os afetos, os sentimentos, as
Imagina, a essa altura do campeonato, querer que meu aluno emoções. Não podemos pensar na formação humana
do segundo ano, saiba o mínimo do mínimo de taxonomia, privilegiando apenas uma possibilidade de educação.
ou o mínimo de alguma coisa de classificação biológica, se Ensino e avaliação caminham juntos, devendo ser con-
eles falam assim: - Professor, amanhã nós não vem não! – En- siderado o desenvolvimento humano em sua plenitude.
tão, que é que eu vou fazer? O ímpeto de uma resposta que Para ultrapassar a visão individualista do trabalho
dou vem assim: - Olhe... Em Biologia está garantido, mas, se
docente na escola, se concebeu a inter, a multi e a
vocês passarem em Português eu vou entrar com um recurso!
pluridisciplinaridade como formas de articulação entre
(Informação verbal – participante da pesquisa).
as disciplinas, na tentativa de elaboração de projetos
Isso nos remete à ideia muito comum entre os pro- comuns, como estratégias para reunir diversas pos-
fessores de que pela disciplinaridade fragmentada, sibilidades de produção de conhecimentos de cada
em que cada professor “cuida” de uma parte do co- área. No entanto, esse meio de conexão entre as dis-
nhecimento, sua responsabilidade é apenas o que se ciplinas, que está sendo utilizado nas escolas, atende
relaciona com o seu domínio, não se admitindo inter- apenas no que tange os conteúdos pragmáticos e não
ferências na esfera do outro. Cada um deve zelar pela contemplam questões mais subjetivas. A avaliação aí
sua parte. Se todos fizerem o correto, todos ganham. é tratada sempre como processo de mensuração de
Nesse contexto, o individualismo na ação docente com conhecimentos de maneira competitiva e reguladora.
competência conduz à boa educação, o contrário leva Já na transdisciplinaridade, tanto a perspectiva que aí
ao fracasso. A disciplinaridade conduz ao individualis- está posta quanto à nova perspectiva referente à per-
mo das ações, à posse pessoal e egoística dos proces- cepção da realidade são consideradas.
sos por parte do professor, a passividade dos alunos A concepção de transdisciplinaridade que acolhe-
frente ao seu “destino”. A escola é vista como o local mos é a concebida por Basarab Nicolescu (1999), que
de trabalho do professor, trabalho este realizado so- a compreende não como uma estratégica prática de
bre os alunos, como uma matéria-prima inerte a ser ação, mas como uma atitude humana de retorno a
refinada. Todavia, a escola deve exigir uma dinâmica si mesmo, num processo de autoconhecimento e no
inclusiva dos alunos em todo o processo. No entendi- desenvolvimento da empatia para com os outros, uma
mento de Villas Boas (2008, p. 25), verdadeira implicação entre o individuo, a sociedade,
a mente e a materialidade.
A escola é o local de trabalho do professor e do aluno. Esse Assim, retornado à nossa percepção quanto ao po-
trabalho resulta da interação de ambos, em sala de aula sicionamento dos professores pesquisados e seus vá-
convencional e em outros espaços. Portanto, pertence a am- rios posicionamentos sobre o rigor da avaliação geral-
bos, não cabendo ao professor referir-se "à minha aula", "à mente punitiva que é aplicada aos alunos, que por sua
minha disciplina", "à minha prova", "à minha turma" etc., vez se esforçam para atender às exigências e na maio-
excluindo a co-responsabilidade dos alunos. As atividades de
ria das vezes não conseguem, nosso entendimento é
aprendizagem realizadas pelo aluno constituem seu trabalho,

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que isso ocorre por uma razão muito simples: a aquisi- professoras em um dos grupos nos aponta o seguinte:
ção do conhecimento se processa de maneira diferen-
te em cada pessoa. Converso muito com meus alunos e deles começo a obter da-
Aqui consideremos importante recorrer ao concei- dos da realidade de cada um. Tem alunos que moram em lu-
to de Inteligências Múltiplas, desenvolvido pelo psicó- gares remotos na zona rural e que passam o dia trabalhando
logo Howard Gardner (1994) como uma possibilidade em jornadas estafantes! Não têm tempo para estudar o que
de quebra do paradigma da ciência de que só há uma focamos em sala de aula. Esse aluno chega à escola à noite
com todo o sacrifício e muitas vezes só consegue retornar à
única inteligência aquela capaz de resolver problemas.
sua casa meia-noite, onde dorme, acorda ainda madrugada
Ele identificou a existência de vários tipos de inteligên-
para trabalhar e tudo se repete, não restando um outro tem-
cia, considerando que nem todas as pessoas possuem po a não ser esse de sala de aula! Então, punir este aluno
todas as inteligências ou não as possuem desenvolvi- com uma avaliação dura é vitimá-lo duas vezes! (Informação
das. O autor acredita que é possível desenvolver mais verbal – participante da pesquisa).
de uma inteligência, desde que estas sejam considera-
das em sua natureza e especificidade. O autor adverte Como nos aponta o depoimento da professora
ainda que a inteligência acadêmica, obtida através de acima, as realidades de cada estudante são diferen-
qualificações e méritos educacionais, não dever ser o tes e, neste sentido, generalizar processos avaliativos
determinante para se afirmar que uma pessoa é inte- que conduzam ao sucesso generalizado de todos pa-
ligente. Ele elenca as seguintes inteligências: Linguís- rece ser impossível. Por isso é importante, em nossa
tica, Lógico Matemática, Espacial, Musical, Corporal e opinião, que cada um tenha uma visada intuitiva, a
Sinestésica, Intrapessoal, Interpessoal e Naturalista. partir do autoconhecimento, para rever suas posturas
Diante do exposto, compreendemos que a Trans- cristalizadas e duras e assim possibilitar uma expansão
disciplinaridade e a Teoria das Inteligências Múltiplas existencial que reverberará numa atitude de entendi-
podem ser “linhas de fuga” para se pensar numa outra mento do mundo em que se vive e das relações inter-
perspectiva de educação, cujo processo de avaliação se pessoais. Esse movimento interno de revolução exis-
direcione para a valoração do esforço individual de cada tencial radical permitirá uma mudança de percepção
aluno na solução das questões que lhe são apresenta- do mundo e de seus paradigmas, e isso poderá ser o
das, tanto na avaliação formal (testes e prova) quanto ponto de partida para a transformação das instituições
na avaliação oculta cotidiana - vital. O docente trans- educativas e sua forma de avaliação. Avaliar neste sen-
disciplinar percebe a avaliação também como transdis- tido é fazer algo possível e quase personalizado, para
ciplinar. Esse docente que acessou a ideia da educação que o aluno experimente êxito na sua aprendizagem,
transdisciplinar e da possibilidade de serem considera- para que a sensação de não ter aprendido nada não
das as várias inteligências compreende e aceita as dife- o conduza ao fracasso escolar e à evasão, indepen-
renças, respeita as habilidades das diferentes inteligên- dente da sua realidade social. E, dentro da concepção
cias e, portanto, não faz uma avaliação comparativa, da teoria da aprendizagem social cognitiva de Bandu-
mas acolhe os distintos saberes, aceita as diferentes ra (2009), a experiência real de êxito é a fonte mais
culturas, admite as várias inteligências, acata o pensar robusta para a geração em crenças de auto-eficácia.
livre de cada ser humano, reconhece vários níveis de A auto-eficácia é um construto da teoria de Bandura,
realidade, tem uma postura aberta com relação aos mi- que consiste na mobilização de ações que as pessoas
tos, a religião, reconhece a importância da imaginação, fazem para adquirir uma boa performance. O fracas-
da criatividade, da sensibilidade e do corpo no processo so, pelo contrário, leva o estudante à percepção da
de ensino aprendizagem, aceita o mundo em que se sua incapacidade e, como última consequência, ao
vive com suas sociedades distintas e ímpares, se abre abandono dos estudos.
para a compreensão de si e do outro, respeita o plane- Assim, conhecer a realidade de sua turma seria, em
ta, acolhe e respeita o outro ser humano, cria espaço suma, a primeira medida que o professor cioso do seu
de comunhão para aprendizagem e adota uma postura compromisso social deveria fazer. Porém, o trabalho
dialógica a partir da aceitação e tolerância. massificado em longas jornadas, turmas densas, não
Após essa digressão filosófica, retornamos à percep- torna essa postura exequível. A avaliação, quando
ção dos professores sobre a avaliação. Ainda na seara classificatória, é encarada como uma forma de separar
das realidades sociais dos indivíduos, aparecem muitos o “joio do trigo”: quem “leva jeito” para o estudo ou
posicionamentos de professores, inclusive em diferen- não. Mas, a postura do professor diante da necessida-
tes grupos focais, sobre o rigor de avaliações, embora de de conhecer a sua turma é a forma mais ética de
não construam sistemas de estudos extra-classe para estabelecer caminhos para escolhas avaliativas. Segun-
consubstanciar e sedimentar a aprendizagem. Uma das do Russel & Airasian (2014, p. 30),

