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Ed Comparada V2
Ed Comparada V2
Esclarecimento
Os autores são responsáveis pela escolha e pela apresentação dos fatos contidos neste livro, bem
como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, nem
comprometem a Organização. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste
livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da
condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da
delimitação de suas fronteiras ou limites.
Informações do título original:
International Handbook of Comparative Education
ISBN 978-1-4020-6402-9 e ISBN 978-1-4020-6403-6
Springer Dordrecht Heidelberg London New York
Library of Congress Control Number: 2008932354
© Springer Science + Business Media B.V. 2009
Informações da versão em português:
Esta versão em português é fruto de uma parceria entre a Representação da UNESCO no
Brasil e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Impresso no Brasil
SUMÁRIO
Seção 5: Pós-colonialismo
41 Introdução editorial da Seção 13
Elaine Unterhalter
v
vi Sumário
80 Conclusão 771
Robert Cowen e Andreas M. Kazamias
SEÇÃO 5
PÓS-COLONIALISMO
41
Elaine Unterhalter
13
14 Unterhalter
REFLEXÕES SOBRE
PÓS-COLONIALISMO E EDUCAÇÃO:
TENSÕES E DILEMAS DE UMA VIVENCIADORA
Vinathe Sharma-Brymer
Introdução
Não estamos usando o idioma inglês em lugar algum, a não ser na escola. Assim, vi-me diante
deste dilema: por que nos obrigavam a aprender essa língua que praticamente não era usada em
minha vida? Tinham me dito que o inglês seria o meio de instrução na faculdade. Mas eu me
perguntei: não podemos continuar nossa educação em nossa própria língua? Por que essas pessoas
nos obrigam a aprender essa língua? Desde o começo, desenvolvi uma aversão pelo inglês. Eu
também tinha esse complexo de inferioridade com relação à língua. Até hoje hesito para falar
inglês (Nirmala, mulher indiana de 38 anos).
15
16 Sharma-Brymer
nas relações sociais são amplamente difundidos, assim como o são os efeitos da
educação moderna sobre culturas locais na Índia, no Sri Lanka, na Austrália, na África
e no Sudeste Asiático. Mesmo assim, apesar dessas similaridades, é preciso ouvir o
outro em cada país. Estórias de experiências complexas podem ser únicas, mas revelam
camadas mais profundas e dão voz a preocupações ocultas ligadas a classe, casta,
gênero e raça (PIETERSE; PAREKH, 1995).
Uma perspectiva pós-colonial procura estudar as divisões e iniquidades
socioeconômicas associadas a controle do conhecimento, restrição de acesso à
educação e dominação/poder resultante desses controles. Assim, a disseminação de
trabalhos nos quais a ciência é escrita como a história do progresso do Ocidente, e
a história é vista como um relato da ascensão bem-sucedida do capitalismo e do
colonialismo, é associada à discriminação e opressão do outro (SAID, 1978). Isso
fica evidente em textos recentes sobre conservação e consciência ambiental em
lugares nos quais as múltiplas formas de comunicação simbólica e os conceitos de
convivência harmoniosa das comunidades autóctones foram pouco compreendidos
(DEVI, 1995; SHARMA, 2002; SMITH, 1999). As abordagens pós-coloniais
sugerem que é preciso examinar os diferentes fatores do passado e do presente para
analisar o modo como ocorrem a apropriação e a negação do conhecimento.
Consequentemente, um pesquisador do pós-colonialismo expõe tensões, dilemas
e contradições com relação a educação e mudanças.
Assim, eu estava um pouco consciente demais de nossa vida, de nossas dificuldades. Havia
contentamento, satisfação… Eu estava orgulhosa, feliz. Tornei-me determinada a fazer alguma
coisa a mais em minha vida e alterar meu estilo de vida, estudar, arrumar um emprego, tornar-
me alguém notável… Sim, eu me opus. Eu me opus, disse que não queria esse casamento. Eu
não queria me casar com meu próprio cunhado. Mas eu tinha que respeitar os mais velhos. Eu
não sou exigente, não espero que ele realize todos os meus desejos… Aprendi a rir para espantar
o sofrimento (Vinoda, antiga professora de ensino médio).
[…] você aprende algo com qualquer coisa que você leia… Estou contente por estar usando o
que estudei para o bem de minha vida (Rani).
Veja, todo esse conhecimento, essa consciência sobre a condição feminina, a história… tudo isso
veio da minha educação (Vinoda).
Não existe consenso sobre a relação entre o conhecimento das mulheres e sua
educação. Alguns trechos de dois relatos revelam perspectivas diferentes:
Reflexões sobre pós-colonialismo e educação 23
Eu penso primeiro em meus filhos e em meu marido e ajo de acordo com as necessidades deles;
é raro que eu tenha uma hora para mim mesma, para minhas próprias coisas. Essa é a realidade
da vida (Nirmala, mulher que não trabalha fora de casa).
Ele disse, ‘Faça o que você quiser. Eu lhe darei toda a liberdade. Mas só depois de ter cumprido
os deveres em casa. Cuide bem dos meus pais, você não precisa procurar um emprego’. Eu aprendi
muito com ele. Sinto-me feliz de poder corresponder a suas expectativas com minha educação
(Deepa, mulher que não trabalha fora de casa).
total na educação, desde o início. Como tornar a menina economicamente independente, por
exemplo… O que eu quero dizer é que não diz respeito só à educação, deve haver uma mudança
total de atitudes (Deepa, mulher que não trabalha fora de casa).
menina é muito esperta, inteligente. Ela tem um bom desempenho. Mas nossa administração
obriga os professores a promover esses meninos aos níveis mais elevados, mesmo que eles não
tenham condições para isso. Veja, com a administração nos pressionando, mesmo que estejamos
plenamente cientes, nada podemos dizer. Não podemos dar curso à nossa percepção (Kanaka).
1. NRTT: A expressão inglesa housekeepers of the emotions (guardiãs domésticas das emoções) diz respeito às
donas de casa em termos de emoções, de relações entre os familiares e as harmonias domésticas. Critical
knowledge-keepers são as mulheres envolvidas com a manutenção, exploração e recriação de importantes
sistemas simbólicos de sociedades (religião ou ciência contemporânea, por exemplo).
Reflexões sobre pós-colonialismo e educação 27
para um emprego e uma carreira. O fato de uma mulher conseguir trabalhar fora
de casa e sustentar-se por própria conta não garante que ela se exprima como uma
mente humana livre (SEN, 2005; TAGORE, 1961) que celebra sua ação e sua
identidade individuais. No dia a dia, na maioria das sociedades pós-coloniais, os
indivíduos tendem a dar grande importância à educação formal, mas separam a
educação da cultura cotidiana. A situação intermediária decorrente do fato de ser
instruída é um espaço pós-colonial de muitos conflitos, tensões e contradições
constantes. E essa situação persistirá entre os efeitos da globalização.
Agradecimentos: Quero agradecer à Dra. Christine Fox por sua participação na geração
de ideias para este capítulo, e ao Dr. Eric Brymer por seu apoio e incentivo constantes.
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43
DESIGUALDADES DEMOCRÁTICAS:
O DILEMA DA EDUCACÃO PRIMÁRIA NA ÍNDIA
Vimala Ramachandran1
1. Este artigo foi preparado originalmente sob a égide do projeto Estado da Democracia na Ásia Meridional,
do Lok Niti Institute for Comparative Democracy, Centre for Studies in Developing Societies, Nova Déli em
2005. Gostaria de agradecer a Peter de Souza e Yogendra Yadav do Instituto Lok Niti pela oportunidade de
refletir e escrever sobre esse tema.
31
32 Ramachandran
2. É muito interessante, de fato, que essa questão continue a nos acossar em 2007! O projeto de lei detalhando
as implicações de tornar a educação um direito fundamental ainda não foi implementado.
34 Ramachandran
Em última análise, a ausência de educação empurra as pessoas sem voz para guetos
– ressuscita identidades comunitárias, religiosas, linguísticas e de castas – e cria
novas formas de exclusão e segregação social. A educação, embora tenha o poder
de atuar como agente de mudança, de “neutralizar as distorções acumuladas do
passado” (INDIA, 1986, cap.IV, p. 6, par. 4.2 e 4.3) não poderia desempenhar
esse papel. A Índia de hoje tem diferentes tipos de escolas, atendendo a diferentes
grupos da população. Há escolas de diversas formas e tamanhos – meio vernáculo
versus meio inglês; escolas públicas versus escolas privadas; escola regular versus escola
de transição; escolas com um único professor versus escolas onde cada classe tem
um professor, e assim por diante. Infelizmente isso reforçou as identidades sociais
e comunitárias existentes. A trajetória educacional da Índia parece confirmar a
apreensão do professor Partha Chatterjee sobre a natureza das sociedades pós-
coloniais, onde o sistema colonial de desigualdades é perpetuado.3
Uma jornada pessoal que começou com a mobilização e o aumento de poder
das mulheres levou-me, com o passar do tempo, ao campo da educação primária
– o campo de batalha onde a política de inclusão e exclusão acontece de uma
geração para a outra, reduzindo os marginalizados à situação de espectadores
silenciosos do grande teatro das eleições periódicas que trazem poucas mudanças
na estrutura básica de opressão e exclusão.
A relação entre educação e democracia é como uma espiral invisível graças à qual
quem detém o controle pode mantê-lo e quem se encontra na base ali permanece
alienado e sem voz. Da maneira como se manifestou na Índia independente, a
educação produz mais impacto sobre a prática substantiva da democracia, por seu
potencial para aumentar a capacidade das pessoas, do que sobre o sistema formal de
eleições. A educação tem o potencial para aumentar a capacidade das pessoas. Como
Dreze e Sen (2002) afirmam de maneira convincente:
A ‘capacidade’ refere-se às combinações alternativas de funcionamento entre as quais uma pessoa
pode escolher. Assim, a noção de capacidade é essencialmente uma noção de liberdade – um
conjunto de opções que uma pessoa tem para decidir o tipo de vida que quer levar. Sob esse
ponto de vista, a pobreza não reside apenas no estado de pobreza em que a pessoa vive realmente,
mas também na falta de oportunidades reais para escolher outros modos de vida – em decorrência
de restrições sociais e circunstâncias pessoais (DREZE; SEN, 2002, p. 35-36).
3. Ver os livros de Partha Chatterji: CHATTERJI, P. The Nation and Its Fragments: colonial and post-colonial
histories. New Jersey: Princeton UP, 1993; CHATTERJI, P. Nationalist Thought in the Colonial World: a
derivative discourse? Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 1998.
Desigualdades democráticas: o dilema da educação primária na Índia 35
5. NRTT: Os grupos tribais, chamados tribos repertoriadas, representam 7% da população da Índia. As castas
repertoriadas, os dalits, representam 16% da população. São os intocáveis, os impuros e estão abaixo da
última das quatro castas.
Desigualdades democráticas: o dilema da educação primária na Índia 39
6. NRTT: Panchayat é um sistema político da Índia que agrupa quatro vilas ao redor de uma vila central. A
expressão também refere-se a instituições locais autogovernadas.
40 Ramachandran
vem de uma família de limpadores e catadores de lixo, um dos grupos mais vulneráveis entre os
dalits (intocáveis7). A etiqueta oficial para eles é bhangi. Muitos pertencem à casta mehter. E vários
desses grupos agora chamam a si mesmos balmikis. Mesmo outras castas repertoriadas tratam-nos
como intocáveis. Com isso, encontram-se no extremo inferior do conjunto da sociedade. As
mulheres catadoras que limpam as latrinas secas cobrem o nariz com uma parte do sari, segurando
a ponta do tecido com os dentes. É o que lhes oferece um pouco de proteção nesse trabalho
insalubre e nada higiênico. As crianças na escola imitam esse gesto quando Savitri chega. ‘Elas
mordem um lado do colarinho e tapam o nariz. Às vezes elas colocam um lenço sobre o rosto. Eu
tenho vontade de chorar, mas elas nem ligam’ (SAINATH, 1999).
Esse fato ocorreu em 1999. Muito antes do terrível incidente de Godhara e dos
tumultos intercomunitários que se seguiram na região, eu estava viajando em
Gujarat com os membros de uma organização dalit para documentar sua
experiência. Interagimos com os mais desfavorecidos entre os dalits – a comunidade
valmiki, cujos membros são empregados como varredores, encarregados de desfazer-
se dos animais mortos, limpar as latrinas abertas e carregar os excrementos humanos
sobre suas cabeças. Durante as visitas de campo, deparamo-nos com diversas
situações de violação das leis vigentes. Em muitas povoações, as terras vizinhas das
localidades dalit eram usadas como local de despejo para estrume e outros tipos de
lixo. O ambiente era insalubre. Encontramos boicote social, violência e intimidação.
Falamos com pessoas submetidas à servidão por dívidas. Visitamos áreas onde as
terras destinadas aos dalits eram controladas e cultivadas por patels e durbars.
O golpe mais sutil, e, mesmo assim, mais devastador para a autoestima dos
dalits, foi o que presenciamos nas escolas primárias. Encontramos um grande
número de crianças que estavam oficialmente matriculadas em uma escola pública,
mas não a frequentavam. Quando perguntamos por que, referiram-se ao
comportamento dos professores, à distância física mantida pelas outras crianças e
à obrigação de sentar em um lugar separado dos demais, em um canto da sala de
aula. As meninas contaram que os colegas de classe tapavam o nariz com a roupa
quando elas se aproximavam. Crianças que enfrentavam todas as dificuldades para
continuar na escola contaram que eram invariavelmente escaladas para varrer o
chão e fazer limpeza, mas nunca para buscar água. Os dalits que têm uma situação
relativamente melhor conseguem escapar para áreas urbanas próximas ou para
escolas privadas, onde podem encontrar um pouco de anonimato. Os pobres, que
dependem das escolas públicas, simplesmente param de frequentar a escola, mesmo
estando oficialmente matriculados. Um jovem de vinte e poucos anos perguntou
qual era a utilidade da ação afirmativa por meio de quotas de emprego, quando a
maioria das crianças dalit não recebia educação básica e uma proporção esmagadora
dos pobres ocupa o nível mais baixo da hierarquia das castas. Outro jovem
7. NRTT: À margem da estrutura social de castas que caracteriza a sociedade hindu, estão os párias – sem casta.
São também denominados intocáveis, impuros ou dalits. Marginalizados, a eles são reservados os trabalhos
mais indignos e mal pagos.
42 Ramachandran
Sendo assim, não é surpreendente que mais de 50% das crianças que ingressam
na primeira série abandonem a escola antes de alcançar a oitava série, sendo a
grande maioria delas crianças das comunidades menos favorecidas, de áreas zonas
rurais ou remotas. A educação tem pouco significado para essas crianças – elas
adquirem poucas habilidades e quase nenhuma confiança.
Desigualdades democráticas: o dilema da educação primária na Índia 43
8. P. Sainath relatou a situação dos dalits através do país a partir de 1999. Artigos publicados em The Hindu
revelam discriminação social persistente nas escolas. Determinados grupos entre os dalits, como os valmiki,
rohit, thoti e chamar, bem como as tribos não dominantes e outras tribos, que até 1952 eram classificadas
como criminosas pelos ingleses, são discriminadas não somente pelas castas avançadas, mas também por
outros dalits, que os consideram como intocáveis.
9. NRTT: OBC (Other Backward Classes) são as castas social e economicamente menos favorecidas. Perfazem
cerca de 52% a 32% da população.
44 Ramachandran
Nas seções anteriores, discutimos três cenários: em primeiro lugar, o caso das
crianças de famílias pobres e grupos sociais menos favorecidos, que começam a
vida com um fardo cumulativo de exclusão; em segundo lugar, o caso em que o
ingresso na escola e a qualidade da educação que as crianças recebem são
determinados pelo status social, econômico e geográfico; e, em terceiro lugar, a
experiência vivida pelas crianças, uma vez matriculadas, de discriminação e
aprendizagem limitada em termos de habilidades de leitura e escrita e de conteúdo.
Muitas vezes as escolas reforçam a segregação social – prolongando assim o fardo
de exclusão por toda a vida escolar e até a vida adulta. E isso não termina aí. Existem
poucas oportunidades de educação para os adultos jovens que tiveram que
abandonar a escola: eles não têm acesso a treinamento e habilitação
profissionalizantes, já que o nível mínimo para matrícula é a décima série, o que
limita ainda mais a escolha.
