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P-005 - Alarma Galático
P-005 - Alarma Galático
ALARMA GALÁTICO
Tradução de RICHARD PAUL NETO
Título do original: ”ATOM-ALARM"
EDIÇÕES DE OURO
© By ERICH PABEL VERLAG — Rastatt, West Germany
© Da tradução - EDITORA TECNOPRINT S.A., 1976
Personagens principais:
***
***
Os robôs não saíram diretamente da nave. Antes disso, reuniram os
objetos que, segundo o programa, tinham de levar para fora.
Ao conceber seu plano, Rhodan tivera a idéia de não desperdiçar um
instante do tempo de que dispunham para cumprir as tarefas ambiciosas que
se haviam imposto. Rhodan percebeu uma chance que não deveria perder e
que lhe permitiria obter, das indústrias terrenas, as peças necessárias à
construção de uma nave ultraveloz e de raio de ação ilimitado, desde que
fizesse encomendas bem definidas. Mas a montagem da nave só poderia ser
realizada sob a proteção da cúpula energética. Face às condições reinantes na
Terra, ele cometeria um erro de extrema gravidade se assumisse o risco de
incumbir a indústria terrestre da construção da nave. Esse receio tinha sua
origem tanto na política das grandes potências, como no caráter humano.
Rhodan sabia perfeitamente que o espaço existente sob a cúpula
energética seria bastante para realizar a montagem final, mas nunca pensara
em comprimir todo o processo produtivo numa área de apenas oitenta
quilômetros quadrados.
Ficou entusiasmado com a atividade enérgica e resoluta dos robôs.
Depois de haverem retirado da nave os materiais de que precisavam para seu
trabalho, empilharam os mesmos num local afastado e puseram-se a aplainar
o solo.
Rhodan tinha certeza de que, quando retornassem de sua viagem, grande
parte do serviço estaria concluída.
***
***
Rhodan estava preparando a relação que seria entregue a Tako. Eram
muitas as peças que teriam de ser providenciadas num breve espaço de
tempo.
A indústria terrena não seria capaz de fornecer os mecanismos
propulsores de velocidade superior à da luz. Crest esperava encontrar, na
nave destruída, algumas peças que poderiam ser utilizadas. Quanto ao resto,
encomendariam as partes separadas, que teriam de ser montadas sob a
cúpula energética.
Rhodan sentiu uma tensão eletrizante ao lembrar-se de que faltavam
menos de setenta horas até o momento em que conheceria o segredo da
propulsão a velocidade superior à da luz.
Fitando a lâmpada mortiça do camarote, deixou que seus pensamentos
vagassem livremente.
Bell entrou correndo, sem anunciar-se. Estava exaltado e fungava.
— Klein está dando sinal! — disse apressadamente. — Temos de
mandar Tako para fora.
— Klein?
Bell fez que sim. — Acho que devíamos apressar-nos.
Klein não gostará de ficar rastejando por muito tempo pelo deserto sob o
olhar de Tai-tiang.
Rhodan ligou o equipamento de intercomunicação. O rosto sorridente de
Tako surgiu na tela.
— Explique a ele! — pediu Rhodan, dirigindo-se a Bell.
— Klein transmitiu o sinal convencionado — disse pela segunda vez. —
OPQ na faixa de 6,3 megahertz. Está esperando no lugar combinado. Você
deve-se pôr-se a caminho o quanto antes.
Tako fez que sim.
— Irei imediatamente, capitão.
Nem deu tempo para desligar o aparelho. Viram que de um instante para
outro ele desapareceu do lugar em que se encontrava.
O capitão Klein ocupava três funções como agente: em caráter
profissional, trabalhava para o Conselho Internacional de Defesa; por
convicção, lutava pela paz e o entendimento entre os povos; e, finalmente,
como aliado da Terceira Potência, também desempenhava suas funções de
agente secreto. Conforme se esperava dele, reunira-se às suas tropas,
juntamente com seus companheiros Kosnow e Li e se retirara em companhia
delas. Se assumia o risco de abandonar a segurança proporcionada pelo
acampamento militar para aventurar-se até as proximidades da cúpula
energética, devia ter uma razão muito forte para isso.
O sinal OPQ na faixa de 6,3 megahertz significava uma pequena
elevação, situada a cerca de seis quilômetros ao sudoeste do lago. Klein
dispunha de várias senhas para entrar em contato com a equipe de Rhodan.
Cada uma delas indicava um lugar de encontro.
Tako Kakuta voltou após quinze minutos. Rhodan e Bell fitavam a tela
de telecomunicação, para vê-lo materializar-se. Mas, em vez de fazer sua
aparição em seu próprio camarote, surgiu inopinadamente na sala em que
Rhodan se encontrava.
Bell sobressaltou-se.
Tako não lhe deu atenção. Voltou-se para Rhodan. Parecia muito
nervoso.
— Tenho notícias más, senhor! Pequim deu instruções a todos os setores
da indústria estatal para entregar imediatamente ao serviço secreto qualquer
dos nossos agentes que procure estabelecer contato com eles. Moscou deu
ordens idênticas para o seu território e, na área da OTAN, a partir de hoje,
qualquer empresário que entabule negociações conosco está sujeito a penas
bastante graves.
Rhodan ficou pensativo por um instante.
— Algum espertalhão deve ter descoberto os nossos planos — disse com
a voz pausada. Deu dois passos, virou-se abruptamente e encarou o japonês.
— Tako! Sua tarefa continua inalterada. Apenas receio que terá de ser ainda
mais cauteloso.
II
***
Quase no mesmo instante Lafitte entrava apressadamente no hall da
Ferroplastics Limited. Já avisara os membros mais importantes do Conselho
Fiscal e tinha certeza de que dentro de uma hora o órgão emitiria uma
deliberação que correspondesse às suas intenções.
Ao passar pela mesa telefônica, a senhorita Defoe chamou-o.
— O que houve? — perguntou em tom impaciente. — Não tenho tempo.
A jovem esboçou um sorriso suave.
— O senhor Yamakura acaba de telefonar. Perguntou se por este telefone
pode falar com a sala de sessões do Conselho Fiscal.
— O senhor Yamakura? — Lafitte franziu a testa. — O que é que ele
quer?
— Por enquanto nada. Diz que talvez tenha de falar com um dos
conselheiros durante a sessão.
— Está bem. Ligue-me imediatamente com ele, se... O que houve desta
vez?