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[...] há considerações éticas especificamente aplicáveis à ava- experimentaram o ensino regular há 20 e até 30 anos e
liação. Os professores estão em uma posição em que podem retornam para a sala de aula na atualidade com expec-
obter grandes quantidades de informações sobre o passado
tativas mais tradicionais, testemunhadas no passado, e
acadêmico, pessoal, social e familiar dos seus alunos. Além
que por isso tenham dificuldade de aceitação de outros
de ter acesso a essas informações, os professores as utilizam
percursos avaliativos. Sobre isso um dos professores
para tomar decisões que podem ter importantes consequên-
cias de curto e longo prazo para seus alunos. Como exemplo,
apontou que:
o ingresso em uma faculdade e futuras oportunidades pro-
fissionais, sem mencionar a autoestima dos alunos, questões Até já tentei realizar uma avaliação que fosse mais flexível em
que muitas vezes ficam nas mãos das decisões de avaliação relação a cobranças de conteúdos com vista a reforçar mais
dos professores. tarde as deficiências apontadas após a correção. Mas, após a
distribuição das notas, tentei retomar os conteúdos onde iden-
tifiquei deficiências na aprendizagem e os estudantes me sur-
Mas será que o êxito nas avaliações, ainda que em
preenderam dizendo que aquilo já era passado e que não pre-
um nível aquém do necessário para de fato se avaliar
cisavam voltar mais neles. Esse apelo desestimula o trabalho de
o alcance de um objetivo de aprendizagem, instaria os
continuidade que poderia ser uma consequência do que uma
indivíduos a prosseguir em seus estudos? Ou gearia avaliação indicou. Como eram todos adultos, atendi o apelo e
a falsa impressão de que se adquiriu uma aprendiza- segui para frente. (Informação verbal – participante da pesquisa).
gem sem a ter alcançado, aumentando ainda mais os
contingentes de analfabetos funcionais? São questões Ainda que na interlocução do pesquisador com os
difíceis de responder, ainda mais quando a avaliação professores nos grupos focais tenha se tentado obter
tem uma conotação punitiva. Possivelmente, uma repostas sobre o sentido da avaliação em caminhos
abordagem mais humanista em relação à avaliação, mais críticos e conscientes sobre o seu papel como
como uma forma de percepção do trabalho acadê- uma auto-análise do trabalho pedagógico de cada
mico como um todo, onde o professor possa usá-la um em uma perspectiva mais formativa, nenhum ou-
como ponto de partida para se auto-avaliar, para mu- tro encaminhamento por parte dos professores foi
dar percursos e não como ponto de chegada, levaria a apontado nesta direção. Em suas abordagens profes-
uma melhor qualidade educacional. Aqui retomamos sores miraram suas discussões nas condições sociais
a abertura para uma avaliação transdisciplinar, que dos estudantes e nas condições materiais e estruturais
ocorrerá quando o professor entender que a mudan- da escola e do sistema educacional, como se o fazer
ça só acontecerá quando for interna e, a partir daí, a avaliativo tradicional em seus aspectos classificatórios
mudança externa tem grandes possibilidades de acon- tivessem ligação umbilical, quase indissolúvel, com o
tecer, por isso a ideia não é ser inter, multi e pluri- modo de ser da escola atual. Propostas de mudan-
cultural, mas transdisciplinar numa mudança total de ças na avaliação até aparecem no discurso de alguns
paradigmas e transformação ontológica radical, ou professores, mas convergem para aspectos da forma
seja, a relação do individuo com o todo. Na avaliação e não para outros enfoques. Assim, percebe-se que
transdisciplinar há uma articulação de todos os sabe- para mudar a avaliação em outros caminhos, primeiro
res e um respeito pelas diferenças individuais e pelas deve-se mudar o “jeito de ser” da escola. Neste senti-
diferentes inteligências. A compreensão que a tran- do, Perrenoud (1999, p.145) nos indica que,
disciplinaridade é uma atitude comportamental, um
caminho para o autoconhecimento e a relação do eu Mudar a avaliação é fácil de dizer! Nem todas as mudanças
com o outro, conduz para uma inevitável transforma- são válidas. Pode-se bastante facilmente modificar as escalas
ção nas relações interpessoais na escola, o que refleti- de notação, a construção das tabelas, o regime das médias,
rá na mudança curricular instituída. o espaçamento das provas. Tudo isso não afeta de modo ra-
dical o funcionamento didático ou o sistema de ensino. As
Outro aspecto que surgiu nas discussões dos pro-
mudanças das quais se trata aqui vão mais longe. Para mu-
fessores diz respeito à percepção dos alunos sobre o
dar as práticas no sentido de uma avaliação mais formativa,
ato avaliativo. Professores indicam que avaliações mais
menos seletiva, talvez se deva mudar a escola, pois a avalia-
tradicionais são mais aceitáveis do que avaliações dife- ção está no centro do sistema didático e do sistema de en-
renciadas e que os fins avaliativos, neste sentido, têm sino. Transformá-la radicalmente é questionar um conjunto
uma aquiescência maior dos estudantes se forem clas- de equilíbrios frágeis. Os agentes o pressentem, adivinham
sificatórias, quantitativas, para a obtenção de notas que que, propondo-lhes modificar seu modo de avaliar, podem-
aprovem. Possivelmente, essa indicação tenha surgido -se desestabilizar suas práticas e o funcionamento da escola.
em função do público-alvo dos professores envolvidos Entendendo que basta puxar o fio da avaliação para que toda
nos grupos-focais tratar-se de alunos da modalidade a confusão pedagógica se desenrole, gritam: "Não mexa na
de Educação de Jovens e Adultos, onde muitos deles minha avaliação!".

Revista Com Censo #24 • volume 8 • número 1 • Março 2021 49


Diante da expressão de Perrenoud, adquirir outros Chamar o professor da educação básica a apresen-
olhares para avaliação perpassa por mudanças estru- tar seu entendimento sobre avaliação é observar várias
turais que vão da formação inicial de professores ao realidades. Há aquelas em que o professor aponta a
nascimento de outra cultura sobre o fazer pedagógico avaliação como uma maneira de mensurar rendimen-
em um sistema educacional que também tenha sido tos em conotações classificatórias, e, na maior parte
renovado neste aspecto. Portanto, uma mudança de das vezes, os que argumentam neste sentido o fazem
cultura requer uma revolução na postura dos professo- suportados na ideia da exigência burocrática dos siste-
res e, de certa forma, da mentalidade da própria socie- mas escolares em quantificar os indivíduos nos diários
dade. Resta saber o que a sociedade aceita como mu- de classe, para que sejam promovidos à próxima série.
danças, diante também de crenças sociais e culturais Além disso, há também aquelas em que o professor
fortemente arraigadas no espírito de cada um. Uma minimiza a importância da avaliação quando observa
coisa é certa: é mister a ação veemente da academia, as realidades sociais dos alunos, tomando a avaliação
dos formadores de professores, dos pensadores em uma conotação compensatória.
educação em prol de mudanças que incluam em seu Pelo que se observou nos grupos focais, na for-
bojo a avaliação em perspectivas mais humanizantes, mação inicial a maior parte dos professores vivenciou
que favoreçam as aprendizagens. Assim, para concluir estudos e discussões em um amplo leque de enten-
essas reflexões, compreendemos que existe sim uma dimentos sobre avaliação, sua importância, seu papel
possibilidade de reconfiguração da educação e da ava- como fonte de dados para a melhoria da prática peda-
liação. A compreensão transdisciplinar aponta para a gógica. Porém, quase todos são unânimes em afirmar
ideia de que as diversas áreas do conhecimento devem que a opção pela avaliação tradicional, objetiva, de
estar conectadas e reunidas para a formação huma- múltipla escolha e de caráter classificatório é um im-
na. Assim, a avaliação transdisciplinar está focada no perativo do sistema. Ao se trabalhar em salas lotadas,
desenvolvimento humano, onde as idiossincrasias, as onde a identificação pessoal dos indivíduos é quase
distintas inteligências e as diferenças são consideradas impossível, onde o trabalho com outras atividades ava-
e valoradas. A avaliação transdisciplinar pretende dar liativas esbarra na falta de espaço e até na resistência
valor à produção humana, considerando as dificulda- do próprio aluno, o grande número de turmas a lecio-
des e as limitações de cada um. Na avaliação transdis- nar, todos esses fatores tornam o processo avaliativo
ciplinar é possível pensar na colaboração do professor tradicional o mais cômodo para essas situações.
no momento dos testes e provas como gatilho para a O importante é fornecer pistas sobre como a avalia-
expansão do que pode estar adormecido e que, às ve- ção diferenciada pode ser embrionariamente refletiva
zes, necessita apenas de um estímulo para fazer jorrar se nos orientarmos por um caminhar transdisciplinar e
o impulso criador. enxergamos a avaliação como um momento dialógi-
co, mesmo na avaliação formal, onde não se medirá a
aquisição de conhecimentos específicos apenas, mas
Considerações finais se cuidará da formação global do aluno e permitirá
seu desabrochar a partir do autoconhecimento, o que
Levantar percepções de professores sobre assuntos por sua vez o conduzirá para seu desenvolvimento hu-
da Educação se reveste de grande importância, pois, mano. Nesse sentido, é preciso aprender a aprender
revela o que ocorre na realidade do cotidiano docente sempre. Aprender uma nova motivação interna que
no trabalho educativo por meio dos seus protagonis- permita uma expansão da consciência para que se
tas, o que possibilita o encontro dos elementos teóri- possa pensar um mundo mais fraterno e mais huma-
cos com a prática experienciada. Neste sentido, falar nizado, menos materialista e mais espiritualizado, aqui
de avaliação escolar reflete um dos mais controversos no sentido do espírito que move o corpo vivo e vi-
componentes do ambiente educacional, onde não há vente. Pensar uma educação que eduque para a vida,
uniformidade de opiniões ou consenso, em que as numa perspectiva menos competitiva e mais sensível,
críticas aos seus diversos entendimentos vão sempre em que as habilidades individuais predominantes se-
encontrar argumentos divergentes. jam valorizadas e outras tantas sejam desenvolvidas.