“O desenvolvimento humano é o processo de ampliação das escolhas para que
as pessoas possam fazer e ser aquilo que valorizam na vida” (HDR, 2004). Qual é
o impacto da exclusão sistemática dos serviços de saúde, nutrição e educação sobre
as pessoas marginalizadas? É possível superar todas essas dificuldades e participar
do processo democrático em condição de igualdade? É de conhecimento geral que
os mais pobres são os que mais se sentem excluídos das instituições – seja o hospital
local, previsto para oferecer cuidados básicos de saúde, ou o panchayat, onde é
possível ter acesso a planos de desenvolvimento destinados a essa população
(assistência em período de seca, comida em troca de trabalho), ou ainda os centros
para o desenvolvimento da criança que fornecem nutrição complementar e
imunização, escolas – a lista é bastante longa.
A ação afirmativa de estabelecimento de cotas de emprego poderia fazer
diferença – desde que as pessoas tenham condições de completar dez anos de
escolaridade, adquirindo um nível satisfatório de competências e habilidades
cognitivas. A vida é assim: quase todos os grupos sociais menos favorecidos têm
uma minoria de famílias que quebraram o ciclo de pobreza e exclusão. Esse grupo
é conhecido como elite. É esse grupo pequeno, reivindicador e organizado, que
mais se beneficia da ação afirmativa, deixando a maioria fora do sistema. A
iniciativa de melhor gestão da ação afirmativa relacionando o status social com a
situação econômica encontrou resistência. São cada vez mais numerosos os grupos
sociais (incluindo minorias religiosas) que hoje reclamam por cotas de emprego e
vagas no ensino superior. Alguns desses grupos nem sequer fazem parte dos
socialmente desfavorecidos. Como consequência, os instrumentos constitucionais
criados para corrigir séculos de exclusão social tornaram-se fonte de clientelismo.
Constituiu-se rapidamente uma liderança manipuladora que usa a retórica da ação
afirmativa para perpetuar a exclusão social, econômica e educacional.
O paradoxo mais desconcertante é a ausência de protestos por parte dos líderes
de movimentos sociais dos dalits, das comunidades tribais, das minorias
46 Ramachandran
Quem são as crianças que conseguem ir até o fim nesse sistema? A resposta é
evidente: as crianças que frequentam escolas primárias de baixa qualidade, e as
escolas alternativas, são aquelas que abandonam o sistema. A própria estrutura já
inclui uma política de desgaste (tanto em termos de números como em termos de
qualidade). Em uma escola primária em áreas rurais remotas, somente uma criança
excepcionalmente dotada pode ter esperanças de chegar ao nível da escola
secundária. A desigualdade é inerente ao sistema, do momento do nascimento até
a idade adulta.
Quais são as implicações para uma sociedade democrática na Índia? As
diferenças crescentes ameaçam a estrutura democrática da nossa sociedade?
Evidências provenientes de diferentes partes do país são extremamente inquietantes.
Enquanto de 20% a 25% da população que se encontra no topo da escala (a
maioria nas regiões industrializadas do país) entusiasmam-se com a globalização e
com o crescimento da Índia, os 25% na camada inferior simplesmente lutam
arduamente para sobreviver. O perfil social, cultural, regional (específico por
localização), comunitário e ocupacional daqueles que se encontram no nível mais
baixo da pirâmide é ainda outro balizador, empurrando quem já está à margem
para uma zona desconhecida. O aumento do conflito social combinado com a
política eleitoral que reafirma as identidades sociais é um motivo de preocupação.
Sim, existe uma demanda global por mão de obra qualificada – porém, apenas uma
pequena fração das nossas crianças pode sonhar em ter acesso a uma educação que
daria a elas a possibilidade de aproveitar dessa procura crescente por pessoas
qualificadas. É urgente voltar à prancheta e redesenhar mais uma vez a educação.
A Índia na Ásia Meridional
A maioria dos discursos sobre a Índia começa, invariavelmente, com a invocação
da tradição democrática. Afinal, a Índia acabou de celebrar 60 anos de
independência como uma democracia vibrante. Apesar disso, a Índia não é muito
diferente dos demais países dessa região. A pobreza, o desenvolvimento irregular e
o legado colonial histórico não são exclusivos dessa região. Mas é amplamente
reconhecido que a Ásia Meridional é culturalmente diferente, principalmente no
que diz respeito às relações de gênero. Essa região tem alta densidade demográfica
e uma renda per capita que só supera a da África Subsaariana.
Outra característica significativa da Ásia Meridional é que ela tem uma população
estimada de 400 milhões de jovens entre 12 e 24 anos de idade – quase 30% do
total de jovens dos países em desenvolvimento. Acredita-se que esse dividendo
demográfico seja responsável por um terço do milagre econômico da Ásia Oriental.
As recentes estórias de sucesso da Ásia Oriental, do Sudeste Asiático e da Irlanda sugerem que o
desenvolvimento requer uma combinação de fatores As interações entre os muitos fatores
relevantes têm o potencial de ativar espirais virtuosas de bom desenvolvimento e interromper as
espirais viciosas (BLOOM, 2005).
48 Ramachandran
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44
Introdução
A mudança educacional na África Subsaariana desde a década de 1990 é uma
questão diversa e complexa. As sociedades, seus perfis socioeconômicos e políticos
não são apenas extremamente variados, mas forças externas e internas
heterogêneas têm influenciado suas trajetórias de mudanças educacionais. Se algo
pode ser dito para associar tais contextos diversos, deve incluir a história e o
impacto de esforços coloniais e pós-coloniais. Por um lado, os legados do
colonialismo continuam a ter grande poder sobre o imaginário e a vida real dos
Estados e dos cidadãos. Por outro lado, as transições políticas que varreram
muitas partes da África Subsaariana desde a década de 1960 foram acompanhadas
ao longo de sucessivas décadas pelo crescimento dos níveis de instabilidade
política, dívida e pobreza. O PIB per capita real da região diminuiu 42,5% entre
1980 e 1990; a distribuição de renda tornou-se mais desigual. Embora a taxa de
crescimento venha melhorando desde meados de 1990, “a África Subsaariana
percebeu que estava recuando economicamente, enquanto outras áreas do mundo
em desenvolvimento avançavam com maior solidez” (SPARKS, 2006). As causas
são internas e externas, econômicas e políticas (WILLIAMS, 2006; JENNINGS,
2006; SPARKS, 2006). Novos sistemas educacionais e especialmente instituições
de ensino superior foram criadas no período pós-colonial imediato, como
projetos fundamentais de orgulho, aspiração e afirmação nacionais. Tais sistemas
também vivenciaram dificuldades graves e crescentes quando a crise política
associou-se à crise econômica.
No início da década de 1990, o evento aparentemente distante da queda do Muro
de Berlim e os passos largos da globalização também tiveram implicações distintas
para a África. Não imunes aos atuais acontecimentos mundiais, muitos países na
África realizaram eleições multipartidárias entre o início e meados da década de 1990,
para sinalizar o compromisso com a democracia liberal e a abertura do mercado
compatível com o desenvolvimento mundial, embora o autoritarismo tenha
permanecido como parte de muitos sistemas políticos. Essas eleições legitimaram a
nova orientação do mercado que havia começado a estabelecer-se na década de 1980
e que abriu caminho para a reforma educacional e curricular, incluindo demandas
51
52 Chisholm e Leyendecker
o fracasso nas tentativas de introduzir uma educação centrada no aluno tem muito
a ver com o poder do acordo entre abordagens tradicionais e coloniais à
aprendizagem (STAMBACH, 2000; TABULAWA, 1997). Uma variação
sofisticada sobre esse tema, que avalia a complexidade de práticas educacionais
locais em Gana, demonstrou de que forma diferentes discursos internacionais,
nacionais e locais mesclam-se na mesma escola, onde o ensino pode continuar
medíocre e centrado na aprendizagem baseada na memorização, mas as
oportunidades, não obstante, podem ser criadas em locais onde os alunos realmente
aprendem uns com os outros (COE, 2005).
No contexto sul-africano, autores têm igualmente colocado em evidência
resultados contraditórios. Entretanto, nesse caso, o fracasso de políticas não foi
associado especificamente, ou principalmente, à imposição de políticas externas,
ou a características especificamente africanas, tradicionais. Pelo contrário, tais
autores enfocaram políticas internas e contradições. Assim, Jansen (2002) enfatizou
o papel simbólico das políticas em situações de transição política para explicar a
ausência de mudança; Harley e Wedekind (2004) e Jansen (2005a) destacaram as
contradições entre ideais pedagógicos e políticos e a grande diversidade no contexto
de práticas; e Hoadley, Reeves e Muller sublinharam o papel socialmente
reprodutivo de escolas e a centralização de variações no conhecimento do professor
e na pedagogia para reproduzir falhas históricas de desigualdade (HOADLEY,
2007, 2008; REEVES; MULLER, 2005).
Essas abordagens não são mutuamente exclusivas, como ilustra o trabalho de
Tabulawa. O autor (TABULAWA, 2003) argumentou que a ascendência do
neoliberarismo como paradigma de desenvolvimento nas décadas de 1980 e 1990
elevou a democratização política como um pré-requisito para o desenvolvimento
econômico e, com ele, a pedagogia centrada no aluno. Para Tabulawa, a pedagogia
é parte de “uma perspectiva ideológica, uma visão de mundo destinada ao
desenvolvimento de um tipo ideal de sociedade e de cidadãos [...] representando
um processo de ocidentalização disfarçado de ensino eficaz e de qualidade”
(TABULAWA, 2003, p. 7). Entretanto tal argumento não explica a recepção
favorável da ideia no nível local. Ao tentar explicar por que a educação centrada
no aluno vem sendo aceita tão facilmente e implementada com tanta dificuldade,
este capítulo argumenta que as razões, tanto externas como internas, precisam ser
levadas em consideração.
Entretanto, o capítulo não aborda a cultura africana como uma causa da falha
de implementação nem a combinação da ausência de relação do discurso nos níveis
internacional e nacional com as realidades e práticas locais. Assim sendo, baseia-se
em muitos trabalhos existentes. Contudo, além disso, apresenta o argumento de
que estórias locais de resistência ao colonialismo incorporaram ideias educacionais
que reverberaram com a educação centrada no aluno. Esta última e a educação
baseada em resultados encontraram favoritismo local porque não apresentavam
54 Chisholm e Leyendecker
ideias totalmente novas, suficientemente ambíguas para serem vistas como veículos-
chave para alcançar metas não tanto educacionais, mas econômicas, sociais e
políticas. Quando surgiu, após a década de 1990, a educação centrada no aluno e a
educação baseada em resultados parecem ter sido extraídas da educação democrática
com outra denominação. No entanto, sua implementação falhou em contextos nos
quais capacidades e requisitos para sua realização variaram grandemente, não apenas
entre si, mas também em contextos nos quais foram originalmente desenvolvidos.
O capítulo defende uma compreensão complexa de dinâmicas externas e internas
que levam em conta a diversidade e as diferenças entre contextos de implementação.
O capítulo tem início com uma discussão das ambiguidades e diferenças entre
educação centrada no aluno, educação centrada na criança e educação baseada em
competências. A seguir, examina a pressão internacional sobre a África Subsaariana
para mudança curricular, o contexto histórico local da África Meridional e as
experiências educacionais alternativas que, argumenta, influenciaram a adoção de
tais ideias pela África Meridional. Mostra de que forma essas ideias não foram
postas em prática. Apresenta explicações baseadas no fato de que as reformas não
focalizaram tanto o que é viável em contextos de implementação quanto as metas
econômicas, sociais e políticas a serem alcançadas, e conclui com implicações para
novas pesquisas. Assim, o capítulo trata de que forma história e contexto moldam
metas e ideais de reforma e ambientes de implementação. O artigo concentra-se
principalmente na reforma curricular baseada na educação centrada no aluno, mas
também na educação baseada em resultados e na Estrutura Nacional de
Qualificações. Embora conceitualmente distintos, a educação centrada no aluno,
a educação baseada em resultados e a Estrutura Nacional de Qualificações
representam um conjunto inter-relacionado de ideias difundidas por meio da
reforma curricular pela África Subsaariana no final do século XX e no início do
século XXI. O capítulo baseia-se em fontes secundárias e primárias relacionadas a
diferentes países da África Subsaariana.
defensores [...] sugerem. As condições sociais nas quais essas mudanças são
realizadas determinam a extensão na qual elas podem fazer avançar o processo de
transformação” (BOTHA, 1991, p. 210). No próprio Zimbábue parece ter havido
alguma consciência de que “o discurso de políticas não acompanha necessariamente
a definição dos detalhes necessários para a implementação” (ZIMFEP, s.d.). É
interessante que, apesar dessa consciência em meio a analistas e implementadores,
o currículo, no contexto da África Meridional pós-1994, ainda suportou o peso de
alcançar metas de transformações sociais mais amplas (ver, por exemplo, HARLEY;
WEDEKIND, 2004).
Na Namíbia, no início da década de 1990, a trajetória da implementação de
ideias centradas no aluno fornece um exemplo de como propostas baseadas em
Educação e Produção (EwP) alteraram-se com o passar do tempo. Ilustra também
a distância entre as ideias e sua realização na prática. Na década de 1980, noções
de EwP foram retomadas na escola de exílio SWAPO, em Loudima, Zâmbia.
Loudima foi influenciada pela ideia de currículo de Ciências do Zimbábue (ZimCi)
(ver, por exemplo, CDU, 1987), sendo que o ZimCi copiou a ideia inicial das
brigadas de Van Rensburg, em Botsuana. Em Zimbábue, professores europeus (e
provavelmente ONGs) a favor da independência do país, como muitos outros,
foram atraídos pela noção de autoajuda e pela ideia de Educação e Produção. O
próprio conceito de Educação e Produção aproxima-se das ideias de aprendizado
contextualizado e culturalmente relevante. Embora o foco no aluno tenha sido
considerado apenas posteriormente como pedagogia subjacente à Ciência da Vida
na Namíbia, a ligação com o foco no aluno foi relativamente orgânica.
A implementação de Ciência da Vida orientada pelos dinamarqueses na
Namíbia independente foi estruturada e planejada com clareza. O processo de
implementação contou com bons recursos e foi bastante apoiado por um período
de oito anos. Além disso – e o que provavelmente mais contou durante esse período
–, a dedicação e a motivação da ONG, os consultores dinamarqueses e a equipe
da Namíbia influenciaram muitos no sistema educacional, desde que apoiassem os
objetivos políticos. Aqueles que se opunham aos objetivos políticos no sistema
educacional (e que provavelmente ainda dominavam o sistema) resistiram à
implantação de Ciência da Vida e à educação centrada no aluno devido à sua
estreita ligação com os objetivos políticos da transformação social. Entretanto, não
foi essa resistência a causa dos sinais de que a educação centrada no aluno estava
fracassando na Namíbia. O fracasso também não se deu por falta de recursos, e
provavelmente tampouco por falta de capacidade. Aparentemente, o principal
obstáculo foi a falta de clareza da compreensão e da aplicação real da educação
centrada no aluno, e o escopo da mudança pretendida, que focalizou um alto ideal
pedagógico. Por mais sólido que tenha sido em muitos lugares, o processo de
implementação falhou ao transpor a compreensão da educação centrada no aluno
para a sala de aula.
64 Chisholm e Leyendecker
Compreendendo o desafio
Excetuadas a África do Sul e a Namíbia, a educação centrada no aluno tem
dominado as tentativas de reforma curricular oficial contemporânea nos países da
África Subsaariana. A educação centrada no aluno é considerada um dos principais
mecanismos para transformar sociedades e economias de base principalmente agrícola
em sociedades modernas e baseadas no conhecimento, com benefícios econômicos
concomitantes. Orientada e apoiada por organizações multilaterais que advogam a
necessidade de resultados de aprendizagem diferentes e melhores, a educação centrada
no aluno é aceita como ideal pedagógico para facilitar essa mudança.
Enquanto a necessidade de resultados de aprendizagem diferentes e melhores é
reconhecida em todos os sistemas educacionais da África Subsaariana, evidências
da Namíbia e da África do Sul sugerem que o escopo da mudança é tão subestimado
quanto as diferenças no entendimento de conceitos. Realidades e capacidades locais
culturais e contextuais e requisitos para a implementação influenciam a
compreensão e as possibilidades. A educação centrada no aluno é frequentemente
atraente para formuladores de políticas, devido ao apelo e às promessas de objetivos
sociais que a acompanham. Na África, os formuladores de políticas podem propor
a educação centrada no aluno e a educação baseada em resultados, e dar-lhes
significados particulares que variam daqueles de seus congêneres internacionais
(SAMOFF, 2005; LEYENDECKER, 2005). Tais significados diferentes são
contestados, contabilizados em parte por desafios em sua implementação. Para
compreender os problemas vivenciados com a educação centrada no aluno, é
importante fazer a distinção entre a ideia da educação centrada no aluno como
uma panaceia (ver também VAVRUS, 2003) e a abordagem interligada para a
implementação. Também é importante perceber que os desafios da implantação
não são necessariamente restritos à educação centrada no aluno, mas são também
características gerais de outros desenvolvimentos curriculares. No caso da educação
centrada no aluno, educação baseada em resultados e Estrutura Nacional de
Qualificações, os problemas são agravados por conflitos a respeito de significados.