Um homem alto e jovem atravessou o hall e parou perto de Lafitte.
Notava-se que queria dizer alguma coisa.
— Eu o segui, patrão, conforme combinamos. Está tudo em ordem?
— Sim, Morgan, tudo está em ordem. Morgan hesitou. Ia afastar-se, mas
continuou parado.
— Tem certeza de que tudo está em ordem?
Lafitte bateu o pé.
— Tenho, sim. Que inferno! Tenho certeza absoluta!
Morgan não se abalou.
— Muito bem — murmurou. Afastou-se e saiu. Tirou o carro de junto da
escadaria e estacionou-o no lugar reservado.
Voltou para junto da telefonista. Lafitte já se afastara.
— Que história é essa, Morgan? — perguntou ela, nervosa. — Por que
está com medo?
Morgan pegou uma cadeira e sentou junto à mesa telefônica. Deu de
ombros.
— Não sei... Parece que fizeram um grande negócio. Lafitte correu que
nem um louco para reunir o Conselho Fiscal ainda hoje. Acontece...
A telefonista sacudiu a cabeça.
— Não vejo nada de errado nisso.
— Já viu alguma vez como Lafitte costuma fazer seus negócios?
— Nunca.
— O tempo que Lafitte leva para tomar uma decisão costuma ser
proporcional ao valor da encomenda. Nunca levou menos de cinco horas
para discutir um negócio. E desta vez levou cinco minutos, ou talvez quinze,
se contarmos tudo. E agora convoca o Conselho Fiscal. Deve tratar-se de um
negócio muito importante. Se não fosse assim, Lafitte decidiria sozinho.
Concluiu um negócio enorme em quinze minutos. É isso que me deixa
preocupado.
A telefonista sorriu.
— Ora essa! Só por isso faz tanto drama?
Morgan fez que sim.
— Você me deixaria escutar quando esse Yamakura...
— Não — respondeu ela em tom ríspido. — Nunca permito que alguém
escute os telefonemas dos outros.
Mas Morgan conseguiu convencê-la.
Por algum tempo conversaram sobre assuntos banais. Subitamente a
porta do hall abriu-se. Ao ouvir o ruído, Morgan virou-se. Viu o batente
largo girar para fora, voltar para dentro e oscilar até atingir sua posição de
repouso. Esfregou os olhos. Nem por isso o quadro se alterou. No hall
desenvolvia-se a agitação de um dia movimentado. Não havia ninguém perto
da porta.
A jovem teve a atenção despertada.
— O que houve?
— A porta abriu-se, mas não entrou ninguém.
O telefone chamou. Ela fez uma ligação e voltou a colocar o fone no
gancho. Depois disse:
— Você devia tirar férias, Morgan. Já está se tornando ridículo com essa
mania de ver fantasmas.
Morgan protestou.
Nesse instante aconteceu uma coisa estranha. Um velho mensageiro
estava atravessando o hall com uma pasta. Subitamente parou, como se
tivesse esbarrado em alguma coisa, deixou cair a pasta, atirou os braços para
o alto e soltou um grito de pavor. Num segundo, Morgan colocou-se ao seu
lado.
— O que houve?
O velho estava com o rosto mortalmente pálido. Tremia e falou
gaguejando.
— Eu... ele... por aqui havia alguma coisa e esbarrei. Foi aqui mesmo!
Morgan foi ao lugar apontado pelo velho.
— Tolice! — resmungou. — Aqui não há nada.
O homem sacudiu a cabeça.
— O que foi? — perguntou Morgan.
— Não sei dizer. Talvez tenha sido um homem. Se foi, não usava roupa
igual a nós. Estava muito duro.
Morgan passou a mão pelo cabelo.
— Não viu nada?
— Aí que está! Não vi nada.
— Muito bem. — Morgan abaixou-se, levantou a pasta e colocou-a sob o
braço do velho. — Esqueça-se disso e não conte a ninguém. De qualquer
maneira, não acreditariam.
— Sim senhor. Muito obrigado — disse o velho, ainda perturbado.
Morgan voltou para junto da telefonista.
— O que houve? — indagou esta.
— O homem esbarrou em algo invisível. Ela teve um acesso de riso.
— Fico me perguntando o que há de verdade em tudo isso — disse
Morgan com a voz séria.
A moça olhou-o, incrédula, e interrompeu-se em meio à risada.
— Você não vai me dizer...
Morgan não respondeu. Apoiou a cabeça nas mãos e ficou refletindo.
Depois de algum tempo a porta do hall voltou a se abrir, desta vez para
deixar passar dois membros do Conselho Fiscal, que haviam sido
convocados por Lafitte.
Passaram junto à mesa telefônica e cumprimentaram a senhorita Defoe
com um aceno de cabeça, sem interromper a palestra em que estavam
entretidos. Morgan seguiu-os com os olhos. Para chegar à sala de sessões era
necessário atravessar um corredor largo e curto, separado do hall por uma
porta de vidro. Morgan viu perfeitamente que, quando os dois homens
passaram pela mesma, o batente esquerdo logo voltou à posição normal,
enquanto o direito continuou aberto até que os conselheiros já haviam
andado uns três ou quatro passos pelo corredor.
Para Morgan já não havia a menor dúvida: uma pessoa que sabia tornar-
se invisível seguira os dois membros do Conselho Fiscal. Estava a ponto de
alarmar a guarda do estabelecimento. Mas lembrou-se de que não poderia
apresentar qualquer motivo plausível. Zombariam dele e os guardas
continuariam nos seus postos.
Se alguma coisa pudesse ser feita, ele mesmo teria de cuidar disso.
***
Notava-se que Lafitte se orgulhava da encomenda que conseguira
negociar. Com uma enorme autoconfiança apresentou a oferta aos membros
do Conselho Fiscal, sem perturbar-se com os rostos daqueles homens, que de
minuto a minuto, assumiam uma expressão cada vez mais perplexa e
contrariada.
Finalmente Whitmore levantou-se de um salto, dando um empurrão na
cadeira que a fez deslizar no soalho.
— Senhor Lafitte — começou com a voz áspera. — Como membro do
Conselho Fiscal quero dar expressão ao espanto causado pela sua oferta. —
À medida que falava, enfurecia-se cada vez mais: — Acha que está fazendo
uma boa piada ao arrancar-nos das nossas ocupações, arrastar-nos até aqui e
submeter-nos essa oferta absurda? Levante-se, Lafitte, e explique-se. Se não
o fizer, esta assembléia lhe dará uma lição de que nunca se esquecerá.
