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Santo Agostinho
Santo Agostinho
Santo Agostinho
É filho de mãe cristã e pai pagão, ambos romanos, sendo filho de duas personalidades
distintas, marcando isso mesmo
Em primeiro lugar vamos bater vários episódios das confissões, para tirar algumas
noções necessárias para analisar o conteúdo do que é dito na cidade de Deus
Há três conceitos que aparecem ao longo das aulas sobre as confissões: Amor, Ordem
e Paz. Ou os seus equivalentes ou antónimos (vontade, amizade, tranquilidade,
desordem...)
Quando falamos das confissões, falamos de um estilo diferente daquilo que vimos até
agora, mudando o estilo de autor. A forma mais rápida de descrever as confissões é
um estilo autobiográfico (uma narração de acontecimentos ao longo da vida), mas na
verdade não são uma autobiografia como hoje a entendemos
Nos primeiros 9 livros santo agostinho narra a sua infância, adolescência e entrada em
idade madura, até á conversão ao cristianismo (nem sempre o foi e nem batizado era,
sendo apenas aos 33 anos)
Estes livros narram todo o trajeto até ao momento da conversão e o livro 9, alguns
factos sobre essa mesma conversão e após a conversão.
Não se trata de uma autobiografia porque o tema principal de Agostinho não é aquilo
que ele é ou aquilo que ele fez ao longo desta fase da vida, é aquilo que Deus fez nele
e com ele ao longo de todo o trajeto. Não é uma autobiografia num sentido clássico,
mas sim uma narrativa de uma relação que se vai aprofundando em relação ao deus
cristão
Os que falam de Jesus de Nazaré como um eleito, não o interpretam como um profeta,
como alguém que traz uma mensagem, eles passam a dizer que essa pessoa é a
própria mensagem, é a própria palavra, trazendo uma dificuldade para toda a
mentalidade pagã.
Dito de outra forma, O divino passa a ser objeto e passível de ter uma relação pessoal
com qualquer um. Quando agostinho narra a intervenção de deus na sua vida, fala de
um TU, sendo uma relação de proximidade
As confissões, além de uma biografia que toma o EU, trata também um diálogo
constante com um TU.
Agostinho não narra apenas o que fez, mas o que esse outro fez também com ele. Tem
um registo autobiográfico, mas também de diálogo, embora não seja um diálogo como
Platão
A fase inicial é uma fase em que Agostinho estava disperso, ocupado com muitas
coisas. A fase de conversão é como um regresso a casa, um preocupar com a vida
cristã
As confissões são uma narrativa que também têm uma forma épica (épica da vida
interior, da forma como se aproxima e se desencaminha de seguida), o caminho de
aproximação de alguém ao lugar onde pertence, um regresso a casa
Agostinho tem 16 anos de idade, uma altura complicada. Isto é agostinho em 400 a
confessar os pecados da adolescência, a refletir sobre os seus pecados
Neste livro, agostinho escreve para se focar num episódio. O Livro prepara o estado
mental de agostinho para confessar uma coisa, o momento da vida em que bateu mais
fundo. Ainda neste livro, tenta sem conseguir eficazmente, explicar o porquê. A
incapacidade de explicar mostra a natureza obscura, difícil e perversa do ato que
cometeu
I,1 agostinho está interessado em confessar o que fez, está num período da vida em
que pretende saciar-se com coisas inferiores e desejou agradar aos olhos dos outros, a
aprovação.
Martim Ghira Campos
Agostinho quer satisfazer prazeres carnais, sendo esse o motivo da sua dispersão.
Quer manter relações com pessoas, mas não apenas relações de amizade. Nesta fraca
idade, aquilo que ele deseja vê-se assaltado pelas trevas da luxuria
II,4 (linha 10) e III,5 Diz-nos qual é o ponto dos 16 anos e qual o propósito dos
desejos de carne. Aos 16 anos Agostinho termina os estudos secundários e os pais
querem apenas que ele se eduque na literatura e na oratória, investindo tudo nessa
educação do filho.
Falta dinheiro ao pai para investir na educação superior, sendo que se preparavam os
gastos para algo que faltasse.
Aos 16 anos, Santo agostinho faz um “gap year” por falta de recursos do pai, ficando
ocioso num período em que está livre e sem nada para fazer. O septo da luxuria
apodera-se da sua alma nesta fase da sua vida, dando origem aos desejos carnais.
Agostinho aos 16 anos diz que Deus parecia ausente. Agostinho faz os disparates todos
e Deus fica calado. Agostinho avança para a desgraça e Deus deixa andar.
Na altura, Agostinho não percebia a presença de Deus, mas agora (quando escreve a
obra), percebe que as coisas mais desagradáveis que podiam acontecer nas relações
amorosas e carnais dele, podiam ser Deus a indicar que não estava a ir no caminho
mais correto. Agostinho repete várias vezes “eu não sabia”
Ao longo das confissões, este TU vigia agostinho à distância, corrigindo sem ira, ou
com ira benevolente, dando pequenas indicações para ver se ele percebe. A
providência encaminha as pessoas de uma forma gentil e não impositiva, insinua e
propões mais do que impõe
Quando pai vê os desejos carnais do filho, fica contente (“está-se a fazer homem”) e
conta à mãe, como uma felicidade de um começo de vida adulta do filho. Deus
ausente, e o pai parecia achar graça à brincadeira.
A mãe era um pouco diferente, mas não muito. A mãe estava preocupada e o pior que
podia acontecer era meter-se com mulheres dos outros. Os conselhos da mãe de não
fornicar e não cometer adultério, são interpretados por Agostinho, mais tarde, como
Deus a falar através da mãe, mas ele enquanto adolescente não percebeu
Aos olhos dos outros, Agostinho queria aprovação, feito pelas pessoas com quem
andava
Quando os amigos narravam as façanhas sexuais, Agostinho narrava as suas, e quando
os amigos o superavam, ele até inventava coisas que não tinha feito, para ser elogiado
Deus afastado
A mãe caminhava com mais lentidão em alguns aspetos, estava apostada nas
finalidades de estudo de Agostinho e deixava andar
Os amigos andavam num concurso para ver quem era o mais execrável de
todos e as suas façanhas sexuais
Agostinho vive então um período em que aquilo que são autoridades que o podem
vincular, parecem estar todas ausentes
A ideia era a de que se agostinho fosse bom aluno, teria menos opção para se
desencaminhar
A mãe de Agostinho (Mónica), nas confissões, é uma mãe que vai progredindo, mas
que está disposta a ser a mulher da vida de Agostinho, muito além de uma “mãe
galinha”, muito presente. A ideia dela é a de que os dois no fim estarão juntos,
próximos.
Agostinho vai ter uma amante de quem vai ter um filho, que não menciona por
delicadeza, e a mãe vai tentar arranjar um casamento para a afastar do filho, com o
intuito de ficar com ele para sempre
O pai aplaude as convicções carnais do filho, a mãe não aplaude, mas dá maus
conselhos, Deus não o impede de avançar, as companhias não são as melhores. Parece
que está tudo ausente
Os pais não têm a medidas corretas e davam-lhe rédea solta, não o limitavam, não o
proibiam, ele era livre. Nesta fase da vida, toda a gente o deixa andar
Toda esta liberdade faz com que ele cometa um ato péssimo, e até aqui trata-se de
uma preparação para confessar esse ato, um contar da sua vida até ao mesmo.
Esse ato parece algo enorme, péssimo, horrendo. No entanto quando o lemos, parece
que está a gozar
Martim Ghira Campos
Agostinho prepara-nos durante dois livros, confessando que bateu no fundo depois de
roubar peras que não eram tentadoras nem pelo aspeto, nem pelo sabor, comer
algumas, e dar a maior parte aos porcos
Agostinho não quer que nos prendamos minimamente à gravidade objetiva do ato
cometido. Não é isso que está em questão.
Foi mau sem motivo, a ação era feia e ele amou-a, amou o seu defeito e não desejou
algo por indecência, mas sim a própria indecência. Agostinho não está a falar da
gravidade do ato, mas sim a motivação que o levou à prática do ato
Para toda a filosofia clássica (grega e latina), todos os autores percebem que nós
conseguimos praticar ações más, mas fazemo-lo porquê?