Duas abordagens podem ser identificadas na compreensão do que deve ser feito.
Sob uma perspectiva, os professores precisam compreender a ideia subjacente, ser
motivados a mudar suas práticas, adaptar e aplicar pedagogias apropriadas, e ter
capacidade para fazê-lo (ELMORE, 2001, p.16). Um senso de apropriação é
importante, mas por si só, como no caso da África do Sul, talvez não seja suficiente
para mudar a prática (ver discussão da ideia em McLAUGHLIN, 1991). Sob outra
perspectiva, é preciso dar mais atenção visando garantir a oportunidade de
aprendizagem em sala de aula, especialmente em meio a classes trabalhadoras e em
68 Chisholm e Leyendecker
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45
Introdução
Duas das mais prementes preocupações educacionais na África Subsaariana –
violência e HIV/Aids – estão diretamente relacionadas às formas como o gênero é
socialmente construído. Em contextos de países em desenvolvimento, o gênero
permaneceu sendo persistentemente um tema unilateral, com foco imutável (e
justificável) sobre a condição das meninas na escola. No contexto africano, em que
meninas são frequentemente marginalizadas, são bem documentados os benefícios
da educação que incluem maiores oportunidades econômicas, famílias menores e o
papel da educação como vacina social contra o HIV. No entanto, em muitos países
africanos, o acesso à educação é limitado pela falta de recursos, e foram levantadas
questões sobre a qualidade da educação como um motivo importante pelo qual as
meninas continuamente não têm as habilidades e a confiança para fazer opções
adequadas em ambientes afetados por desemprego, pobreza, violência, conflitos e
HIV/Aids. As escolas não são lugares seguros para meninas, e grande parte das análises
referentes a gênero focaliza as formas de manifestação da violência sexual nas escolas,
que impedem e prejudicam a educação das meninas. Por outro lado, o foco sobre
meninos e a construção da masculinidade como um constructo de gênero esteve, em
grande medida, ausente da literatura sobre gênero e educação no discurso das políticas
de desenvolvimento. Nos locais em que esses aspectos foram analisados, a construção
de masculinidades violentas recebeu atenção (MORRELL, 2001). Em economias
industrializadas e desenvolvidas, pesquisas sobre gênero e educação vêm centrando-
se nos meninos, com uma grande ênfase direcionada à crise de masculinidade e aos
ganhos feministas em detrimento dos meninos. Neste capítulo, os meninos são
apresentados como vítimas de gênero que necessitam de apoio. Tal perspectiva
contrasta com estudos sobre meninos e homens na África, frequentemente
demonizados e considerados potencialmente perigosos. No entanto, recentemente,
vem surgindo nos países africanos subsaarianos uma abordagem na área de gênero e
educação que tenta esclarecer a construção da masculinidade e seu complexo
relacionamento em contextos social e materialmente empobrecidos e devastados pelo
HIV/Aids. Essas análises geralmente concluem que formas violentas e hegemônicas
73
74 Bhana, Morrell e Pattman
1. NRTT: A palavra no texto original é laddism. Literalmente, significa comportar-se como um lad (jovem,
rapaz, garoto), de forma barulhenta e machista.
76 Bhana, Morrell e Pattman
recursos dentro das comunidades e das famílias, que muitas vezes terminaram em
violência e mostraram quão precária (e potencialmente reincidente) pode ser a
recém-reconstruída masculinidade.
Assim, foram levantadas duas questões: se não considerarmos homens e
meninos como um problema ou em crise, como podemos considerá-los? E a que
deveriam meninos e homens aspirar para que se adaptem à sociedade e contribuam
para seu desenvolvimento?
Uma resposta à primeira questão está estreitamente relacionada com questões de
masculinidade: há modelos positivos de masculinidade disponíveis nos contextos de
países em desenvolvimento e pós-coloniais? Em caso afirmativo, qual é o seu aspecto?
(ver CLEAVER, 2002). No entanto, cada vez mais a interdependência de homens e
mulheres e a importância de promover harmonia e cooperação entre os gêneros vêm
estimulando a inclusão dos homens e a consideração de questões de masculinidade,
e enfraquecendo os discursos sobre patologias. Dito de outra forma, os destinos de
mulheres e homens estão estreitamente vinculados, e é importante teorizar sobre
soluções de gênero, prestando atenção a homens e mulheres, às suas necessidades, à
sua interdependência e às desigualdades que podem separá-los ou levá-los a conflitos.
Há também o reconhecimento de que meninos (e homens) não têm natureza
inerentemente violenta, mesmo que a violência seja reconhecida como problema
grave e comum em muitas escolas. O foco mudou da tentativa de proteger as meninas
contra os meninos para a compreensão de que grupos de meninos estão sob maior
risco de envolver-se com violência, que modelos de masculinidade contribuem para
legitimar a violência e de como é possível intervir para evitar a violência.
A correlação de pobreza e violência é forte, embora as conexões causais ainda não
sejam claras. Nos locais onde aspectos de raça, etnia, classe social e idade cruzam-se,
encontramos jovens negros que são suscetíveis desde cedo a envolver-se em atos
violentos (BARKER, 2005). A violência assume muitas formas, entre as quais
envolvimento em guerras de gangues, criminalidade, conflitos étnicos ou nacionais
armados, e violência doméstica e parceiro sexual. Quanto a este último aspecto, a
masculinidade violenta torna-se fonte de interesse entre aqueles que tentam
compreender melhor e prevenir a transmissão de HIV, que ocorre em situações de
desigualdade de gênero e violência sexual (ver PATTMAN na seção seguinte).
O trabalho educacional com homens jovens concentrou-se amplamente na
solução da questão da violência. Em contextos de países desenvolvidos,
considerando que o medo de uma crise de masculinidade tenha alimentado
tentativas de melhorar o desempenho acadêmico de meninos e de tornar as escolas
mais receptivas para os meninos, estes não vêm sendo tratados como um grupo
que precise de resgate. Antes, são considerados componentes dos problemas que
afligem permanentemente a educação no mundo em desenvolvimento, bem como
beneficiários potenciais das tentativas bem-sucedidas de confrontar esses problemas
– incluindo violência, infecções por HIV, evasão escolar.
Gênero e educação em contextos de países em desenvolvimento 79
2. NRTT: As campanhas ABC surgiram na década de 1990 para prevenir a transmissão do HIV/Aids via
sexo, com amplo sucesso. O slogan foi criado a partir das iniciais A (abstain from sex – abstinência sexual),
B (be faithful – ser fiel, apenas um parceiro, não havendo abstinência) e C (condomise – uso de preservativo,
em caso de infidelidade).
82 Bhana, Morrell e Pattman
com o sexo oposto. Essa posição baseia-se no ponto de vista de Bob Connell (1995)
de que construções hegemônicas de homens como emocional e fisicamente fortes
e possuidores de um imenso impulso sexual implicam custos não apenas para as
meninas, mas para os meninos, em geral, que tentam viver de acordo com esses
constructos. Por exemplo, ansiedade em relação às namoradas que podem rejeitá-
los por meninos e homens mais velhos, mais ricos e sexualmente mais experientes;
incapacidade para expressar sentimentos de amor e intimidade em público; e medo
de envolver-se em brigas com outros meninos e de ser intimidado por eles. Essas
ansiedades foram expressas por meninos na África do Sul e no Zimbábue em diários
individuais, mas não publicamente em entrevistas de grupos (PATTMAN;
CHEGE, 2003).
Em resposta à crise de masculinidade no Ocidente, centrada em torno de
construções de meninos como sexualmente irresponsáveis, violentos e
antiacadêmicos (ver seção anterior), acadêmicos e políticos clamaram por modelos
de papéis masculinos mais consistentes, como professores e pais (por exemplo,
BIDDULPH, 1998), para estimular meninos a desenvolver um sentido de
autocontrole e responsabilidade – posição desafiada pelo estudo de Thornton e
Bricheno (2006) realizado no Reino Unido, mencionado na seção anterior. O
problema é que esse ponto de vista supõe uma masculinidade essencial que apenas
figuras masculinas autoritárias podem moldar, de forma responsável, um ponto de
vista em desacordo com a ideia de gênero relacional proposta acima. Considerando
o gênero como relacional, Pattman (2006) argumentou que professores do sexo
masculino que lecionam educação sexual podem atuar como modelos muito
positivos: não, entretanto, exemplificando modos convencionais rígidos e
autoritários de masculinidade, mas subvertendo esses modos. O autor baseia-se em
pesquisas (PATTMAN; CHEGE, 2003) que mostram que, na África do Sul e em
Botsuana, professores homens e professoras mulheres tendem a ser interpretados
pelos alunos de formas muito polarizadas como, respectivamente, autoritários e
cuidadosos (ver também KENT, 2004), e defende a importância de educadores do
sexo masculino (treinados para ser sensíveis ao gênero e centrados no estudante)
demonstrarem de que forma os homens podem ser sensíveis, abordáveis e não
agressivos, e que podem desenvolver relações estreitas e de zelo, sem conotação
sexual e de assédio, com as meninas.
Abordar meninos e meninas separadamente ou em conjunto é uma questão
controversa em meio àqueles comprometidos com formas de educação sexual
sensíveis ao gênero. Respondendo a esses resultados de pesquisas que apresentam
as escolas como locais em que as meninas estão sujeitas a diversas formas de assédio
sexual e subordinação, Morrell (2000) defendeu a existência de um número maior
de escolas para um único sexo, com o objetivo de prover ambientes seguros e de
apoio para as meninas. Em contraste, Pattman (2005) sugeriu que um objetivo-
chave da educação sexual deve ser estimular meninos e meninas a identificar menos
84 Bhana, Morrell e Pattman
Conclusão
Na África Subsaariana, pesquisas e políticas educacionais não deram a devida
atenção às necessidades específicas de meninos e meninas e suas vulnerabilidades.
Um número excessivo de análises de gênero na educação focaliza a porcentagem
de meninos e meninas na educação primária e secundária. Com frequência, as
meninas são consideradas vítimas sem muitas oportunidades de manifestação, ao
passo que os meninos são retratados como predadores sexuais e violentos. Ao
mesmo tempo em que nos empenhamos para mostrar de que formas violência e
HIV/Aids estão associados às vulnerabilidades de meninos e meninas na escola, o
uso de termos demonizados para retratar meninos como violentos e agressivos é
particularmente inútil, uma vez que essas categorias homogeneizadas falham em
considerar a pluralidade das experiências dos meninos. Do mesmo modo, a maioria
dos relatórios sobre HIV/Aids mostra de que forma as meninas tornam-se
vulneráveis pelos comportamentos sexuais de meninos. Neste capítulo,
argumentamos que muitos dos padrões negativos de comportamento exibidos por
meninos são, frequentemente, parte da demonstração pública da identidade
masculina definida dentro de constructos sociais rígidos do que significa ser um
menino e um homem na África Subsaariana.
No entanto, nessa mesma região, há evidências de mudanças nas normas de
gênero, principalmente como resultado do maior acesso de mulheres e meninas
aos mercados de trabalho, que vêm desgastando a noção dos homens em relação
ao direito à vantagem econômica. Ao mesmo tempo, há o reconhecimento da
importância de homens e mulheres trabalharem juntos e o impacto positivo da
educação sobre a renda e a saúde da família. Na África do Sul, por exemplo, a
composição e os efeitos calamitosos do HIV/Aids estão mudando a forma como
alguns homens consideram-se em relação às mulheres, enquanto outros continuam
a manter seus pontos de vista tradicionais.
É crucial trabalhar com meninos e meninas para mudar constructos normativos
de gênero e, como mostramos, a educação sobre HIV/Aids fornece um solo fértil
Gênero e educação em contextos de países em desenvolvimento 85
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46
Introdução
Quando Leslie Bethell (2000) afirma que “o Brasil é uma democracia de
eleitores, mas não é uma democracia de cidadãos”, destaca dois aspectos
significativos do país. Em primeiro lugar, o fato de que, no Brasil, todos podem
votar, e quase todos o fazem (é obrigatório para indivíduos dos 18 aos 70 anos de
idade), mostra diversos avanços realizados no século XX que garantiram a
universalidade de direitos. A Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, de 1990, fazem parte de um conjunto de garantias oficiais para o
indivíduo, inclusive aquela que garante educação obrigatória dos 7 aos 14 anos de
idade. No entanto, a natureza moderna e esclarecida de grande parte da legislação
e das estruturas institucionais brasileiras contrasta com a ineficácia e o caráter
incompleto de sua implementação. Os direitos civis são geralmente preservados
apenas de acordo com a riqueza do indivíduo envolvido, e os mais pobres quase
não têm direitos sociais. Na esfera política, a participação é formal, mas não é
efetiva.
Em termos gerais, é possível considerar a cidadania como sendo composta por
dois elementos: o passivo, relacionado ao conjunto de direitos que o Estado garante
manter para o indivíduo, e o ativo, referente à participação do indivíduo no
funcionamento do Estado. Cada um dos dois principais paradigmas de cidadania
– republicano liberal e cívico – focaliza principalmente um desses dois elementos:
o primeiro, os direitos, e o último, a participação ativa (HEATER, 1999;
KYMLICKA, 2002). Pode-se, contudo, argumentar que a cidadania será eficaz
apenas quando ambos recebem atenção: os cidadãos têm garantidos seus direitos
civis, políticos e sociais – na concepção de T. H. Marshall (1950) – e participam
ativamente do processo de tomada de decisões, tanto no nível local quanto no nível
nacional.
A educação está relacionada a esses dois elementos da cidadania. Em primeiro
lugar, é um direito em si (embora a natureza e a amplitude desse direito possam
ser fortemente contestadas) e, como tal, a cidadania torna necessário o provimento
de, no mínimo, educação básica para todos. Mas a educação é também um meio
de garantir o segundo elemento. A participação efetiva não pode ser concedida aos
89
90 McCowan e Gandin
cidadãos (embora o Estado possa fazer esforços para remover barreiras formais):
depende de conhecimentos, habilidades e dispositivos que devem ser desenvolvidos
internamente e, portanto, ocorrerá amplamente por meio da educação formal ou
informal. De forma muito importante, por conseguinte, a cidadania eficaz levanta
questões sobre a quantidade e a qualidade da educação, o acesso ao provimento
educacional e sua natureza ou destino.
Além disso, podemos fazer distinção entre formas fracas e fortes de participação
política (McCOWAN, 2006a). Em sua maior parte, os atuais sistemas democráticos
permitem aos cidadãos a liberdade de escolha entre candidatos e políticas. No
entanto, essas opções políticas estão incorporadas a um sistema mais profundo de
estruturas e relações sociais, econômicas e políticas, fundamentais para o
funcionamento do Estado, mas que são raramente questionadas. Formas fortes de
cidadania (formas realmente críticas) permitirão que essas orientações subjacentes
da sociedade, cujo questionamento é muitas vezes considerado tabu, sejam abertas
à reconsideração e à reinvenção.
No entanto, a análise acima mostra certa tendência universalista, que
Unterhalter (1999, p. 102-103) descreve como “um apelo a um conceito abstrato
de cidadão despojado de todas as qualidades, exceto racionalidade e moralidade
subjetivas”, e que pode “manter e perpetuar divisões sociais com base em gênero,
etnia racial, sexualidade e deficiência”. O debate sobre cidadania deve equilibrar a
necessidade por direitos universais e participação com a reivindicação de grupos
específicos pelo reconhecimento de diferenças. Na prática, a igualdade formal pode
encobrir desigualdades e discriminação. Pessoas com deficiência, por exemplo,
podem ter necessidades específicas para que sejam capazes de participar da esfera
política em condição de igualdade. Políticas para abordar histórias de discriminação
racial e de gênero talvez sejam necessárias. Talvez não seja fácil alcançar esse
dispositivo: a identidade tem um relacionamento desconfortável com a cidadania,
uma vez que esta última inevitavelmente implica alguma abstração de características
específicas em favor das características gerais de pertencer a um Estado (politia).
A história do Brasil não forneceu solo fértil para o florescimento da cidadania.