Assim era Whitmore. Ia sentar-se para dar uma oportunidade de defesa a
Lafitte, que parecia bastante perturbado. Mas, enquanto puxava a cadeira,
uma idéia pareceu surgir em sua mente.
— Espere — disse, fazendo um gesto nervoso em direção a Lafitte. — O
que nos oferecem mesmo em pagamento?
— Um gerador antigravitacional — voltou a explicar Lafitte. — Trata-se
de um aparelho capaz de neutralizar campos gravitacionais até a potência
equivalente a dez vezes a gravidade terrestre. É um equipamento de
transporte ideal, que ainda não existe em qualquer parte do mundo.
Whitmore confirmou com um movimento de cabeça.
— Já que é assim — disse, passando os olhos pelos homens sentados em
torno da mesa de conferências — considero a oferta perfeitamente viável.
Os outros homens assentiram. Ninguém parecia lembrar-se de que há
trinta segundos ainda consideravam a oferta de Lafitte uma piada de mau
gosto. Ninguém teve a idéia de perguntar quem seria capaz, neste planeta, de
fornecer um aparelho com que até então a ciência mal ousara sonhar.
Subitamente, bastou-lhes que tal aparelho fosse oferecido. Não duvidavam
da idoneidade do autor da encomenda.
Lafitte leu as condições de fornecimento e as instruções de embarque.
Chegou-se à conclusão de que umas e outras poderiam ser cumpridas sem
maiores dificuldades.
Segundo a promessa de Lafitte, a sessão terminou dentro de uma hora. A
encomenda tinha sido aceita e as instruções correspondentes foram emitidas
imediatamente. Os membros do Conselho Fiscal despediram-se na convicção
de terem concluído o maior negócio da história da Ferroplastics Limited.
O homem que os ajudara a tomar essa decisão esperou até que todos
tivessem saído da sala. Como não tivesse mais necessidade de concentrar
todos os seus esforços — situação em que se encontrara quando começou a
influenciar os membros do Conselho Fiscal — achou preferível não voltar
pelo hall, para evitar o risco de novo incidente como aquele que há pouco
tanto o assustara. Concentrou sua mente num local abandonado nas
proximidades da sede da Ferroplastics Limited e para lá se transportou num
telessalto.
Conforme imaginara, aterrissou perto da rua, num terreno baldio coberto
de mato. Não havia ninguém que o visse surgir.
Atravessou a rua e esperou até que aparecesse um táxi vazio. Fez sinal.
Poucos minutos depois desceu em frente ao hotel. Entretido nos seus
pensamentos, passou pelo porteiro, entrou no elevador e subiu.
Estava satisfeito com o trabalho daquele dia.
A única coisa que o preocupava era o esbarrão no mensageiro.
Não pudera evitá-lo, porque um segundo antes tivera que desviar-se de
outra pessoa. Notara perfeitamente que o jovem esbelto que correra em
auxílio do mensageiro acreditara na história muito mais do que Tako teria
gostado. Ao que parecia, alguém pretendia colocar-se no seu encalço. Se
tivesse bastante senso objetivo para acreditar na história do homem invisível
que esbarrara no mensageiro, poderia transformar-se num adversário
temível.
Tako gravara bem seu rosto. Decidiu submetê-lo à sua vontade assim que
tivesse oportunidade para isso.
IV
***
Webster entrou numa sala na qual só havia uma mesa, duas cadeiras e,
sobre a mesa, um telefone e um aparelho de intercomunicação. Fechou a
porta cuidadosamente, depois de ter apagado a luz. Comprimiu o botão do
aparelho de intercomunicação. Uma luzinha acendeu-se e uma voz áspera
perguntou:
— O que houve?
— Aqui fala Webster. Acho que o homem virá.
— Muito bem. Mais alguma coisa?
— Não.
— Mas eu tenho uma coisa para você, Web.
— Diga.
— Finch deu com um sujeito que vive espionando esse japonês. Seu
nome é Morgan e vem da Ferroplastics. Descobrimos que é detetive da
empresa. Você e Finch ficarão de olho nele até que Yamakura tenha fechado
negócio conosco. Não podemos permitir que alguém fareje os nossos
negócios. Não tenham a menor consideração por ele.
— Está bem, chefe — respondeu Webster em tom submisso.
— Outra coisa. Ligue o telefone para cá. Quero ouvir o telefonema do
japonês.
— Perfeito.
Webster comprimiu um botão que ficava na base do aparelho.
— Finch instalou seu quartel-general no restaurante Fratellini. Procure
chegar lá quanto antes.
— Sim, chefe.
— Fim.
Webster desligou o aparelho de intercomunicação, abriu a gaveta da
mesa e tirou uma pistola. Feito isso levantou-se, apagou a luz e saiu.
Do outro lado da porta ficava um escritório. Via-se uma fileira de
cadeiras e escrivaninhas. Tudo estava coberto por uma grossa camada de pó
que só era interrompida no trajeto da porta pela qual Webster acabara de
passar até a saída.
A Eastern Transport era uma firma que só existia na placa colocada na
porta de entrada. Se alguém lhe quisesse confiar algum objeto para ser
transportado, diriam, numa linguagem adequada, que infelizmente estavam
tão sobrecarregados, que nas próximas oito ou dez semanas não podiam
aceitar nenhum serviço.
A porta de entrada dava para um corredor situado no trigésimo andar de
um arranha-céu. A essa hora, o corredor estava vazio. Webster foi até o
elevador e desceu. Deu boa-noite ao porteiro, pegou um táxi e foi até a
Sétima Avenida, onde ficava o restaurante de Fratellini. Finch estava sentado
numa sala que o proprietário costumava reservar para hóspedes especiais.
Webster sentou à sua frente.
Finch levantou os olhos.
— Parece que o peixe acaba de escapar da nossa rede — disse, devagar e
com a voz cansada.
***
Jesse Morgan contribuíra involuntariamente para o fracasso que os
homens de Finch acabavam de sofrer. Morgan era um dos detetives de
Pinkerton e fora destacado para o serviço da Ferroplastics Limited e não
demorou a descobrir que, ao esforçar-se para entrar em contato com o
japonês Yamakura, era seguido por vários homens, que se revezavam e
agiam com uma habilidade extraordinária.