Aristóteles diz que por vezes praticamos o mal (comete erros) pelo desejo de
um bem, que seria defendido por Sócrates como uma falta de conhecimento
que leva ao engano (defeito racional na forma como calculamos os meios para
atingir fins)
VI, 12 o que desejou não foi um bem, foi praticar um ato mau sem nenhum motivo
que o explique. Agostinho não tem recursos teóricos nem conceptuais para explicar o
que é que se apresenta na sua alma, que o leve a praticar o mal sem nenhum motivo
que o justifique (sem nenhum bem a alcançar)
(Exemplo: Caso Marega em conjunto, todos começaram com insultos racistas, onde
está o mal? Pode haver mesmo um motivo, serem mesmo racistas, mas de certeza que
não são. Ou utilizar insultos racistas para destabilizar o adversário. A primeira hipótese
de explicação é uma forma de afirmação de si tentando menorizar o outro, a outra
tentar destabilizar o adversário simulando racismo para que não consiga ter uma boa
prestação. Menorizar outro, procurando um bem a afirmação de si
Simular racismo para conseguir a vitória, procura-se um bem a vitória
Em ambos os casos procura-se um bem. O que Agostinho diz é que lá no meio, pode
haver alguém que não quer nem a vitória, nem uma afirmação de si, só quer mesmo é
ser indecente, insultando sem motivo. O que Agostinho diz é que pode haver algo na
estrutura do ser humano que o faça praticar o mal sem motivo, só porque sim, sem
Martim Ghira Campos
qualquer ambição de alcançar um bem. O que Agostinho desejou no seu ato foi
mesmo perder-se, ser indecente.
A nossa vontade é má quando é orientada por uma razão que faz uma falsa apreciação
do bem em jogo
No seu ato agostinho vê apenas a indecência e o mal, sendo que nenhuma das suas
explicações o vai satisfazer
Naquele ato perverso, como é que agostinho imitou uma qualidade divina?
Agostinho no seu ato, tenta imitar perversamente uma liberdade absoluta (provar a
ele mesmo que faz o que lhe apetece), uma espécie de liberdade que o leva a ser
rebelde sem causa, tentando provar a si e aos outros que tem uma liberdade absoluta,
imitando a omnipotência que só pertence a Deus. O mal também se pratica segundo
uma imitação perversa de uma qualidade ou atributo que só pertence a Deus
VIII, 16 Agostinho amou roubar, o ato em si, e nada mais. Sozinho Agostinho não o
teria feito
Ele amou roubar e nada mais, mas também amou a companhia daqueles com quem o
fez, sendo que sozinho não o teria feito.
Sozinho Agostinho não o fazia, mas mais do que a aprovação do grupo, a ação em
grupo funciona como desinibidor de algo que sozinho não conseguia fazer. A ação de
desejar o mal pelo mal pode sobressair em grupo.
(fim 1ª aula SA)
Martim Ghira Campos
2ª Aula
Recap Pratica-se o mal a partir de uma falsa apreciação do bem que desejamos,
através dessa falsa apreciação a nossa vontade fixa-nos a esse bem e impede-nos de
gozar de um bem superior. Não é que desejemos coisas más, queremos coisas boas,
mas hierarquicamente inferiores a outras, ficando presos a essas coisas inferiores e
ficando impedidos de gozar de coisas superiores
Sempre que se pratica uma ação desordenada, estas duas coisas estão sempre em
jogo
Na terceira explicação, a prática do mal é uma imitação perversa de uma qualidade
divina, uma imitação de uma omnipotência que não temos, uma liberdade absoluta
SA não faria o ato sozinho e nada amou mais do que o furto e a companhia. Agostinho
nunca convoca o ato para se afirmar no grupo, para se sentir integrado, apesar de
gostar da aprovação dos outros.
A estrutura de motivação que procura o mal pelo mal e que encontra modo de se
efetivar através de companhias a quem nos associamos, não tem explicação.
Agostinho diz que nesta experiência subjetiva daquilo que é a prática do mal puro, as
ações na sua própria configuração não têm explicação. Procurar uma explicação é
atenuar a gravidade daquilo que se cometeu.
SA diz que o mal subjetivo puro pode ficar muito tempo sem explicação, sendo que
quando se pratica um mal pelo mal temos um ato misterioso e complexo que não
conseguimos explicar de forma alguma. Conseguimos apenas analisar os contextos em
que surgem falta de coragem moral, sítio errado, companhias erradas. Como? Não
sabemos, apenas acontecem, sendo preciso estar preparado para compreender as
situações em que podem acontecer
Excesso do verbo “amar” Agostinho aos 16 anos é alguém que ama de forma
intensa, mas ama apenas o corpo, ama desalmadamente. Amou a própria ação, amou
perder-se, amava o defeito, amava o que era feio, amou a companhia daqueles com
quer praticou o ato.
Agostinho parecia amar tudo e mais alguma coisa
I,1 Agostinho tanto amava, que amava o estado de estar a amar Não é amar
coisas, família, amigos, é amar o próprio estado de estar a amar, portanto investia
toda a sua vontade em procurar novas coisas para amar, não porque queria amar
essas coisas, mas porque queria sentir-se no estado de estar a amar
Martim Ghira Campos
Não amo uma pessoa, amo o sentimento que a pessoa suscita em mim, o que significa
que essa pessoa nunca pode ser alcançada. Tal como o Eros de Platão para se manter
ativo tem de ter um objeto sempre fora do alcance, também o amor-paixão se nutre
de ausências quanto mais longe e afastado estiver, mais o meu desejo se intensifica
Agostinho supõe que amar desalmadamente não é o fim da questão, é possível amar
de alma para alma. Agostinho diz que
No Livro II SA está totalmente projetado para um ato feio, para um mal, bateu no
fundo. Agora nota-se uma diferença, uma certa conduta civil, estilo, elegância,
suscitando a tensão entre bem e mal ao mesmo tempo. Esta mudança é SA a chegar a
uma grande cidade, sentindo em simultâneo a necessidade de querer o melhor e o
pior (tensão dos 17 anos) (algo difícil de explicar, ter ao mesmo tempo um grande
desejo de indecência e um grande desejo de elevação. Isto vai ser decisivo nas suas
decisões de vida)
II, 2/4 Agostinho amava sofrer e procurava ter de sofrer, ou seja, amava emocionar-
se com o que via nos teatros
SA estava agora em Cartago a fascinar-se com a Sabedoria e com Cícero, fazendo uma
comparação entre as sagradas escrituras e Cícero
Para ele, Cícero era infinitamente superior aos escritos cristãos (para ele, os escritos
eram muito fraquinhos)
Foi Maniqueu durante 9 anos (19-28), mas a estrutura dual nunca o vai abandonar
Livro IV
IV, 7 Depois dos estudos, volta para a sua cidade natal para começar a lecionar.
Agostinho amou um amigo querido, sobre o qual exercia alguma ascendência,
conseguindo até converter o amigo ao maniqueísmo, desviando-o da fé (o amigo era
cristão católico)
Mas Agostinho não está apenas a comunicar a tristeza e o luto, disse que se tornara
para ele próprio uma questão magna. Não está apenas a sofrer e a comunicar o
sofrimento, estava a perguntar à alma porque estava triste e porque estava tao
perturbado interiormente, ao qual a alma não sabia responder.
Martim Ghira Campos
Diríamos que está triste porque perdeu um amigo, no entanto era desditoso (todo o
espírito acorrentado por amizade ás coisas mortais e é dilacerado (despedaçado)
quando as perde).
Agostinho não está a dizer que teve consciência de ser infeliz no momento em que
perdeu o amigo, teve uma outra consciência já era infeliz antes de o ter perdido
porque o Amor tem uma das propriedades essenciais que não podemos desconsiderar,
ele identifica-nos ao objeto amado, transporta-nos para lá, ficamos com ele. Agostinho
era outro ele (amigo)
Se nos identificamos totalmente com aquilo que amamos, se esse algo desaparece,
nós desaparecemos também
É possível experimentar a morte no interior estando vivo, quando alguém ou algo que
amamos desaparecem. Amar de forma intensa e absoluta faz com que nos
transportemos para o objeto amado, sendo a única maneira de amar para Agostinho.
A força que transporta totalmente o homem em busca de um bem que lhe falta é o
Eros de Platão. Para ser satisfeito, o amor tem de ser correspondido, tem de ter uma
resposta ao mesmo nível, exige reciprocidade (do tipo absoluto também, do mesmo
nível)
SA amou o amigo como se fosse um deus, como se ele fosse o absoluto, e estava à
espera de uma resposta igual ao amor que ele depositou nele. Dá-se uma frustração
precisamente porque o amigo tem uma medida, a sua própria mortalidade. Todas as
coisas sujeitas ao tempo, não podem dar a resposta absoluta que o amor exige e pede.