Cada um de seus períodos – sucessivamente caracterizados por colonização,
autoritarismo e neoliberalismo – limitou os dois aspectos: ampliar os direitos e
equipar os indivíduos para a participação ativa. Após a independência, em 18211,
passou-se mais de meio século antes que a escravidão fosse abolida, em 1888.
Desde então, houve dois períodos de ditadura – de 1937 a 1945 e de 1964 a
1985 – e avanços hesitantes em direção à democracia entre eles. Apesar da
significativa democratização ocorrida desde 1985, as desigualdades sociais ainda
são críticas. Em 2006, o Brasil foi o décimo país com maior desigualdade na
escala Gini: os 10% da sociedade situados na extremidade superior da escala
2. Os números de matrículas no ensino médio referem-se ao período de 2002 a 2003 e, para o ensino superior,
referem-se a 2002.
92 McCowan e Gandin
Talvez seja nesta última função que o movimento mais se destaca: elementos
políticos fortemente integrados ao currículo escolar, e um contexto mais amplo (as
atividades do próprio movimento), no qual essas habilidades podem ser exercitadas.
Em relação às formas fracas e fortes identificadas acima, a participação política
envolve desafiar as estruturas nucleares da sociedade, e não simplesmente exercer a
opção eleitoral dentro de determinado sistema. Considera-se que a cidadania
depende da conscientização – o desenvolvimento de consciência política
simultaneamente com a ação. Um dos objetivos de educação declarados pelo
movimento é: “despertar a consciência e o espírito organizacional de liderança de
crianças, adolescentes, educadores e comunidade, com objetividade política para
exercer a cidadania” (MST, 2001b).
Os alunos desenvolvem essa consciência política e capacidade para ação por
meio de estruturas participativas da própria escola. Grupos de alunos e grupos de
trabalho auto-organizados servem para dar aos alunos uma oportunidade para
desenvolver habilidades de deliberação e organização, e ter voz real no
funcionamento da escola:
Entendemos por auto-organização o direito dos alunos de organizar-se em grupos, com seu
próprio espaço e em seu próprio tempo, para analisar e discutir suas questões, elaborar propostas
e tomar suas próprias decisões visando participar como sujeitos na gestão democrática do processo
educativo e da escola como um todo (MST, 1999).
Até o momento, o MST não deu muita atenção a outros fatores de divisão social
mais ampla, como raça, deficiência e sexualidade. Embora adote uma abordagem
inclusiva em termos gerais, ainda deve desenvolver uma estratégia eficaz para
garanti-la na prática. Como um todo, o movimento tende a conceitos universalistas
de cidadania, focalizando o humano como o valor subjacente fundamental (embora
reconheça as especificidades do contexto rural). A luta pela reforma agrária é
considerada parte de uma luta de classes mais ampla, à qual são subordinadas outras
formas de opressão, como raça e gênero (MST, 2001a).
5. Essa entrevista foi extraída de pesquisa realizada em 2002, nos estados do Espírito Santo, Bahia e Rio de
Janeiro (McCOWAN 2003). Foram utilizados pseudônimos no lugar dos nomes dos participantes.
98 McCowan e Gandin
6. Neste capítulo, é possível oferecer apenas uma ideia inicial da experiência. Ver outras informações sobre a
Escola Cidadã em Gandin (2005).
100 McCowan e Gandin
Nas escolas que utilizam esses ciclos, os alunos progridem de um ano para outro
dentro de um ciclo, e a noção de falha/reprovação é eliminada.
Apesar dessa vitória, a SMED entendeu que a eliminação de mecanismos de
exclusão não era suficiente para alcançar o objetivo de democratização do
conhecimento. Assim sendo, a Escola Cidadã criou diversos mecanismos que
visavam a garantir a inclusão dos alunos: Grupos de Progressão, para os alunos que
apresentavam distorções entre idade-série-aprendizagem; Laboratórios de
Aprendizagem, para os alunos que, apesar das modificações na metodologia e no
currículo, ainda não estavam aprendendo; Professores Itinerantes, para auxiliar os
professores com um segundo educador em sala de aula, quando necessário; e
Avaliação Formativa, para ajudar os alunos a compreender seu próprio ritmo de
aprendizagem sem simplesmente classificá-los com base em séries.
A transformação do currículo foi parte crucial do projeto de Porto Alegre na
construção da democracia consistente e da cidadania efetiva, o que realmente pode
tornar possível o processo de democratização do conhecimento. É importante
afirmar que essa dimensão não está limitada ao acesso ao conhecimento tradicional.
O que está sendo construído também é uma nova compreensão epistemológica
sobre o que é considerado conhecimento. Não está baseada em uma simples
102 McCowan e Gandin
Conclusões
A partir desses dois casos, surgem temas comuns. Os dois representam tentativas
para viabilizar os componentes centrais da ideia de cidadania, que são a garantia de
direitos e de maior participação dos indivíduos. Por um lado, as duas iniciativas visam
melhorar o acesso de populações marginalizadas à educação: em termos de
disponibilização de vagas nas escolas, de medidas para garantir a inclusão no ambiente
de aprendizagem e para evitar a evasão precoce. Tentam, portanto, ir além do direito
formal de todos os brasileiros à educação básica, e tomar medidas para tornar esse
direito uma realidade. Visam, também, equipar alunos para que se tornem cidadãos
eficazes no sentido ativo, envolvendo alunos, professores e comunidade no processo
de tomada de decisões e fornecendo conhecimentos e habilidades para estender essa
participação para a esfera política mais ampla. Surgidos a partir das influências duais
do autoritarismo e do neoliberalismo, os dois casos vêm criando uma nova
106 McCowan e Gandin
indivíduo não são suficientes e, sim, que esses direitos devem ser garantidos antes
que formas ativas de participação possam ser fomentadas. Além disso, a educação
deve abordar a cidadania como identidade – reconhecendo diferenças que podem
desafiar o “conceito abstrato de cidadão despojado de todas as qualidades exceto
racionalidade e moralidade subjetivas” (UNTERHALTER, 1999) – assim como o
conceito de cidadania como igualdade no Estado. Por último, no espírito captado
pelo slogan do Fórum Social Mundial, “Um outro mundo é possível”, esses casos
mostram que, mesmo dentro do sistema estatal estabelecido, é possível criar
alternativas para a educação. Ao gerir um curso por meio de formas tradicionais
hierárquicas de educação e de formas consumistas contemporâneas, alternativas
democráticas radicais constituem uma possibilidade, apesar dos desafios
consideráveis a enfrentar.
Em meio a uma imensa onda global de reformas em que controle de mercado,
descentralização em nível de escola com poucos recursos, controle rígido de
resultados, gestão a distância e responsabilização que considera apenas resultados
quantitativos são estímulos centrais, é importante reafirmar que encontrar
experiências como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra ou a Escola
Cidadã é, certamente, uma inovação. O que é ainda mais impressionante nesses
projetos é o fato de que, diferentemente de outras iniciativas progressistas em todo
o mundo, onde professores ou escolas individualmente promovem mudanças
radicais, essa é uma transformação orgânica de todo um sistema escolar, no caso da
Escola Cidadã, ou do conceito de educação, no caso do Movimento dos sem Terra.
A mudança nas estruturas estimulou escolas e produziu espaços nos quais se
busca a educação em favor da justiça social. Se é verdade que há sérias limitações
ao que foi realizado até o momento, também é verdade que foram criados espaços
reais para desafiar essas mesmas limitações.
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47
PERSPECTIVAS EM RELAÇÃO
A CRIANÇAS E VIOLÊNCIA
Jenny Parkes
111
112 Parkes
1. NRTT: Reforma aqui diz respeito à reforma na legislação sobre a criança nos vários países da Europa.
Perspectivas em relação a crianças e violência 113
(CAIRNS, 1996), e até mesmo se pode haver efeitos positivos. Estudos de caso de
crianças que vivem em zonas de guerra identificaram consequências negativas, mas
para algumas crianças identificaram também o desenvolvimento precoce de
sensibilidade moral (COLES, 1986) e aumento de empatia (GARBARINO;
KOSTELNY; DUBROW, 1991; STRAKER et al., 1992). Tais constatações indicam
a importância do contexto na prevenção de possíveis consequências emocionais.
O diagnóstico de TEPT é psiquiátrico, originário do Ocidente, geralmente
utilizado para avaliar a necessidade de apoio clínico após acontecimentos
traumáticos isolados. Inúmeros estudos mostraram que os efeitos da exposição
repetitiva podem ser bastante diferentes dos efeitos após traumas isolados, e a
exposição à violência crônica diária pode gerar mudanças comportamentais de
longo prazo (JENKINS; BELL, 1997; PERRY, 1997; ZEANAH; SCHEERINGA,
1997). Foi proposta uma designação alternativa de “síndrome de estresse
traumático contínuo” para refletir o contexto político de traumas repetitivos
esperados de muitas pessoas (SIMPSON, 1993). No entanto, embora essas
designações possam servir para destacar os problemas de pessoas que vivem em
comunidades violentas, explicam simultaneamente seu comportamento dentro de
um modelo médico, sofrendo sintomas de uma doença em termos individuais, e
não motivados pelas características da situação. A ênfase sobre distúrbio trata como
patologia as reações das crianças, quando, na realidade, emoções como medo,
ansiedade e agressão podem ser comportamentos funcionais para lidar com o dia
a dia (SWARTZ; LEVETT, 1989). Nessas análises, a conceituação das crianças
como dependentes e vulneráveis é combinada com um modelo biomédico – e por
ele reforçada – que coloca as crianças como vítimas traumatizadas com necessidade
de cuidados terapêuticos (BOYDEN, 2003; MACHEL, 1996). Jo Boyden
argumenta que em Ruanda, na Bósnia e em Kosovo, esse conceito teve uma
consequência perigosa: pacotes de ajuda priorizaram intervenções psicossociais em
detrimento do atendimento às necessidades básicas de sobrevivência dos jovens
(BOYDEN, 2003). Embora seja vital estar alerta quanto às possíveis reações de
estresse à violência, é importante também reconhecer que tais reações podem ser
altamente localizadas e variáveis, e que abordagens gerais à intervenção na sequência
de eventos violentos pouco contribuem para lidar com a violência continuada
presente na vida de muitos jovens.
Socialização, risco e resiliência
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a literatura da área da psicologia
supõe a inocência e a vulnerabilidade da infância, há alusões à inevitabilidade de
vítimas infantis tornarem-se perpetradores adultos por meio de um ciclo de
violência. Proliferam declarações na literatura contendo comentários do tipo “é
um fato sociológico que pessoas tratadas de forma desumana só podem tratar os
outros da mesma maneira” (MALEPA, 1990), ou “essas crianças vivem em uma
Perspectivas em relação a crianças e violência 115
‘cultura de violência’ e sua visão de mundo é formada por essa vivência. Esse fato
é trágico e extremamente perigoso” (OSHAKO, 1999). Essas declarações não só
diagnosticam como patológico o crescimento de crianças em bairros violentos,
como também contribuem para uma versão da “criança do mundo em
desenvolvimento” discutida anteriormente, mas as evidências para essas suposições
são frágeis e conflitantes.
Estudos relatam que a exposição à violência na infância afeta o desenvolvimento
moral: os jovens aprendem a ver a violência como forma de solucionar problemas
(REILLY; MULDOON; BYRNE, 2004). Por exemplo, foi constatado que crianças
palestinas envolvidas em confrontos de rua com tropas de Israel eram mais
propensas a usar violência na escola e em casa como instrumento socialmente
justificado para solucionar problemas (ABUATEYA, 2000). Observações clínicas
identificaram atitudes como considerar a violência algo natural, tornar-se insensível
e desumanizar o inimigo (principalmente em tempos de guerra) como estratégias
de confronto no curto prazo, o que, por sua vez, pode levar à visão da violência
como uma resposta adequada a muitas situações cotidianas (GARBARINO;
KOSTELNY; DUBROW, 1991).
No entanto, em uma resenha da literatura internacional sobre desenvolvimento
moral e violência política, Andrew Dawes concluiu serem frágeis as evidências de
que a violência é perpetuada por meio de seus efeitos sobre o raciocínio moral das
crianças e de sua capacidade de solucionar problemas (DAWES, 1994). Embora
alguns pesquisadores tenham observado a brincadeira de crianças imitando a
violência existente no bairro (BUNDY, 1992; JONES, 1993), outros foram
surpreendidos pela ausência de tais reconstituições. Por exemplo, em seu estudo
detalhado de crianças em uma municipalidade da África do Sul, em meados da
década de 1980, Pamela Reynolds observou que havia muito pouca violência na
brincadeira das crianças, tanto real como imaginária, apesar da violência a que eram
expostas (REYNOLDS, 1989). Outros estudos realizados na África do Sul
constataram que, apesar da frequente exposição à violência, os jovens
aparentemente não se habituaram a ela (STRAKER et al., 1996; STRAKER et al.,
1992). E, embora em um desses estudos a exposição direta à violência estivesse
associada a agressão, oposição/provocação e déficits de autorregulação, testemunhar
atos de violência não estava associado a comportamentos antissociais, e o gênero
(sendo masculino) foi mais profético de comportamentos antissociais do que a
exposição direta à violência (VAN DER MERWE; DAWES, 2000).
Essas constatações complexas e contraditórias desafiam suposições de
universalização sobre a reprodução da violência, e é cada vez maior o número de
pesquisadores que passaram a identificar uma gama de fatores que aumentam o
risco de violência ou, alternativamente, aqueles que aumentam a resiliência dos
jovens. Esse modelo ecológico, que tenta compreender a natureza multifacetada
da violência e suas consequências, vem influenciando cada vez mais as pesquisas e
116 Parkes
ideologias, tal como a religião, permitem que a violência seja justificada dentro do
sistema de moralidade no qual a criança se desenvolve, esse processo a protege das
consequências negativas da violência (GARBARINO, 1999; STRAKER et al.,
1992). Em sua análise do crescimento em zonas de guerra em Moçambique, na
Nicarágua, na Palestina e no Camboja, Garbarino e colegas consideraram como
uma ideologia pode levar conforto e como consegue permitir que a criança seja
apoiada por uma comunidade unida pela crença (GARBARINO; KOSTELNY;
DUBROW, 1991). Contrastaram esse fato com a experiência de viver em um bairro
urbano pobre controlado por gangues em Chicago, onde laços culturais frágeis e a
falta de objetivos comuns debilitam os mecanismos ativos de confronto.
Um ponto forte da literatura sobre risco e resiliência é a crescente sensibilidade
ao contexto (DAWES; DONALD, 2000). O argumento de que os diferentes níveis
do sistema ecológico interagem e se influenciam mutuamente é persuasivo, sendo
que a resiliência compensa o impacto dos fatores de risco, protege contra eles ou
os desafia. Graus moderados de estresse, por exemplo, podem fortalecer a
capacidade da criança para o confronto no mais longo prazo (DAWES; DONALD,
2000). No entanto, ao mesmo tempo, a abordagem mecanicista de medir
relacionamentos entre variáveis resulta em uma excessiva simplificação das
complexas relações entre a criança e o mundo social. Seus dados baseiam-se em
levantamentos e questionários pré-codificados, muitas vezes importados ou
modificados a partir de instrumentos desenvolvidos no Ocidente. Esses
instrumentos podem alterar experiências e interpretações locais da violência. Foi
constatado, por exemplo, que a linguagem de abusos utilizada no Ocidente faz
pouco sentido para muitas mulheres negras da classe trabalhadora na África do Sul
(LEVETT et al., 1997). Formas diversas de violência são agrupadas em uma
variável explicativa, e as complexas relações de poder que produzem a violência são
ignoradas. O foco de intervenções originárias dessa abordagem é a prevenção,
visando particularmente grupos de alto risco. Embora a prevenção seja importante
para a canalização do apoio ao bem-estar, ao mesmo tempo reforça a tendência de
culpar indivíduos em situação de risco, indivíduos pobres, homens negros
identificados na literatura sul-africana como sujeitos a maior risco, rotulando-os
como indivíduos perigosos e que necessitam de controle, e que, supõe-se, serão
apanhados pelo inevitável ciclo da violência. No entanto, a revisão da literatura da
psicologia aponta para a variabilidade e a diversidade existente nas respostas das
crianças, e destaca a necessidade de considerar não apenas resultados possíveis, mas
os processos pelos quais os jovens dão sentido à violência e a interpretam.
