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Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira Editor: Waldir Pedro Revisão Gramatical: Lucíola Medeiros
Brasil Capa e Projeto Gráfico: 2ébom Design Capa: Eduardo Cardoso Diagramação: Flávio Lecorny
Este livro foi revisado por duplo parecer, mas a editora tem a política de reservar a
privacidade.
Cunha, Eugênio
Autismo na escola: um jeito diferente de aprender, um jeito diferente de ensinar - ideias e práticas
pedagógicas/ Eugênio Cunha. 6 ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2020.
144p. : 21cm
2020
WAK EDITORA
Av. N. Sra. de Copacabana, 945 – sala 107 – Copacabana Rio de Janeiro – CEP 22060-001 – RJ
Tels.: (21) 3208-6095 e 3208-6113 / Fax (21) 3208-3918
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Aos professores Waldeck Carneiro, Flávia
Monteiro de Barros Araújo e Fernando de
Souza Paiva.
Aos mestres Tarso Mazzotti e Alda Judith
Alves-Mazzotti.
Ao meu editor Waldir Pedro e aos amigos da
Wak Editora pelo inestimável apoio a este
projeto.
Aos pais, familiares e professores que trabalham
em prol dos direitos dos alunos com autismo.
Aos amigos da CNEC/FACNEC.
A Jesus, Mestre dos mestres, todo o mérito.
Sumário
Prefácio
Referências
“Jamais existirão mudanças em nossa sociedade sem o envolvimento de Homens e
de Mulheres de bem. O que nos move é a certeza de que a vida é um presente, e o
que queremos escrever e/ou deixar para as futuras gerações é uma história que
mereça ser contada de lutas, batalhas pelo bem comum, e pelos valores que
enobrecem a nossa existência e a dignidade Humana. Ter autismo não é somente
ter uma deficiência, mas é ter também um grande DESAFIO...”.
Ulisses da Costa Batista (um dos autores da Lei Federal n.º 12.764, Lei Berenice
Piana).
“Atualmente, quando se fala de autismo AINDA como algo cercado de mistério e
as escolas recebem alunos com a síndrome, sem a capacitação necessária para
proporcionar-lhes o justo desenvolvimento, se faz urgente informar, instruir, e
fornecer material de práticas pedagógicas adequado visando à melhora de nosso
sistema educacional. Nossos educadores se encontram tão sedentos desse
conhecimento quanto as pessoas com autismo. Educação para todos, como eu
compreendo, só acontecerá na prática, quando levarmos capacitação para todos os
profissionais dessa área, desmistificando o estereótipo de que ‘autismo é assim
mesmo’. ‘Autismo é tratável’, diz nosso lema. É possível educar pessoas com
autismo, acrescento com segurança”.
Berenice Piana
Prefácio
É com prazer e admiração que prefacio esta obra de Eugênio Cunha, que vem
se consagrando como uma das principais referências nacionais no estudo do
autismo.
1 - comprometimentos na comunicação;
2 - dificuldades na interação social;
3 - atividades restritas e repetitivas (uma forma rígida de pensar e
estereotipias).
Porém, tais questões morais ajudaram a formar o ponto de partida para uma
série de transformações políticas, éticas, sexuais e comportamentais, que afetariam
a sociedade de uma maneira irreversível. Foram movimentos ecologistas,
feministas, das minorias e dos direitos humanos. Constituíram-se parte importante
na vida de jovens e de intelectuais, que fomentavam os movimentos da
contracultura e em favor da paz. Os movimentos pelos direitos humanos
sensibilizaram a sociedade quanto aos danos que a segregação e a marginalização
dos grupos minoritários traziam. Danos não somente morais para as minorias mas
também econômicos para os governos, pois era visível o elevado custo dos
programas segregados, no contexto das crises da economia mundial. Até então,
apenas os países considerados desenvolvidos haviam criado um sistema
educacional paralelo para as pessoas com deficiências. A partir da década de
1960, passou a ser também conveniente adotar o ideário da integração pela
economia que representaria para os cofres públicos. (MENDES, 2006)
Assim, tais contextos (social e econômico) ajudaram a alicerçar uma base moral
e argumentativa de que era direito inviolável de todas as crianças com deficiência a
participação em todos os programas educacionais. Além disso, achava-se que as
práticas integradoras traziam benefícios tanto para alunos com deficiência quanto
para aqueles sem deficiência. Dentre os consideráveis benefícios para alunos com
deficiências, estaria a oportunidade de se integrarem a ambientes de aprendizagem
mais desafiadores e viverem em contextos mais normalizantes e realistas, a fim de
alcançarem aprendizagens significativas. O que se pretendia era a integração dos
alunos no ensino regular, usando meios normativos para adaptá-los aos
comportamentos considerados normais.
O princípio normalizante, que ainda é seguido muitas vezes hoje em dia,
pressupunha um conjunto de normas comportamentais que deveriam atender a um
padrão considerado ideal, segundo critérios estabelecidos. Dessa forma, para o
aluno ser inserido no processo educacional, era necessária a sua adaptação a esses
padrões comportamentais.
No contexto da integração escolar, na década de 1980, já ficavam notórias as
diferenças nas interações dos professores com alunos da educação especial.
Percebia-se que os alunos com necessidades especiais, quando comparados aos
alunos da educação regular, tinham menos oportunidades para o desenvolvimento
mais efetivo nas atividades de ensino. (ALVES-MAZZOTTI, 1983)
Destarte, surgiram críticas a esse modelo, pois a passagem de alunos com
necessidades educacionais especiais para as turmas do ensino comum dependia
exclusivamente dos progressos discentes. Efetivamente, essas transições raramente
aconteciam, tornando o ambiente escolar segregante. Era preciso, portanto, que o
educando se adaptasse às práticas escolares. Diferentemente, o conceito de
inclusão pressupõe que as práticas, os espaços e os modelos de ensino se adaptem
ao aprendente.
A política de integração havia resultado em uma estrutura educacional
fragmentada, nem sempre acessível a todos. Em contrapartida, iniciavam-se
movimentos no mundo com ênfase na consciência e o respeito à diversidade,
produzindo mudanças no papel da escola que passou a responder melhor às
necessidades de seus estudantes. Começava a surgir o conceito de inclusão. Na
verdade, buscava-se aperfeiçoar a ideia de integração, com a ressalva de que a
escola necessitava se adaptar às mudanças. Essa ideia tomava forma e contornos
globalizantes, tornando-se, no final do século XX, a palavra de ordem na
educação. Tal modelo trazia em seu bojo o ingresso de todos os estudantes em
classes comuns, deixando, no entanto, abertas as oportunidades para os estudantes
serem ensinados em outros ambientes, atendendo a planos educacionais
individualizados.