Martim Ghira Campos
Nesta frustração e incapacidade das coisas que estão sujeitas ao tempo e são
incapazes de dar uma resposta absoluta que o amor exige, está o sofrimento, a dor, a
escuridão e a minha própria morte com antecedência por ter perdido a vida daqueles
que eu amei. Mais do que uma questão de luto ou de amargura, agostinho analisa uma
tensão existencial fortíssima
Resumo:
1) O amor fixa-nos ao objeto amado
2) Em si mesmo, o amor é uma força que no interior do homem pede/solicita
absoluto
3) Naquilo que ama, o amor exige, pede, só se tranquiliza e satisfaz quando
recebe uma resposta em reciprocidade do mesmo nível
Contradição na nossa própria existência temos uma força em nós que pede
absoluto, que pede eternidade e tudo o que está para responder a este nosso pedido é
relativo, caduco, a correr para o fim. Esta é a medida de todas as coisas
Os pesos das coisas levam essas mesmas coisas a procurar o seu lugar próprio, e cada
coisa quando encontra esse lugar, fica ordenada em relação ao todo (repousa, fica em
paz). Todo o universo está à procura do seu lugar próprio, isto é, ordenar-se numa
hierarquia de coisas, quando chega a esse lugar, repousa, a inquietude vira paz.
O peso no homem é o Amor, para onde vou ou para onde me levo, é ele que me leva.
O amor é um pedido absoluto, mas quer paz, repousar naquilo que ama. Isto só
acontece se encontrarmos o nosso lugar próprio, até lá vivemos inquietos.
Deus criou tudo com “Conta, peso e medida”, tudo está organizado, com uma ordem.
Agostinho diz que há uma contradição entre o peso e a medida, o peso pede absoluto
e a medida de todas coisas é relativa/caducas. Ele quer repousar no que ama, mas
tudo está em vias de desaparecer. Ou será que sequer existem? Tudo o que nasce está
a caminho de morrer. Dizer que as coisas estão sujeitas ao tempo significa que elas
estão constantemente a passar, estão a desaparecer, a ser e a deixar de ser. Tudo o
Martim Ghira Campos
que existe está ameaçado por um futuro que não existe, à espera de passar para um
passado que também já não existe, passado esse que é apenas a memória do que foi e
já não é.
Se tudo está a passar a uma velocidade inacreditável, como é que eu posso depositar
um desejo de absoluto em algo que se caracteriza precisamente por ser temporal?
Como é que deposito um desejo absoluto em algo que se está a desfazer, a deixar de
ser, ou prestes a ser algo que ainda não é?
3ª Aula
Esta contradição torna a alma miserável e desditosa mesmo antes da perda dessas
coisas. A alma sente a miséria quando as perde, mas já se sentia na miséria antes disso
porque se prendeu a essas coisas e as tinha como absolutas, quando na verdade eram
apenas relativas (sujeitas ao tempo)
Na última passagem do livro, vê-se a inter-relação entre amor, ordem e paz. Todas as
coisas são levadas para o seu lugar próprio através do peso (o amor é o peso do
homem, para onde o homem vai, é o amor que o leva). Quando se chega ao lugar
próprio, traduz-se em paz, tranquilidade, repouso, ficando ordenada numa hierarquia
de acordo com a natureza.
O homem está criado para ultrapassar infinitamente o homem, o seu lugar é junto do
absoluto.
Passagem que ilustra as confissões e o trajeto das confissões (livro I, I,1)→ fizeste-nos
para ti (criação), o nosso coração esta inquieto (condição existencial de algo que tem
um pedido de absoluto e só tem respostas relativas) enquanto não repousa em ti (a
verdadeira paz e tranquilidade só se dá quando este pedido de absoluto encontra uma
resposta absoluta, que é encontrada depois do tempo, fora do tempo. O Bem ultimo
pelo qual todo homem aspira tem que ser transcendente, estar fora do tempo.
Este amor pondus é uma força absoluta que brota do interior do homem, é uma
tendência que ordena o homem para a paz. É a força ordenadora que atua em toda a
criação.
Martim Ghira Campos
X,15 livro IV → o que a alma deseja é repousar naquilo que ama, isto é, obter um bem
em falta e crescer para o possuir, para ela própria crescer. O paradoxo está em fixar-se
em coisas que estão progressivamente mais perto de não, isto é quase como fixar-se
num caminho de morte, numa infelicidade permanente.
Este mesmo desejo de repouso e de paz de uma alma que ocupa o seu lugar na ordem,
é CHEGAR AO BEM SUPREMO (felicidade). Ocupar o seu lugar, obter a tranquilidade
naquilo que se ama é uma outra forma de dizer felicidade.
(Nota: Andar divertido é andar disperso, com o amor disperso, amar coisas distintas,
para quando perco uma, ter outras coisas que amo para colmatar a falta. Isto não
impede que no meio da diversão não nos sintamos fora do lugar próprio)
Um ser subsiste de si próprio, não deve a existência a nada. Deus é o único ser que não
deve a sua existência a nada. Deus cria todo o cosmos a partir do nada, todas as coisas
sujeitas ao tempo são um misto saído de nada. Então Deus é o que?
Aquilo que faz com que se seja, é o que define, a existência de um verbo em si, um
próprio ser → define a existência de Deus (eu sou aquele que é). Foi assim que Deus se
apresentou a Moisés “eu sou aquele que é”, porque tudo o que está no domínio da
criação é um misto de uma coisa e de outra, e por oposição a tudo o que está sujeito
ao tempo, ele é. Ele é o ser e a fonte que confere ser a todas as coisas.
Por isso Agostinho diz, se a alma quer ser e se o amor é essa pulsão que brota no
interior do homem para ser mais, a solução é dirigir esse amor precisamente para
aquilo que dá o ser a todas as coisas. Só assim ela não se vê desiludida e só assim é
que se aperfeiçoa e acrescenta.
Dirigir para as coisas que são um misto de ser de nada é caminhar para o caminho de
não ser. É possível estar morto interiormente, morto sem estar, não há sequer vida,
quando aqueles que amamos desaparecem.
Livro VI VI,9 → noção de felicidade, o que é de facto a felicidade (brota como resposta
do absoluto……)
Agostinho já não é maniqueu, tem 30 anos, já passou por Roma e está agora em Milão.
Apesar de todos os problemas, continua no projeto programado pelos pais e a cumprir
todas as expectativas, estando a atingir o topo da carreira.
Agostinho cheio de medo. Agostinho compara a sua infelicidade (da angústia e medo
do momento que se aproxima) com a felicidade do bêbado que foi conseguida com
apenas alguns trocos mendigados. Agostinho vai dizer que ambos estão enganados,
mas quem está mais enganado?
Seja o que for, a felicidade manifesta-se na nossa vida como uma alegria estável,
segura, permanente.
Agostinho está a chegar ao ponto que o pai projetou para ele, mas a felicidade não
chegava. Continuava preocupado. Essa projeção para alcançar um bem sujeito ao
tempo manifesta-se na nossa vida como uma preocupação constante. Quando
alcançamos algo que desejávamos muito, sabemos que afinal é parte de uma coisa
muito maior e o nosso desejo tem de continuar ativo, ou que esse objeto que
procurávamos afinal falaciosamente insinuou uma promessa que nunca foi cumprida.
Quando nada é suficiente para quem o suficiente é pouco, então a vida é uma
constante busca empenhada numa procura sem fim. Sempre preocupada, angustiada.
Havia uma diferença no motivo da alegria de cada um: o mendigo alegrava-se com a
bebedeira, Agostinho com a Glória. O mendigo digere a bebedeira na própria noite,
Agostinho estava numa bebedeira constante.
Tudo o que está sujeito ao tempo, mesmo o que era visto como o grande prémio da
virtude (a glória), também não é suficientemente motivadora, também não é capaz de
proporcionar aquilo que ele pretende, uma alegria estável, ou seja, a posse de um bem
imutável e segurança na posse desse bem.
Livro VII
Agostinho já não é maniqueu, nunca foi sacerdote, mas era ouvinte. Aqui agostinho
explica que já sentia apelo ou atração por noções ou ideias da religião cristã. Tinha era
obstáculos intelectuais que o impediam dessa adesão, sendo que vai explicar quais
eram esses obstáculos.
Martim Ghira Campos
Não consegue aderir à igreja por uma razão → intelectualmente, não consegue
conceber uma substância que seja palpável, visível. Ele era profundamente
materialista
Quando concebe Deus, Agostinho diz que não o imagina antropomórfico, como
pessoa, com corpo.