50 Revista Com Censo #24 • volume 8 • número 1 • Março 2021


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Revista Com Censo #24 • volume 8 • número 1 • Março 2021 51


Três gerações de avaliação da educação básica no
Brasil: interfaces com o currículo da/na escola
Alicia Bonamino
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Sandra Zákia Sousa


Universidade de São Paulo

Resumo

Analisam-se, neste artigo, três gerações de avaliação da educação


em larga escala, a partir dos objetivos e desenhos usuais em ini-
ciativas implementadas no Brasil. A primeira geração consiste na
avaliação diagnóstica da qualidade da educação, sem atribuição
de consequências diretas para as escolas e para o currículo esco-
lar. As outras duas gerações articulam os resultados das avaliações
a políticas de responsabilização, com atribuição de consequências
simbólicas ou materiais para os agentes escolares. Tomando como
parâmetro de análise os objetivos e desenhos dessas avaliações,
bem como estudos e pesquisas que produziram evidências sobre o
tema, exploram-se possíveis implicações para o currículo escolar.
Por um lado, discutem-se os riscos de as provas padronizadas, com
avaliações que referenciam políticas de responsabilização envol-
vendo consequências fracas e fortes, exacerbarem a preocupação
de diretores e professores com a preparação para os testes e para
as atividades por estes abordadas, levando a um estreitamento do
currículo escolar. Por outro lado, aponta-se o potencial das avalia-
ções de segunda e terceira gerações em propiciarem uma discus-
são informada sobre o currículo escolar, em termos das habilidades
fundamentais de leitura e matemática que ainda não têm sido ga-
rantidas a todos os alunos.

Palavras-chave

Avaliação da educação – Responsabilização – Currículo escolar.

Correspondência:
Alicia Bonamino
Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro
Departamento de Educação
Rua Marquês de São Vicente, 225, 1050 L
22451-900 – Rio de Janeiro/RJ
alicia@puc-rio.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012. 373


Three generations of assessments of basic education in
Brazil: interfaces with the curriculum in/of the school
Alicia Bonamino
Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro

Sandra Zákia Sousa


University of São Paulo

Abstract

Three generations of large scale assessments of education are


analyzed in this article based on the objectives and designs usual in
initiatives of this kind implemented in Brazil. The first generation
consists in the diagnostic assessment of the quality of education,
without attribution of direct consequences for schools and for
school curricula. The other two generations articulate the results of
the assessments to accountability policies, with the attribution of
symbolic or material consequences for the school agents. Taking as a
parameter of analysis the objectives and designs of these assessments,
as well as studies and researches that produced results about this
theme, possible implications for the school curriculum are explored.
On the one hand, a discussion is made of the risks that standardized
tests, with evaluations that make reference to accountability
policies involving weak and strong consequences, may exacerbate
the concern of teachers and principals with the preparation for the
tests and for the activities they include, leading to a narrowing
of the school curriculum. On the other hand, the text points out
the potential of the second and third generation assessments to
stimulate an informed discussion of school curriculum in terms of
the fundamental abilities of reading and mathematics which have
not yet been guaranteed to all pupils.

Keywords

Assessment of education – Accountability – School curriculum.

Contact:
Alicia Bonamino
Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro
Departamento de Educação
Rua Marquês de São Vicente,
225, 1050 L
22451-900 – Rio de Janeiro/RJ
alicia@puc-rio.br

374 Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012.


Dentre os marcos presentes na formula- políticas de responsabilização com atribuição
ção e na implementação das políticas educa- de consequências para os agentes escolares. Na
cionais brasileiras nas duas últimas décadas, literatura sobre o tema, quando as consequên-
ganham destaque as avaliações com elementos cias dessas políticas são apenas simbólicas, elas
comuns a propostas realizadas em outros pa- são chamadas de low stakes ou de responsabili-
íses, expressando uma agenda mundial. Além zação branda. Já quando as consequências são
de outros objetivos, as iniciativas de avaliação sérias, elas são chamadas de high stakes ou de
associam-se à promoção da qualidade do ensi- responsabilização forte (CARNOY; LOEB, 2002;
no, estabelecendo, no limite, novos parâmetros BROOKE, 2006). Tais avaliações são respectiva-
de gestão dos sistemas educacionais. mente identificadas, neste texto, como avalia-
Em relação ao currículo, na maioria dos ções de segunda e terceira geração.
países, e independentemente do grau de des- No Brasil, avaliações de primeira gera-
centralização ou centralização das formas de ção são aquelas cuja finalidade é acompanhar
regulação dos currículos escolares, o que se a evolução da qualidade da educação. De um
constata é uma tendência à utilização de ava- modo geral, essas avaliações divulgam seus re-
liações centralizadas para mensurar o desem- sultados na Internet, para consulta pública, ou
penho escolar dos alunos, sob os mesmos parâ- utilizam-se da mídia ou de outras formas de
metros curriculares aos quais se considera que disseminação, sem que os resultados da avalia-
todos os estudantes deveriam ter acesso. ção sejam devolvidos para as escolas.
Essa perspectiva mais universalista é re- Avaliações de segunda geração, por sua
forçada pelo consenso que parece existir em vez, contemplam, além da divulgação públi-
escala mundial a respeito da pequena varia- ca, a devolução dos resultados para as esco-
bilidade das propostas curriculares, o que se las, sem estabelecer consequências materiais.
reflete nos conteúdos das avaliações nacio- Nesse caso, as consequências são simbólicas
nais e na participação recente de 65 países e decorrem da divulgação e da apropriação
no Programa Internacional de Avaliação de das informações sobre os resultados da escola
Estudantes (PISA), a partir da ideia de que o pelos pais e pela sociedade. Esse tipo de me-
currículo da cada país é comparável aos dos canismo de responsabilização tem como pres-
outros países envolvidos. suposto que o conhecimento dos resultados
No caso do Brasil, a análise dos dese- favorece a mobilização das equipes escolares
nhos das avaliações em andamento leva a que para a melhoria da educação, bem como a
se identifiquem três gerações de avaliações da pressão dos pais e da comunidade sobre a es-
educação em larga escala, com consequências cola (ZAPONI; VALENÇA, 2009).
diferenciadas para o currículo escolar. Ao tem- Avaliações de terceira geração são aque-
po em que se sucedem, essas gerações coexis- las que referenciam políticas de responsabiliza-
tem no âmbito das redes de ensino; daí a neces- ção forte ou high stakes, contemplando sanções
sidade de se tomar tal classificação como um ou recompensas em decorrência dos resultados
recurso analítico. de alunos e escolas. Nesse caso, incluem-se
A primeira geração enfatiza a avalia- experiências de responsabilização explicitadas
ção com caráter diagnóstico da qualidade da em normas e que envolvem mecanismos de re-
educação ofertada no Brasil, sem atribuição de muneração em função de metas estabelecidas
consequências diretas para as escolas e para o (ZAPONI; VALENÇA, 2009).
currículo. No estágio atual das iniciativas de Este artigo procura caracterizar ex-
avaliação em larga escala, emergem outros dois periências de avaliação da educação básica
novos modelos de avaliação com a finalidade em curso no país e explora possíveis relações
de subsidiar, a partir dos resultados dos alunos, com o currículo escolar. O interesse, assim, é