Para manter seu status social, era necessário manter vigilância constante, sendo
a violência uma forma de tentar estabelecer e manter um controle autoritário. O
que fica evidente em todos esses estudos é que, embora a violência possa ser
funcional para ajudar os homens a construir identidades sociais específicas, há
consequências imprevisíveis e negativas – quanto a riscos de saúde, discutidos por
Wood, e quanto ao colapso ou à fragmentação de relações, discutidos por
Henderson, Ramphele ou Rosen.
Muitos desses estudos têm seu foco em adultos jovens, e não em crianças, mas
há também uma linha da literatura social que explora como a violência se infiltra
nos espaços cotidianos das crianças. Há estudos que analisaram de que forma as
escolas, frequentemente consideradas como paraísos seguros, podem ser locais em
que a violência é reproduzida (BHANA, 2005a; CHATTY; HUNDT, 2005;
DAVIES, 2004; DUNNE; HUMPHREYS; LEACH, 2006; DUNNE; LEACH,
2005; HARBER, 2004; LEACH, 2006). Por meio de relações hierárquicas de
gênero, sistemas de punição e em playgrounds onde a força é um meio
frequentemente utilizado para negociar relacionamentos, pesquisadores
investigaram a reprodução da violência do bairro. Há também estudos etnográficos
de crianças que vivem e trabalham nas ruas, em espaços que não são considerados
contextos legítimos para crianças. O ingresso nesses espaços proibidos pode criar
riscos para as crianças. No Brasil ou no Quênia, crianças que vivem e trabalham
nas ruas talvez estejam fugindo da violência em casa, passando a enfrentar agressões
físicas e estupros nas ruas do bairro, praticados por outras crianças ou por adultos
Perspectivas em relação a crianças e violência 121
eles aparentemente mudaram suas opiniões sobre soluções possíveis para problemas
de violência, propondo, cada vez mais, soluções e negociações verbais como forma
de responder à violência. Parecia que o jogo sutil de poder e prazer no
relacionamento da pesquisa, durante o qual os jovens perceberam que suas opiniões
eram ouvidas e valorizadas, pode ter gerado a percepção de maior ação reflexiva
(PARKES, no prelo).
Colocadas no centro da pesquisa psicológica e social, as opiniões dos jovens
podem ampliar nossa compreensão sobre as diversas formas como meninas e
meninos negociam discursos complexos e contraditórios em torno da violência.
Embora esteja no início, esse trabalho já identifica padrões recorrentes na maneira
como as crianças lidam com a violência, frequentemente contestando-a e
perpetuando-a ao mesmo tempo. Alerta-nos também para possibilidades de
mudança, ao mesmo tempo em que reconhece de que forma as crianças estão
profundamente incorporadas a contextos sociais altamente coercitivos.
Este trabalho, que sintetiza abordagens psicológicas e sociais ao lado de uma
conceituação das crianças como participantes ativas em seu mundo social, indica
intervenções que envolvem as perspectivas dos jovens (DAIUTE; FINE, 2003). Para
algumas crianças, segundo a literatura psicológica sobre trauma, intervenções
psicoterapêuticas sensíveis aos contextos e às tradições locais podem ser cruciais para
ajudar no confronto das consequências terríveis no nível individual ou comunitário,
e para apoiar a reconstrução de relações rompidas pela guerra e por conflitos. Para
outras, intervenções precoces em apoio a famílias que vivem em contextos de alto
risco podem interromper possíveis ciclos de violência. Ao mesmo tempo, conforme
enfatizado na literatura social, é crucial que as intervenções enfrentem e desafiem as
relações sociais coercitivas que servem de base para o conflito. Nas escolas, essas
intervenções poderiam focalizar os direitos humanos, a justiça social e a paz. Em
todos esses múltiplos níveis de intervenção, é importante evitar a universalização e a
homogeneização do entendimento da infância que marginalizam as crianças e as
tornam impotentes. Em vez disso, ao compreender que as crianças atuam e
influenciam seu mundo social de maneiras diversas e fluidas e não fixas, podemos
desenvolver estruturas de negociação e pedagogia de diálogo em que os jovens são
convidados a discutir, desafiar e reconstruir perspectivas e relacionamentos e a explorar
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48
Anita Rampal
129
130 Rampal
britânicas. Tagore administrava sua própria escola autóctone, mas, como escreveu em
uma carta dirigida a Gandhi em 1921, sentiu que a “luta para afastar nosso coração
e nossa mente dos corações e das mentes ocidentais é uma tentativa de suicídio
espiritual [...] [uma vez que, de fato,] estivemos por longo tempo sem contato com
a nossa própria cultura” (BHATTACHARYA, 1997, p. 62). Gandhi afirmou:
Para mim, é insuportável que os vernáculos sejam esmagados e enfraquecidos como têm sido.
Espero acreditar tão piamente na liberdade como o grande Poeta. [...] Desejo que as culturas de
todas as terras se espalhem sobre minha casa tão livremente quanto possível. Mas recuso-me a
desviar do rumo certo por qualquer outra [cultura] (BHATTACHARYA, 1997, p. 64).
será dever da união desenvolver o idioma hindi de modo que possa servir como meio de expressão
para todos os elementos que compõem a cultura da Índia, e para garantir seu enriquecimento
pela assimilação, sem interferir em seu espírito, com as formas, os estilos e as expressões utilizados
no idioma hindustâni e em outros idiomas da Índia (Artigo 351).
termos foi compilado pela organização Kerala Shastra Sahitya Parishad – à época,
um grupo voluntário, relativamente pequeno, de acadêmicos que trabalhavam pela
popularização da ciência. Essa realização foi um marco e ajudou a organização a
mobilizar um apoio em grande escala por parte das pessoas comuns, e a liderar a
campanha ambiental Silent Valley e seu Movimento Popular pela Ciência, com base
nos segmentos mais populares. O exemplo enfatiza a necessidade de intervenções
autóctones criativas, que modelem a capacidade de invenção das pessoas, utilizando
seus próprios idiomas, e que sustentem a base da expansão educacional.
Preocupações semelhantes foram demonstradas em relação à África do Sul, onde o
inglês permanece como idioma dominante nas escolas, e os esforços concentram-
se em garantir o desenvolvimento e a intelectualização dos idiomas locais (ODORA
HOPPERS, 2002; DLODLO, 1999).
comunidade, ela pode aprender como fundir metais, ou obter conhecimentos para
identificar ervas medicinais e a rica biodiversidade de suas florestas – que as
empresas estrangeiras muitas vezes disputam agressivamente para registrar e explorar
comercialmente –, ironicamente, não valorizadas pelas escolas. Além disso, a
estrutura do conhecimento escolar faz com que a criança de áreas rurais ou de tribos
lute com representações sem sentido até em questões que ela conhece muito melhor
(RAMPAL, 2000). Essa dissonância cultural entre conhecimentos autóctones,
idioma e ciência escolar também foi observada com crianças maori (McKINLEY;
McPHERSON WAITI; BELL, 1992).
Goonatilake enfatiza a necessidade de explorar conscientemente o
conhecimento civilizacional, para mudar as tradições da ciência moderna por meio
de um rico conjunto de técnicas, metáforas e soluções intelectuais.
O recente trabalho de antropologistas sobre esses pequenos grupos sociais, denominados povos
primitivos, revela que o impulso para ser científico está presente universalmente. Concentro-me
deliberadamente sobre essas sociedades, uma vez que a Revolução Científica teve início após as
viagens de descobrimentos, e os aspectos dos dois projetos interagiam mutuamente, ou seja: a
busca pela ciência e a busca do ‘outro’ em oposição aos europeus. A perspectiva imperialista que
acompanhou os dois eventos logo começou a reivindicar superioridade e exclusividade por tudo
que fosse considerado europeu. Logo, essas atitudes foram cristalizadas em vários graus, em uma
visão de que outras culturas eram inerentemente incapazes de trabalho intelectual, que hoje está
sob a rubrica científico. E essa perspectiva desvirtuou opiniões subsequentes sobre conhecimento
– opiniões que apenas ao longo das duas últimas décadas vêm sendo gradualmente repensadas
(GOONATILAKE, 1998, p. 67).
generalizações ingênuas e insípidas sobre a vida dos pobres. De fato, sob o título “tipos
de casas”, o bangalô de concreto, a casa semi-pucca2 e os jhuggi (abrigos improvisados)
são apresentados como se constituíssem outra taxonomia científica natural, como no
caso de plantas ou tipos de solo. Além disso, uma casa considerada boa é sempre definida
como aquela que tem cozinha, banheiro, janelas e eletricidade. Milhões de crianças que
vivem em condições que não estão de acordo com essas normas são deliberadamente
alienadas e recebem sinais de que seu estilo de vida é classificado como ruim.
A agenda escolar civilizadora, quase permanentemente e em apelo aos altos
princípios, tem sido imposta às crianças pobres, que supostamente precisam ser
resgatadas do abismo, segundo uma disciplina escolar que deve ser contrastada com
o caos e a miséria de suas casas. Na verdade, o desprezo enfrentado nas escolas
atuais pela população pobre que vive em áreas urbanas é uma reminiscência da
Inglaterra do século XIX, quando a Lei de Educação Compulsória, de 1870, foi
sancionada pelo Estado para a suposta manutenção da ordem por meio de medidas
frequentemente opressoras. A educação foi imposta por meio de processos e multas,
apreensão de bens quando os pais não tinham condições de pagar, e até mesmo
prisão. Ordem e obediência vieram com a limpeza, revestidas da mesma retidão
moral e do mesmo sentimento de vergonha, e merecendo prioridade ainda maior
do que a própria instrução (DAVIN, 1996).
2. NRTT: Casa sem colunas e vigas, mas com boa alvenaria e argamassa.
138 Rampal
Muitas vezes, a retórica do ensino baseado em atividades pode ser adotada por
livros didáticos, mas não se busca promover qualquer exploração ou atividade. É
solicitado às crianças que observem a figura de um objeto, e não que saiam à
procura do objeto real, seja um pardal comum ou a folha de uma planta, e as
conclusões sobre o que será observado já são fornecidas. Um trecho típico sobre
clima, extraído de um livro didático para a terceira série, intitulado “Explorando o
meio ambiente”, mostra quão distante está de uma abordagem verdadeiramente
exploratória. Observe a densidade do texto e a utilização de afirmativas que
realmente nada explicam:
Quando a água evapora, muda de líquido para vapor. O vapor de água é a forma gasosa da água.
Objetos úmidos secam quando a água que contêm transforma-se em vapor e passa para a
atmosfera. Você não pode ver a água transformar-se em vapor. Vapor de água existe no formato
de partículas muito pequenas (RAMPAL, 2002; PROBE TEAM, 1999).
A maioria dessas frases não oferece explicação real alguma, e de fato não é
possível explicar esses conceitos de evaporação e estados da matéria para crianças
dessa idade. São apenas afirmações que giram em círculos, como tautologias. Se
uma criança pergunta: “mas o que é vapor de água?”, obtém a resposta: “vapor de
água é a forma gasosa da água”! Obviamente a criança para de tentar entender o
que está sendo ensinado, e passa a corresponder àquilo que se espera dela – repetir
mecanicamente o que foi dito.
Houve poucas tentativas sistemáticas no sentido de conseguir feedback das
crianças e de captar suas percepções sobre esse tipo de texto. Normalmente,
acredita-se que, se não conseguem aprender na escola, deve haver algo errado
com as crianças, e por esse motivo necessitam de todos os tipos de insumos
adicionais, de reforço na aprendizagem a fortificantes. Gargi, uma aluna de 11
anos de idade em Mumbai, é uma exceção. Ao ser-lhe solicitado que analisasse
criticamente seu livro didático, ela leu duas páginas do capítulo sobre “Ar”, que
continha grande quantidade de termos e conceitos desconhecidos, tais como
Reflexões sobre a Índia e a África 139
Considerações finais
Este capítulo destacou o abismo existente entre os conhecimentos locais dos
aprendizes sobre matemática e ciência e as maneiras formais, distantes e
frequentemente incompreensíveis como os livros didáticos são apresentados. Por
outro lado, à medida que trabalhávamos com jovens e adultos não escolarizados,
envolvidos em trabalhos manuais, pudemos perceber de que forma seus
conhecimentos são utilizados na prática (ROGOFF; LAVE, 1984; LAVE, 1996) e
estão baseados em altos níveis de inovação, criatividade e desenvoltura. Lembro-
me de um jovem relojoeiro (na pequena cidade onde vivi) a quem levei um relógio
muito barato (e talvez descartável) que havia parado de funcionar. Ele devolveu a
peça no dia seguinte, funcionando, e cobrou apenas a bagatela de 10 rúpias (cerca
de 20 centavos), dizendo com visível orgulho: “aprendi com meu pai que o meu
trabalho é fazer funcionar, não jogar fora!” Esse sentimento faz parte da ética de
seu conhecimento não escolarizado. Tem suas raízes no sistema de aprendizagem
que viveu como aprendiz de seu ustaadi, ou mestre, que, no caso, foi seu pai. A
característica desse sistema de educação é essa desenvoltura e essa inovação de fazer
as coisas funcionarem, com austeridade e recursos mínimos, frequentemente por
meio de reciclagem criativa. Além disso, esse aprender fazendo tem como postulado
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Nazir Carrim
1. A palavra “negro” faz referência às pessoas que, durante o apartheid, eram classificadas como “de cor”,
“indígenas” e “africanas” na Lei de Registro da População. “Negro”, portanto, refere-se de maneira inclusiva
a todos esses sul-africanos que eram classificados racialmente. Ao longo de todo este capítulo, usei referências
à classificação racial das pessoas entre aspas, para sinalizar que são as classificações raciais do apartheid e, o
que é mais importante, para indicar que as classificações raciais são construções sociais das pessoas que eu
rejeito como descrições válidas, na África do Sul ou fora dela, sob o apartheid ou no momento presente. No
entanto, esses termos são usados neste capítulo a fim de facilitar a narrativa e por conveniência teórica.
147
148 Carrim
Em 2006, a África do Sul aprovou leis que reconhecem a união civil entre pessoas
do mesmo sexo, tornando-se um dos poucos países no mundo a fazê-lo, na medida
em que a tendência é não mencionar a orientação sexual na maioria dos contextos.
Os homossexuais de ambos os gêneros ocupam espaços marginalizados em
praticamente todas as sociedades fortemente dominadas pela heterossexualidade.
Observar a orientação sexual fornece um modo útil para avaliar até que ponto a
provisão dos direitos humanos na África do Sul pós-apartheid se estende às pessoas
marginalizadas dessa ordem heterossexual hegemônica. Neste capítulo, trago à tona
algumas das implicações dos direitos humanos para a educação, a construção de
uma África do Sul pós-apartheid, a imaginação pós-colonial e a subalternidade.
2. NRTT: Sati é um antigo costume entre algumas comunidades hindus, hoje estritamente proibido por lei.
Esse costume obrigava (no sentido moral) a esposa viúva a se sacrificar viva na fogueira da pira funerária de
seu marido morto. Atualmente, o termo pode ser usado para referir-se à viúva ou é às vezes interpretado
como mulher honesta.
Os direitos humanos e os limites na libertação das vozes subalternas 151
mundo que o Partido Nacional atreveu-se a fazer campanha ‘para o desenvolvimento separado
de cada raça na zona geográfica a ela atribuída’ (DERRIDA, 1986, p. 330-331).
Enquanto o discurso dos direitos humanos era projetado como universal pelo
Ocidente, países do continente africano continuavam sob o jugo do colonialismo,
que implicou violações flagrantes dos direitos humanos por parte dos povos
ocidentais. Essas são algumas das razões que deram impulso para o estabelecimento
da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, adotada pela Organização
da Unidade Africana (atual União Africana) em 1981. Essa Carta entrou em vigor
em 1986 (WESTON, 2002).
Na África, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas
foi vista por muitos como um documento ocidental e europeu. Foi estruturada
tendo em mente um contexto europeu e ocidental, e reconhecia em sua história
inicial os povos ocidentais e europeus, suas visões e experiências. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos parece não reconhecer a África e as experiências
africanas. Aparentemente, silencia sobre os diferenciais de poder econômico,
político e sociocultural que constituem o colonialismo. Os sistemas de
conhecimento legitimados são os do Ocidente. As visões do mundo colonizado
não são articuladas. Os povos colonizados e subjugados são invisíveis e, portanto,
inferiores. Fica implícito que os países colonizados estão disponíveis ao
imperialismo, e que suas riquezas podem ser extraídas pelo Ocidente.