Mendes (2006) apresenta a tese de que o movimento pela inclusão escolar de
crianças e jovens com necessidades educacionais especiais surgiu de forma mais
focalizada nos Estados Unidos. Por força da penetração da cultura desse país,
ganhou a mídia e o mundo ao longo da década de 1990. Uma evidência disso
pode ser constatada no fato de que, até meados da década de 1990, o termo
“inclusão” aparece mais especificamente na literatura produzida nos Estados
Unidos, enquanto os países europeus ainda conservavam tanto a terminologia
“integração” quanto a proposta de colocação seletiva nas escolas.
Surgem, a partir daí, duas propostas: de inclusão total, que defendia a
colocação de todos os alunos na classe regular, independentemente do grau de
comprometimento – eliminando o serviço de apoio da educação especial – e a
proposta da educação inclusiva, advogando a inclusão na classe regular, porém,
admitindo o apoio pedagógico em ambientes diferenciados, como, por exemplo,
em salas de recursos e em escolas especiais.
No contexto mundial, começava a tomar forma o consenso de que era preciso
concentrar esforços para atender às necessidades educacionais de todos os alunos,
o que culminou em duas conferências internacionais importantes: a Conferência
Mundial sobre Educação para Todos, em 1990, em Jomtien, Tailândia,
promovida pelo Banco Mundial, a UNESCO, o Fundo das Nações Unidas para
a Infância (UNICEF) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD). Contando com a participação de educadores de diversos países, a
Conferência aprovou a “Declaração Mundial sobre Educação para Todos”.
Posteriormente, no ano de 1994, realizou-se a Conferência Mundial sobre
Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, em Salamanca,
Espanha, contando com a presença de 88 governos e 25 organizações
internacionais. O Brasil foi signatário do documento produzido em assembleia
denominado de “Declaração de Salamanca”, que influenciou de forma definitiva
as políticas inclusivas. Nesse mesmo ano, a Política Nacional de Educação
Especial passou a orientar o processo de integração instrucional, que condiciona o
acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que possuem condições de
acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino
comum, no mesmo ritmo que os alunos típicos.
As influências chegaram à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN n.º 9.394/96 – que enfatizou a valorização da educação inclusiva,
afirmando que a educação especial deve ser oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, manifestando o propósito de incluir o aluno com necessidades
educacionais especiais, sempre que possível, nas classes comuns do ensino regular.
A lei salienta, no artigo 59, que os sistemas de ensino deverão assegurar os
recursos necessários para aprendizado escolar e consequente inclusão, o que
requer currículos, métodos e técnicas adequadas; recursos e organização;
professores especializados e capacitados para a inserção do estudante na vida em
sociedade, inclusive dando-lhe condições, sempre que possível, à capacitação para
o trabalho.
As políticas oficiais em nosso País têm reconhecido o processo de inclusão como
uma ação educacional que tem por meta possibilitar o ensino de acordo com as
necessidades do indivíduo. Buscam permitir o fornecimento de suporte de serviços
por intermédio da formação e da atuação dos seus professores.
Os Marcos Político-Legais da Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva ratificam que a educação especial precisa estar organizada para receber
alunos que necessitam do atendimento educacional especializado em escolas
regulares ou especiais. Durante muito tempo, perdurou o entendimento de que a
educação especial, organizada de forma paralela à educação comum, seria a forma
mais apropriada para o atendimento de alunos com deficiência ou que não se
enquadrassem à estrutura do sistema regular de ensino. Essa concepção exerceu
impacto duradouro na história da educação especial, resultando em práticas que
enfatizavam os aspectos relacionados à deficiência, em contraposição à sua
dimensão pedagógica. O que se pretende hoje em dia é um sistema de ensino
apontando para uma proposta inclusiva nas escolas regulares e especiais.
Com efeito, as demandas da educação na sociedade contemporânea só admitem
um tipo de escola: a escola inclusiva: todas as instituições de ensino devem ter esse
ideário. O ensino especial é inclusivo quando se ocupa da autonomia do aluno e o
capacita para o ensino regular, para a vida familiar e para a vida social. Da mesma
forma, o ensino regular cumpre seu papel quando atende à diversidade discente
com equidade, sem preconceitos, observando as especificidades de cada indivíduo,
buscando sua formação integral. Em razão disso, a educação inclusiva é o
resultado de uma prática pedagógica. A classificação das escolas seria apenas no
que tange à modalidade e metodologia de ensino e não no que concerne à filosofia
educacional ou à visão de mundo. O ensino inclusivo deve ocorrer em todas as
instituições, pois inclusiva é a forma de ensinar. Então, onde a pessoa com autismo
deverá estudar? Decerto, as suas condições pedagógicas e a estrutura da escola
trarão a resposta.
Porém, ainda que a legislação assinale para ações pedagógicas inclusivas,
historicamente, o ensino escolar sempre sofreu influência da Medicina. Durante
décadas, surgiram vários procedimentos na escola, com ênfase nas abordagens
comportamental e terapêutica que, evidentemente, influenciaram as práticas dos
professores. Sem dúvidas, antes dos educadores, foram os médicos os primeiros a
se preocuparem com as pessoas com transtorno comportamentais ou com
deficiências. Não se pode negar a importância da Medicina, da Psicologia, da
Psiquiatria e de outros campos de estudo. No entanto, por mais qualificados que
sejam, não cabe a profissionais desses campos o ensino em sala de aula. Cabe ao
professor.
É verdade, também, que as ações da Medicina não visavam apenas ao
atendimento médico-terapêutico, mas procuravam também dar algum suporte
pedagógico, principalmente às crianças. Nesse contexto, é pertinente lembrar o
trabalho de Maria Montessori. Quando visitava um asilo para pessoas chamadas
naquele tempo de “idiotas”, Montessori observou crianças reunidas em uma sala
despojada de qualquer material ou mobiliário, brincando com migalhas de pão,
deixadas ali depois da refeição. Enquanto lhe diziam que essas crianças se
comportavam como animais, ela disse a si mesma que, ao contrário, a brincadeira
revelava uma inteligência transbordante (DUBOC, 2010). Apesar de ser
professora e de ter seu papel na área da educação reconhecido, principalmente em
razão de uma rica produção de materiais pedagógicos sensoriais, utilizados até
hoje em escolas no Brasil e no mundo (inclusive na educação especial), Maria
Montessori também era médica, sendo a primeira mulher a se formar em
Medicina em seu país, a Itália.