O divino é uma matéria muito subtil para os estoicos, sendo que a sua formação no
estoicismo explica esta dificuldade. Agostinho só consegue conceber Deus como uma
matéria nesta fase.
O porquê de o mal ser praticado é um livre arbítrio, mas não conseguia explicar com
clareza o porquê.
O que é o mal? O mal é uma substância, é algo palpável e com substância própria (isto
é um legado maniqueísta).
Pergunta que SA e os maniqueus querem responder → Como se justifica a existência
do mal no mundo? De onde vem o mal? A multiplicidade de respostas possíveis para a
existência do mal, tem sempre de conjugar a existência do mal com a existência do ser
ou do sentido. Para o estoicismo, o mal não existe. O mal são dissonâncias pontuais
que equilibram a harmonia do todo.
Trilema de Epículo (três proposições que não são conciliáveis) por Lactâncio:
- Deus é omnipotente
- Deus é absolutamente bom
- O mal existe
Para não por em causa de que um Deus bom cria todas as coisas, a única maneira de
salvaguardar a perfeita bondade de Deus, é negar a sua omnipotência.
O que explica o mundo como está é uma guerra, batalhas épicas entre o bem e o mal,
entre as trevas e a luz. A luz e as trevas entram em conflito no tempo médio, sendo
que o rei das trevas envia tropas para o reino da luz e o rei da luz envia luz para o reino
das trevas para tentar defender-se. A mistura entre luz e trevas dão origem ao mundo,
sendo que o mundo como o conhecemos são os destroços finais de uma grande luta
entre bem e mal, espírito e matéria (pedras, água, animais).
Como é que o mal entrou no mundo? Não é como entrou, o mal entrou com o mundo,
porque para o maniqueu o mundo é por natureza imundo. O homem é belicoso
porque é produto de uma guerra, é material e tem essa substância maligna. Tem
também a luz.
Martim Ghira Campos
O homem nada mais é do que uma arena de conflito de forças que o ultrapassam a
toda a hora. A luz a tentar separar-se das trevas e a matéria, o corpo que é mau, a
tentar manter cativo o espírito.
Para o maniqueu, agir mal é só agir, porque é outra coisa que age em mim. É a força
material que me leva a agir mal, que me conduz a fazer ações más. Praticar o bem e o
mal é algo que sucedeu
4ª Aula
Livro VII IX, 13 → recurso ao neoplatonismo (não quer dizer que seja diretamente
Platão, mas autores com base de platónica) que permitem a agostinho perceber a
noção de que Deus não é matéria.
A noção de bem supremo ou de deus têm de ter incorporados em si aquilo que eram
os atributos do bem supremo de Platão → noção de transcendência e fundamento
ontológico.
Para agostinho deus será sempre aquilo que ele encontra no mais íntimo de si próprio,
algo que o transcende e supera completamente. Uma luz superior e muito diferente.
Martim Ghira Campos
Para além do corpo e da mente, revertendo-se para dentro dele próprio, encontra o
que sempre procurou.
XI,17 → Deus cria a partir do nada todas as outras coisas que não são ele próprio, são
por isso um misto de ser de nada.
XII, 18 → Definição clássica do que é o mal - Não é uma substância, o mal é uma
ausência ou privação de um bem necessário à integridade ou perfeição de um
determinado ser.
Tudo o que existe é bom e o conjunto disso é muito bom. O Mal é aquele nada que
ataca as coisas e as impede de atingir aquilo que é a sua integridade ou perfeição. O
mal mede-se pela quantidade de bem que consegue evitar. Para saber o que é o mal,
tenho primeiro de saber o que é o bem, para perceber o que lhe falta. Essa
falta/ausência mede a quantidade de mal que está em questão
Ver as coisas a corromperem-se é bom, não porque a corrupção é boa, mas é um sinal
de que há uma soberania universal do bem e que todas as coisas por serem aquilo que
são, já são boas. Não há coisas más no domínio da criação – se fossem bens nunca se
corromperiam, se fossem mal puro nem existiriam. Neste misto, a corrupção indicia
que o bem é o conceito que prevalece sempre.
Há então uma nova maneira de olhar → No ato de Agostinho, ela não quis coisas más,
a vontade não se perdeu a uma substância má porque isso não existe. Não existem
substâncias más que nós desejemos, desejamos é mal as coisas. Desejamos mal
apreciando erradamente o bem em jogo, e nessa falsa apreciação fixamo-nos num
bem inferior que nos impede de gozar de um bem superior. É uma vontade que quer
ser menos. É uma ausência/privação de uma qualidade necessária à integridade de
determinado ser. Quando a vontade se fixa num bem inferior impedindo de gozar de
um bem superior, está a agir contrariamente à sua integridade e perfeição, pois está
criada para bens superiores.
Qualquer ato mau institui não só uma desordem na relação de si com as coisas, mas
também uma relação desordenada nas próprias coisas.
Exemplo: se eu tratar um homem como um animal, crio uma desordem, uma relação
com uma coisa de forma indevida colocando-a num lugar em que não devia estar. Se
Martim Ghira Campos
eu tratar um animal como uma pessoa, também não estou a criar uma relação
ordenada, levando a uma desordem não só na relação, porque é contra a natureza,
mas no próprio animal
Quando começamos a pedir às coisas, respostas que elas não podem dar na sua
própria constituição, isso começa a transtornar a própria maneira como elas se
ordenam.
XIV, 20 → A razão pela qual o maniqueísmo afirma o dualismo das duas substâncias é
porque não quer cair na afirmação impiedosa de que Deus é bom e por isso mesmo
criou o bem e o mal. O que o maniqueísmo é a contrário diz “porque Deus é bom e
existe o mal na criação, Deus não pode ser omnipotente”.
XVI, 22 → o ponto de Agostinho é perceber que o crime ocorre disso → não é que o
mal seja uma substância, não é que Agostinho queira fazer coisas más, é sim uma
perversidade de uma vontade, é uma vontade mal dirigida, é uma vontade que se
desvia para coisas ínfimas, fixando-se no interior e impedindo de gozar coisas
superiores.
Livro VIII
Neste livro Agostinho diz que depois de ler os neoplatónicos, todas as suas dúvidas e
obstáculos intelectuais desapareceram, ou seja, Agostinho está absolutamente
convicto de que a conversão ao cristianismo manifesta essa sua capacidade de já não
procurar, mas abraçar aquilo que ele considera ser a verdade. Considera que a religião
cristã contém em si toda aquela verdade que ele procurava desde os 19 anos de idade.
Inesperadamente, apesar da razão lhe dizer que este era o caminho a seguir e que a
verdade estava aqui, Agostinho vai encontrar um obstáculo adicional.
Agostinho está numa posição onde para além de já não ter nenhum obstáculo
intelectual à conversão cristã, está neste momento a sofrer uma espécie de apelo de
exemplos de pessoas que gostaria de imitar. Ouve as histórias sobre Mario Vitorino etc
e adorava conseguir fazer exatamente o que todos estavam a fazer – abdicar dos seus
interesses e esperanças temporais e converter-se inteiramente ao cristianismo.
Está perante uma espécie de tensão em que sente o ideal de exemplos que admira e
quer seguir, mas não está a conseguir fazê-lo.
Martim Ghira Campos
Se eu consigo ver o bem que desejo e odiar aquilo que sou, o que é se torna dificil no
processo de transformação? Porque é que não consigo imitar aquilo que admiro?
A tensão é: Abandonar as esperanças que os pais tinham depositado nele desde o
início, ou tornar-se um outro tipo de homem, capaz de entregar-se inteiramente aquilo
que já considera ser a verdade.
Agostinho está certo que o cristianismo é o caminho, que é aquilo que quer, deseja e
admira. A razão já disse que é assim e não há hipótese, mas na verdade há uma tensão
que ele tenta perceber qual é.
Em princípio, se a razão identifica o bem e tem a certeza de que é aquilo que quer,
naturalmente o desejo ou a vontade vão atrás.
(o mal pratica-se quando fazemos uma falsa apreciação do bem, o mal é praticado por
ignorância)
No entanto, Agostinho está numa situação em que sabe qual é o bem que ama e quer,
mas não sabe porque é que não consegue alcança-lo. Não percebe porque é que a
vontade não se prende no bem que ama.
Agostinho pode não querer totalmente, falta força de vontade, força essa que não
consegue resistir a todas as tentações, impedindo de agir de acordo com o que a razão
diz que deve fazer
Agostinho sente que esta era a decisão mais importante da sua vida e que tinha de a
tomar. A razão dizia-lhe para avançar, mas ele não conseguia.