Como tal, a pretensão ao universalismo na Declaração Universal dos Direitos
Humanos é decididamente monológica (TAYLOR, 1994). Nos termos de Taylor,
monólogos são conversas que alguém tem consigo mesmo e/ou com outros que
são seus semelhantes. Os colonizadores conversavam sobre o colonizado entre eles
mesmos, e de forma alguma em um diálogo com o colonizado. Para Taylor, tais
monólogos baseiam-se fundamentalmente em reconhecer mal o outro. Trata-se
de reconhecer mal porque a imagem do outro é construída por si mesmo, com
seus próprios termos, de modo que possa se considerar melhor do que o outro e
superior a ele; desse modo, o outro é inferiorizado e passa a ser subalterno, para
justificar ideologicamente e consolidar o projeto do colonialismo. Dessa
perspectiva, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não fala com as
experiências do outro colonizado, e por isso, nos termos de Mignolo, apaga a
questão colonial. A Declaração Universal dos Direitos Humanos era, em seus
próprios termos, uma reação às atrocidades vividas durante a Segunda Guerra
Mundial no Ocidente e na Europa. Essa reação desejada foi forjada como sendo
universal, embora resultasse de um grupo específico de diplomatas e dos países
que eles representavam.
Os debates sobre o alcance da aplicação dos direitos humanos no continente
africano trataram de três temas. Primeiro, as condições na África, caracterizadas
por pobreza extrema, doenças e subdesenvolvimento – todas elas consideradas
consequência do colonialismo –, indicam que os direitos humanos na África devem
Os direitos humanos e os limites na libertação das vozes subalternas 155
Nas palavras acima reside a distinção típica de Mandela – seu confronto à lei,
com a lei, sobre a lei. Apesar de tudo, a ironia e o paradoxo presentes nesse
confronto não passam despercebidos por Mandela. De fato, sua exigência de que
a lei reconheça a ele mesmo, aos advogados, ao povo “negro” e à justiça chama a
nossa atenção para um marco legal que era decididamente racista. Assim como
MacKinnon (1993) apontou o machismo do marco dos direitos humanos,
Mandela apontou seu marco racista, quando aplicado na África do Sul sem que
as condições da maioria da população fossem reconhecidas. Como colocou
Mandela, os “brancos” são parte interessada, e a lei foi criada para servir a seus
interesses. Assim sendo, observa-se aqui, o reconhecimento dos “brancos” pela lei
e na lei e o não reconhecimento e reconhecimento equivocado das pessoas “negras”
pela lei e na lei. A presença e as declarações de Mandela nos tribunais
demonstraram esse fato de forma vigorosa. Mandela conseguiu fazê-lo recorrendo
ao discurso dos direitos humanos, baseando-se nele para expressar as ideias sobre
as quais os sistemas de justiça deveriam estar baseados. No trecho acima, refere-
se diretamente à Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
Com isso, forçou o reconhecimento de sua ausência na lei pela sua presença
perante a lei.
Esse efeito do discurso dos direitos humanos como fator que possibilita que as
pessoas se defendam parece persistir na África do Sul pós-apartheid, e é evidenciado
na maneira como alguns jovens estudantes homossexuais negociaram seus pontos
de vista na escola. Isso é comprovado em um estudo que examinou a compreensão
e as experiências de direitos humanos, democracia e cidadania entre estudantes da
nona série e professores em escolas nas províncias de Cabo Ocidental, Gauteng e
KwaZulu-Natal.3 Dion (nome fictício) é um estudante homossexual em uma escola
do Cabo Ocidental. Em uma segunda-feira de manhã, Dion chegou à escola com
os cabelos tingidos de um tom forte de laranja, e circulou dizendo: “eu não tenho
mais medo. Eu sou o que sou e tenho orgulho disso”. Dion revelou-se. Seu cabelo
laranja simbolizava que ele não se desculpava por ser homossexual, o que aparece
explicitamente na transcrição da entrevista:
3. Este estudo foi realizado entre 1996 e 2000, e fazia parte de um estudo mais amplo (CARRIM, 2006).
158 Carrim
Dion faz referência aos direitos que ele curte e agora utiliza para afirmar sua
identidade e sua presença.
Assim, como de fato ocorre nesse caso, a África do Sul sustenta sua
subalternidade exterior argumentando que sua presença no Conselho de Segurança
da ONU e o fato de sediar a Copa do Mundo de Futebol são para o [bem do]
continente africano. No entanto, nessa assimilação à ordem política e econômica
global, o país expõe sua subalternidade interior, à medida que é aceito no sistema
como lo otoro, como complemento da totalidade controlada por eles.
No caso do reconhecimento da orientação sexual como um direito humano, a
aprovação da Lei da União Civil mostra características importantes de subalternidade
interior. Nos debates e discussões públicas sobre a aprovação da Lei da União Civil,
ficou claro que, embora a Constituição sul-africana reconheça a orientação sexual
como um direito humano, isso não implica necessariamente que os homossexuais
possam ser considerados casados. Ficou claro que o casamento continua enquadrado
de acordo com as concepções tradicionais de casamento como uma união
heterossexual entre um homem e uma mulher, apoiado em um reconhecimento
divino dessa união ordenada por Deus, o que inclui tanto as religiões dominantes
como os sistemas de crenças indígenas. Sendo assim, as parcerias entre pessoas do
Os direitos humanos e os limites na libertação das vozes subalternas 161
mesmo sexo podem ser consideradas uniões civis, mas não casamentos, o que
provocou grande descontentamento na comunidade homossexual na África do Sul
(“Exit”, outubro de 2006). Tal como no caso das sati observadas por Spivak, os
homossexuais só podem ser reconhecidos à medida que podem ser assimilados na
estrutura da modernidade, e tal estrutura continua sendo heterossexista. Nesse caso,
sua estrutura discursiva combina com o conhecimento indígena e as religiões
dominantes. Nesse sentido, embora gozem de um status considerável em termos
políticos, econômicos e sociais na África do Sul pós-apartheid e pós-colonial, os
homossexuais continuam subalternizados e, nos sistemas de conhecimento nativos
e tradicionais, não podem falar perante Deus; e só têm assegurado seu direito de
existir e falar, na hegemonia modernista, como lo otoro.
No entanto, essa situação é extremamente complexa. O governo sul-africano
argumenta que o desenvolvimento da modernidade na África do Sul e na África
em geral é uma condição necessária para desafiar de maneira eficaz a hegemonia
global. Sustenta também que sua presença dentro do sujeito do Ocidente é
necessária para conseguir colocar as vozes dos subalternos aos pés do poder, e
redefinir a ordem mundial. Nesse sentido, seria possível argumentar que tornar-se
lo otoro pode ser uma necessidade estratégica, e não necessariamente uma
assimilação dentro do Ocidente. Mas esses argumentos tendem a subestimar o
poder das forças que operam na economia política global, e partem do pressuposto
de que o simples fato de colocar o subalterno na agenda global permitiria
reconfigurar as matrizes do poder. É importante lembrar que, como explicou
Mignolo, citando Das, o subalterno não é uma categoria, mas uma perspectiva; e
que a perspectiva subalterna não procura entender essa ou aquela organização social
ou ação social em si mesmas, e sim entender suas relações contratuais sob as regras
coloniais e as “formas de dominação que pertencem às estruturas da modernidade”
(MIGNOLO, 2000, p. 188).
Não estou sugerindo aqui que o papel da África do Sul e sua presença na cena
mundial sejam insignificantes. Pelo contrário: assinalo que o retorno da África do
Sul à ordem mundial faz parte de um projeto modernista, e isso não significa
necessariamente que seja contra-hegemônico, ou que possibilitaria libertar as vozes
subalternas. Com certeza, sua inserção na ordem mundial limitará as possibilidades
para um outro pensamento, uma vez que as concepções modernas de razão e
racionalidade e de configurações do poder da economia política global subalterniza
o outro a fim de constituir a si mesmo. Em outras palavras, a África do Sul, em sua
forma pós-colonial e pós-apartheid, participa da ordem mundial; não reconfigura
essa ordem. Nesse sentido, as experiências de Dion e Tulani, ao afirmar seus direitos
na escola, têm um potencial contramoderno limitado. As afirmações de Dion e Tulani
do direito à orientação sexual são lo otoro, dentro da totalidade modernista, e marcam
sua subalternidade interior. Posicionados como subalternos, Tulani e Dion ainda não
podem falar, exatamente como as mulheres indianas na análise de Spivak sobre sati.
162 Carrim
Com base na complexidade das posições subalternas, este capítulo sugeriu que
a educação dos direitos humanos, e para os direitos humanos, precisa, em primeiro
lugar, abarcar a natureza jurídica do discurso dos direitos humanos; ao mesmo
tempo, deve apresentar o discurso dos direitos humanos como contestado e
contestável. Isso sugere que o ensino dos direitos humanos precisa permitir que
sejam explorados criticamente, em vez de transmiti-los como dogmas e verdades
incontestáveis. Por fim, o ensino dos direitos humanos deve levar em conta uma
exploração das suas articulações de subalternidade interior e subalternidade exterior,
destacando seus vínculos micrológicos e macrológicos com a ordem mundial e a
ordem nacional.
Isso sugere que as escolas cujo ensino está orientado para a construção da nação
– o que, sem dúvida, é importante para a coesão social – não podem tratar os
direitos humanos de modo estritamente nacionalista e paroquial. Como
demonstram os exemplos, as escolas precisam situar suas sociedades em ambientes
globais mais amplos.
Meu objetivo neste capítulo foi utilizar uma dupla crítica associada aos estudos
subalternos, a fim de entender a transição do apartheid para a democracia na África
do Sul. Para tanto, comecei por observar a implementação da democracia na África
do Sul pós-apartheid e pós-colonial, sob a perspectiva dos direitos humanos, e
destaquei os caminhos contraditórios por meio dos quais o discurso dos direitos
humanos possibilitou a resistência ao apartheid e continua a exercer efeitos positivos
sobre a vida dos jovens, neste caso, dos alunos homossexuais nas escolas. No
entanto, mostrei também que, mais do que celebrar as vitórias dos direitos
humanos, que pode ser a tendência de uma análise micrológica da África do Sul
pós-apartheid, é importante colocar a África do Sul no contexto de uma economia
política global. Neste período pós-apartheid e pós-colonial, a África do Sul é agora
um ator no palco da ordem mundial. Porém, em vez de reconfigurar a hegemonia
da ordem mundial, o país está inserido nessa ordem como ator importante e
significativo. Como argumentei, essa inserção é parte da consolidação da
modernidade que a África do Sul pós-apartheid representa. Entretanto, essa
representação não é necessariamente uma condição para a libertação das vozes
subalternas por meio de práticas educacionais e culturais, uma vez que põe limites
na autenticidade e nas possibilidades de sua expressão. Ao longo deste capítulo,
procurei demonstrar as contradições existentes no discurso dos direitos humanos
e no projeto de modernidade, tanto na resistência ao apartheid como na situação
pós-apartheid. Essas forças contraditórias constituem a modernidade da África do
Sul pós-colonial e, ao mesmo tempo, limitam seu potencial transformador. Apesar
de tudo, essas contradições são produtivas, não somente por serem fundamentais,
mas igualmente por trazerem à tona as tensões e os desafios existentes, a fim de
exercer o pensamento fronteiriço e contrapor-se à ordem hegemônica global e a
seus sistemas de conhecimento.
Os direitos humanos e os limites na libertação das vozes subalternas 163
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50
Elaine Unterhalter
165
166 Unterhalter
Necessidades básicas
Por volta do final da década de 1960, eram evidentes muitos problemas
associados com a percepção irregular sobre o otimismo da teoria da modernização.
Questões prementes incluíam a pobreza disseminada que as novas instituições
aparentemente não conseguiam superar. Alguns governos desumanos alegavam agir
em resposta à modernização. A exclusão de alguns, com base em raça, etnia ou
gênero, das instituições associadas ao crescimento econômico e à legitimidade
política colocaram em questão a eficiência da modernização. Na década de 1970,
um grupo muito influente de economistas do desenvolvimento criticou as hipóteses
da modernização de que a pobreza seria erradicada por meio de crescimento
econômico, expansão do emprego, rendimentos mais altos e efeitos da redução
gradual de impostos do capitalismo bem-sucedido (STREETEN, 1981;
STEWART, 1985). A abordagem de necessidades básicas à política social enfatizava
170 Unterhalter
que resultados particulares ou seres humanos não deveriam ser focalizados como
um meio para objetivos sociais, econômicos ou políticos. Teóricos das necessidades
básicas destacaram a importância de considerar aqueles que não poderiam ser
incorporados a projetos bem-sucedidos de modernização, aqueles que nunca seriam
economicamente produtivos e aqueles que nunca contribuiriam para o crescimento
econômico. Alguns indivíduos talvez tivessem preferências importantes que não
poderiam ser atendidas nos mesmos moldes de outras pessoas: os idosos, os muito
jovens, pessoas com deficiência ou aquelas que foram excluídas da participação
política ou econômica devido a formas historicamente localizadas de discriminação
baseada em gênero, raça ou etnia. Wiggins colocou de maneira explícita a existência
de uma base normativa para a necessidade. Em seu argumento, afirmava que a
importância das necessidades residia no fato de expressarem aspectos de uma
condição para a prosperidade humana. O fracasso em garantir determinado nível
de prosperidade humana – o atendimento às necessidades básicas – seria prejudicial
(WIGGINS, 1988). Uma das contribuições importantes do trabalho sobre
necessidades foi a visibilidade filosófica, política e econômica conferida às ideias
sobre cuidados e preocupações, que a teoria da modernização havia transferido para
a esfera privada da família, além do limite e dos recursos da política do governo
(READER, 2006).
De acordo com o trabalho de Frances Stewart, o provimento da educação e de
saúde está intimamente conectado com um provimento mínimo de boas condições
de vida, limite abaixo do qual o resultado seria danoso (STEWART, 1985).
Portanto, a ideia de educação associada à abordagem de necessidades básicas
mostrava que a educação até um determinado nível era crucial para garantir a
prosperidade humana, ainda que a disposição do indivíduo não fosse orientada
para o moderno, ou que as instituições associadas com educação não funcionassem
de acordo com ideias sobre governança, democracia ou eficiência. Uma segunda
ideia implícita era a de que as necessidades básicas em educação não poderiam ser
consideradas independentemente de condições de saúde, moradia, segurança
alimentar e outros aspectos do bem-estar do indivíduo. As múltiplas dimensões
das necessidades e a implicação de que poderiam ser atendidas por uma série de
pessoas ou de instituições (READER, 2006) indicavam que os objetivos da
educação não seriam efetivados apenas nas escolas, mas que era importante tratar
do atendimento às necessidades básicas em educação em conexão com todas as
demais necessidades básicas (STEWART, 1985).
A força da abordagem de necessidades básicas reside na ideia de limites e
interconexões com outras áreas de políticas sociais. No entanto, com relação à
especificação de características particulares da educação, esse direcionamento
evidente apresenta inúmeros problemas. As necessidades básicas aplicadas à
educação passaram a ser interpretadas de duas formas, uma frágil, outra consistente.
Em sua forma frágil, as necessidades básicas de educação passaram a ser
Justiça social, teoria do desenvolvimento e a questão educacional 171
o meio ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais, políticos e religiosos que difiram dos
seus, assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos humanos comumente aceitos,
bem como de trabalhar pela paz e pela solidariedade internacionais em um mundo
interdependente (UNESCO, 1990).
Essa ênfase na alta taxa de retorno para o ensino primário visou orientar uma
geração de planejadores do Banco Mundial, e em outras instituições nacionais e
internacionais, para que focalizassem esse nível educacional. Houve um debate
Justiça social, teoria do desenvolvimento e a questão educacional 175
geraram uma preocupação para estabelecer instituições eficientes para prover uma
educação adequadamente articulada com a economia. Os métodos de pesquisa
associados com a abordagem tenderam a ser pesquisas em larga escala, que
observavam o nível da taxa de retorno e consideravam de que forma insumos
escolares estavam relacionados com resultados. Embora inúmeros estudos
qualitativos tenham sido realizados para compreender por que algumas famílias ou
grupos étnicos ou sociais específicos não recorreram à escolarização com atenção
particular à exclusão de gênero (HERZ; SPERLING, 2004), os dados não foram
utilizados para considerar aspectos mais amplos da necessidade ou da discriminação.
A noção era de que obstáculos ao aumento da taxa de retorno da educação estavam
localizados nas famílias, nas comunidades e em instituições governamentais
ineficazes. A referência da ação global era, portanto, ajudar governos a remover
essas barreiras e aumentar o crescimento para que os mais pobres – como resultado
de mudanças a partir do topo – pudessem por fim ser beneficiados.