O método montessoriano influenciou as teorias científicas e educacionais,
difundindo-se mundialmente, incorporando-se a muitas instituições e práticas
pedagógicas. Ainda assim, concomitante aos primeiros interesses da Pedagogia, a
Medicina continuou a se preocupar com a educação especial.
De fato, o behaviorismo, fundado no início do século XX por J.B. Watson,
influenciou decisivamente a concepção do ser humano e a maneira de educá-lo no
contexto escolar, inserindo-se amplamente nos conceitos de ensino e aprendizagem.
Das influências behavioristas, surgiram abordagens envolvendo a aquisição de
comportamentos socialmente aceitos, a memorização do conteúdo aprendido e a
aprendizagem seletiva mediante o estímulo e o reforço.
Essas ideias, que se multiplicaram sobre fortes influências das análises clínicas
das pessoas com autismo, ainda desaguam na educação, principalmente na escola
especial. Aí, talvez, esteja a gênese da resistência de alguns educadores – que
defendem a proposta da inclusão total – a instituições especializadas, quando se
fala de inclusão.
Como ressalta Mendes (2006), a história da educação inclusiva nos remete a
questionamentos acerca da melhor forma de educar nossos alunos. Não existe uma
resposta pronta, as ideias vão desde a inclusão total nas escolas regulares ao
ideário da educação pela diversidade, com apoio das instituições especializadas.
No Brasil, percebe-se que crianças e adolescentes com comprometimentos mais
brandos são aceitas mais corriqueiramente em escolas regulares, por vezes, ainda
dentro da concepção de integração. Tal situação reforça a grandeza do papel
inclusivo das escolas regulares e a perene necessidade de ações nas políticas de
educação, que fomentem a expansão e preparação do espaço escolar e a formação
do professor.
O Decreto n.º 7.611/11 dispõe sobre o apoio técnico e financeiro do Poder
Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação
exclusiva em educação especial. Trata-se da valorização das instituições especiais,
públicas e privadas. Em contrapartida, sinaliza o MEC (BRASIL, 2010) que a
educação especial não pode ser organizada paralelamente à comum, como um
substitutivo. O desenvolvimento dos estudos no campo da educação e dos direitos
humanos vem modificando conceitos, legislações, práticas educacionais e de
gestão, em razão da necessidade de se promover uma reestruturação das escolas do
ensino regular e especial.
Portanto, estamos em um momento de transição em direção a uma educação
inclusiva. Por conseguinte, qualquer radicalismo poderá ser perigoso, pois a
realidade em nosso País tem mostrado que muitas escolas carecem de melhor
preparação para ensinar o aluno com necessidades especiais. É legítimo
discutirmos tudo o que se refere ao nosso ofício. Ao mesmo tempo, precisamos
educar. Certamente, há estudantes com espectro autista em instituições regulares e
especiais. Trabalhamos para que as práticas docentes sejam inclusivas nesses dois
espaços.
A Lei n.º 12.796/13 alterou o artigo 58 da LDBEN n.º 9.394/96, que trata
da educação especial. Pela nova redação, entende-se por educação especial a
modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de
ensino, não mais para educando com necessidades educacionais especiais, mas
sim, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação. Para o autista, não há mudanças, em razão da
Lei n.º 12.764/12, “Lei Berenice Piana”, que situa o autismo na condição de
uma deficiência. Porém, por causa da redação da nova Lei, alunos com TDAH,
dislexia, dispraxia e outros transtornos, que representam indubitavelmente
necessidades educativas especiais, podem ficar alijados de processos legais
inclusivos, já tão parcos no Brasil, fato que não gostaríamos que ocorresse e
lutamos para que não aconteça. Neste livro, utilizamos a expressão “necessidades
educacionais especiais” por ela representar melhor a diversidade discente quando
falamos de inclusão. Trata-se de um público muito heterogêneo, abarcando
dificuldades orgânicas e não orgânicas, deficiências e transtornos
comportamentais.
3 – Formação e saberes para o trabalho docente
Modos de
Saberes dos Fontes sociais de
integração no
professores aquisição
trabalho docente
Pela história de
A família, o ambiente
Saberes pessoais vida e pela
de vida, a educação no
dos professores socialização
sentido lato etc.
primária
Saberes
provenientes de sua A prática do ofício na Pela prática do
própria experiência escola e na sala de aula, trabalho e pela
na profissão, na a experiência dos pares socialização
sala de aula e na etc. profissional.
escola.
Por isso, nota-se que há um grande movimento nas políticas públicas com vistas
a sobrepujar os problemas da formação e do trabalho docente. Mas, este
movimento gera outras perguntas, pois está articulado em múltiplos braços de
ação. Onde deve ser formado o professor? Como? Com quais conteúdos? Para
que devemos formá-lo? São perguntas que têm demandado distintas respostas.
Como resultado, a formação do professor tem sido extremamente diferenciada e
fragmentada. Há professores federais, estaduais e municipais; professores
concursados e não concursados; professores urbanos e rurais; professores das redes
pública e particular; das redes patronais profissionais e professores titulados e sem
titulação (SCHEIBE, 2010). Em decorrência, as dificuldades e os embates
continuam sendo inúmeros. É preciso dar continuidade às ações, corrigindo os
percursos e fomentando novas iniciativas com base na dinâmica social e no
trabalho em sala de aula.
Gatti (2010) corrobora o imperativo de uma verdadeira revolução nas
estruturas institucionais e nos currículos da formação, devido à fragmentação
formativa, sendo preciso integrar essa formação em currículos articulados e
voltados para a experiência cotidiana. Para ela, a formação de professores não
pode ser pensada a partir das ciências e seus diversos campos disciplinares, como
adendo destas áreas, mas a partir da função social própria à escolarização, isto é,
ensinar às novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar valores e
práticas coerentes com nossa vida civil. A formação de professores profissionais
para a educação básica tem de partir de seu campo de prática.