Não é falta de vontade, são sim duas vontades contrárias. São duas vontades que se
impedem: uma que lhe aponta um novo caminho (o homem novo que devia ser), e
outra que o fixa no homem velho que era. É o peso do hábito que o prende
Não é uma vontade incompletas, são é duas vontades em conflito uma com a outra,
querem coisas contrárias.
É possível a razão ver o bem que quer e o desejo ver outra coisa. A necessária
confluência entre razão e vontade vai ser um problema
Agostinho está num ponto de indecisão total: sente que deve converter-se, mas não
consegue. Porque a vontade é incompleta, não é suficiente. Mas é incompleta porque
não tem força? Não, porque existe uma vontade contrária. Uma vontade para bens
espirituais, superiores, etc. A outra vontade para bens temporais, inferiores.
Agostinho toma as duas coisas como bens, tudo o que a vontade quer é um bem.
O que temos de ter é uma vontade integra que supere a atenção de uma vontade
concorrente.
Melhor maneira de resolver a tensão: como é que posso ter um amor que deseje em
absoluto aquilo que merece ser desejado (parte espiritual), ao mesmo tempo que
consigo ter ou amar relativamente aquilo que merece ser amado relativamente? Como
é que a alma consegue ter uma vontade totalmente dirigida, por exemplo como o
amor que tem um pedido de absoluto, sem que isso implique perder tudo aquilo que é
temporal?
Agostinho pelas suas próprias forças já não conseguia andar nem para a frente nem
para trás. Voltar para trás é esquecer a dimensão espiritual e voltar-se para a
dimensão temporal, isso ele já não consegue fazer, já não consegue voltar para esse
tipo de pessoa que tomava como absoluto tudo aquilo que estava sujeito ao tempo
(relativo). O problema é que tendo esta conclusão negativa acerca de todos os bens
temporais que já não lhe dão a resposta absoluta que ele precisa, também não
consegue avançar. Está preso
Martim Ghira Campos
Cidade de Deus
1ª Aula
Agostinho diz que escreveu os 22 livros para responder aos erros e blasfémias dos
Pagãos.
Agostinho, que já era bispo, recebe a notícia de que grande parte dos romanos
(pagãos) começam a culpar a religião cristã pela queda de Roma, devido ao
afastamento do seu culto ancestral. A ideia deles era a de que o afastar da religião
ancestral para seguir a religião cristã, foi a causa desta queda da cidade. Este
argumento tem algum sentido histórico:
Com a instauração do cristianismo como religião oficial de Roma, começa a haver uma
perseguição ao paganismo (religião ancestral romana)
Trata-se essencialmente de uma questão religiosa, mas não só, porque na verdade não
se trata de dizer apenas que o culto aos deuses foi abandonado, trata-se de dizer que a
nova ética, costumes e modos de proceder da religião cristã, são muito pouco
apropriados para uma defesa eficaz da pátria. Isto é, os cristãos ensinam a amar o
Martim Ghira Campos
inimigo, então como é que uma cidade como Roma se pode sustentar através de um
conjunto de procedimentos que incutam este tipo de atitudes na posição patriota.
A comunidade cristã sente um interesse medíocre por tudo aquilo que diz respeito ao
Estado (assuntos políticos). Não reconhecem pátria, pois para eles só existe uma
pátria, o mundo.
Resta uma coisa, a presença de muitos estrangeiros na cidade, como dito por
Aristóteles, não é algo bom, porque estão formados segundo padrões jurídicos
diferentes. Cria uma certa falta de unidade no interior da própria cidade e esta era a
mentalidade clássica acerca da presença de estrangeiros na cidade.
O cristianismo diz que a condição existencial de cada homem erradicado é a de ser
estrangeiro em busca de uma terra que está fora do tempo. Resultado, eles não têm
afinidade nenhuma particular a uma pátria especifica.
A religião cristã tem um efeito de desnacionalização, não pertence a um povo, não é
distou ou daquilo, ela atravessa todos os povos e todas as pátrias, sem se fixar em
nenhuma. Isto irritava profundamente a mentalidade de Roma, isto é, o cumprimento
dos deveres de cidadania parecem não estar a ser cumprido por este novo grupo que
entende ter uma pátria além do tempo e que diz estar em peregrinação em vista dessa
pátria, ou seja, que se entendem como estrangeiros residentes que estão em caminho
do seu lugar próprio.
Os cristãos estavam a usufruir de todos os direitos que Roma lhes dá, mas não
estavam a cumprir os seus deveres. Dentro dos deveres cívicos, incluem-se os deveres
religiosos, porque na cidade antiga, religião e política estão associadas e não se podem
desassociar. Nesta perspetiva, o romano tem razão em atacar o cristianismo, de ser
um tipo de religião que cria obstáculos à criação de um vínculo de cidadania plena
entre o cidadão e Roma.
O problema do ponto de vista romano é que há uma espécie de grupo que não está a
ter ambições em relação a Roma, está apenas a estreitar e atenuar o vínculo que o
cidadão sente à própria cidade. É a partir disto que o Romano acusa o Ethos, a
mundividência cristã, afirmando que não são adequados à manutenção de cidades que
visam a prossecução temporal.
Mas o problema não vinha só do lado dos pagãos. No inicio, quando o império se
converte ao cristianismo, surge uma nova possibilidade → é claro que o cristão sabe
que deve dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, mas isto era
interpretado como uma incompatibilidade, ou seja, duas autoridades que estão a fazer
reivindicações concorrentes. Doravante, é possível dar a César o que é de César, numa
perspetiva integrada, por amor a Deus, porque César já está a patrocinar/promover
todas as condições necessárias para que o reino de Deus se instale na terra.
A pergunta cristã era → se Roma cai, a Igreja não vai cair também?
A do romano pagão que tenta perceber o que foi feito de mal e que culpa os
cristãos
A obra Cidade de Deus tenta dar uma explicação a estes dois problemas → primeiro
que os pagãos não têm razão e segundo, os destinos ou os fins das duas cidades não
estão tão associados como pensamos.
Elas têm princípios animadores totalmente distintos. A terrestre ama a sua própria
força, ama-se a si.
O princípio que identifica cada uma destas comunidades é o amor, que não é só aquela
força que transporta cada coisa identificando-a com o objeto amado, vai também
funcionar na vida comunitária. Cada comunidade define-se pelo amor que há (?)
que é seu, logo, Roma nunca foi justa, nunca houve justiça, nunca houve direitos,
nunca houve povo romano, nunca houve República.
O raciocínio é falacioso porque Agostinho pega numa conceção Ciceriana de Justiça e a
critica-la de um ponto de vista externo-cristão. Critica a conceção de Cícero de uma
perspetiva cristã, não sendo esse o fim para a qual Cícero a concebeu.
Agostinho diz que se a definição de povo for esta, então para se saber o que é cada
povo, é necessário tomar em consideração o objeto do amor. Já não é a justiça a
virtude que torna o vínculo comunitário-político essencial, é sim a própria noção de
amor.
Para saber o que é cada povo, para o definir, tenho de saber qual é o objeto do seu
amor.
Outra característica do amor é ter o efeito de gerar vínculos entre as pessoas (não
amorosos), vínculos esses porque concordam no mesmo objeto que amam (por
exemplo o que acontece num concerto, em que todos parecem ter uma concórdia
entre si, porque todos amam a mesma música)
A manutenção dos laços sociais da comunidade cristã dá-se porque todos eles
participam do mesmo amor a Deus.
O que é que o povo de Roma amou para se aproximar da primeira queda? O que é que
ama?
Não havia novidade na queda de Roma, parecia era haver algo que Roma estava a
fazer que a levou à situação a que chegou. Para perceber o povo Romano, é necessário
saber o bem que ama, pois, o amor é essencial para definir os vários povos e
comunidades, comunidades essas que são o que são, porque partilham o mesmo amor
ao mesmo objeto, sendo isso que as define.
Agostinho sabe que existem diferentes povos e todos eles amam coisas muito
diferentes, contudo, parece optar por uma estrutura dual na maneira de ler o percurso
da história, isto é, duas grandes comunidades universais animadas por amores
Martim Ghira Campos
(Página 988) NÃO CONFUNDIR‼! Nos termos Cidade terrestre e Cidade celeste,
cidade é uma designação metafórica para Comunidade. Nestas designações, não
devemos fazer a associação Igreja (celeste) e Estado (terrestre), pois para Agostinho
designa a disposição daqueles que orientam o seu amor para fora do tempo, ou para o
tempo. Isto significa que pode haver muita gente da Igreja que oriente o seu amor
para os bens terrenos, significando que até se pode definir como fiel cristão, mas
orienta o seu amor para os bens temporais (apesar de ser cristão, porque orienta o seu
amor para bens temporais, faz parte da comunidade terrestre). O mesmo pode
acontecer ao contrário, sendo que alguém com uma função política no interior da
comunidade, pode orientar o seu amor para os bens celestes, fazendo parte da Cidade
Celeste.