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012. 375


responder às seguintes questões: em que con- Desde a década de 1960, tem-se a amplia-
dições a avaliação da educação em larga escala ção do uso de testes educacionais1; no entanto,
tem consequências para o currículo escolar?; situa-se nos anos finais da década de 1980 a
há evidências disponíveis sobre as interferên- primeira iniciativa de organização de uma sis-
cias da avaliação no currículo escolar? Para temática de avaliação dos ensinos fundamental
tanto, adotam-se como parâmetro para análise e médio em âmbito nacional. Essa sistemática
os objetivos e desenhos de tais avaliações, bem é denominada pelo Ministério da Educação
como estudos e pesquisas que produziram evi- (MEC), a partir de 1991, como Sistema Nacional
dências sobre o tema. de Avaliação da Educação Básica (Saeb)2.
Além desta introdução, o texto está O Saeb, principal sistema de avaliação
organizado em outras quatro seções. A pri- da qualidade da educação básica, avalia, a cada
meira discute as principais características do dois anos, uma amostra dos alunos regularmen-
Sistema Nacional de Avaliação da Educação te matriculados na 4ª e na 8ª série (6º e 9º ano)
Básica (Saeb) que permitem identificá-lo do ensino fundamental e no 3º ano do ensino
como uma avaliação de primeira geração. A médio, em escolas públicas e privadas localiza-
seção seguinte aborda, em suas subseções, as das em área urbana e rural.
avaliações de segunda e terceira geração e as Os testes de desempenho aplicados aos
relações entre formas diferenciadas de res- alunos são conjugados com questionários so-
ponsabilização e currículo escolar, tomando bre fatores associados a esses resultados, tendo
como exemplos a Prova Brasil e as avaliações por foco a escola e seus diferentes agentes. Até
estaduais de São Paulo e Pernambuco. A ter- 2009, foram realizados dez ciclos de avaliação.
ceira seção apresenta uma revisão de estu- Desde sua criação3, o Saeb configura-se
dos e pesquisas sobre as relações entre tais como uma avaliação com desenho apropriado
avaliações e o currículo escolar em diferentes para diagnosticar e monitorar a qualidade da
contextos. O artigo encerra-se com a apresen- educação básica nas regiões geográficas e nos
tação das conclusões. Estados brasileiros. Em 1995, foram introduzi-
das inovações metodológicas em seu desenho,
Primeira geração de políticas de as quais consolidaram sua configuração atual;
avaliação em larga escala: o Saeb são elas: i) inclusão da rede particular de ensino
na amostra; ii) adoção da Teoria de Resposta ao
Embora se tenha evidência de que, des- Item (TRI)4, que permite estimar as habilidades
de os anos 1930, havia interesse do Estado em
1 - Cf. GATTI, 1987.
tomar a avaliação como parte do planejamen- 2 - Uma caracterização mais detalhada da institucionalização do Saeb é
to educacional, é no final dos anos 1980 que apresentada por Alicia Bonamino (2002).
3 - Embora o Saeb tenha-se iniciado anos antes, só em 1994 ele foi criado
a avaliação passa paulatinamente a integrar formalmente por meio da Portaria nº 1.795, de 27 de dezembro.
políticas e práticas governamentais direciona- 4 - A Teoria de Resposta ao Item (TRI) é um modelo matemático que permite
das à educação básica. Como afirma Dirce Nei estimar a capacidade dos indivíduos em determinada área ou disciplina
a partir da premissa de que ela é unidimensional. Vale dizer: presume-
Teixeira de Freitas (2007), se, por exemplo, que os alunos tenham uma capacidade ou competência
para a matemática que define a probabilidade de que determinado aluno
realize adequadamente as diferentes atividades incluídas no banco de
[...] foram necessárias mais ou menos cinco questões. Ela tem algumas vantagens sobre o enfoque clássico, pois
décadas para que a avaliação (externa, em permite pôr questões e alunos em uma mesma escala; fazer estimativas
larga escala, centralizada e com foco no mais precisas das mudanças ao longo do tempo, mediante equiparação
das pontuações; estimar uma medida da capacidade dos alunos que leva
rendimento do aluno e no desempenho dos em conta a dificuldade das questões, isto é, as questões mais difíceis têm
sistemas de ensino) viesse a ser introduzida peso maior na determinação da pontuação individual. Nas pontuações de
TRI, o SAEB adota uma média de 250 pontos, o que corresponde à média
como prática sistemática no governo da nacional dos alunos da 8ª série em 1997. A partir das premissas da TRI,
educação básica brasileira. (p. 51) é possível construir uma escala única de pontuações para populações de

376 Alicia BONAMINO; Sandra Zákia SOUSA. Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil: interfaces...
dos alunos independentemente do conjunto es- base amostral, Estados e municípios sentiam a
pecífico de itens respondidos; iii) opção de tra- necessidade de implantar avaliações que atin-
balhar com as séries conclusivas de cada ciclo gissem todas as escolas. Tal necessidade fez
escolar (4ª e 8ª série do ensino fundamental e com que vários Estados adotassem seus pró-
inclusão da 3ª série do ensino médio); iv) priori- prios sistemas de avaliação. O Estado de Minas
zação das áreas de conhecimento de língua por- Gerais, por exemplo, criou, em 1991, o Sistema
tuguesa (foco em leitura) e matemática (foco em de Avaliação da Educação Pública (Simave), e
resolução de problemas); v) participação das 27 o Ceará, o Sistema Permanente de Avaliação da
unidades federais; vi) adoção de questionários Educação Básica (Spaece), em 1992. Várias ou-
para os alunos sobre características sociocultu- tras iniciativas estaduais e municipais vêm sen-
rais e hábitos de estudo. A partir da introdução do conduzidas desde então. No caso das uni-
dessas inovações, o Saeb tornou comparáveis dades federadas, 14 das 27 possuíam, em 2007,
os desempenhos dos alunos entre anos e séries. sistemas próprios de avaliação (LOPES, 2007).
Os testes cognitivos do Saeb são ela- A coexistência do Saeb com avaliações
borados com base em matrizes de referência, estaduais e, anos mais tarde, com a Prova Brasil
desenhadas a partir de uma síntese do que é faz com que a ênfase inicial na finalidade diag-
comum a diferentes propostas curriculares es- nóstica no uso dos resultados da avaliação per-
taduais, municipais e nacionais, além da con- ca força em face da tendência de focalizar esse
sulta a professores e especialistas nas áreas de uso como subsídio a políticas de responsabili-
língua portuguesa e matemática e do exame zação, o que leva ao reconhecimento de duas
dos livros didáticos mais utilizados nas redes e novas gerações de avaliação da educação bási-
séries avaliadas. ca no Brasil. Como será visto nas seções seguin-
Ainda que a elaboração dos testes leve à tes, tais avaliações envolvem a publicidade dos
definição do que deve ser considerado funda- resultados dos testes por redes e/ou escolas e,
mental em termos de aprendizagem escolar e, no caso da terceira geração, também o estabe-
portanto, do que todos os alunos deveriam saber lecimento de prêmios atrelados aos resultados
e ser capazes de fazer ao final de determinados dos alunos.
ciclos de escolarização, por ser de base amostral,
o Saeb apresenta baixo nível de interferência na Avaliação em educação e
vida das escolas e no currículo escolar. responsabilização
Seu desenho mostra-se adequado para
diagnosticar e monitorar a evolução da qua- No campo educacional, as avaliações
lidade da educação básica, mas não permite que subsidiam políticas de responsabilização
medir a evolução do desempenho individual de operam crescentemente dentro de um referen-
alunos ou escolas. Seus resultados são divul- cial que associa gestão democrática da educa-
gados de forma bastante agregada e, portanto, ção, avaliação e responsabilização. A definição
não permitem apoiar a introdução de políticas aí subjacente de democracia apoia-se em dois
de responsabilização de professores, diretores e princípios orientadores. Por um lado, há a par-
gestores por melhorias de qualidade nas unida- ticipação que acontece, em grande medida, mas
des escolares. não exclusivamente, por meio do processo elei-
Paralelamente, enquanto o MEC desen- toral e do sistema partidário. Para tanto, todo
volvia uma avaliação da educação básica de cidadão deve desfrutar de direitos políticos fun-
distintos níveis de escolaridade: no caso do Brasil, 4ª e 8ª séries do ensino damentais: direito de expressão, de associação,
fundamental e 3ª do ensino médio. Isso permite comparar as médias de votar e de candidatar-se a cargos públicos.
de proficiência em cada disciplina entre os diversos níveis do sistema
educativo, entre as regiões do país e entre os vários anos, situando todos Por outro lado, há a contestação pública entre
os níveis em uma mesma escala. vários atores políticos, não apenas no sentido