Gastou uma boa quantia em corridas de táxi, entradas de cinema, uma
enorme porção de sorvete que nem chegou a tocar e uma boa dose de energia
física para livrar-se de seus perseguidores. Mas, com isso, seu plano de
entrar em contato com Yamakura no seu apartamento, ainda naquela noite,
caíra n'água.
Ficou refletindo sobre quem seriam as pessoas que ficavam grudadas aos
seus calcanhares. Depois que Lafitte se recusara a informá-lo sobre as
excentricidades do japonês, Morgan encarou o assunto como objeto de sua
curiosidade pessoal. Pouco lhe interessava se de suas investigações poderia
resultar algo de útil para a Ferroplastics Limited.
Morgan tinha uma idéia bastante nítida do japonês. Até poucas semanas
atrás, quando o noticiário entrou numa estranha maré baixa, os jornais
costumavam encher-se de informações sobre os acontecimentos estranhos
que se desenrolavam no deserto de Gobi e que tinham sua origem nas
pessoas que costumavam designar-se como a Terceira Potência. No caminho
da China para os Estados Unidos muitas informações foram distorcidas,
adulteradas e exageradas a tal ponto que, nos jornais americanos, se liam
coisas que mesmo numa pessoa completamente desinteressada só provocava
risos. Acontece que Morgan sabia separar o joio do trigo, para fazer surgir
aquilo que tinha foros de verdade. E, agindo assim, achou mais que provável
que Yamakura não fosse nenhum encarregado da Federação Asiática,
conforme Lafitte procurou dar a entender com suas insinuações, mas um
agente da Terceira Potência.
Sendo assim, pensou Morgan, talvez caísse no truque barato que iria
aplicar.
Quando se sentiu absolutamente seguro de que não estava mais sendo
seguido por nenhum dos desconhecidos, entrou numa lanchonete, sentou a
uma mesa que ficava no canto mais escondido e pediu um refresco. Passado
algum tempo, levantou-se e foi até o telefone. O aparelho ficava numa
cabine bem fechada. Ninguém ouviria o que pretendia dizer. Ligou para o
Hotel Atlantic, onde Yamakura estava hospedado.
— Aqui fala Donovan. Quero falar com o senhor Yamakura.
A telefonista murmurou algumas palavras incompreensíveis. Houve uma
pausa, Logo após veio a resposta.
— Sinto muito, mas o senhor Yamakura está jantando.
— No hotel?
— Sim.
— Queira chamá-lo.
— Um momento. Vou ligar para lá.
Ouviram-se ruídos, o rumor de passos e de vozes. Finalmente uma voz
aguda respondeu:
— Alô!
— Aqui fala Donovan — disse Morgan, falando devagar e enfatizando
as palavras. — Quero fazer-lhe uma oferta. Yamakura parecia perplexo.
Levou algum tempo para responder:
— E quem lhe diz que estou interessado nas suas ofertas?
— Eu mesmo. Disponho de muitas relações e posso conseguir num
golpe aquilo que o senhor teria de reunir aos poucos e com muito esforço.
— Não diga! — disse o japonês em tom irônico. — Vai fazer isso por
pura caridade?
— Não. Tenho meu preço.
— E daí?
— Que tal um encontro?
— Onde?
— Faça uma sugestão.
Yamakura refletiu.
— Não conheço a cidade. Que tal a primeira lanchonete na rua à
esquerda do Atlantic?
— De acordo. Quando?
— Daqui a uma hora.
— Muito bem. Aguardarei o senhor.
O japonês desligou. Ao sair da cabina telefônica, Morgan não conseguiu
disfarçar um sorriso de satisfação.
Uma pessoa que não dispusesse de recursos extraordinários não teria
caído num truque desses. Morgan não duvidava de que, embora tivesse
concordado, Yamakura contava com uma tentativa de capturá-lo. Pagou a
conta e seguiu a pé em direção ao local de encontro. Tinha tempo de sobra,
mas queria chegar antes de Yamakura
.
***
***
***
***
***
***
O’Healey disse:
— Lá em cima, no décimo quinto andar, aconteceu uma coisa estranha,
senhor. Alguém fez o elevador descer lá, mas quando os guardas o
examinaram, não havia ninguém.
Mercant ergueu o olhos.
— Não havia ninguém? O que diz Zimmermann?
— O capitão Zimmermann chamou alguns especialistas que deverão
procurar impressões digitais e não sei mais o quê no interior da cabina.
Mercant levantou-se.
— Levarão três meses para examinar todas as impressões digitais. Onde
foi mesmo que isso aconteceu? No décimo quinto andar?
— Sim, senhor.
— Venha comigo. Vamos subir até lá.
***
Rhodan já constatara que o décimo quinto andar não era o último. Foi ao
encontro do capitão Zimmermann quando este se aproximou pelo corredor, e
procurou descobrir de onde ele viera. Descobriu dois elevadores que
conduziam apenas para baixo.
Esses elevadores eram vigiados com maior rigor que aqueles por onde
ele descera. Não havia a menor dúvida de que os guardas reagiriam ao mais
leve movimento de qualquer das cabinas.
Rhodan esperou. Dali a pouco, o capitão Zimmermann voltou em
companhia de um sargento. Os guardas fizeram continência. Zimmermann e
o sargento entraram no elevador do lado direito.
Rhodan seguiu-os sem fazer o menor ruído e comprimiu-se contra a
parede do elevador para não tocar em nenhum deles.
Zimmermann disse:
— Que coisa estranha! Até dá para desconfiar que o sujeito saltou do
elevador no meio da viagem. Mas isso é impossível!
O elevador parou de repente. Pela contagem de Rhodan, haviam descido
mais seis andares.
Rhodan não saltou do elevador com a necessária rapidez, pois receava
que os sapatos de seu traje fizessem ruído. O sargento, que não tinha nenhum
motivo para esse tipo de receio, passou por ele e esbarrou em seu corpo.
Parou de chofre. Zimmermann esbarrou nele. Rhodan conteve a
respiração e desviou-se para o lado em passos minúsculos.
— O que houve? — perguntou Zimmermann.
— Es... esbarrei em alguma coisa, capitão.
Zimmermann franziu a testa.
— Onde?
— Aqui, capitão — gaguejou o sargento, apontando para o nada.
Rhodan viu que se encontravam no fim do corredor. A parede ficava a
dois metros dos elevadores. Comprimiu-se contra ela. Os guardas postados
por ali aproximaram-se do elevador.
Zimmermann riu.