Desenvolvimento e subdesenvolvimento
Críticas marxistas às teorias do desenvolvimento baseadas no crescimento
remontam ao século XIX. No entanto, a partir da década de 1960, tomaram formato
específico ao considerar de que maneira desenvolvimento e subdesenvolvimento
poderiam estar articulados, e como a persistência da pobreza não foi um equívoco,
mas uma dimensão fundamental do capitalismo que exigia uma imensa reserva de
mão de obra, pouco instruída e empobrecida, a fim de reduzir os salários dos
trabalhadores e conseguir aliados em meio a um segmento qualificado e relativamente
pequeno da classe trabalhadora (WOLPE, 1980; LEYS, 1996). Em sua famosa obra
“How Europe underdeveloped Africa”, Walter Rodney (1973) argumentou que o
comércio escravo e outras intervenções na economia política africana, que remontam
ao século XV, resultaram em exploração e formas de dominação. Em sua obra
“Education as cultural imperialism”, Martin Carnoy (1971) ampliou essa análise
observando as formas como o sistema escolar aliou-se à repressão.
O pressuposto na visão marxista de educação e desenvolvimento afirmava que
as escolas reproduziam relações capitalistas ou imperialistas. Portanto, em uma
economia política marcada pela exploração e pela articulação de modos de
produção capitalistas e não capitalistas, as escolas formariam ideias sobre a
colocação da criança de acordo com classe ou gênero. Dentro dessa estrutura, nas
pesquisas realizadas na África do Sul – um país onde convivem desenvolvimento e
subdesenvolvimento –, a questão racial geralmente foi considerada equivalente à
questão de classes, e as formas como o sistema escolar reproduziu a estrutura
ocupacional baseada em raças foi um tema importante (KALLAWAY, 1984;
NKOMO, 1990).
O desafio às críticas marxistas do desenvolvimento foi saber de que maneira a
educação poderia ser transformadora. Paulo Freire (1968, 1970) desenvolveu a noção
178 Unterhalter
Pós-modernismo e pós-colonialismo
A partir da década de 1980, com base em trabalhos como o estudo de Edward
Said sobre relações coloniais em “Orientalism” (1978) e o trabalho de Michel
Foucault sobre discurso (1969, 1977), o pós-modernismo e o pós-estruturalismo
passaram a apresentar um desafio paradigmático muito claro para as ideias sobre
educação, sociedade, desenvolvimento internacional e justiça social de décadas
anteriores. Essas influências uniram-se na teoria pós-colonial, que exerceu sua maior
influência em debates sobre artes e literatura, mas levantou inúmeras questões
importantes para a educação (LOOMBA, 1998).
Apesar de suas diferentes ênfases, todas as abordagens anteriores trabalharam
com aspirações semelhantes para ampliar a distribuição da educação. Há distinções
entre aquelas mais alertas a relações sociais mais amplas relativas a poder,
desigualdade e necessidades além da educação (necessidades básicas e
subdesenvolvimento) e aquelas que mostravam maior confiança nas conexões entre
educação e crescimento econômico (modernização e teoria do capital humano),
diminuindo a importância das dimensões estruturais da injustiça. O desafio da
teorização pós-colonial apresentado foi considerar de que forma o próprio
paradigma da educação e do desenvolvimento internacional levava consigo
pressupostos sobre a superioridade do Ocidente e a interpretação dos povos do
terceiro mundo como outros. Assim sendo, foi posicionada uma oposição binária
entre “o Ocidente” e o resto, Estados coloniais e pós-coloniais, ou discurso
dominante sobre educação adequada e as múltiplas experiências dos povos
colonizados. Observou-se que estes últimos foram sempre retratados de forma
deficitária em relação às formas dominantes de conhecimento, homogeneizado por
identidades específicas – como “mulher do terceiro mundo” – e silenciado pelos
idiomas do poder em relação a debates de políticas (MOHANTY, 1979;
BHABHA, 1984; SPIVAK, 1988). Na teorização pós-colonial, foi particularmente
notável a multiplicidade de identidades construídas, reconstruídas, hibridizadas e
confrontadas em diferentes contextos. A tarefa política foi considerar que idiomas
e discursos dominantes pudessem ser o único veículo disponível para que
subalternos contestassem as identidades de subordinação a eles conferidas, ainda
que o idioma apagasse essas próprias identidades (SPIVAK, 1999). Porém, a
180 Unterhalter
capacidade de ver coisas, como se fosse uma dupla exposição, constituía uma
preocupação básica (MINH HÁ, 1989). Assim sendo, o passado colonial estava
sempre no tempo presente da reforma educacional, e todas as atividades
apresentavam múltiplas repercussões.
A noção de que toda ação pode ser compreendida apenas através do discurso
e de que as relações sociais básicas a serem analisadas são formas de linguagem e
representação estava adjacente a essa mudança de paradigma. Desse modo, a noção
de indivíduo associada a essa abordagem registra identidades fragmentadas, e
considera práticas humanas de criar e utilizar a linguagem, enfatizando que este
não é um ato simples de interferência, mas que confere à ação formações eficientes
de sistemas linguísticos já criados, estruturados por formatos de palavras e nexo de
ideias relacionados, por exemplo, a raça, gênero ou racionalidade.
Uma vez que o foco residia em uma crítica de discursos e identidades, houve
pouca preocupação, no início, com o conteúdo que era ensinado na escola ou com
os resultados da educação. O trabalho inicial dentro dessa estrutura identificou
discursos de políticas e mudanças discursivas. Assim, por exemplo, o processo por
meio do qual foram difundidas na África do Sul ideias sobre unificação de educação
e treinamento em uma única Estrutura Nacional de Qualificação foi explorado
utilizando uma variedade de métodos diferentes da análise de discurso (LUGG,
2007). Na Índia, foram observadas figuras de linguagem envolvidas em ideias sobre
um novo currículo endógeno (KAMAT, 2004). No entanto, trabalhos posteriores
realizados dentro de uma estrutura pós-colonial começaram a observar nas salas de
aula formas de negociação e resistência a discursos dominantes, observando de
perto a formação da identidade de crianças e professores e as formas discursivas
(HICKLING-HUDSON, 2003). É possível constatar que a ênfase sobre discurso
e processos demonstrou que pouca atenção foi dada a questões de gestão ou de
distribuição.
Ao invés da preocupação com abordagens institucionais e distributivas em
relação à justiça, que caracterizam as estruturas acima mencionadas, a teorização
pós-colonial levanta a questão da justiça em termos de reconhecimento. A
abordagem descreve o problema da seguinte maneira: como valorizar identidades
subordinadas, múltiplas e mutáveis e, isso posto, de que forma as condições de
justiça devem ser estabelecidas (FRASER, 1997; SPIVAK, 1999).
Não sendo mais considerados basicamente uma questão de distribuição, esses
pressupostos sobre o indivíduo – discursivamente determinado com identidades
mutáveis – e sobre justiça geraram uma profunda mudança em metodologias. A
desconstrução e a análise do discurso e da identidade na educação tornaram-se uma
preocupação importante. Foram utilizados métodos emprestados de estudos de
críticas literárias, linguística social, história e cultura. Como consequência, foram
geradas compreensões mais estruturadas dos processos de formulação de políticas,
negociação de identidades e experiências de subordinação. O alcance daquilo que
Justiça social, teoria do desenvolvimento e a questão educacional 181
Conclusão
Este capítulo delimitou-se a explorar as formas pelas quais a educação foi
colocada em relação a diferentes teorias do desenvolvimento e as implicações de
ideias associadas sobre justiça social para as pesquisas realizadas. A discussão revelou
de que forma a educação foi vinculada, por diferentes teorias de desenvolvimento
com dispositivos ou resultados específicos (modernização e teoria do capital
humano), a problemas de exploração imperialista e posicionamento dos povos do
terceiro mundo como o “outro” subordinado (teoria pós-colonial e de
subdesenvolvimento), e ao potencial para realizar mudanças que atendam às
necessidades dos mais pobres, facilitem a reflexão crítica e ampliem oportunidades
para demandar e viver uma vida valorizada (abordagem de necessidades básicas,
subdesenvolvimento e de capacidades). As abordagens principais (modernização e
capital humano) colocam a justiça principalmente ao alcance de indivíduos ou
instituições. Relatos críticos destacam as dimensões sociais da justiça, sejam processos
de liberalismo político, demandas por redistribuição rigorosa ou preocupações com
reconhecimento. Embora o enfoque de necessidades básicas e o de desenvolvimento
humano e capacidades tenham presença significativa em documentos de políticas
de instituições como as Nações Unidas e programas resultantes, as ideias sobre justiça
associadas com as duas abordagens são frequentemente ignoradas. Os pressupostos
educacionais da teoria do capital humano e da modernização continuam a controlar
o respeito e a difundir a compreensão de métodos de pesquisa que utilizam para tal
fim. O desafio é transformar aspirações de justiça social contidos em muitos
documentos globais referentes a EPT em políticas que expressem suas ideias
fundamentais e desenvolvam agendas rigorosas de pesquisas para sustentar a ação
global sobre pobreza e educação.
Justiça social, teoria do desenvolvimento e a questão educacional 185
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SEÇÃO 6
Andreas M. Kazamias
193
194 Kazamias
1. NT: Na Inglaterra, public school não denota escola estatal, e sim uma escola privada de elite, acessível
somente para os situados na extremidade superior da hierarquia social e econômica.
O conhecimento educacional 197
2. NT: Relatório do “Comitê dos Dez”, chefiado pelo Reitor da Universidade de Harvard, Charles W. Eliot,
com recomendações para a reforma nacional do currículo da escola secundária, visando ao treinamento e à
disciplina da mente por meio de estudos acadêmicos – uma recomendação que perdeu força como modelo
nos anos seguintes.
198 Kazamias
Conclusão
Recentemente, Michael Young, renomado sociólogo do currículo e crítico das
tendências educacionais contemporâneas na medida em que afetam o conhecimento
educacional e o currículo, argumentou enfaticamentou sobre a necessidade de “trazer
o conhecimento de volta para a educação” e de que uma sociedade do futuro
“incorporasse uma economia orientada para o conhecimento, ao invés de um sistema
educacional orientado pela economia” (1998, 2008). Em outro capítulo desta
publicação, intitulado “Agamenon contra Prometeu: globalização, sociedades do
conhecimento/aprendizagem e paideia na nova cosmópole”, no qual examino
criticamente as consequências negativas da globalização sobre a educação, argumento
pela recuperação do encantamento da “paideia humanística” no sentido amplo do
termo, que identifico como “humanismo prometeico”, que incluiria “todas as artes
humanas, teóricas e práticas”.
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52
Denis Lawton
205
206 Lawton
1. NRTT: A City é uma pequena área no centro de Londres. É um dos maiores centros financeiros do mundo,
junto com Nova York. É normalmente denominada The City (a Cidade) ou The Square Mile (a Milha
Quadrada), termos usados como metonímia para a indústria dos serviços financeiros no Reino Unido.
2. NRTT: A Autoridade Educacional Local (Local Educational Authority, também referida como LEA),
pertecente à Autoridade Local, é o órgão governamental local responsável pela educação na sua jurisdição.
Atualmente existem 152 Autoridades Educacionais Locais na Inglaterra, 33 das quais estão em Londres. As
Autoridades Locais (equivalentes a prefeituras) são responsáveis, nas diferentes regiões da Inglaterra, pelos
serviços públicos referentes a educação, habitação, planejamento, dentre outros.
3. NT: Conselho de Educação.
Qual conhecimento é mais relevante? 207
4. NT: A Lei de Educacão, de 1944, também chamada Lei Butler, reformulou o sistema de escolas secundárias
na Inglaterra e no País de Gales. A Lei introduziu o chamado sistema tripartido, e tornou a educação gratuita
e compulsória para todos até os 15 anos (até 16, a partir de 1947). O sistema tripartido consistia em três
tipos de escolas secundárias, destinadas a alunos segundo seu desempenho em um exame realizado aos 11
anos de idade (equivalente ao ciclo inicial de nosso ensino fundamental). Os alunos com melhor desempenho
iam para escolas acadêmicas (Grammar Schools): os alunos com desempenho médio iam para escolas técnicas
(Technical Schools); e aqueles com desempenho mais baixo nos exames iam para escolas secundárias modernas
(Secondary Modern Schools), onde aprendiam algumas habilidades práticas simples (marcenaria, culinária)
que lhes permitissem acesso a empregos em fábricas ou em serviços de rotina. Essas escolas não preparavam
os alunos para os O Levels (Níveis Ordinários – exame equivalente à conclusão do ciclo final do nosso ensino
fundamental); este, por sua vez, permitia o acesso aos valorizados A Levels (Níveis Avançados – exames
equivalentes à conclusão do nosso ensino médio), e com isso à universidade. Esse sistema só veio a ser
substituído pelo sistema integrado (Comprehensive System) na década de 1960.
208 Lawton
dos sistemas culturais como um lado de uma matriz, sendo o outro eixo as
disciplinas existentes na escola. A interseção dos dois eixos ofereceria uma maneira
de analisar onde estavam presentes lacunas de conhecimento que deveriam ser
preenchidas. Essa matriz não ofereceria uma resposta completa à nossa questão,
mas indicaria o primeiro estágio de uma análise cultural do processo de
planejamento curricular.
Não está claro se Baker sabia da existência desse modelo de currículo sugerido
pelos HMI, ou do importante trabalho experimental realizado por algumas escolas
secundárias sob a supervisão de seus Inspetores, ou se ele foi aconselhado a ignorar
essas inovações. De qualquer forma, o que aconteceu foi que seu currículo nacional
de 1988 baseou-se apenas em uma lista de disciplinas escolares convencionais, tão
semelhantes à Regulamentação da Escola Secundária de 1904, sendo que muitos
analistas examinaram ambas, colocando-as lado a lado; a conclusão óbvia que
extraíram dessa comparação foi que o currículo nacional de Baker estava de fato
voltado para o passado.
1904 1988
Inglês Inglês
Matemática Matemática
Ciências Ciências
História História
Geografia Geografia
Idioma estrangeiro Idioma estrangeiro moderno
Desenho Artes
Exercício físico Educação física
Trabalhos manuais/domésticos Tecnologia
Música
vez que o lema de Blair era “educação, educação e educação”, seria de esperar que,
como parte de uma nova perspectiva, fosse realizada uma revisão do conteúdo
curricular. Isso não ocorreu. Nas políticas educacionais, como em muitos outros
aspectos, Blair se satisfez em dar continuidade às medidas de Thatcher, embora,
segundo esperava, buscando maior eficiência e, algumas vezes, mais dinheiro.
Houve uma exceção a essa regra geral: a questão da educação dos jovens para a
democracia – uma nova disciplina, educação para a cidadania, que deveria ter alto
status, por ser obrigatória para todos nas escolas secundárias, e receber algum trabalho
preparatório nas escolas primárias. Isso mostrava que alguém no governo considerava
que esse conhecimento seria consideravelmente relevante, o que deve ter recebido
apoio de outros membros do Partido Trabalhista e de alguns outros partidos.
No decorrer do século XX, diversos esforços foram empreendidos no sentido de
incluir cidadania ou educação política no currículo escolar. Um dos problemas era
que, mesmo para aqueles que consideravam relevante esse tipo de conhecimento
envolvia, ou poderia envolver, um grau de perigo: “alto risco – baixo retorno”. Um
eterno defensor do ensino de política nas escolas foi um professor catedrático de
Política da Universidade de Londres, Bernard Crick, que havia trabalhado de várias
maneiras na promoção da ideia de um ensino sério de cidadania no currículo da escola
secundária. Política tinha sido uma disciplina optativa para os exames finais aos 16 e
aos 18 anos, mas Crick desejava que se tornasse obrigatória para todos. A história de
suas tentativas para persuadir educadores e políticos ao longo de um período de cerca
de 30 anos de que esse conhecimento não era apenas relevante, mas vital para a
democracia é muito interessante, mas não pode ser contada em detalhes aqui. Crick
envolvera-se em diversos projetos, particularmente um apoiado pela respeitável
Hansard Society, que publicou ideias sobre letramento político nas escolas na década
de 1970. Durante a era Thatcher, nada resultou de qualquer dessas iniciativas, apesar
do apoio tácito de Kenneth Baker; foi somente com a mudança de governo, em 1997,
que um projeto sério tornou-se política oficial. Um dos mais ardorosos defensores de
Blair foi David Blunkett, que se tornou ministro da Educação em 1997. Muito antes,
Blunkett tinha sido aluno de Crick, cujas ideias o impressionaram. Convenceu Blair
a indicar Crick como Presidente de um comitê ao qual foi atribuída a tarefa de fazer
recomendações sobre a educação para a cidadania. As propostas foram extensamente
discutidas durante um período de consultas, e ao final foram aprovadas em lei, como
parte do currículo nacional no novo milênio. O apoio foi unânime entre os partidos.