A pouca literatura pedagógica ligada à prática na educação especial também
contribui para o estado das coisas. A maior parte da produção acadêmica vem da
área médica. O professor fica sem suporte específico para o trabalho docente. O
aluno da educação especial precisa dispor de uma série de condições educativas
em um ambiente expressamente preparado com metodologia, literatura e materiais.
Consequentemente, há na prática docente dificuldades para a elaboração de
atividades diante das necessidades desses educandos. O que é mais importante
fazer? É possível educar? É possível aprender? É possível incluir? São questões
que sempre emergem no quefazer pedagógico.
Ademais, as impressões históricas do atendimento a pessoas com autismo
remetem-nos aos estigmas existentes na educação, ainda carregada de
preconceitos. Com efeito, o preconceito também trouxe as dificuldades para
ensinar, criando barreiras e indiferenças. O aluno que é compreendido pela
ciência, nem sempre é compreendido e ensinado pela escola.
Ainda assim, como já falamos, vê-se um grande movimento nas políticas
públicas de educação. Porém, as políticas necessitam de apoio dos governos para
terem sucesso. Em decorrência da formação fragmentada, apontada neste texto, e
com base nos autores aqui mencionados, podemos dizer que é emergencial a
adoção de ações articuladas entre as diferentes instâncias de formação para a
docência, com qualidade e dentro do seu campo de prática.
No ensino do aluno com o espectro autista, não há metodologias ou técnicas
salvadoras. Há, sim, grandes possibilidades de aprendizagem, considerando a
função social e construtivista da escola. Entretanto, o ensino não precisa estar
centrado nas funções formais e nos limites preestabelecidos pelo currículo escolar.
Afinal, a escola necessita se relacionar com a realidade do educando. Nessa
relação, quem primeiro aprende é o professor e quem primeiro ensina é o aluno.
1TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 13. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012,
p.63.
SEGUNDA PARTE:
Ideias e atividades pedagógicas
Observação:
Avaliação
Antes de ser apenas uma atribuição de valor, avaliar é uma ação objetiva para
compreender o comportamento do aprendente diante dos instrumentos de ensino e
aprendizagem. Torna-se, portanto, uma ação projetiva, um cálculo antecipado de
uma situação futura, com base em dados de caráter mediador e formativo. Na
prática, é a verificação do desempenho discente diante do trabalho pedagógico,
para se planejar o que se fará a seguir. A avaliação é início desse planejamento.
Despida de preconceitos, a avaliação direcionará os passos do professor no
caminho que se deve construir em parceria com o aluno. Trata-se de uma ação
mediadora. Com base nos escritos de Vygotsky, seria verificar como se comporta o
educando na zona de desenvolvimento proximal, diante da aprendizagem
potencial.
De fato, uma avaliação com esses atributos torna-se um mecanismo de melhoria
nas decisões que virão a seguir, pois tem como mote os objetivos e os passos que
serão dados. Existem instrumentos eficazes para essa verificação, que vão desde a
entrevista com os pais ou a anamnese aos recursos pedagógicos que muitos
professores conhecem muito bem.
É pertinente, todavia, que o professor avalie a si mesmo e os recursos que
possui, pois nem sempre o que se pressupõe ser instrumento de ensino é recurso
pedagógico. Os recursos utilizados no ambiente de aprendizagem precisam estar
vinculados às possibilidades do aprendente e não às características docentes.
Além dos quefazeres inerentes ao currículo escolar, que sempre são
instrumentos avaliativos, o professor poderá estabelecer outros, conforme a seguir:
Jogos:
Desenhos:
Pareamentos;
Mediação
1 Na educação especial, é comum a utilização do termo “facilitador” para indicar a pessoa que acompanha o
aluno na escola quando este apresenta dificuldades durante o processo de ensino e aprendizagem. Porém,
achamos que o termo “mediador” torna-se mais indicado nos casos de profissionais da educação, pois se trata
de um papel característico da docência.
5 – Autismo e práticas pedagógicas
Ações precedidas por palavras e palavras precedidas por ações colaboram para
a comunicação e oralidade. O estabelecimento da comunicação e da compreensão
da linguagem é um trabalho que requer sempre uma continuidade sistemática.
Vínculos afetivos: Constitui amizades em sala? Qual sua relação com a
família, os educadores e os colegas de turma?
Sugestões para o professor: propor atividades que estejam articuladas com
as dinâmicas sociais, com as dinâmicas dos grupos de pertença do aluno, com sua
cultura social, que reflitam seu cotidiano, seu vínculo familiar, fazendo conexões
ainda não experienciadas por ele em seus atributos afetivos, sociais e intelectuais.
Estabelecer atividades para serem realizadas pelos demais alunos da sala de aula.
Interesses: Para onde se dirige seus afetos? Do que gosta? O que o atrai?
Quais os canais de sua vida afetiva que poderão ser utilizados como propulsores
da aprendizagem? De que forma o seu desejo poderá ser provocado para o
trabalho pedagógico?
Sugestões para o professor: os interesses do aluno estão no campo dos
afetos. Em muitos casos, a afetividade é o único caminho para se estabelecer
contato com o aluno.
Certa vez, um aluno do ensino médio, desinteressado pelo trabalho escolar,
despertou-se pela proposta do seu professor: escrever um texto sobre capitais
brasileiras, suas características econômicas, históricas e culturais. O professor sabia
que seu aluno seria capaz de se interessar, pois conhecia detalhes de todas as
capitais brasileiras por causa do seu fascínio por futebol: ele fazia a relação do time
de futebol com a cidade de origem. A pesquisa foi feita e transformou-se em aula.
É claro que o objetivo não era conhecer o futebol brasileiro, mas por meio da
paixão do adolescente por esse esporte, adquirir os conhecimentos que, por
estarem sendo construídos em razão do interesse, poderiam ser guardados para
sempre. Uma prática simples, sem complicações e teorias, mas verdadeira, proveu
o aprendizado. Isto é legítimo em qualquer nível e modalidade de ensino, idade ou
nível social, em qualquer circunstância na educação.
Desenvolvimento emocional: Como educar as emoções do aluno com o
espectro autista? Quais aspectos poderiam ser utilizados para o trabalho
pedagógico?