— Há quanto tempo está conosco, sargento?
— Há dois anos, capitão. Este mostrou-se compreensivo.
— Isso explica tudo. Quando eu estava aqui dois anos, via pequeninos
homens ver- , des marchando por estes corredores.
Com um gesto de mão procurou mostrar o tamanho dos homens, a fim
de alegrar o sargento.
— De tanto segredo que se faz por aqui | — disse em tom benevolente
— todo mundo acaba sofrendo de alucinações. Isso só passa quando se está
acostumado ao movimento que há por aqui.
O sargento retesou o corpo.
— Sim, senhor.
Rhodan sentiu-se aliviado. Zimmermann afastou-se em companhia do
sargento. Os guardas sorriram. Andando cautelosamente, Rhodan seguiu os
dois.
— Aí vem o capitão Zimmermann, coronel — avisou O’Healey ao abrir
uma das portas de aço que dividiam a galeria inferior em vários setores
distintos.
— Ah! — disse Mercant. Zimmermann fez continência.
— Este é o sargento Threash, coronel. Foi a primeira pessoa que notou a
ocorrência.
Mercant cumprimentou o sargento com um movimento de cabeça.
— Deu instruções para que se procurassem impressões na cabina do
elevador? — perguntou, dirigindo-se a Zimmermann.
— Sim, senhor. Não mandei examinar toda a cabina; apenas o botão de
comando para o décimo quinto andar.
— Foi uma medida muito inteligente — observou Mercant em tom
irônico. — Isso representa um tipo de terapia ocupacional para o staff de
especialistas, não acha?
Ao ouvir a reprimenda, Zimmermann piscou os olhos.
— Achei...
— Ora, capitão. O senhor não vai me dizer que o homem — se é que
esse homem existe — que foi bastante inteligente para penetrar no posto de
Umanaque, não se valeu do velho recurso das luvas.
— É possível, coronel — concordou Zimmermann.
— É certo — disse Mercant em tom triunfante. — Sargento, quem mais
viu a cabina vazia?
— Todos os guardas que se encontravam diante dos elevadores do
décimo quinto pavimento, coronel — respondeu Threash em posição de
sentido.
— Já mandou chamar os técnicos em eletrônica? — perguntou Mercant,
dirigindo-se a Zimmermann. — Talvez seja um defeito do elevador.
— Ainda não, coronel. Mas providenciarei...
Nesse instante o inferno irrompeu por ali. Um uivo estridente superou
todos os ruídos. A porta de aço sob a qual Mercant e O’Healey se
encontravam pôs-se em movimento, deu um empurrão em Mercant, que
arrastou O’Healey consigo, e fechou-se com um ruído seco. Zimmermann e
Threash ficaram do outro lado.
— Alarma de radar! — disse Mercant com a voz ofegante. — Venha,
O’Healey.
Saiu correndo pelo corredor. Não poderia chegar ao seu corredor.
Durante o alarma, as portas de aço só se abririam mediante uma ordem
especial e Mercant não pretendia transmitir essa ordem enquanto não
soubesse de que se tratava. De qualquer maneira podia dispor das salas
situadas no setor em que se encontrava.
Tomou lugar em uma mesa desocupada às pressas. Através do aparelho
de intercomunicação entrou em contato com a central de vigilância.
— É Mercant! O que houve na galeria inferior?
— Alarma de radar no setor A, coronel.
— O que foi que desencadeou?
— Não sabemos, coronel. Captei todo o setor na tela de imagem que
tenho diante de mim, mas não vejo nada de anormal.
— Entrou em contato com as salas do setor?
— Sim, coronel. Mas ninguém viu nada de extraordinário.
Mercant refletiu. O setor A era o primeiro a partir dos elevadores. Se
alguém tivesse vindo de cima...
— Está bem! — disse com a voz áspera. — Pode suspender o alarma.
A sereia voltou a uivar no corredor. Mercant saiu em companhia de
O’Healey e abriu a porta na qual dois minutos antes conversara com
Zimmermann.
Este e o sargento Threash continuavam no mesmo lugar.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Mercant laconicamente.
— Nada, coronel. Permite que lhe pergunte...
— Há um fantasma por aí — respondeu Mercant com um sorriso. — Um
homem que sabe tornar-se invisível.
Passando por Zimmermann, avançou cautelosamente pela galeria.
Zimmermann e os dois sargentos fizeram menção de segui-lo, mas Mercant
fez sinal para que continuassem onde estavam.
Uma das portas do lado esquerdo abriu-se. Com um gesto zangado,
Mercant fez com que o homem que pretendia sair para o corredor voltasse.
Subitamente parou, como se tivesse encontrado alguma coisa. Voltou o
rosto para o chão, depois para cima. Finalmente virou-se e voltou com um
sorriso no rosto.
— Acho que fizemos papel de palhaço — disse em tom alegre. — Não
há nada. Zimmermann!
— Sim, coronel!
— Mande esse pessoal das impressões digitais para casa. Acho que o
caso será esclarecido de outra forma.
— Sim, senhor.
— O’Healey e Threash, voltem aos seus postos. O’Healey, o senhor me
apresentará o relatório na hora de costume.
Voltou ao seu gabinete, sem dar atenção aos rostos espantados que
deixou para trás.
Cautelosamente abriu a porta. Um sorriso de contentamento passou pelo
seu rosto. Foi até a mesa, afundou na poltrona e abriu uma das gavetas. Tirou
uma pesada pistola.
Apontou a arma para um ponto situado entre a porta e o armário mais
próximo. Depois disse:
— Seja quem for o senhor, pode tirar seu disfarce. Não sei o que
pretende aqui. Se quiser matar o velho Mercant, é bom que saiba que ainda
terei forças para apertar o gatilho desta pistola. Já deve ter visto que sei
perfeitamente onde está. Então?
Passaram-se alguns segundos. Subitamente uma espécie de nuvem
começou a formar-se no lugar para o qual Mercant estava apontando sua
arma. A nuvem assumiu formas definidas e acabou transformando-se num
homem que envergava um traje estranho.
Mercant arregalou os olhos.
— Major Rhodan!
— Já não sou major! O major deu baixa. Meu Deus, como foi que você
descobriu?
Mercant sorriu.
— Dizem que descubro a presença de um homem pelo faro. Nunca senti
isso tanto como hoje. Sente-se, Rhodan.
Rhodan sentou. Mercant ofereceu-lhe um cigarro. Parecia inteiramente à
vontade.