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012. 377


da competição política, mas, sobretudo, como em que impera o controle burocrático baseado
controle dos governantes pelos governados. Ou na observância a normas e procedimentos, sem
seja, “os governantes (enquanto agentes da sobe- a participação dos cidadãos, por outro no qual
rania popular) devem responsabilizar-se perante se estabelece o controle a posteriori dos resulta-
o povo por seus atos e omissões no exercício do dos da ação governamental, com a participação
Poder Público” (CENEVIVA, 2005, p. 12). da sociedade. Esse mecanismo pode envolver,
Esses dois ideais de sistemas democrá- ainda, a definição de metas e índices de desem-
ticos – participação e contestação pública – penho, bem como a avaliação direta dos bens
correspondem a duas formas básicas de res- e serviços públicos que estão sendo ofertados
ponsabilização. A primeira delas é o processo (CENEVIVA, 2005).
eleitoral, que expressa o controle vertical sobre A avaliação de políticas e programas pú-
os governantes, sendo um instrumento de par- blicos ganha, assim, um lugar de destaque como
ticipação política, de garantia da soberania po- meio para mensurar seu desempenho e exercer
pular, e que assegura, mediante eleições perió- a prestação de contas à sociedade. Nessa pers-
dicas, a expressão das preferências do povo por pectiva, a avaliação aparece diretamente ligada
meio de mandatos. A segunda forma de respon- ao desempenho da gestão pública, à promoção
sabilização é o controle institucional durante os de maior transparência e à criação de mecanis-
mandatos, o qual garante a contestação públi- mos de responsabilização.
ca e a fiscalização contínua dos representantes Nas próximas seções, veremos como a
políticos, eleitos ou não, no exercício do Poder evolução das avaliações educacionais articula-se
Público (CENEVIVA, 2005). com essa perspectiva, no interior da qual pode-
Impulsionada pela constatação de que a mos identificar o surgimento da segunda e da
democratização do Poder Público deve ir além terceira geração de avaliações em larga escala.
do voto, essa forma de responsabilização vem
sendo considerada na perspectiva do aperfeiço- Segunda geração de avaliação da educação –
amento das instituições estatais, o que envol- responsabilização e currículo: a Prova Brasil
ve, ao mesmo tempo, a melhoria das políticas
e dos programas governamentais e uma maior A fim de aumentar o conteúdo informa-
transparência e responsabilidade nas ações de cional da avaliação e suas consequências sobre
política pública. as escolas, foi implementada, a partir de 2005,
Nos últimos anos, ganhou relevância a a Prova Brasil, que permite agregar à perspec-
relação entre a qualidade das ações dos go- tiva diagnóstica a noção de responsabilização
vernos e os controles e incentivos a que estão (FERNANDES; GREMAUD, 2009). A justificati-
submetidos os governantes e a burocracia, bem va para sua implementação indicava as limita-
como entre o fortalecimento dos mecanismos ções do desenho amostral do Saeb em retratar
de responsabilização e o aperfeiçoamento das as especificidades de municípios e escolas e em
práticas administrativas. induzir dirigentes públicos estaduais e munici-
Dois mecanismos, em particular, têm sido pais na formulação de políticas para a melhoria
apontados no estabelecimento de novas formas do ensino.
de participação e controle da sociedade sobre as A Prova Brasil, que ocorre a cada dois
ações do Estado: o controle social e o controle anos, foi idealizada para produzir informações a
de resultados. A introdução de mecanismos de respeito do ensino oferecido por município e es-
controle social e de responsabilização da ad- cola, com o objetivo de auxiliar os governantes
ministração pública pelo desempenho de políti- nas decisões sobre o direcionamento de recur-
cas e programas governamentais aparece como sos técnicos e financeiros e no estabelecimento
uma promessa de substituição de um modelo de metas e implantação de ações pedagógicas

378 Alicia BONAMINO; Sandra Zákia SOUSA. Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil: interfaces...
e administrativas, visando à melhoria da qua- Os resultados da Prova Brasil passaram
lidade do ensino. De outra parte, considera-se a ser amplamente divulgados e, atualmente,
que essa avaliação pode funcionar como um o Ideb é o principal indicador adotado pelo
elemento de pressão, para pais e responsáveis, Governo Federal para traçar metas educacio-
por melhoria da qualidade da educação de seus nais a serem alcançadas por escolas e redes es-
filhos, uma vez que, a partir da divulgação dos taduais e municipais. A ideia central do sistema
resultados, eles podem cobrar providências para de metas foi obter um maior comprometimento
que a escola melhore. das redes e escolas com o objetivo de melhorar
A introdução da Prova Brasil em 2005 os indicadores educacionais. Supõe-se que um
e sua repetição, a cada dois anos, permitem a sistema de metas pactuado entre o MEC e as
comparação, ao longo do tempo, entre as esco- secretarias de educação de Estados e municípios
las que oferecem o ensino fundamental. Em sua serviria para aumentar a mobilização da socie-
primeira edição, ela avaliou mais de 3 milhões dade em favor da qualidade da educação. Nessa
de alunos em aproximadamente 45.000 escolas perspectiva, é preciso lembrar que o Brasil pos-
urbanas de 5.398 municípios; foi muito além, sui um sistema educacional descentralizado,
portanto, do Saeb, que avalia, em média, uma com mais de 5.000 redes de ensino com auto-
amostra de 300.000 alunos. nomia para gerir suas escolas (FERNANDES;
A Prova Brasil foi censitária para as es- GREMAUD, 2009).
colas urbanas em 2005 e 2007. Em 2007, al- A divulgação dos resultados da primei-
terou-se o número mínimo de alunos na série ra edição da Prova Brasil ocorreu em julho de
avaliada, que passou de trinta para vinte. Essa 2006 por intermédio dos principais meios de
alteração foi realizada para possibilitar que comunicação e de um boletim disponibilizado
aproximadamente quatrocentos municípios que na Internet e enviado a cada uma das escolas
não participaram da primeira edição pudessem participantes. Esse boletim apresentava, entre
ser incluídos na avaliação. Já na terceira edi- outras informações, os resultados das escolas
ção, em 2009, houve a ampliação do universo em uma escala de desempenho e as médias al-
avaliado, de modo a incluir também todas as cançadas pelas escolas das redes municipal, es-
escolas rurais que tivessem, no mínimo, vinte tadual e federal.
alunos nas séries avaliadas. Enquanto a mídia divulgava rankings
Os resultados da Prova Brasil de 2007 pas- de escolas, com destaque para os melhores e
saram a integrar o Indicador de Desenvolvimento piores resultados, nos sites do Inep e do MEC,
da Educação Básica (Ideb5), referência para a enfatizava-se, como novidade da Prova Brasil,
definição de metas a serem alcançadas, gradual- a devolução dos resultados para as escolas a
mente, pelas redes públicas de ensino até 2021. fim de colaborar com o planejamento das ações
O princípio básico de tal indicador é o de que pedagógicas (OLIVEIRA, 2011).
a qualidade da educação envolve que o aluno Em 2009, meses antes de acontecer a ter-
aprenda e passe de ano. Com o Ideb, o desempe- ceira edição da Prova Brasil, o Inep e o MEC dis-
nho passa a ser medido por meio da Prova Brasil tribuíram duas publicações em todas as escolas
e a aprovação, por meio do Censo Escolar. Os públicas: a Matriz de Referência da Prova Brasil
índices de aprovação permitem levar em conta o e do Saeb – Ensino Fundamental e a Matriz de
número de anos que, em média, os alunos levam Referência do Saeb – Ensino Médio e de Ensino
para completar uma série. Fundamental, ambas com exemplos de itens
de edições anteriores comentados. No caso da
Prova Brasil, no entanto, por razões adminis-
5 - O Ideb foi criado pelo Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao MEC. Para informações trativas, os resultados não foram divulgados às
mais detalhadas, consultar <http://www.inep.gov.br> e FERNANDES 2007. escolas, podendo ser encontrados apenas nas