Cidade celeste e Cidade terrestre não designam realidades institucionais, sociais ou
políticas, são, antes demais, duas grandes comunidades místicas.
Cidade Celeste e Cidade Terrestre não se conseguem definir por fronteiras precisas,
sendo que no tempo presente, elas estão misturadas/interligadas. Isto faz com que
não sejam entidades definidas com parâmetros sociais, institucionais ou políticos,
sendo preciso olhar para o amor de cada ser racional, e perceber para onde se dirige,
se para o tempo, ou para fora Deus e para a eternidade.
Página 1079 → Destas comunidades não fazem apenas parte homens, também fazem
parte Anjos, sendo que existem Anjos bons e maus, mas isso não se deve à sua
substância, pois foi Deus o criador de todas as substâncias. O ser bom ou mau “provém
das vontades e apetites”, sendo que uns “mantêm-se no bem, comum a todos, que
para eles é o próprio Deus, e a sua eternidade, na sua verdade na sua capacidade;
outros comprazendo-se mais no seu poder pessoal, como se fosse bem seu próprio,
afastaram-se do supremo bem, fonte universal de felicidade (…), tornando-se
orgulhosos, enganadores e invejosos.”. Esta presença de Anjos prova que não podem
ser instituições temporais e que vai muito para além do entendimento de Estado-
Igreja.
Agostinho diz que uma é boa e outra é má, mas a forma dual de entender as
comunidades já não revela maniqueísmo, pois Agostinho já diz que uma é má porque
os Anjos maus têm vontade própria, sendo que o que se dá entre os bons e os maus é
um conflito de vontades.
Página 1097 → O amor-sui é mau, não porque ama coisas más, mas sim porque se fixa
em bens inferiores impedindo-se de gozar de bens superiores, isto é, volta-se para
bens temporais, fixando-se neles e impedindo de amar a Deus. O amor-sui deseja
menos quando está chamado a ser mais, sendo que o amor é na sua natureza um
pedido de absoluto. Como resultado, os vícios são:
Jactância
Soberba*
Não posso amar coisas sujeitas ao tempo, elas desiludem e o amor é um pedido de
absoluto, mas há uma possibilidade → (soberba*) E se o amor-sui, para além de
designar uma fixação em bens inferiores, designar um amor próprio como se fosse
Deus? Um amor a mim mesmo, revertendo o amor sobre mim próprio, tomando-me a
mim como o princípio de todas as coisas, amando uma autoridade que considero
pertencer a mim próprio. Amor-sui, não só designa o amor orientado para coisas
inferiores (sujeitas ao tempo), mas também a possibilidade de me tomar a mim
próprio como o princípio e o fundamento de todo o poder e de toda a autoridade.
Página 1277 → Narrativa do Genesis sobre Adão e Eva representa isto mesmo, pois a
Serpente astuciosa disse-lhes que se tomassem o fruto, ocupavam o lugar de Deus,
sendo uma proposta tentadora, pois o homem é feito para ser com Deus, para
participar na vida divina submetendo-se a Deus, direcionando o amor para aí. A
serpente propõe, em vez de ser com Deus, tomar o lugar de Deus. O orgulho é
exatamente isso, é uma espécie de amor revertido para si, que deseja uma falsa
grandeza, colocando-se num lugar que não é seu. Com o orgulho, o homem ama-se a
si, colocando-se, na escala hierárquica, em primeiro lugar.
Este modelo de amor-sui que reverte sobre si o próprio amor e se toma a si como
Deus, leva a acreditar em duas coisas:
2) Leva-me a acreditar em mim próprio como tendo uma essência superior aos
outros
Este é o modelo de orgulho para Agostinho, sempre com estas duas noções, com o
orgulho de se sobrepor, o orgulho de ser o primeiro. Usufruir o poder como atributo
pessoal, pertencendo-me a mim por essência.
2ª Aula
Recap → O projeto Cidade de Deus é uma resposta ás objeções cristãs e pagãs acerca
da queda de Roma. Santo Agostinho diz que existem vários povos e o nível dos
mesmos depende dos bens que amam. O amor quando tem uma perspetiva
comunitária, ou seja, quando é exercido por um povo, também o identifica ao objeto
que ama, sendo que a qualidade do povo será tanto maior ou menor consoante a
qualidade dos objetos que ama. Apesar de Agostinho saber da existência de vários
povos e que todos têm qualidades diferentes, tenta chegar à noção de que ao limite
Martim Ghira Campos
existem duas grandes cidades, sendo um conceito simbólico, entidades místicas, uma
união de seres racionais que se une em torno de objetos amados. Isto para Agostinho
significa que temos uma orientação do amor para fora do tempo (transcendência,
Cidade Celeste) e para as coisas sujeitas ao tempo (Terrestre).
São duas comunidades universais que atravessam todos os tempos e se distinguem
pela forma como os seus membros orientam o amor.
No tempo presente, Agostinho diz que estas comunidades estão misturadas, ou seja,
não conseguimos diferenciar membros de uma ou de outra pela forma como agem
externamente, sendo preciso conhecer o interior de cada homem para saber para
onde orienta o seu amor.
Como consequência estas duas grandes comunidades, atravessando o tempo,
integram muitos elementos.
As cidades não são boas ou más por natureza, ou seja, a dualidade no entendimento
das duas cidades não provém de amar coisas más ou coisas boas, pois se assim fosse,
SA estaria a cair no maniqueísmo do qual já se tinha libertado. As cidades são boas ou
más porque o amor inclina-se sobre coisas inferiores, impedindo de gozar de coisas
superiores, isto é, não são boas ou más por natureza, definem-se pela forma como os
que a elas pertencem orientam o seu amor para os bens que amam:
Más → quando orientam o seu amor para os bens temporais, tomando como
absolutos bens que não têm esse caráter, entrando em desordem. Amam em
absolutas coisas que são meramente relativas
Nesta citação, SA usa outra nomenclatura, “homens que querem viver segundo a
carne” e a “dos que querem viver segundo o espírito”. Carne e espírito apontam para
um conflito latente na maneira como se estruturam, já presente nas confissões.
“(…) conseguindo cada uma viver na paz do seu género…” → apesar das duas cidades
se moverem por dinâmicas, forças e princípios distintos, elas parecem ter em comum a
mesma finalidade, sendo que o fim das duas cidades é a Paz. Cada uma visa a paz de
forma diferente e com um significado diferente. Paz é o fim último a atingir para
qualquer homem ou comunidade humana
Por isso, em 1278, aquele que se entende a si próprio e se relaciona com os outros a
ponto de achar que é o principio de todas as coisas (o principio do poder e da
autoridade), não esta a dissolver-se por completo, mas está a caminhar
progressivamente para se dissolver (“ainda não é o nada mas é já aproximar-se do
nada”)
Em suma, o princípio que dá o ser a todas as coisas é Deus. A logica para o homem se
manter “sendo” é aproximar o seu amor da fonte e origem do ser de todas as coisas.
Afastar-se de Deus, ainda que seja para se centrar em si próprio, ainda não é o nada,
mas é já estar a caminhar progressivamente para o nada.
Transpondo para Roma, é disto que Agostinho acusa a cidade → ela move-se por uma
dinâmica que acredita ser ela o principio da ordem, ou seja, que através do seu próprio
poder e autoridade, tomando-se a si como fonte e origem deste poder, o que acontece
é que Roma está a caminhar progressivamente (ainda que não o perceba) para o nada.
Martim Ghira Campos
Uma relação ordenada entre Roma e outros povos aconteceria, se Roma estivesse
numa igualdade estatutária com todos os outros, sendo que só é alcançada, segundo o
raciocínio de SA, se Roma se conseguir entender a si própria como estando
dependente de um primeiro principio (Roma e todos os outros povos estão sujeitos a
um mesmo poder e autoridade que os transcende a todos).
Se Roma assume para si, através desta dinâmica do orgulho, o próprio princípio e
origem de todas as coisas, do poder e da própria autoridade, cria uma relação
desordenada no seu interior e na relação com todos os povos. Assumindo um papel
que não lhe é devido, Roma, mais do que estar a conseguir instalar a Paz romana, está
a fazer exatamente o contrário, ainda que não perceba. Está num processo de
dissolução, que é criado pela maneira como se entende a si e na maneira como se ama
e como ama o seu poder e autoridade.