— Seu uniforme não o protege contra o radar, não é? — disse depois de
algum tempo.
— Não; e não sabia que aqui embaixo existem detetores de radar.
— Assim mesmo é uma coisa extraordinária.
Rhodan descansou o cigarro no cinzeiro.
— Vamos logo ao que importa, Mercant. A coisa é muito mais séria do
que você pensa.
— Muito bem; pode falar.
Rhodan relatou tudo que havia ocorrido na Lua. Concluiu da seguinte
forma:
— Procure compreender: o que virá por aí é uma frota de naves
robotizadas, e nenhuma delas estará interessada em saber se tínhamos algum
direito de destruir o cruzador espacial dos arcônidas. Dispararão seus mísseis
e não temos como defender-nos.
Se Mercant ficou impressionado, não o deixou perceber.
— E sua nave? Você não disse que está muito bem equipada? Não pode
repelir o ataque com ela?
— Está bem equipada sob os padrões terrenos — respondeu Rhodan. —
Mas as naves robotizadas que estão a caminho têm um equipamento muito
superior. Faremos o que estiver ao nosso alcance, mas seria conveniente que
o planeta Terra se preparasse.
— E quem me garante que você não está blefando para arrancar umas
tantas vantagens para si e seus comparsas? — retrucou Mercant.
— Ninguém lhe garante — respondeu Rhodan em tom indiferente. —
Acredite se quiser. Quando chegar o momento, verá que não estou blefando.
Mercant abanou a cabeça. Ainda não se mostrava impressionado. Parecia
refletir. Na verdade, esforçou-se por captar tudo que era possível dos
pensamentos de Rhodan. Mercant sabia perfeitamente que possuía um
princípio do dom da telepatia. Podia perceber um pensamento muito intenso,
desde que o indivíduo não estivesse muito distante dele. Às vezes conseguia
captar a concepção geral de um fluxo de pensamentos, para saber se era
verdadeiro ou falso.
O cérebro de Rhodan tinha algo de muito especial. Mercant conseguira
perceber onde ele se encontrava; foi assim que pôde localizá-lo no corredor e
no escritório. Mas Rhodan parecia ter posto uma tranca nos seus
pensamentos. Mercant não conseguiu captar nenhum deles; mas percebeu
que ele dizia a verdade.
Levantou-se.
— Esqueça-se disso. O que sugere?
— Divulgue o assunto entre as pessoas responsáveis — respondeu
Rhodan. — Diga-lhes o que nos espera e faça-os compreender que só através
da cooperação de todos conseguiremos montar uma defesa eficiente. Mais
uma coisa: faça com que seja suspenso esse ridículo bloqueio de suprimentos
decretado contra nós. Ainda que consigamos repelir o primeiro ataque,
outros se seguirão. Para manter-nos, precisaremos de pelo menos uma nave
de grande capacidade. Mesmo que as indústrias sejam autorizadas
imediatamente a iniciar os fornecimentos, levaremos alguns meses para
montar uma nave com as matérias-primas e os produtos semi-acabados que
recebermos. Se tivermos de arranjar o material às escondidas, levaremos
dois anos. Mercant olhou para o chão.
— Farei o possível, Rhodan. Sabe o que está pedindo de mim? Imagine
só! Chego a Washington e digo ao pessoal: Escutem, Rhodan encontrou na
Lua um hiperemissor que emite sinais de emergência. Dentro de quinze dias
o mais tardar chegará uma frota de naves robotizadas e bombardeará a Terra.
Rhodan quer que suspendam todo e qualquer embargo contra seu grupo. Já
pensou no que dirá essa gente?
Como um movimento discreto Rhodan ativou o hipnorradiador oculto
sob seu traje.
— Mercant, você tem uma influência pessoal extraordinária — disse
com a voz baixa, mas em tom penetrante, fitando os olhos de seu
interlocutor. — Usará essa influência para convencer aquela gente. Tomará
todas as providências para que os preparativos de defesa sejam iniciados sem
a menor demora. Compreendeu, Mercant? Não se dirija ao Senado, mas ao
Presidente. Fale com as pessoas que confiam em você pelas suas qualidades
pessoais, não por ser chefe do Serviço Secreto. Entendido?
Mercant confirmou com um movimento dócil da cabeça. Nem se deu
conta de que, até então, ninguém se atrevera a falar-lhe nesse tom, isso
porque a incumbência transmitida por Rhodan era de natureza pós-hipnótica.
Mercant não poderia deixar de cumpri-la à risca.
Rhodan descontraiu-se.
Libertou Mercant da constrição mental a que o submetera.
— Ficarei muito grato se puder conduzir-me em segurança até lá em
cima.
Mercant abriu a porta.
— Enquanto estiver comigo, ninguém o deterá.
Enquanto passavam pela galeria, Mercant disse:
— Terei de manter contato com você, Rhodan. Instrua o capitão Klein a
transmitir qualquer comunicação dirigida a você pelo código ANP. Não se
esquecerá?
Rhodan estacou. Mercant sorriu quando notou sua surpresa.
— A quem devo instruir? — perguntou Rhodan. — Klein? O capitão
Klein?
— Isso mesmo.
— Como sabe que trabalha conosco?
— Não sei — respondeu Mercant. — Apenas suponho. É como lhe digo:
farejo uma porção de coisas nas pessoas.
Rhodan dominou o espanto.
— Klein ficará satisfeito em saber disso. Anda com um medo terrível de
uma lavagem cerebral.
Mercant riu.
— Não deve ter medo. Continuo a considerá-lo um dos melhores
elementos de que disponho.
Quando chegaram ao elevador, os guardas, espantados, fizeram
continência. Rhodan perguntou em voz baixa:
— Você poderia explicar isso, Mercant? Quero dizer, sua atitude para
com Klein.
Mercant hesitou, mas acabou dando uma resposta franca e singela:
— Estou convencido de que a humanidade devia colaborar com você.
Acredito que não quer nada de condenável, e que seria de vantagem para
todo mundo se fizéssemos as pazes com a Terceira Potência.
Rhodan encarou-o estupefato. Quando o elevador chegou ao décimo
quinto andar, disse:
— Obrigado, Mercant!
VII
ALLAN D. Mercant era uma das pessoas que o Presidente dos Estados
Unidos recebia a qualquer hora.