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012. 379


tabelas que apresentam as pontuações obtidas tos adotados pelos sistemas de avaliação, os
pelas escolas no Ideb de 2009 (OLIVEIRA, 2011). quais tendem a assumir, na elaboração dos
Com a divulgação, pelo Governo Federal, itens das provas, a matriz de referência do
de resultados nacionais da Prova Brasil, asso- Saeb e da Prova Brasil6.
ciada a iniciativas de governos estaduais nessa No entanto, há especificidades nas ava-
mesma direção – por exemplo, Minas Gerais, liações educacionais e no uso de seus resultados
Ceará e Rio Grande do Sul –, passa-se a contar que ilustram as características das relações en-
com experiências de avaliação da educação de tre avaliações de terceira geração, políticas de
segunda geração, caracterizadas por inovações responsabilização e currículo escolar.
que incorporam a divulgação de resultados de
modo a permitir comparações não apenas entre Evoluções recentes na avaliação estadual de São Paulo
redes, mas entre escolas.
A estratégia da mídia de divulgação, por O Sistema de Avaliação do Rendimento
meio de rankings, embora não oficial, junta- Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) foi
mente com a distribuição nas escolas da matriz implantado em 1996, apresentando-se com os
de conteúdos e habilidades utilizada na elabo- seguintes objetivos:
ração dos testes de língua portuguesa e mate-
mática, introduz perspectivas concretas de in- • Subsidiar a Secretaria de Educação
terferência mais direta no que as escolas fazem na tomada de decisão quanto à política
e em como o fazem. educacional;
Em termos de responsabilização, no en- • Verificar o desempenho dos alunos da
tanto, a Prova Brasil e o uso de seus resultados educação básica para fornecer informações
para composição do Ideb integram uma política a todas as instâncias do sistema de ensino
de responsabilização branda, uma vez que se li- que subsidiem a capacitação dos recursos
mitam a traçar metas e a divulgar os resultados humanos do magistério; a reorientação
dos alunos por escola e rede de ensino, sem atre- da proposta pedagógica das escolas, de
lar prêmios ou sanções a esses resultados, como modo a aprimorá-la; a viabilização da
é característico das políticas de responsabili- articulação dos resultados da avaliação
zação sólida (HANUSHEK, 2004; HANUSHEK; com o planejamento escolar, capacitação e
RAYMOND, 2005). Tais políticas e suas relações o estabelecimento de metas para o projeto
com a terceira geração das avaliações educacio- de cada escola. (SÃO PAULO, 1996, p. 7)
nais serão tratadas na próxima seção
Os objetivos explicitados indicam que a
Terceira geração de avaliação da educação – avaliação tinha dupla orientação: servir de re-
responsabilização e currículo: as avaliações ferência para a elaboração de políticas, por par-
estaduais de São Paulo e Pernambuco te da Secretaria de Educação, e orientar a cons-
trução da proposta pedagógica e a elaboração
Vários sistemas estaduais e municipais do planejamento pelas escolas. Associando a
de ensino básico vêm desenvolvendo propos- avaliação à melhoria da qualidade do ensino, o
tas próprias de avaliação – usualmente ca- documento de implantação revela que tal qua-
racterizadas pela avaliação censitária de suas lidade é dependente, por um lado, do compro-
escolas – por meio de aplicação de provas aos misso dos gestores do sistema de ensino e, por
alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamen- outro, das escolas, sendo estas particularmente
tal e 3º ano do ensino médio, com frequência responsabilizadas pelo desempenho dos alunos.
bianual. Cotejando-se as propostas em curso,
nota-se grande similaridade nos delineamen- 6 - Cf. LOPES, 2007; SOUSA; OLIVEIRA, 2007.

380 Alicia BONAMINO; Sandra Zákia SOUSA. Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil: interfaces...
A noção de responsabilização, direcio- • Divulgação dos resultados do SARESP
nada aos professores e demais profissionais da 2007 para todas as escolas, professores,
educação, concretizou-se no ano de 2000, com pais e alunos em março de 2008.
a instituição do Bônus Mérito, cuja distribuição
levou em conta os resultados da avaliação em Meta 9 - Gestão de Resultados e Política
larga escala7. de Incentivos:
Em 2007, quando a então Secretária de
Educação Maria Helena Guimarães Castro e o • Implantação de incentivos à boa gestão
Governador José Serra anunciaram o Plano de escolar valorizando as equipes.
Metas, evidenciou-se a importância que a ava- • O SARESP 2005 e as taxas de aprovação
liação em larga escala assumiria para essa ges- em 2006 serão a base das metas estabele-
tão. A 5ª meta estabelecida no Plano previa um cidas por escola.
aumento de 10% nos índices de desempenho • Também serão considerados indicadores
dos ensinos fundamental e médio nas avalia- como a assiduidade dos professores e a es-
ções nacionais e estaduais. Ao estabelecer essa tabilidade das equipes nas escolas.
meta, a Secretária indica a continuidade do • Cada escola terá metas definidas a partir
SARESP, e, dentre as 10 Metas para uma Escola da sua realidade, e terá que melhorar em
Melhor, duas enfatizavam o papel da avaliação relação a ela mesma.
em larga escala no desenvolvimento da política • As escolas com desempenho insuficiente
educacional paulista. As metas foram divulga- terão apoio pedagógico intensivo e recebe-
das com a seguinte redação: rão incentivos especiais para melhorarem
seu resultado.
Meta 8 - Sistemas de Avaliação: • As equipes escolares que cumprirem as
metas ganharão incentivos na remunera-
• A avaliação externa das escolas esta- ção dos profissionais.8
duais (obrigatória) e municipais (por ade-
são) permitirá a comparação dos resultados Essas metas ilustram a importância atri-
do SARESP com as avaliações nacionais buída aos resultados das avaliações em larga
(SAEB e a Prova Brasil), e servirá como escala nas gestões da Secretária Maria Helena
critério de acompanhamento das metas a Guimarães Castro (2007 a 2009) do Secretário
serem atingidas pelas escolas. Paulo Renato de Souza (abril de 2009 a 2010). As
• Participação de toda a rede na Prova metas 8 e 9 permitem concluir que os objetivos
Brasil (novembro de 2007). indicados para o SARESP em 1996 permanecem
• Capacitação dos professores para o uso até os dias atuais, evidenciando que a avaliação
dos resultados do SARESP no planejamento deve servir tanto para uso dos gestores dos sis-
pedagógico das escolas em fevereiro de 2008. temas, quanto na orientação do planejamento e
do trabalho pedagógico nas escolas.
7 - O Bônus Mérito foi instituído no Governo de Mario Covas (1999- A política iniciada na gestão da
2001), pela Lei Complementar no 891/00, e mantido durante as gestões Secretária Maria Helena e que vem tendo
de Geraldo Alckmin (2001-2002 e 2003-2006). Atualmente, na gestão
de José Serra, a Secretaria de Estado da Educação instituiu novo Bônus
continuidade revela preocupação com a apro-
Mérito, cujo cálculo baseia-se no Índice de Desenvolvimento da Educação priação dos resultados pelos órgãos gestores
do Estado de São Paulo (IDESP), o qual tem como um de seus critérios o do sistema e pelas escolas. Dentre as medidas
desempenho dos alunos nas provas de língua portuguesa e matemática do
SARESP. Essa vinculação fortalece a relação entre o pagamento do bônus tomadas em tal gestão, está a implantação de
e a avaliação em larga escala. Para saber mais sobre a bonificação por um currículo unificado que se apresenta como
resultados, ver Lei Complementar no 1.078/08 e Resoluções SEE nº 21/09;
22/09; 23/09 e 26/09. Para informações sobre o IDESP, consultar <http://
idesp.edunet.sp.gov.br>. 8 - Disponível em: <www.educacao.sp.gov.br>. Acesso em: 15 jan. 2010.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012. 381


norteador da organização do ensino, pautando cada período de escolaridade avaliado, não
os parâmetros da avaliação. Essa unificação do apenas para a continuidade dos estudos,
currículo relaciona-se diretamente com as mu- mas para a vida em sociedade;
danças implementadas no SARESP a partir de • monitorar o desempenho dos estudantes
2007, sobretudo com a adoção da TRI. ao longo do tempo, como forma de avaliar
A análise do currículo oficial e das matri- continuamente o projeto pedagógico de
zes do SARESP revela a correspondência entre cada escola, possibilitando a implementação
o currículo, as matrizes e os materiais didáticos de medidas corretivas quando necessário;
disponibilizados para professores (desde 2008) • contribuir diretamente para a adaptação
e para alunos (desde 2009), denominados ca- das práticas de ensino às necessidades dos
dernos do professor e do aluno. Esses materiais alunos, diagnosticadas por meio dos instru-
apresentam situações de aprendizagem que vi- mentos de avaliação;
sam orientar e apoiar, a partir do currículo, o • associar os resultados da avaliação às po-
trabalho docente em sala de aula. líticas de incentivo com a intenção de re-
duzir as desigualdades e elevar o grau de
Evoluções recentes na avaliação estadual de eficácia da escola;
Pernambuco • compor, em conjunto com as taxas de apro-
vação verificadas pelo Censo Escolar, o Idepe.
Um aspecto central da política educa-
cional no Estado de Pernambuco foi a intro- A característica central dessa política é a
dução, pelo Governador Eduardo Campos e formulação de metas para cada escola e a con-
pelo Secretário de Educação Danilo Cabral, cessão do Bônus de Desempenho Educacional
de um sistema de responsabilização educa- (BDE) às escolas que cumprirem suas metas.
cional. Esse sistema inclui a condução anu- Dessa forma, as notas dos alunos nas provas
al do Sistema de Avaliação Educacional de de proficiência do Saepe são utilizadas, junta-
Pernambuco (Saepe), a ampla divulgação de mente com o Idepe, para a definição das metas
seus resultados, avaliações bimestrais de es- a serem alcançadas.
tudantes por notas e o monitoramento bimes- O Idepe considera tanto os resultados
tral de indicadores educacionais de cada es- da avaliação do Saepe em língua portuguesa e
cola da rede estadual por meio de um sistema matemática dos alunos de 4ª e 8ª séries do en-
informatizado. sino fundamental e do 3º ano do ensino médio,
O Saepe foi realizado pela primeira vez quanto a média de aprovação dos alunos, me-
em 2000. Em 2005, ele foi novamente aplica- dida pelo Censo Escolar. Assim, para elevar o
do, mas seus resultados somente foram con- Idepe, a escola deve, necessariamente, apresen-
solidados e divulgados em 2007. A partir de tar melhorias na média da proficiência dos alu-
2008, começou a ser realizado anualmente, e nos no Saepe e na média da taxa de aprovação.
seus resultados passaram a compor o Índice As metas a serem alcançadas pelos alunos
de Desenvolvimento da Educação Básica de são pactuadas entre a Secretaria de Educação e
Pernambuco (Idepe). a escola. Cada escola possui sua própria meta,
O Sistema também coleta informações calculada de acordo com suas particularidades.
sobre as condições socioeconômicas e culturais Além disso, as metas são compatíveis com o es-
dos estudantes, dos professores e da equipe ges- tágio da escola: para cada série avaliada, é es-
tora. Seus principais objetivos são: tabelecida uma meta para língua portuguesa e
• produzir informações sobre o grau de uma meta para matemática. A diferença entre o
domínio dos estudantes nas habilidades e Idepe utilizado como referência e o esperado é a
competências consideradas essenciais, em meta para cada disciplina e cada série avaliada,