Por isso, em 1279, quanto mais o amor se vê desorientado para bens temporais e
especialmente para si próprio através do orgulho, mais caduca será a paz. Até pode
parecer que existe uma paz estável, mas na verdade se está animada pelo modo de ser
de orgulho, a cidade está de forma sub-reptícia a caminhar para o seu fim, ainda que
não se note. O que Agostinho sugere é que com a queda, notou-se.
Sobre os fins, as duas cidades têm formalmente um fim, a Paz (completo mais a frente)
Página 1325 → Abel e Caim simbolizam duas formas de desenvolvimento das duas
cidades que mais uma vez estão em rivalidade, mas assumindo que Caim que acabou
por matar Abel, é um fundador de cidades, alguém que procura estabelecer a sua
pátria no tempo presente. Abel não fundou uma cidade, entende-se a si próprio como
estrangeiro (peregrino, alguém que está de passagem no tempo presente) no tempo
presente.
SA diz, acerca dos membros das duas cidades, que o membro da cidade celeste não
tem a pátria no tempo presente, ele encontra-se num processo e dinâmica de
passagem (peregrinação). A lógica daqueles que pertencem à cidade terrestre, é uma
lógica mais estática, procuram transformar o mundo a ponto de fazer do próprio
mundo a sua casa, a sua pátria. Estas duas dinâmicas são bastante opostas, uma mais
sedentária e fixação, a outra é mais de avanço, progresso, movimento em direção a
um fim que ainda não possui.
Apesar de diferentes, opostos até, ambos os casos (Abel e Caim e o que eles
simbolizam) estão à procura da mesma coisa, da Paz, seja qual for o mecanismo para lá
chegar. Diferentes dinâmicas de desenvolvimento, mas têm em vista a mesma coisa.
(fim desenvolvimento)
Página 1397 /98/99 → Amor bom ou mau depende da forma como ele versa sobre as
coisas. O amor é bom quando se salvaguarda a ordem e mau quando se viola a ordem.
Isto significa que para a prática de qualquer ato bom, aquilo que qualquer pensador
clássico diria que era necessária virtude, SA tenta explicar qual é o fundamento do
bem agir ou da virtude, incluindo o fundamento da Justiça. Em Cícero, o fundamento
da Justiça era a Fides, para SA, o fundamento de todas as virtudes que tutelam o bem
agir, está na forma como se ordena o amor. Para que esteja em nós a virtude pela a
qual se vive bem, dependemos da forma como orientamos o amor para fora do tempo.
Capítulo IV a VII (passar rápido) → passa em revista o que disseram as várias correntes
filosóficas acerca do bem supremo e onde colocaram essa noção.
No episódio do bêbado feliz, salientou-se a ideia de bem supremo, sendo que esse
bem supremo, esse fim último a atingir, era a felicidade. A Felicidade é uma alegria
estável
Nessa altura, a noção de felicidade → Posse de um bem imutável (que agora sabemos
que é Deus) e a segurança na posse desse bem.
Martim Ghira Campos
O bem supremo que todos os homens desejam é a felicidade, essa alegria estável que
se traduz na posse segura de um bem e na segurança na posse desse bem.
SA não abdica destas noções, mas diz que, que para a experiência formal de cada
homem, quer para a experiência comunitária (social), esta noção de uma alegria
estável tem uma tradução muito adequada no conceito de Paz. Paz é aquilo que todos
os homens procuram.
Enquanto não estão no seu lugar próprio, não estando devidamente ordenados, eles
permanecem numa situação de inquietude e insatisfação, não estando a atingir o lugar
próprio. Quando orientam devidamente o seu amor, agindo bem e estando o amor
ordenado, os homens atingem a Paz.
Página 1882 → todos os bens corporais estão sujeitos à incerteza flutuante do acaso.
Não só os bens corporais, mas também os bens primordiais da alma. A paz que
procuramos na satisfação destes bens, nunca é verdadeiramente atingida enquanto
estivermos sujeitos a esta incerteza flutuante do acaso.
Capítulo V → será que a Paz que procuramos pode ser atingida através da convivência
dos homens? Mesmo nas amizades que hoje consideramos mais estáveis, sujeitas à
incerteza flutuante do acaso, nunca saberemos se se mantêm suficientemente estáveis
para o futuro. Um político acha-se realista por dizer que deve ter os amigos perto, mas
os inimigos mais perto ainda, mas segundo SA, a incerteza flutuante do acaso é mais
preocupante, ou seja, nem conseguimos distinguir adequadamente quem é o
verdadeiro amigo e o verdadeiro inimigo, porque o amigo de hoje, sujeito a essa
mesma incerteza, amanha pode ser inimigo.
Esta paz que procuramos, mesmo na vida familiar e social, está sempre sujeita aquilo
que é a incerteza flutuante do acaso. Desejamos a paz, a tranquilidade, mas os
assuntos humanos, mesmo na dimensão mais pequena da família e amigos, a paz é um
bem incerto e a guerra um mal certo.
Não estar livre da ameaça constante do conflito e da guerra, é estar nesta incerteza
permanente, sendo já um estado de conflito. O que SA está a dizer é que apesar do fim
último que procuramos ser felicidade, alegria estável ou paz, aquilo que temos como
condição mais certa no tempo presente, é precisamente a inquietude, o conflito e a
guerra (nos mais diversos níveis → família, político, entre Estados)
Página 1897 → Mesmo no domínio das relações com os estrangeiros, elas são
extremamente problemáticas. Agostinho não nega a herança do estoicismo, ou seja,
temos uma mesma natureza, mas a diferença convencional das línguas leva a que o
homem se torne constantemente um estranho para o outro homem e isso potencie o
conflito. Como se resolve esse conflito?
No conflito entre o corpo e a alma, nas vontades que sentiu nas confissões
No domínio da família
No domínio das amizades
No domínio do Estado
No domínio da relação com os estrangeiros ou das cidades entre si
Como é que Agostinho sugere que normalmente se obtém o fim da guerra? Impondo o
poder através de uma cidade dominadora. Poder esse que se impõe não só pela força,
mas também pela influência cultural (“não só o seu jugo, mas também, por um pacto
social, a sua língua…”). Impõe-se uma dominação para acabar com a guerra
A paz é aquilo que todos desejamos e as soluções que parece que temos sempre à
mão, é a da imposição de um poder que termine definitivamente com a guerra. Mas
será que essa imposição dominadora típica de uma forma imperialista, é suficiente
para por fim à guerra?
Página 1912 → O desejo de paz é algo de tal maneira profundo, que é o modo habitual
de proceder em todos os homens. Vivemos uma condição existencial e até social e
política, onde o conflito e a guerra parecem ser um dado permanente. No entanto,
quer os bons (animados por um amor bom), quer os maus (animados por um amor
mau), pelo amor-dei ou pela soberba, todos eles desejam a Paz.
Mas aquele que se move pelo amor-sui e pela soberba, entende a Paz de uma certa
forma → o modo de ser do amor-sui, configurado pela formulação da soberba, tenta,
em paralelismo com aquilo que faz a cidade dominadora, impor a Paz de acordo com a
sua vontade. Todos desejam a paz (bons e maus), mas o soberbo imita perversamente
Deus.
A cidade dominadora, tal como o soberbo, deseja a Paz, mas uma Paz imposta pela sua
própria vontade.
Página 1915 → várias definições de Paz. A definição de Paz para SA que abrange todos
os domínios: “a paz de todas as coisas é a tranquilidade da ordem”
Ordem → “é a disposição dos seres iguais e desiguais que distribui a cada um os seus
lugares”
NOTA: Quando SA fala da paz da cidade e da família, com uma ligeira variação lexical,
ele está a dizer a mesma coisa. O conceito de paz para o domínio da família é igual ao
conceito de paz para o domínio da cidade (político). A paz no seio familiar e na
comunidade política têm o mesmo conceito.
3ª Aula
No livro XIX são passadas em revista várias concessões de bem supremo, que SA vai
eliminando, dizendo que o Bem Supremo, seja ele qual for, traduz-se sempre na mente
humana sob a perceção de uma paz a atingir. Todos os homens desejam a paz, mesmo
os maus, aqueles que fazem a guerra, têm sempre como objetivo a paz interior, ainda
Martim Ghira Campos
que não seja uma paz justa e seja imposta pela sua vontade, acaba sempre por ser o
fim último.
A Paz tem uma relação intrínseca com a noção de ordem, isto é, a Paz só se obtém
quando todas as coisas estão devidamente ordenadas.