Sugestões para o professor: a vida emocional é um campo com o qual
podemos lidar como outros campos do saber humano, com maior ou menor
habilidade, exigindo, igualmente, um conjunto específico de habilidades. Decerto,
os predicados dessas habilidades tornam-se fundamentais para sermos felizes,
obtermos sucessos e prosperarmos, não só em nossa vida afetiva mas, do mesmo
modo, em nossas relações sociais e atividades profissionais. As nossas emoções são
educáveis.
As nossas ações, condutas e pensamentos recebem permanente ingerência do
nosso ser emocional, isso porque não é possível utilizarmos razão e corpo sem
estarmos impregnados de propriedades afetivas.
Crianças e adolescentes com autismo nem sempre adquirem maturidade
necessária para que os mecanismos mentais controlem as emoções. São propensos
ao desequilíbrio por motivos aparentemente para nós insignificantes. É normal a
criança ou o adolescente sentir-se desconfortável e intimidado em um ambiente
novo, como o da escola. É normal buscar apoio nas coisas ou nos movimentos que
lhe trazem conforto emocional. É normal a reação diante da contrariedade. São
normais o medo e a raiva ganharem proporções significativas.
Toda a equipe pedagógica da escola, bem como funcionários e outros
profissionais precisam saber lidar com os aspectos emocionais do espectro. É
frequente crianças e adolescentes passarem mais tempo no ambiente escolar do que
efetivamente com os pais. Por essa razão, a educação emocional não pode estar
dissociada da ação pedagógica, a fim de se tornar uma habilidade a mais para o
aprendente; de propiciar maiores condições para a desenvoltura nos
conhecimentos acadêmicos.
A nossa cognição possui trânsito melhor quando aliada à aptidão emocional.
As emoções podem ser trabalháveis, tornando-se aparatos imprescindíveis para o
aprendizado. Por elas, percebemos melhor os mecanismos das dimensões pessoais
indispensáveis à vida em sociedade, como a tolerância, a compaixão, o compartir,
dentre tantos outros que fogem ao escopo racional. O aluno com o espectro autista
pode desenvolver essas propriedades na escola. Para tal, o amor é fundamental.
Nada inclui melhor o aluno do que a ação educativa do amor. Ao mesmo tempo
em que ele traz pertencimento afetivo, traz pertencimento social. Na comunicação
da ação pedagógica, busca-se também alcançar o amor do aluno.
Desenvolvimento motor: Como são os movimentos, o equilíbrio, a
lateralidade? Apresenta estereotipias? Quais e em que situações?
Sugestões para o professor: nos exercícios físicos na escola, ficarão
evidentes muitas características motoras. Dificuldades espaciais, de equilíbrio de
coordenação, dificuldades para avaliar distâncias e outras mais. Todavia, ainda
que sejam desafiadores, programas especiais podem permitir que muitas
dificuldades sejam superadas. Já mencionado por nós, o trabalho com música e
artes explorando disposição postural, lateralidade, respiração, ritmo, coordenação
motora e reversibilidade certamente trarão bons resultados.
Desenvolvimento cognitivo: O educando apresenta deficit cognitivo?
Quais são suas maiores habilidades e dificuldades? Qual a sua relação com a
linguagem? Como é a elaboração do seu pensamento? É muito literal? Consegue
simbolizar?
Sugestões para o professor: conforme Nunes (2006), os cognitivistas
entendem a mente como um conjunto de mecanismos de processamento de
informação. Nossos sentidos são responsáveis pela captação dessa informação,
introduzindo-a no sistema cognitivo, envolvendo a atenção, a memória, as emoções
e a linguagem. Nunes apresenta os subsistemas cognitivos envolvidos no
tratamento da informação, que podem ser assim descritos:
• linguagem: responsável pela transmissão da informação;
• percepção: responsável pela captação da informação;
• memória: responsável por retenção, codificação e armazenamento da
informação;
• pensamento: responsável pelo processamento e pela transformação da
informação em conhecimento;
• inteligência: responsável pelo uso do conhecimento na resolução de tarefas;
• aprendizagem: responsável pela modificação do organismo diante da
informação captada.
Em situações cotidianas, faz-se necessária a articulação desses subsistemas.
Quanto mais complexas for a situação, maior será o grau de sofisticação das
articulações cognitivas. Decerto, aspectos motivacionais e emocionais trarão novos
matizes organizacionais para o pensamento.
A esquematização didática apresentada acima poderá fornecer pistas ao
professor no que tange ao desenvolvimento cognitivo do seu aluno. Por exemplo, se
o aluno tem dificuldades cognitivas, poder-se-ão elaborar atividades para estimular
as áreas que apresentam maiores comprometimentos. Assim, para problemas na
conservação das informações, atividades que estimulem a memória seriam
adequadas.
É preciso ressaltar a estreita ligação que há entre cognição e linguagem. A
linguagem é essencial para haver elaborações cognitivas mais complexas. Uma
elaboração não mediatizada pela linguagem ou por outro sistema de signos
viabiliza apenas a comunicação mais primitiva e limitada. Então, quanto mais a
comunicação é permeada de signos, sofisticada em recursos da linguagem, superior
ela será. Diante disso, podemos afirmar que quanto maior for o repertório
linguístico do aluno, maiores serão as suas possibilidades cognitivas. Da mesma
forma, quanto mais complexas forem as suas articulações cognitivas, maiores serão
as suas possibilidades linguísticas.
Com efeito, cada palavra torna-se uma ação verbal do pensamento, uma ação
cada vez mais lógica a fim de detectar símbolos incutidos nas conversas, nas
interações sociais. Uma ação articulada com a nossa cultura e subjetividade, no
uso profícuo da generalização da palavra, e a palavra pressupõe a ação, o verbo.
O estímulo à leitura ou ao contato com o livro pode ser uma atividade profícua
para o desenvolvimento das habilidades cognitivas e da linguagem. O livro, porque
nos conecta a temas tão diversos, é uma excelente ferramenta para a generalização
da palavra. O ensino na escola precisa ser conectado com o todo, levando à
amplitude do conhecimento e não promovendo o isolamento entre os saberes.
Para o leitor, o livro representa a generalização da palavra; para o não leitor, representa a generalização do
pensamento.
Exercícios com blocos lógicos promovem elaborações cognitivas mais complexas, que afluirão posteriormente
na linguagem e na Matemática.
No contexto específico acima, inicialmente o menino localiza a letra i na palavra que deseja ler.
Posteriormente, ele fará outras descobertas e relações que constituirão seu repertório verbal.