Quanto à soma dos poderes que enfeixavam em suas mãos, nenhum dos
dois ficava devendo nada ao outro. Desta vez, porém, Mercant via-se diante
de um caso especial, no qual precisava do auxílio do Presidente. Só este
tinha o privilégio de desencadear um alarma nuclear.
O Presidente convocara seu conselheiro pessoal para a conferência. Tal
qual Mercant, Wildinger era um dos homens do mundo livre dotados de
maior dose de sangue-frio.
Mercant ainda não conseguira convencer o Presidente.
— Ninguém há de exigir que eu dê o alarma nuclear com base numa
simples suspeita, atirando o dinheiro do povo pela janela — protestou o
Presidente. — Sabe que um ato desses nos custa um bilhão de dólares?
Mercant sacudiu a cabeça.
— Não sabia. Mas também não sabia que num caso desses isso é tão
importante — disse em tom indiferente.
— Wildinger! Abra a boca!
Até então, Wildinger se mantivera confortavelmente reclinado na sua
poltrona. Agora deslocou o corpo para a frente, apoiando os cotovelos na
mesa.
— É difícil dar um conselho — disse. — É bem possível que
economizemos um bilhão de dólares, para sacrificar a vida dentro de poucos
dias. Mas também é possível que o mais acertado seja não desencadear o
alarma. Enquanto Mercant não nos fornecer informações mais precisas, nada
podemos aventurar com uma probabilidade razoável, muito menos com um
mínimo de certeza.
Acendeu um cigarro e prosseguiu:
— Poderíamos adotar uma solução conciliatória. Deixaríamos tudo
preparado, para que o alarma pudesse ser desencadeado num tempo muito
breve. Dessa forma só gastamos a décima parte e conservamos nossa
liberdade de movimentos.
Mercant suspirou aliviado. Desde o início não esperara conseguir mais
que isso. Insistira no alarma, para obter, ao menos, os preparativos.
O Presidente concordou com a sugestão que acabara de ser formulada.
Mercant parecia indeciso; consentiu com uma expressão preocupada no
rosto.
— Informarei os demais interessados — disse ao levantar-se. — Não
quero que acreditem que estamos preparando uma guerra às escondidas.
Os "demais interessados" eram os homens de Pequim e Moscou.
Johnston nada objetou contra as intenções de Mercant.
***
***
***
***
A sensação surgiu dali a dois dias. Rhodan não tivera mais notícias de
Mercant. Isso significava que na Terra não havia maiores novidades. Os
dirigentes aguardavam a concretização das ameaças vindas de fora.
Manoli operava o rádio. Os robôs tinham concluído seu trabalho, e
voltaram para os depósitos onde Crest os desativou.
Thora aparecia raras vezes. Evitava Rhodan. Este compreendia.
Bell e Haggard dedicavam-se ao jogo de xadrez.
Geralmente Manoli não sabia o que fazer. A nave auxiliar possuía
receptores excelentes. Captava tudo sem a menor dificuldade, desde a
emissora da polícia de Pequim até as notícias transmitidas pela estação
espacial Freedom I e os programas de ondas longas das emissoras inter-
regionais. E, como nas últimas semanas as notícias sensacionais fossem uma
raridade, o cargo de radioperador não oferecia maiores atrativos.
Mas, nesse dia, as coisas mudaram por completo. Manoli estava ouvindo
um programa da estação espacial na faixa de 305 megahertz. Subitamente o
mesmo foi interrompido para a transmissão de um comunicado urgente:
— Esquilo para raposa, esquilo para raposa. Localizamos objeto não
identificável na direção Pi dois-um-zero. Teta zero-nove-cinco. Distância
duas vezes dez na sexta potência metros, velocidade cerca de duas vezes dez
na quarta potência metros por segundo, forma indefinível. Objeto prossegue
em direção à Lua. Fim.
Raposa confirmou imediatamente e deu a seguinte indicação:
— Pedimos que comunicados subseqüentes sejam transmitidos em
código.
Manoli taquigrafara o comunicado. Arrancou a folha do bloco e saiu
correndo. Percorreu o corredor às escorregadelas. Mal a escotilha do
camarote de Rhodan se abriu, precipitou-se para dentro e leu a notícia para
Rhodan. Este ficou muito mais exaltado do que Manoli esperava.
— É inacreditável!
Sem dar a menor atenção a Manoli, que nada entendia do assunto, ligou
para Crest. Só após isso voltou a falar com o médico para dar-lhe uma
incumbência:
— Avise Tako para que preste atenção aos sinais de Klein. Daqui a
pouco receberemos informações mais detalhadas.
Manoli confirmou com um movimento de cabeça e saiu correndo.
Depois de algum tempo Crest chegou.
— A estação espacial anuncia um corpo estranho vindo da órbita de
Marte, que se dirige à Lua — explicou Rhodan com a voz tranqüila. —
Gostaria de saber o que acha disso.
Crest mostrou-se interessado.
— Dispõe de outras informações?
— A velocidade é de 2 vezes 104m/seg.
— Qual é a forma do objeto?
— Desconhecida. Crest olhou-o.
— Face ao treinamento que recebeu, deve supor a mesma coisa que eu.
Rhodan fez que sim.
— Qual é a sua suposição?
— A base situada em Mira-4 não se encontra mais em poder do Império.
O que vem por aí não é nenhum cruzador robotizado, mas uma nave
pertencente a alguma unidade rebelde da frota colonial, pilotada por uma
tripulação inexperiente.
Crest confirmou.
— Tomara que seja só essa — acrescentou Rhodan.
Dali a meia hora, Klein forneceu outras informações. O objeto estranho
aproximara-se mais da estação espacial, que pôde identificar sua forma.
Enquanto Klein conversava com Tako Kakuta no limite da cúpula
energética, as notícias chegavam constantemente e eram logo decifradas por
Klein, que trouxera a chave de decodificação, e transmitidas à nave.
O objeto estranho tinha a forma de um fuso. Era parecido com dois
torpedos cortados ao meio e ligados pelas extremidades pontudas.
A medida que Klein decifrava as mensagens, Rhodan ouvia. Sabia que as
naves em forma de fuso pertenciam aos tipos mais antigos da frota do
Império, usados quase exclusivamente nos mundos coloniais. Isso
confirmava a suposição de que o objeto que fora localizado não podia ser um
cruzador robotizado.
Crest acrescentou:
— Os habitantes de Fantan possuem várias naves em forma de fuso,
porque não estão em condições de adquirir veículos mais dispendiosos.