382 Alicia BONAMINO; Sandra Zákia SOUSA. Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil: interfaces...
e a média dos resultados efetivamente alcança- sores que atuam em modalidades de ensino não
dos demonstra o percentual obtido pela escola testadas, como educação de jovens e adultos e
em relação às suas metas. educação infantil, têm acesso ao bônus caso a
As metas de 2008 foram definidas de escola possua alguma série testada. Para as es-
forma que as escolas alcançassem o ponto mé- colas que não alcançarem as metas, a legislação
dio entre o Idepe inicial, em 2005, e a meta de prevê reforço técnico, pedagógico e estrutural,
2009. Essas metas variaram entre os grupos de com o objetivo de elas reenquadrarem-se nos
baixo desempenho, desempenho intermediário e critérios do BDE no ano letivo seguinte.
alto desempenho. No entanto, a partir de 2009, Além do resultado das escolas, o site
as metas são únicas para todas as escolas den- da avaliação apresenta as matrizes utilizadas
tro de um mesmo grupo. na elaboração dos itens dos testes, com expli-
O Saepe constitui uma avaliação de ter- cações detalhadas sobre os descritores, os co-
ceira geração em apoio a mecanismos de res- nhecimentos e as competências esperadas para
ponsabilização forte cuja expressão mais con- cada série dos ensinos fundamental e médio,
sistente é o referido BDE. A bonificação varia além de boletins de resultados contendo a aná-
de 50% a 100%: as escolas estaduais que ob- lise contextual com informações nacionais e
tiverem um índice global abaixo de 50% não por município e Estado.
recebem o bônus; a escola que alcançar 50% O Saepe constitui-se, assim, como uma
da meta estipulada recebe a metade do bônus; a avaliação capaz de pautar o currículo e o que
partir daí, o valor é proporcional ao percentual os alunos devem aprender em cada fase do ci-
da meta atingido. clo escolar.
A Secretaria de Educação também in-
centiva o reconhecimento dos professores que Avaliação em larga escala e
permanecem numa mesma escola. Para tanto, o currículo escolar: o que dizem as
cálculo do bônus considera a proporcionalidade pesquisas?
no cumprimento da meta a partir de 50% e a
lotação do professor na escola por, no mínimo, Avaliações de segunda e terceira gera-
seis meses do ano letivo de referência para a ção, associadas à introdução de políticas de
concessão da remuneração. O BDE é coletivo, responsabilização baseadas em consequências
uma vez que todos os funcionários lotados e em simbólicas e materiais, têm o propósito de criar
exercício na escola têm direito ao bônus. Ele é incentivos para que o professor se esforce no
também proporcional ao salário e ao percentual aprendizado dos alunos. No entanto, evidên-
de cumprimento da meta. cias nacionais e internacionais mostram que
Em Pernambuco, o valor máximo a ser principalmente o uso de resultados das avalia-
recebido por cada servidor não está definido a ções de terceira geração para informar inicia-
priori. Enquanto em São Paulo esse valor che- tivas de responsabilização forte pode envolver
ga, no máximo, a 2,4 salários, em Pernambuco, riscos para o currículo escolar. Um deles é a
apenas o valor total alocado pelo governo situação conhecida como ensinar para o teste,
para pagamento do bônus é fixo. Além dis- que ocorre quando os professores concentram
so, a condição para que os servidores de uma seus esforços preferencialmente nos tópicos
escola tenham acesso ao bônus é a existência que são avaliados e desconsideram aspectos
de uma das séries testadas pelo Saepe (4ª e 8ª importantes do currículo, inclusive de caráter
série do ensino fundamental e 3º ano do ensino não cognitivo.
médio). Desse modo, uma escola que atenda ex- É difícil discordar da alegação de que as
clusivamente a modalidades de ensino não tes- avaliações em larga escala lidam com uma visão
tadas não tem acesso ao bônus. Porém, profes- estreita de currículo escolar diante do que as es-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012. 383


colas se propõem como objetivos para a forma- ensino pela Secretaria de Educação do Distrito
ção de seus estudantes. Também é complexo o Federal. Tal questão também foi investigada em
uso de testes padronizados para aferir objetivos duas escolas do Distrito Federal, as quais apre-
escolares relacionados a aspectos não cognitivos. sentavam o maior e o menor Ideb. Por um lado,
O problema decorre do fato de os currí- os gestores educacionais mostraram conhecer a
culos escolares possuírem múltiplos objetivos, Prova Brasil, inclusive do ponto de vista técni-
ao passo que as medidas de resultados utiliza- co, além de percebê-la como um instrumento
das pelas avaliações em larga escala tipicamen- que estabelece os parâmetros de qualidade de
te visam a objetivos cognitivos relacionados à ensino que devem ser alcançados pelas escolas.
leitura e à matemática. Essa não é exatamente Nessa perspectiva, os gestores declaram que os
uma limitação das avaliações, mas demanda melhores resultados obtidos por algumas es-
atenção para riscos relativos ao estreitamento colas nas avaliações são utilizados por outras
do currículo, os quais podem acontecer quando escolas da rede como indicativo da qualidade
há uma interpretação distorcida do significado do trabalho que estão desenvolvendo. Por ou-
pedagógico dos resultados da avaliação. tro lado, as equipes da Secretaria de Educação
Os estudos sobre o tema no Brasil são ain- percebem a Prova Brasil como uma iniciativa
da limitados e bastante recentes. Mesmo assim, que possibilita unificar o processo de ensino-
eles colaboram para o entendimento sobre como -aprendizagem, no sentido de dar a conhecer o
escolas e secretarias de educação interpretam e que está sendo ensinado e aprendido em todas
articulam as relações entre as três gerações da as escolas do país.
avaliação em larga escala e o currículo escolar. Complementarmente, os professores das
Os resultados da pesquisa realizada por duas escolas investigadas afirmam que a Prova
João Luiz Horta Neto (2006) sobre o uso dos da- Brasil contribui para a unificação do ensino
dos do Saeb 2003 pela Secretaria de Educação em suas instituições. Isso é tido como um fato
do Distrito Federal para orientar o planejamen- positivo, uma vez que a unificação curricular
to da rede de ensino, por exemplo, ajudam a poderia vir a contribuir para que estudantes de
ilustrar a escassa interferência de avaliações de todo o país tivessem acesso aos mesmos conhe-
primeira geração no contexto da gestão edu- cimentos, independentemente da localidade em
cacional. A pesquisa indicou que, apesar de que vivem e da escola que frequentam. Dessa
os gestores da Secretaria de Educação defen- forma, professores e gestores percebem a Prova
derem a importância do Saeb, eles têm pouco Brasil como uma referência para a possível im-
conhecimento e praticamente não utilizam os plantação de um currículo comum nacional.
dados gerados pela avaliação nos processos Coordenadores e professores das escolas
de gestão, principalmente devido a limita- pesquisadas por Oliveira (2011) também decla-
ções para compreender os resultados produzi- raram buscar redefinir o conteúdo programático
dos. Essa pesquisa, ao mesmo tempo em que de modo a atender ao que é avaliado pela Prova
demonstra a baixa capacidade do Saeb para Brasil. Como a avaliação é geralmente aplicada
impactar a gestão educacional e as atividades antes do término do ano letivo, as escolas anteci-
escolares, contribui para a compreensão da pam os conteúdos para que os alunos consigam
emergência de uma segunda geração de ava- responder aos testes, a fim de garantir uma boa
liação educacional que, como a Prova Brasil, média de desempenho para a escola. Ainda na
permite que as escolas enxerguem-se nos resul- perspectiva do que a literatura denomina ensinar
tados produzidos. para o teste, os professores afirmam ter incorpo-
Ana Paula Oliveira (2011) pesquisou em rado a prática de preparar os alunos para se ha-
que medida os resultados da Prova Brasil 2007 bituarem aos textos, aos comandos e à extensão
têm servido de subsídio para a gestão da rede de dos testes de leitura da Prova Brasil.