Atividades que estimulem o movimento de pinça corroboram com o aperfeiçoamento motor na aquisição das
habilidades para a escrita.
O esquema motor, a direção, a noção espacial e temporal constituem um grupo de habilidades indispensáveis
não somente para vida diária mas também para a formação pedagógica do educando.
Atividades como esta contribuem para a melhoria da concentração e da motricidade fina, necessárias para o
trabalho escolar.
Para escrever ou fazer contas de matemática, o estudante precisa utilizar distintas áreas do cérebro, que
poderão ser estimuladas mediante diferentes atividades lúdicas, cotidianas e sensoriais.
Aprendizagem global: enquanto o educando sequência e faz o pareamento numérico, descobre os números
pares e ímpares.
Aprendizagem global: enquanto o aluno aprende a montar palavras no alfabeto móvel, descobre diferenças
entre vogais e consoantes pelas cores das letras.
Como exemplo do que falamos e com base no que vimos até aqui,
resumidamente, podemos planejar nosso trabalho, conforme a seguir:
• atividades para comunicação, cognição e linguagem: livros, jogos
coletivos, pareamento do concreto com o simbólico, música, desenho, pintura,
jogos e atividades que utilizem novas tecnologias digitais e estimulem o
raciocino lógico;
• atividades para desenvolvimento matemático: blocos lógicos,
pareamento do concreto com o simbólico, encaixes geométricos, jogos e
atividades que utilizem novas tecnologias digitais, atividades com temas do
cotidiano e que estimulem o raciocínio lógico-matemátco;
• atividades para desenvolvimento motor: exercícios que trabalhem as
funções motoras e sensoriais, encaixes diversos, colagem, recorte, atividades
físicas, atividades com música e de vida prática.
• atividades para socialização: atividades esportivas individuais e
coletivas; atividades pedagógicas em que o aluno possa compartilhar com a
turma o seu saber; atividades que possam ser realizadas por todos os alunos;
• atividades para desenvolvimento do foco de atenção: atividades e
pesquisas em distintas áreas do conhecimento sobre temas que o educando tem
interesse; atividades com novas tecnologias digitais, recortes diversos com
tesoura, música, artes, desenho, pintura e vida prática.
Encaixes com peças geométricas: elaborações cognitivas, coordenação motora e pensamento matemático.
Educação sensorial: olfato, enriquecimento da linguagem e novas elaborações cognitivas. O aluno generaliza e
classifica as informações para criar conceitos e articular uma frase: “O cheiro do café é mais agradável do que
o cheiro do cravo”.
À medida que o educando progride, gradualmente vai prescindindo do auxílio do concreto utilizando-se mais
da memória e da escrita.
Foi a última vez que o garoto agiu daquela maneira. Mas, não foi a última em
que ele e o professor se juntaram para desamarrar outros “nós” que se interpõem
na vida e que são desatados pelo respeito mútuo e pelo afeto.
A questão do afeto percorre todo o histórico da educação, sendo que não
podemos menosprezá-lo se realmente queremos educar. Ele pode estar no tema a
ser estudado ou no educador que irá transmiti-lo. Há momentos em que ouvimos
um aluno dizer: “Não gosto da matéria, mas gosto do professor”. Ou o inverso:
“Não gosto do professor, mas amo a matéria”. Em qualquer um dos casos, há
grande chance de o estudante prosseguir adiante nos estudos com sucesso, por
causa da relação afetiva existente. Mas, melhor será se houver amor e prazer pela
prática pedagógica, pelo conteúdo ensinado e pelo espaço de ensino. Isto nos leva
mais longe.
Todavia, queremos sempre lembrar que ser afetivo não é ser adocicado, mas dar
lugar ao interesse, ao amor, aos atributos da nossa humanidade que estabelecem e
solidificam as relações na escola. A grandeza humana do ofício docente leva o
professor a ser também um melhor profissional, pois o faz estudar e capacitar-se.
A grandeza humana do seu ofício também leva o aluno a estudar e a capacitar-se.
A grandeza humana do seu ofício não somente educa mas também inspira.
Lembrando as palavras de Freire: “A minha abertura ao querer bem significa a
minha disposição à alegria de viver. Justa alegria de viver, que, assumida
plenamente, não permite que me transforme em um ser ‘adocicado’ nem tampouco
em um ser arestoso e amargo”. (FREIRE, 2004, p.141)
Lembramo-nos de Freire e lembramo-nos de Orígenes Lessa, um grande nome
da literatura nacional. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, escreveu
para crianças, jovens e adultos. Um de seus livros mais lidos, “O feijão e o
Sonho”, foi adaptado para a televisão e virou novela. Em certa ocasião, estava ele
em um evento literário em uma cidade do Rio de Janeiro rodeado por uma
pequena multidão, quando um adolescente se aproximou com um exemplar de um
livro seu: “Memórias de um cabo de vassoura”. Disse o garoto que havia lido
aquele livro na escola quando ainda era criança e ficara fascinado com a história, o
que o levou a ler outros livros e não parar mais. Pensou, então, em agradecer ao
autor por ter plantado aquela paixão pela leitura.
O septuagenário escritor conteve a emoção naquele momento. Olhou para o
jovem e perguntou: “Qual a carreira que deseja seguir?”. “Não sei ainda” – disse
o rapaz –. “Bem, qualquer coisa que faça você escrever”, ponderou Lessa.
O adolescente se tornou adulto e jornalista. Manteve, a partir daquele dia, um
afetuoso relacionamento de leitor e amigo com o autor até a morte deste. “Por
muitas vezes, eu não pude responder se me tornara jornalista por amor à profissão
ou ao meu amigo escritor” – disse ele – “mas com certeza aquele livro que eu li na
infância foi de inequívoca importância e inspiração”.
O afeto é motor da amizade, que leva à cooperação e à interação social.
Quando existe a cooperação, existe a inclusão. A classe deixa de ser apenas uma
soma de indivíduos e passa ser uma sociedade. Consequentemente, a
autodisciplina, o controle pessoal e a alteridade são qualidades que surgirão a
seguir, fomentadas pelo envolvimento do estudante nas atividades pedagógicas.