Aposto — sorriu para Rhodan e procurou descobrir se este ficara satisfeito
com a expressão tomada de empréstimo à fala dos terrenos — aposto que é
uma nave de Fantan. O grupo de Fantan não fica muito distante da base de
Mira. É bem possível que tenham conquistado Mira-4 e captado o sinal de
emergência.
O que mais reforçava essa suposição era o fato de que a nave em forma
de fuso não se resguardava contra o radar, nem contra a localização ótica.
Além disso aproximava-se da Lua com uma lentidão incrível, como se
estivesse só no mundo e não precisasse recear coisa alguma.
Nenhum outro objeto foi localizado.
Thora pusera-se em comunicação com o circuito e ouvira tudo que o
capitão Klein informara lá de fora. Assim que Tako voltou, Rhodan pediu-
lhe que fosse ao camarote de Thora para solicitar uma entrevista destinada a
esclarecer a situação. O japonês encontrou a comandante caída ao solo.
Estava inconsciente.
A decepção fora um golpe pesado demais para ela.
VIII
***
***
***
Durante a viagem de volta só houve um acontecimento excitante.
Através dos supermicroscópios montados no laboratório de bordo, Haggard
descobriu quão estranho era o retalho de pele dos homens de Fantan.
— Até mesmo em condições normais a pele deles tem a consistência do
couro e está coberta de pequenas escamas — disse com a voz exaltada. —
Não existe a menor dúvida. E os pedaços de carne presos à pele apresentam
uma estrutura muito menos definida que a do homem ou de qualquer animal
conhecido.
Rhodan sorriu.
— Isso lhe permite tirar alguma conclusão, Haggard?
Haggard confirmou com um rápido movimento de cabeça.
— Deve haver uma diferença considerável entre nós e os habitantes de
Fantan, isso no terreno biológico.
— Tem alguma idéia de como é essa gente?
Haggard sacudiu a cabeça.
— Não; uns farrapos de pele não são suficientes para isso.
— Pois imagine um cilindro de extremidades arredondadas — disse
Rhodan em tom professoral. — Esse cilindro possui certa elasticidade e é
recoberto de escamas finas em toda extensão. Na parte superior apresenta
várias aberturas que para nós não passariam de buracos escuros mas na
realidade desempenham funções tão diferenciadas como as da boca, dos
olhos, dos ouvidos e do nariz. O cilindro apresenta, em lugares variáveis,
seis membros entre os quais não se nota diferença. Servem à locomoção, ao
suprimento de alimentos e aos outros fins que os homens alcançam com a
utilização das mãos e dos pés. Só que, nos habitantes de Fantan, não existe a
menor diferença entre mãos e pés. Os seis membros são equivalentes.
"Os habitantes de Fantan são assexuados, Dr. Haggard. Reproduzem-se
por meio de certo tipo de broto, que nem as plantas de um vaso.
"São esses os habitantes de Fantan. Será que você pensava que todos os
seres inteligentes da Galáxia se parecem comigo ou com Crest? Quando
chegar a hora, veremos raças irmãs mais nojentas que vermes ou sapos dos
pântanos."
***
***
***
Pouco depois, teve uma palestra com Thora. Pela primeira vez após a
localização da nave-fuso pela estação espacial Freedom-I ela saiu do
camarote e entrou no compartimento ocupado por Rhodan sem fazer-se
anunciar, tal qual fizera poucos dias antes.
Rhodan ofereceu-lhe uma cadeira. Thora agradeceu com um sorriso
gentil.
— Tive tempo para refletir sobre uma porção de coisas — principiou ela.
— Acho que em muitas ocasiões não me comportei da forma que seria de
esperar.
Rhodan ficou surpreso. Nunca esperara que Thora pudesse levar a auto-
analise a este ponto.
— Aos poucos começo a compreender qual é o caminho que você trilha,
e qual o objetivo que quer atingir — prosseguiu Thora. — Confio
plenamente em você. Mas, no que diz respeito à humanidade, ainda não
formei nenhum juízo. Os conhecimentos que adquiri a respeito dos homens
são escassos e pouco animadores. Até agora quase só se ocuparam em
degolar-se mutuamente. Desconfio de que as esperanças que deposita nos
seus irmãos de raça sejam exageradas.
"Vim para dizer-lhe o seguinte: daqui para diante você não me deve
considerar sua inimiga. Prefiro aguardar o resultado dos seus planos. Esses
planos são bons. É possível que num futuro não muito distante a raça
humana assuma a herança dos arcônidas no Império Galático. Mas prefiro
adiar minha decisão até que chegue esse dia."
Rhodan levantou-se e estendeu-lhe a mão. Sorriu.
— É um gesto humano — disse. — Aperte minha mão; ela lhe é
oferecida em sinal de gratidão.
Num gesto hesitante Thora pegou a mão de Rhodan e retribuiu o aperto.
— Respeito sua opinião — acrescentou Rhodan. — Acredito que a
atitude de Crest não será diferente.
Esperou uma palavra de protesto; por isso objetou.
— Não; não entre tenha uma idéia errada sobre Crest. Ele pertence à
mesma raça que você. O que fez por nós foi inspirado na gratidão pela cura,
e talvez, em parte, numa compreensão melhor que a sua. Mas ele nunca
deixará de ser um arcônida. Nunca se transformará num ser terreno.
Piscou os olhos, para dar a entender que considerava concluída a parte
séria de sua palestra.
— Para você, ainda existe alguma esperança.
Pouco lhe importava que Thora se sentisse ofendida; ela contorceu o
rosto e saiu. Sabia que os dias de seu orgulhoso isolamento estavam
contados. Ao pensar nisso, voltou a notar que amava aquela mulher.
Lá fora os robôs estavam ocupados em empilhar as pesadas chapas de
plástico metalizado.
"Tenho que pedir que apressem o fornecimento do andaime. Não há nada
de que precisemos tanto como uma boa nave de combate", disse Rhodan,
para si mesmo.
******
A primeira invasão foi rechaçada. O alarma nuclear pôde ser suspenso, Mas é
muito provável que os sinais automáticos de emergência emitidos pelo cruzador
destroçado dos arcônidas sejam captados por outros invasores potenciais.
Perry Rhodan sabe disso e esta empenhado na formação de uma poderosa força
de combate. No próximo volume da coleção Perry Rhodan, O Exército de Mutantes,
K. H. Scheer contará tudo sobre a composição dessa tropa e seu extraordinário
potencial.