Com esta noção de Paz e de Ordem, SA afirma que há uma ordenação devida de um
ser racional aquilo que é o seu criador, mas que todas as coisas têm um lugar próprio
que devem ocupar numa hierarquia que constitui todo o Universo:
Esta noção de Ordem e de vários bens que estatutariamente devem ocupar lugares
distintos consoante o seu estatuto, leva-nos a pensar que todas estas coisas são bens,
no entanto, estas coisas têm um lugar próprio. Quando agostinho fala nesta noção de
paz está a falar num domínio amplo, abarcando duas noções de paz:
Isto é → Uma alma corretamente ordenada pelo Amor-dei sabe que estes bens
temporais são bens, mas são bens onde não se deve fixar como se fossem bens
absolutos. São bens relativos à condição presente em que todos vivemos.
Aquele que pretende tratar estes bens como se fossem absolutos, quer uma
relação desordenada com esses bens.
Para amar de forma conveniente (usar) os bens presentes, temos de amar o
absoluto sabendo reconhecer a relatividade e os limites dos bens sujeitos ao
tempo
Martim Ghira Campos
Página 1929 → O cidadão da Cidade Terrestre não procura apenas USAR a paz
terrestre, porque para eles esse é já o fim, pretendendo GOZAR dessa paz.
Se a paz temporal é um bem para as duas cidades, embora com perspetivas distintas,
então também para o cristão (habitante da cidade celeste que peregrina nesta terra e
vive da fé) a paz temporal é um bem muito significativo, pois é esse bem que lhe
permite apoiar essa sua vida de peregrinação.
Por serem peregrinos, os Romanos designavam os cristãos como um perigo para a sua
comunidade política, pois causavam um efeito de desnacionalização: não têm apego
vincado às instituições e Deuses, por isso os cristãos parecem não ser tão bons
cidadãos.
O que SA diz, sem recusar nada à descrição que os cristãos fazem de si e que os
romanos compreenderam bem (estrangeiros de passagem), é que para que esta vida
de peregrinação decorra sem sobressaltos, eles têm um interesse empenhado em
promover tudo o que diz respeito à Paz temporal. Por este fator, os habitantes da
Cidade Celeste não hesitam a obedecer às leis da Cidade Terrestre.
Tudo o que são Leis promulgadas pela instituição política, que visam alcançar a paz
terrena, o cristão, ainda que peregrino, tem um interesse empenhado em cumprir
Martim Ghira Campos
essas leis. Ainda que peregrino, não será mau cidadão, pois tem o dever e o interesse
de cumprir todas as leis promulgadas pela Cidade Terrestre.
No entanto, o cidadão da Cidade Terrestre pode exigir ao cristão que entenda a Paz
terrestre à imagem daquilo que ele entende acerca dela, isto é, que também deve
cumprir deveres religiosos.
Isto porque o pagão não se satisfaz apenas em ter bons cidadãos, isto é, que se
cumpram as leis que visão a paz terrestre. O romano tem insatisfação pelo
facto de o cristão não ter sentimentos tão patrióticos e de apego quase
religioso à própria instituição política romana → Isto é que já não é compatível
com os habitantes da Cidade Celeste
Página 1930 (condição para que as duas comunidades estejam em paz) → Do lado
Cristão pode-se contar com bons cidadãos, porque eles também querem manter essa
paz temporal. Todavia, é preciso ter cuidado com as exigências que se fazem a essa
comunidade.
Para que a paz entre as duas comunidades se mantenha, não podem existir leis de
religião comuns, isto é, as Leis que visam a boa administração do bem comum e a paz
terrena, vão ser cumpridas pelos cristãos, mas se são impostas leis que incitam a um
certo tipo de culto religioso, aí os habitantes da Cidade Celeste já não vão cumprir →
surge a discórdia entre as duas Cidades‼
Página 1923/24 → todos os homens foram por natureza criados iguais, isto é, o justo
direito do domínio não existe por natureza. Para manter a ordem das relações, um
homem não deve dominar outro. Para SA, o pecado é a causa da servidão, por
natureza, essa relação de domínio não devia existir.
Se por natureza não devia existir, como é que a concórdia, quer na família, quer na
cidade, se dá sobre a estrutura do mando e da obediência? O que é necessário, é
explicar como é que o poder de mandar pode ser legitimamente exercido e justificado
de acordo com esta perspetiva que diz que somos todos iguais.
Página 1920 → Nesse sentido, SA diz que na religião cristã existem dois grandes
mandamentos: amor a Deus acima de todas as coisas e amar o próximo como a si
mesmo. Agostinho diz que a forma adequada que o homem tem de se amar a si, é
amar em primeiro lugar a fonte de todo o ser, isto é, a melhor maneira de se amar a si,
é direcionar o seu amor para Deus. No amor ao próximo, não se trata de amar
diretamente o próximo, mas sim ajudá-lo a amar a Deus (função essencial no amor ao
próximo)
Regras que justificam a razão pela qual podemos mandar nos outros:
“Não mandam pela paixão de dominar, mas pelo dever de deles cuidarem, nem pelo
orgulho, de se sobrepor, mas pela bondade de cuidarem de todos”
Quem manda tem de saber que esse poder não lhe pertence a título pessoal, exerce-o
sempre numa perspetiva de serviço. Um cristão sabe que, se mandar, esse poder não é
seu, foi-lhe sim delegado por um princípio superior para que possa exercê-lo, cuidando
e ajudando os outros (pondo-se ao seu serviço).
Para Agostinho, os melhores cidadãos são os que têm o amor devidamente ordenado.
A estes, o princípio da humildade de se sujeitarem a um princípio superior, leva-os a
exercer o poder sobre a perspetiva do serviço, dando origem a bons governantes, pois
não pretendem exercer o poder sobre a forma do orgulho.
Para a detenção do poder ser legitima, o poder tem de ser exercido colocando-se
sempre ao serviço de outro.
Martim Ghira Campos
Contudo, há um problema → o poder deve ser exercido para ajudar o próximo, para
lhe ser útil, e isso traduz-se em “ajudar o próximo a amar a Deus”. SA deixa entrar na
doutrina da autoridade, uma função religiosa, pois aquele que ajuda o próximo deve
ajudá-lo a amar a Deus. Isto é, na maneira como se deve exercer legitimamente o
poder, Agostinho introduz uma “imposição de religião”, que vai levar ao confronto que
criticou anteriormente, pois introduz uma vertente religiosa no domínio do poder.
Resultado → apesar da separação dos dois domínios, temos uma relação não
totalmente simétrica entre as duas cidades.
A separação dos dois domínios feita por Agostinho, não é suficiente para impedir que
o poder espiritual instrumentalize o poder temporal, tendo em vista a promoção das
suas finalidades espirituais especificas.
Separar as duas ordens, não é suficiente para ter uma relação ordenada entre
os dois domínios (religioso e político), isto porque elas podem estar separadas,
mas se não gozarem de uma autonomia legitima de uma em relação à outra,
então nada impede que uma, afirmando-se superior, possa utilizar a outra
como instrumento para a promoção das suas finalidades especificas. Para uma
reta e ordenada relação entre religião e política, não precisamos apenas de
uma separação de poderes, precisamos de uma doutrina que para alem de as
separar, diga que estas duas ordens têm uma autonomia uma em relação à
outra, autonomia essa que impede que uma se possa apropriar da outra para a
promoção dos seus fins específicos.
Em Agostinho existe a separação, mas falta a afirmação clara e explicita de que esta
autonomia deve existir entre as duas ordens.
SA cria uma moldura conceptual que permite dizer que a religião deve gozar de uma
autonomia face à política, para que a política não se intrometa no seu seio. Mas para
ser satisfatório à nossa mentalidade contemporânea, Agostinho tem de dizer que não
só a religião deve ter autonomia em relação à política, mas também a política deve ter
autonomia em relação à religião, que a impeça de ser apropriada pela mesma.
Página 1927 → A própria noção de poder político está tão associada à paz da cidade e
da família, que a noção de colocar ao serviço do outro e de cuidar dele, implica logo no
entendimento dessa relação, uma espécie de cuidar promovendo um amor orientado
para com Deus.
Tal como o pai de família cuida dos seus, ajudando-os a amar a Deus, também o
governante na cidade, deve ajudar e promover nos cidadãos a vontade de adorar a
Deus. Na noção de serviço político, SA introduziu um elemento religioso, significando
que o governante pode legitimamente ser apropriado pelo poder espiritual para
promover essa finalidade religiosa.
Martim Ghira Campos