Como mediador na aprendizagem do aluno com autismo, o professor pode
dispor efetivamente das atividades e dos materiais de desenvolvimento pedagógico
para estabelecer o que Freire chama de “relação dialógica”. O interesse e o afeto
suscitarão a atividade com a qual devemos trabalhar. Feito isso, todo processo de
correção dos exercícios poderá ser feito pelo próprio discente, caso este tenha
condições para tal. Isto ajuda a romper com a histórica separação entre “aquele
que ensina” e “aquele que aprende”. Democratiza a educação. É o primeiro passo
para a autoavaliação; traz segurança ao educando.
Quanto ao coletivo de alunos, é fundamental que todos aprendam a trabalhar
em grupo. A convivência desenvolve a sociedade. Vivemos em um mundo
tendente ao individualismo, que, muitas vezes, constitui as coletividades e as
formas de relacionamento. A coletividade da sala de aula é uma ferramenta de
ensino para o professor. É bom salientar que o educando com o espectro autista
precisa acreditar que o conhecimento que se busca será conquistado. Tal sensação
traz confiança.
Dentro do que falamos, o momento das refeições também pode se tornar uma
profícua oportunidade para a socialização de todo o grupo de alunos, além de
representar uma experiência de vida prática. Algumas escolas já constituíram esse
espaço na própria sala de aula. Nesse espaço, é indicativo uma alimentação mais
saudável. O lugar reservado para a convivência despe-se da sua formalidade
secular e ganha uma estimulante e colorida roupagem nova, capaz de intensificar
laços e estabelecer a cordialidade. Os alunos podem interagir durante as refeições,
normalmente como fazem em família, trocar experiências, desfrutar da convivência
pedagogicamente. O momento das refeições ter caráter educativo, pois faz parte
da dinâmica do dia a dia; não é estabelecido pela “hora do recreio”, mas pela
socialização espontânea dos educandos.
Outra dinâmica de ensino que poderá ser suscitada em sala de aula é a
pesquisa sobre temas diversos. A aprendizagem pressupõe a pesquisa. Todo
aquele que aprende poderá se tornar um pesquisador. A pesquisa nasce da
curiosidade científica, que efetivamente todos têm, inclusive pessoas com
deficiência ou transtorno comportamental. Os trabalhos de pesquisa desenvolvem
o gérmen do prazer, além de municiarem o desenvolvimento dos processos afetivos
que revelarão a generalização da aprendizagem.
Para alguns alunos com autismo, em uma pesquisa na área de Geografia, por
exemplo, a Linguagem poderá ser exercitada por meio de textos explicativos,
desenvolvendo a capacidade de leitura e da fluência verbal. Aprende-se o método
científico de pesquisa. Para outros alunos com maiores comprometimentos,
materiais mais simples, como o quebra-cabeça ou encaixes com diferentes temas,
poderão desenvolver concentração, sequência lógica, organização do pensamento,
controle motor e visório-motor, dentre outras habilidades.
A sua fala precisa ser serena, explicita e sem pressa. A voz é o convite do
professor, é a identificação do objeto, é o exercício de comunicação oral. Ele está
propondo, nomeando e dando sentido ao trabalho em sala. Por isso, deve ser
objetiva e funcional. Nem sempre o aluno saberá o que fazer se o professor usar a
palavra “não”. O melhor será dar-lhe um objetivo, dizer-lhe o que poderá fazer;
dar-lhe alternativas de escolha.
A pessoa com autismo nem sempre aceita com naturalidade as mudanças. Nem
sempre sabe lidar com a contrariedade. Trabalhamos com um aluno que tal
característica era bem frequente. Aconteceu em uma escola do ensino
fundamental. O menino não podia ser contrariado. Além disso, não recebia bem
um “não”. Comumente interrompia o trabalho dos outros colegas, o que causava
sempre atritos.
Dizer que não deveria fazer aquilo, pois o trabalho era de outro aluno, gerava
reações intempestivas. Foi quando resolvemos lidar com a situação de outra forma.
Em vez de dizer-lhe “não”, resolvemos mostrar o que ele poderia fazer. Tal
estratégia pedagógica funcionou. A partir daí, aos poucos, o garoto foi dando
funcionalidade ao “não”: seria o sinal de que ele poderia escolher outras coisas
para fazer. Assim como fazemos na escola, no ambiente familiar, também
poderemos fazer. A melhor maneira de dizer não é mostrando um caminho
melhor.
Gostaríamos de lembrar que não há dois alunos iguais; não há dois aprendentes
com autismo iguais: o que funciona para um poderá não funcionar para outro. Os
exemplos suscitados pela nossa prática em sala de aula, que descrevemos aqui,
devem ser vistos acima de tudo como incentivo ao quefazer pedagógico. O
professor necessita aliar o seu conhecimento à sua sensibilidade humana. “Haverá
conquistas e erros, muitas vezes mais erros do que conquistas, mas o trabalho
jamais será em vão.” (CUNHA, 2012, p. 30)
É normal a pessoa com autismo tentar esquivar-se para fugir ou até irritar-se
para não fazer o que é pedido. É importante que a atitude do educador não
valorize essas reações, mas redirecione de forma lúdica e pacífica a situação. Toda
atitude que seja prejudicial deve merecer uma investigação para a descoberta dos
motivos que a desencadearam.
No caso de crianças, lidar com birras não é fácil, mas quanto mais tempo as
atitudes disruptivas durarem, mais difícil será contê-las. Muitos são os fatores que
as motivam, dentre os quais, o barulho, a mudança de rotina, o excesso de
estímulos, as incertezas, as ansiedades, os conflitos e as frustrações. Qualquer
criança quando descobre que determinada atitude funciona a seu favor, poderá
utilizar esse artifício para conseguir o que deseja. Com uma criança típica, uma
boa conversa poderá reverter essa tendência. Todavia, em um quadro de autismo,
as coisas não são tão simples. É preciso incansável perseverança para redirecionar
as atitudes e ensinar a forma adequada para a expressão de sentimentos e desejos.
No trabalho docente, a proposição curricular poderá abarcar de maneira
subjetiva alguns preceitos da aprendizagem, que poderão ser ensinados ao aluno
com autismo e também aos demais alunos:
a descoberta de que as pessoas ao redor são importantes;
a valorização da amizade;
afetividade e amor;
que o convívio com todos da escola ajuda-os na construção do
conhecimento;
que aprender as rotinas diárias poderá contribuir para a independência e a
autonomia;
que compartilhar sentimentos e interesses é uma forma de comunicação e
que faz parte dos processos inclusivos;
Os blocos lógicos estabelecem os primeiros contatos com operações que posteriormente exigirão maior
complexão cognitiva, mas utilizando como base o sensorial e o concreto.