384 Alicia BONAMINO; Sandra Zákia SOUSA. Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil: interfaces...
Pesquisas que analisaram a implementa- obterem melhores resultados, como ensinar a pre-
ção da avaliação no Estado de São Paulo desta- encher gabaritos e aplicar provas com questões
cam elementos que ilustram as transformações semelhantes às provas do Sistema.
que vêm ocorrendo no currículo9. Os estudos Uma pesquisa realizada por Paulo
feitos há mais tempo tendem a indicar poucos Henrique Arcas (2009) focalizou eventuais re-
efeitos do SARESP no cotidiano escolar, embora percussões do SARESP na avaliação escolar,
destaquem reações de desconfiança e de resis- procurando apreender características e tendên-
tência ao Sistema por parte dos profissionais cias da avaliação após sua implantação. Para
da educação (OLIVEIRA, 1998; ESTEVES, 1998; tanto, realizou-se um estudo em uma diretoria
FELIPE, 1999; KAWAUCHI, 2001). Esses estu- regional de ensino na região metropolitana de
dos, que tiveram como foco eventuais reflexos São Paulo, buscando-se a opinião de professo-
do SARESP na escola, considerando, em espe- res-coordenadores. Por meio de questionário e
cial, opiniões e reações de professores, tendem entrevista, o objetivo foi analisar como viam o
a não identificar influências de seus resultados SARESP e como foram construindo suas opini-
no currículo escolar. ões acerca dele no período de sua vigência – no
É a partir dos estudos realizados na se- caso da referida pesquisa, até 2007. Essas opini-
gunda metade da década de 2000 que são iden- ões possibilitaram identificar como a avaliação
tificadas evidências de efeitos do SARESP no em larga escala vem incidindo na avaliação e
contexto escolar. Lilian Rose Freire (2008) re- no currículo escolar.
alça, nas conclusões de sua pesquisa, realizada Ficou evidente, na fala dos professores-
em uma escola da rede estadual, alguns usos dos -coordenadores entrevistados, que há uma
resultados do SARESP, tais como: i) utilização tendência de aceitação do SARESP, embora,
na composição das notas bimestrais dos alunos; inicialmente, o Sistema tenha sido visto por
ii) reprodução de questões na prova unificada eles com desconfiança. Há evidências de que
criada pela escola, com a intenção de treinar os dados obtidos na avaliação são analisados e
os alunos para a avaliação; iii) utilização, pe- discutidos no planejamento escolar, no início
los professores de português, das orientações do do ano, e também no replanejamento, no início
SARESP relativas à correção de redações, para do segundo semestre letivo. Os resultados da
orientar os alunos nas redações escolares, o que escola e das turmas são analisados e orientam o
pode representar aprimoramento de práticas vi- trabalho escolar, definindo habilidades, compe-
gentes; iv) incentivo à participação dos alunos tências e conteúdos a serem ensinados.
no dia da aplicação das provas do SARESP, por Assim, pode-se afirmar que o SARESP
meio de atribuição de nota a ser considerada na vem-se fazendo presente gradualmente, in-
média bimestral. fluenciado práticas, definindo metas, estabele-
As informações apresentadas por essa pes- cendo rumos, orientando o trabalho pedagógico.
quisa indicam que o significado assumido pelo Outra revelação importante sobre as implica-
SARESP e por seus resultados no contexto da ções de tal avaliação no contexto escolar é que
escola pesquisada não se associa à ideia de uma ela tem incidido sobre as práticas avaliativas
avaliação que traga subsídios para a orientação e desenvolvidas na escola. As evidências da refe-
o replanejamento do trabalho escolar. Com exce- rida pesquisa demonstraram que a avaliação da
ção da iniciativa no uso de critérios para correção aprendizagem realizada na escola toma a ava-
de redações, a interação com o SARESP, ao que liação em larga escala como referência.
parece, é mais instrumental, no sentido de im-
plantar iniciativas que possam ajudar os alunos a Entretanto, o que pôde ser constatado é
9 - As considerações relativas ao SARESP foram extraídas de SOUSA; que o SARESP, ao servir como referência
ARCAS, 2010. para as práticas avaliativas empreendidas

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr./jun. 2012. 385


nas escolas, acabou por reforçar práticas ções, por vezes recorrentes, para a compreensão
tradicionais de avaliação da aprendizagem. das interferências da avaliação sobre o currí-
[...] o SARESP reforça a aplicação de provas culo escolar. O que esses trabalhos evidenciam,
testes, objetivando, na maioria dos casos, em conjunto, é a importância que vêm assu-
simular a aplicação da avaliação externa, mindo as avaliações de segunda e terceira gera-
supondo-se, desse modo, estar preparando ção no delineamento das políticas educacionais
os alunos. (ARCAS, 2009, p.120) e, em consequência, seu potencial de direcionar
o que, como e para que ensinar.
A centralidade que o SARESP está ad- De acordo com os resultados de pesqui-
quirindo na organização do trabalho escolar, sa, é o uso de provas padronizadas no contexto
ao nortear práticas avaliativas, permite afir- de avaliações referentes a políticas de respon-
mar que a avaliação em larga escala vem sendo sabilização com consequências fracas e fortes
crescentemente apropriada pelas escolas. Nesse para as escolas – principalmente as fortes – que
sentido, ao orientar os procedimentos avaliati- exacerbaria a preocupação de diretores e pro-
vos, o SARESP vem induzindo a uma ênfase na fessores em preparar os alunos para os testes e
aplicação de provas e exames simulados como para o tipo de atividade neles presente.
meios de preparar os alunos para se saírem bem Além disso, as pesquisas também mostram
na avaliação estadual. que a primeira geração de avaliação em larga
escala, ou seja, a avaliação sem consequências,
Conclusões minimiza esses problemas, porque os diretores e
professores veem-se menos ameaçados pela ava-
O presente artigo buscou caracterizar liação e podem assumi-la, ou não, com maior
desenhos, objetivos e usos dos resultados de liberdade. Nesse contexto, em contrapartida, tais
experiências de avaliação da educação básica profissionais raramente se sentem obrigados a
em curso no país, tendo em vista suas relações prestar conta dos resultados de seu trabalho ou
com o currículo escolar. O estudo de três gera- têm motivação para inteirar-se dos resultados
ções de avaliação da educação básica permitiu das avaliações e para levá-los em consideração
identificar as avaliações de segunda e terceira em sua atuação educacional e pedagógica.
geração – isto é, que se articulam, respectiva- Em síntese, este estudo discutiu os riscos
mente, a políticas de responsabilização fraca e e potenciais das avaliações de segunda e terceira
forte – como aquelas com consequências mais geração para o currículo escolar. Apontou, por um
expressivas para o currículo escolar. lado, os riscos de as avaliações relativas a políti-
Embora seja relativamente cedo para fazer cas de responsabilização exacerbarem a preocu-
afirmações mais consistentes sobre essas avalia- pação de diretores e professores em preparar seus
ções e suas repercussões no currículo escolar, os alunos para os testes, levando a um estreitamento
primeiros estudos mostram que o novo desenho do currículo escolar. Indicou, ainda, as implicações
introduzido pela segunda geração produz resul- para a avaliação da aprendizagem quando as es-
tados que servem como indicadores capazes de colas passam a organizá-la tomando como refe-
fornecer informações a respeito dos componen- rência o tipo de teste utilizado pela avaliação em
tes do currículo que estão chegando aos alunos larga escala.
e daqueles que não estão. Nessa perspectiva, tal Por outro lado, o presente estudo indi-
tipo de avaliação parece estar reforçando o ali- cou o potencial das avaliações de segunda e
nhamento, nas escolas e secretarias de educação, terceira geração para propiciar uma discus-
entre o currículo ensinado e o currículo avaliado. são mais informada sobre o currículo escolar,
De fato, a breve revisão de pesquisas so- em termos das habilidades fundamentais de
bre o tema apresentada aqui aportou contribui- leitura e matemática que ainda não têm sido

386 Alicia BONAMINO; Sandra Zákia SOUSA. Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil: interfaces...
garantidas a todos os alunos de ensino fun- cisariam ser aprendidos por todos os alunos,
damental e médio. bem como uma definição mais clara do que es-
Diante disso, o desafio parece ser a com- ses alunos deveriam ter aprendido ao final de
patibilização dos objetivos, desenhos e usos cada ciclo nessas duas áreas do saber escolar.
dos resultados das três gerações de avaliação É aí que se insere a necessidade de aumentar
em larga escala a fim de propiciar uma dis- o acervo de pesquisas que contribuam para a
cussão informada sobre os aspectos específicos compreensão dos impactos das novas gerações
de língua portuguesa e matemática que pre- da avaliação educacional no currículo escolar.

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Recebido em: 08.08.2011

Aprovado em: 20.09.2011

Alicia Bonamino é professora associada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e coordenadora do Laboratório
de Avaliação em Educação (LAEd).

Sandra Zákia Sousa é doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, atuando
na pós-graduação em Estado, Sociedade e Educação, e do mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo.
Possui publicações predominantemente no campo da avaliação educacional. Email: sanzakia@usp.br

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