Em uma proposta inclusiva, as atividades podem ser realizadas por qualquer
aluno, da educação regular ou especial, em situações de dificuldades de
aprendizagem ou não. O material pedagógico não é o conteúdo curricular, mas o
instrumento que estimula o aluno, possibilitando que ele refine seu aprendizado
até atingir elaborações cognitivas e motoras mais elevadas. Certamente, os
exercícios podem ser cultivados ao invés de impostos.
Para que as práticas docentes cheguem a bom termo, dentre outras coisas, é
preponderante que as atividades tragam a gênese do interesse do estudante, para
que ele, ainda que por meio de pequenos passos, possa, de forma gradual e
constante, seguir adiante descobrindo novas experiências de aprendizagem.
Reafirmamos que materiais que possibilitem o contato com diferentes formas de
superfícies, com profundidade, largura, altura e peso dos objetos, e tantas outras
descobertas sensoriais, contribuem para novos esquemas cognitivos. Peças
tridimensionais, lápis de cor, giz de cera, aquarela, massa de modelar e argila, por
exemplo, cumprem objetivos pedagógicos e propiciam experimentos com sensações
e texturas diversas que servem ainda para a liberação de tensões.
Na área das artes, existem pessoas com autismo que conseguem reproduzir com
destreza as notas de um instrumento musical ou os traços de uma pintura. Ainda
que este não seja o caso da maioria, o desenvolvimento de trabalhos artísticos tem
um papel essencial na infância e na adolescência. Estimula a sensibilidade estética,
a criatividade e a capacidade de atenção e memorização. Quando trabalhamos
sobre movimentos criativos, mantemos um vínculo afetivo com o que produzimos.
A postura física para a execução das atividades precisa ser adequada ao
trabalho e ao corpo. As atividades devem ser realizadas por meio de movimentos
suaves, sem pressa, assim como o andar em sala, permitindo a observação e a
concentração. O aluno com autismo não é incapaz de aprender, mas possui uma
maneira singular de responder aos estímulos, culminando por trazer-lhe um
comportamento diferenciado, que pode promover grandes descobertas e
conquistas.
Cuidados na alimentação
Cada vez mais, uma boa educação alimentar torna-se parceira de uma boa
educação escolar. Pesquisas que buscam tratamentos biológicos para o autismo têm
apontado danos causados por alimentos que contêm caseína, glúten, açúcar e
alguns componentes químicos que se encontram em fármacos e vacinas.
Por que é importante uma boa alimentação? Porque muitos alunos têm erros
inatos de metabolismo. Assim os efeitos tóxicos de alguns alimentos podem alterar
acentuadamente o comportamento para as atividades na escola, causando tremor
muscular, irritabilidade excessiva, nervosismo, insônia, dor de cabeça, hostilidade,
diminuição da coordenação motora, perda de memória e agressividade. É
extremamente dificultoso educar um aluno com tais sintomas. Porém, desordens
metabólicas são tratáveis.
Ainda que o educando não apresente qualquer sinal de intolerância alimentar,
uma boa alimentação será sempre recomendável. Em nosso trabalho na escola,
muitos ficaram mais aptos para o aprendizado após a observância de uma
criteriosa rotina alimentar. A escola e a família precisam atentar para toda
prescrição médica a esse respeito.
Estágio Diretivo
Estágio Criativo
No início deste livro, relatamos o caso de Filipe, aluno do ensino médio, que lia
tudo que lhe vinha às mãos e que descobriu uma forma criativa de memorizar os
conteúdos da aula de História. Trata-se de um saber criativo, construídos em
razão das circunstâncias e das necessidades, muitas vezes até por causa das
limitações, pois nossas necessidades educacionais especiais nos predispõem a
improvisações. Há em todos nós um potencial criativo que necessita ser explorado
em sala, pois limitações genéticas podem ser superadas pelos estímulos do
ambiente escolar.
A aprendizagem criativa é uma experiência consciente, manipulada e
transformadora. Não se restringe simplesmente a influências sobre os conceitos
existentes, mas abarca modificações operadas pelo aprendiz que vão traduzir-se em
uma nova forma de executar tarefas ou manusear materiais. Ademais, a
criatividade não é apenas trazer à existência algo novo, mas é também lançar um
olhar original. Não significa criar sempre o inédito, mas tornar interessante o
comum. Quantas vezes ouvimos uma música ou lemos um bom livro e suscitamos
viagens cognitivas a mundos ainda não imaginados?
Por vezes, a criatividade advém de uma resposta que traz consigo uma
instigante pergunta. É uma resposta diferente a um estímulo, ou um pensamento
divergente para a solução de um problema comum que torna a aprendizagem
modificadora. Uma pequena mudança pode remodelar padrões de ensino e criar
novas possibilidades de aprendizagem.
Estágio Colaborativo
Art.1º Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro
autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes
incisos I ou II:
I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da
interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e
não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência
em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;
II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades,
manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por
comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de
comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.
§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com
deficiência, para todos os efeitos legais.
Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista:
I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no
atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;
II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas
para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua
implantação, acompanhamento e avaliação;
III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do
espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento
multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;
IV - (VETADO);
V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no
mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições
da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente);
VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa
ao transtorno e suas implicações;
VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no
atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e
responsáveis;
VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos
epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do
problema relativo ao transtorno do espectro autista no País.
Parágrafo único. Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o
poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas
jurídicas de direito privado.
Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:
I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da
personalidade, a segurança e o lazer;
II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;
III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas
necessidades de saúde, incluindo:
2 Publicada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2012/Lei/L12764.htm, acesso em 02/02/12.
Para concluir nossa re exão
Nosso objetivo neste pequeno texto foi discutir o trabalho do professor, diante
de questões fundamentalmente pedagógicas, apontando alguns caminhos. Faz-se
necessário ressalvar, entretanto, que qualquer esforço para situar as práticas de
ensino será de pouco efeito se não estabelecer vínculos com situações concretas da
escola. Vínculos, principalmente, com a condição discente. Afinal, educar o
aprendente com autismo é constituir uma relação dialógica; uma relação dialógica
que pressupõe um jeito diferente de aprender e um jeito diferente de ensinar.
Referências