O motivo que levou a educação política a tornar-se relevante no final do século
XX na Inglaterra foi o fato de políticos e educadores estarem preocupados com a
extrema ignorância dos jovens a respeito desse aspecto de sua própria sociedade;
em segundo lugar, o fato de políticos, em especial, estarem preocupados com a
baixa porcentagem de eleitores jovens votando nas eleições gerais e locais –
principalmente no grupo etário de 18 a 30 anos; pensava-se que isso se devia a
ignorância e apatia, e não a sofisticação política.
214 Lawton
Resumo e conclusões
É evidente que a questão ressaltada no título deste capítulo não pode esperar
uma resposta absoluta, seja em termos de espaço ou de tempo. As prioridades
mudarão de tempos em tempos e de lugar para lugar, de acordo com as pressões
Qual conhecimento é mais relevante? 215
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53
Thyge Winther-Jensen
217
218 Winther-Jensen
outro – o rei –, e o novo senhor era tão severo quanto o anterior. Embora o
ensinamento cristão medieval sobre igualdade e a demanda renascentista por
liberdade individual tivessem preparado o terreno para um conceito diferente sobre
o que era ser humano, seria preciso recuar até tempos pré-medievais, até os
imperadores romanos, para encontrar uma concentração de poder comparável.
Em todos os lugares, o monarca e as classes privilegiadas exerciam uma regulação
estrita da sociedade, e em todos os lugares, a Igreja, de forma mais ou menos
relutante, abençoava reis e príncipes absolutos. A aliança entre as autoridades
seculares e clericais parecia ser uma fortaleza invencível que, por um lado, garantia
a segurança da sociedade, mas por outro, a agrilhoava (BARTH, 1925).
No entanto as ideias que no longo prazo viriam a contribuir para a ruptura
dessa fortaleza já estavam esboçadas há muito tempo sob o termo unificador “o
princípio da natureza”. A parte final do século XVIII caracteriza-se pelo fato de
que esse princípio era amplamente empregado nos campos do pensamento e da
sociedade. O princípio viria a ser um recurso importante na luta por um espaço
mais liberal para o indivíduo e para a sociedade.
O princípio da natureza
Subjacente ao princípio da natureza estava um conjunto de ideias com a meta
recíproca de criar uma nova base para o pensamento e a cognição humanos. No
lugar da luz da revelação como alicerce da cognição deveria estar a luz da natureza,
isto é, a razão. Natural era tudo que restava quando haviam sido descartadas as
partes que não podiam suportar um exame mais detalhado da experiência e da
razão humanas.
O início se deu com o desenvolvimento da chamada religião natural. Com a
redescoberta dos filósofos antigos no Renascimento, revelou-se que muitas das
verdades que até então só nos tinham sido reveladas por meio de Cristo e dos
Evangelhos também podiam ser encontradas nos filósofos antigos. Em Platão, e mais
tarde nos estoicos, já estava ativo o conceito de um único deus. Na obra do filósofo
romano Sêneca era descrito vividamente o conceito de alma imortal.1 E a ideia de
Juízo Final podia ser encontrada na “República” de Platão (PLATO,1997, livro X).
Com a religião natural, os pensadores do século XVIII acreditavam ter criado
uma religião que não só poderia ajudar a reformar a Igreja existente, mas também
uniria as diversas ramificações da fé cristã.
No entanto o princípio da natureza também se tornou ativo e poderoso em
outros campos da vida intelectual. A denominação e o conceito de lei natural já
eram conhecidos no conceito clássico de direito natural – por exemplo, com os
estoicos, entre outros. O princípio considerava a razão humana como parte da
razão universal divina. O direito natural, portanto, não era o direito dos fortes,
inabalável na razão como sua ferramenta-chave. Essa foi a ferramenta que Platão
quis elevar a uma posição suprema na vida da comunidade e do indivíduo.
A visão cristã
O conceito clássico do humano foi levado adiante pelos estoicos, mas, com a
emergência do Cristianismo, encontrou a oposição de um conceito novo e poderoso
que acrescentava novas dimensões. O conceito cristão foi expresso particularmente
na obra de Santo Agostinho (354-430), professor de retórica e admirador de Platão.
Como pensador cristão, Santo Agostinho criticava a filosofia antiga por sua fé otimista
na razão como princípio governante das questões humanas. Com Santo Agostinho,
o conceito bíblico de razão humana foi introduzido na cultura ocidental. Segundo
Santo Agostinho, o conceito clássico de razão não pode ser mantido. Só a graça divina
pode salvar. Desde a Queda, o pecado tornou-se o traço principal do Homem. De
acordo com Cassirer: “aqui (isto é, em Santo Agostinho) chegamos a uma inversão
total de todos os valores sustentados pela filosofia grega. O que em determinado
momento pareceu ser o maior privilégio do Homem revela-se como perigo e tentação;
o que parecia ser seu orgulho torna-se sua mais profunda humilhação” (CASSIRER,
1963, p. 10). O encontro entre os conceitos clássico e cristão pode ser retraçado até
o século XVII. Comenius, por exemplo, estava em dívida com a filosofia grega, apesar
de sua perspectiva cristã. Mas de uma forma menos dogmática, ele colocava a
educação e o Iluminismo como um meio criado pelo Homem para devolver à razão
sua natureza pura original (WINTHER-JENSEN, 2004). Ainda que jamais
negligenciasse a ênfase na importância da Revelação para a salvação da razão, com
seu ideal de educação universal – ensinar tudo a todos –, Comenius tornou-se um
exemplo cristão do que os meios terrenos podem fazer, por si sós, para salvar a razão,
a respeito do que Agostinho tinha tanta suspeita.
A visão racionalista
Com o Renascimento, teve início um novo conflito entre o conceito cristão e
o conceito secular de razão humana. O novo conceito decorria primariamente da
chamada nova ciência anunciada por Francis Bacon (1561-1626) em “Novum
Organum” (1620), e desenvolvida a partir daí no fértil clima espiritual durante e
após o Renascimento.
Foi crucial para esse novo conceito a descoberta do sistema heliocêntrico por
Nicolaus Copernicus (1473-1543), que desencadeou uma nova crise da razão
humana. O conceito básico até então de que o Homem era o centro do universo
foi subitamente destroçado. O Homem passou a ser situado no espaço infinito.
Abruptamente, a razão humana reduziu o Homem a um ponto infinitesimal em
um universo infinito (LANDMANN, 1964).
O retrato copernicano do universo implicava o destronamento da razão
humana, que já não estava mais situada em segundo lugar, apenas abaixo de Deus,
222 Winther-Jensen
3. NT: Em latim no original. Expressão muito difundida, significa literalmente “quadro” (ou lousa) em branco,
ou visão de que o ser humano nasce “vazio”, e sua mente será preenchida (construída) pela experiência.
Iluminismo e religão, conhecimento e pedagogias na Europa 223
Exercite seu corpo, seus membros, seus sentidos, sua força, mas mantenha sua mente desocupada
por tanto tempo quanto possível. Desconfie de todas as opiniões que surjam antes da capacidade
de julgar a diferença entre elas. Restrinja e afaste impressões estranhas; e para evitar o nascimento
do mal, não tenha pressa em fazer o bem, porque a bondade só é possível quando é iluminada
pela razão (ROUSSEAU, 1996, v. 4, livro 2).
Estado e Igreja
No Iluminismo europeu, encontra-se pela primeira vez na história um conceito
de Estado que não se baseia em uma ideologia religiosa, mas que concebe o Estado
como um arranjo puramente secular, sem sanções ou autoridade divinas. Porém,
foi longo o caminho rumo a esse conceito.
Em 311, o imperador romano abriu mão de sua luta contra os cristãos e, no
ano seguinte, Constantino, o Grande, conseguiu nomear-se imperador. Dessa
forma, em 380, o governo veio a oferecer proteção oficial a todos os que seguiam
o credo do apóstolo Pedro, ou seja, de Roma, e a denunciar como heréticos os
adeptos de outros credos. A partir desse momento, pode-se falar de uma Igreja
cristã estatal – embora não no sentido moderno (LINDHART, 1961). O
argumento teórico foi oferecido por Agostinho: o Estado de Deus veio reinar sobre
a Terra, e o fez por meio de dois regimes: o Estado como governante da vida terrena,
e a Igreja como governante do divino. Os dois eram iguais, mas seus campos eram
diferentes (AUGUSTINUS, 1972).
No mundo oriental bizantino, essa transição ocorreu com relativa facilidade.
Estado e Igreja fundiram-se completamente. No Ocidente parecia ser diferente,
uma vez que, na prática, revelou-se difícil definir os limites entre os dois regimes.
A Idade Média caracterizou-se, consequentemente, por conflitos graves entre Igreja
e Estado, resultando que a vitória papal na Idade Média transformou-se em derrota
quando os Estados nacionais passaram a existir e, por meio dos movimentos de
reforma, levaram à ruptura da unidade da Igreja medieval.
Depois da Reforma, os Estados consolidaram-se com suas Igrejas estatais. Nos
países católicos, a Igreja romana manteve sua influência e continuou a ser a religião
do Estado. No entanto, no Norte da Europa, os vários Estados nacionais aliaram-
se a três tipos principais de Igrejas reformistas – a luterana, a calvinista ou a
anglicana –, e em 1555, em Augsburgo, na Alemanha, o sistema territorial foi
Iluminismo e religão, conhecimento e pedagogias na Europa 227
oficializado, o que, na prática, tornou-o válido em toda a Europa. Cujus regio, ejus
religio, isto é, o poder político decide a religião do país (BERGMAN, 1972, v. 2,
p. 48). Isso estava em sintonia com a tendência da época ao Absolutismo, e a Igreja,
sob todas as suas formas, considerou como sua tarefa natural estabelecer uma razão
dogmática e bíblica para o direito divino do Absolutismo.
No entanto, uma Igreja estatal frequentemente implica coerção. Aqueles cujas
crenças não coincidiam com as dos que estavam no poder tiveram que fugir, e na
América havia lugar para todos. Ali se reuniram então todos os que tinham sido
perseguidos em seus países natais, e quando os estados norte-americanos livres
romperam seus laços com a Europa e criaram sua própria constituição – escrita por
pessoas que tinham sofrido experiências penosas de intolerância religiosa –, esta
foi construída com a pré-condição de que Estado e Igreja deveriam ser
independentes, e de que a liberdade religiosa era um direito humano e um princípio
da sociedade (LINDHARDT, 1961).
Essa proclamação dos direitos humanos rapidamente refletiu-se de volta na
Europa. Para os democratas franceses, o verdadeiro inimigo era a aliança entre
o poder real e o Papado; o Estado tinha apenas seus interesses políticos; se devia
haver uma Igreja, esta deveria assumir a forma de uma associação de pessoas
com ideias religiosas afins. Em consequência disso, o programa da Igreja na
democracia moderna foi claramente expresso em duas frases: “religião é uma
questão pessoal e, portanto, o Estado e a Igreja precisam ser separados”
(LINDHARDT, 1961, p. 46).
O novo programa necessariamente teve consequências no campo da educação.
A partir da era do Iluminismo, o desenvolvimento se deu em direção a uma
separação ainda maior entre escola e Igreja, embora com velocidades diferentes em
cada país, e mais lentamente do que se pensaria de imediato. A separação mais
radical ocorreu na França, com as leis Jules Ferry (1879). Igreja e Estado tinham
opiniões divergentes a esse respeito, mas a nova escola era uma escola inteiramente
estatal (princípio da laicidade). Para enfatizar essa condição, a instrução religiosa
foi abolida nas escolas públicas: deveria ser um assunto limitado às famílias e às
Igrejas. No entanto, houve tanta acomodação que um dia da semana foi liberado
para instrução religiosa fora das escolas. Além disso, as escolas privadas,
principalmente as católicas, tinham permissão para oferecer educação religiosa. As
regras ainda são válidas atualmente, e ainda provocam atritos.
Em contraste, segundo a lei de 1944, a Inglaterra manteve a educação religiosa
nas escolas como única disciplina obrigatória. As escolas escandinavas também
mantiveram a instrução religiosa, mas a supervisão clerical foi abolida na primeira
metade do século XX (na Dinamarca, desde meados da década de 1930, quando
o vigário deixou de ser presidente ex-officio do comitê educacional).
Na medida em que o princípio da separação entre Igreja e Estado foi levado à
frente, o problema começou a surgir sob novos disfarces em outros lugares. Os
228 Winther-Jensen
Estados Unidos podem servir de exemplo. Embora não haja nenhum contato entre
Igreja e Estado do ponto de vista formal, na prática o contato continua a ser
bastante disseminado. O Estado abre suas festividades com cerimônias religiosas,
e seus representantes precisam ser muito cautelosos para não se expressar de forma
que possam ofender uma ou mais comunidades religiosas. Mais de 300
comunidades religiosas estão presentes nas numerosas instituições educacionais
clericais privadas (LINDHARDT, 1961, p. 49). A complexidade da questão Igreja-
Estado nos Estados Unidos vem-se manifestando desde o estabelecimento de um
sistema gratuito e universal de educação pública no século XIX, e foi especialmente
perceptível na segunda metade do século XX. A questão central foi o significado
das proibições estabelecidas na Primeira Emenda da Constituição (First
Amendment), a chamada Establishment Clause, onde se lê: “[o] Congresso não
elaborará lei alguma relativa ao estabelecimento da religião, ou que proíba a livre
prática da mesma”. Com o estabelecimento, no século XIX, de um sistema
educacional público e financiado pelo Estado – um sistema que serviria a todas as
classes e aos diversos grupos religiosos –, a educação tornou-se um foco de
controvérsias quanto à constitucionalidade de (a) auxílio estatal para escolas
religiosas, e (b) instrução e outras práticas religiosas nas escolas públicas.
Quanto à primeira questão, a Suprema Corte, que julga esses aspectos da
educação quando os problemas lhe são apresentados, decidiu que o provimento
gratuito de livros escolares e de refeições; de serviços auxiliares, tais como transporte
público; e de benefícios de bem-estar social, tais como serviços médicos e
odontológicos para crianças que frequentavam escolas não públicas não violava a
Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que, nas palavras de
Jefferson, estabeleciam um muro de separação entre Igreja e Estado. Segundo as
cortes, esses benefícios não implicavam apoio público a escolas religiosas; com base
na teoria do bem-estar da criança, o apoio era oferecido àquelas crianças que
frequentavam essas escolas (KLIEBARD, 1968, p. 313).
A segunda questão – ou seja, a educação religiosa e outras práticas religiosas nas
escolas públicas estatais – assumiu diversas formas e continua problemática. Os
casos apresentados a seguir, analisados pela Suprema Corte e que envolveram a
constitucionalidade da instrução e de outras práticas religiosas nas escolas públicas,
ilustram a complexidade desse problema.
a) No estado de Illinois (McCollum versus Board of Education, 1948), a ministração
de aulas de religião no território da escola, ainda que por grupos não sectários,
foi considerada inconstitucional (KLIEBARD, 1968, p. 313).
b) Em um caso muito comentado de “orações na escola” no estado de Nova York,
a Suprema Corte decidiu que a recitação diária de uma oração não sectária no
sistema de escolas públicas do estado era inconstitucional. A oração dizia: “Deus
Todo Poderoso, reconhecemos nossa dependência de Vós e Vos pedimos Vossas
bênçãos para nós, nossos pais, nossos professores e nosso país”.
Iluminismo e religão, conhecimento e pedagogias na Europa 229
Conclusão
As ideias e os pensamentos característicos da era do Iluminismo resultam de
desenvolvimentos que vêm de longa data. Existe hoje um interesse crescente gerado
pelo fato de que surgiram novas posições a respeito de uma série de questões
fundamentais e de importância primordial que herdamos a respeito do Homem,
da natureza, da sociedade e da educação, e que, em grande parte, ainda governam
a maneira pela qual organizamos nossa vida atualmente. Alguns sugeririam até
mesmo que ainda vivemos na era do Iluminismo. Um aspecto foi o reconhecimento
das consequências das conquistas científicas e da nova posição do Homem, em um
mundo mantido em equilíbrio por leis matemáticas. Ainda que continue
inabalável, a fé na razão humana recebeu uma nova interpretação. Não é mais
considerada apenas como uma capacidade inata dos seres humanos, mas também
algo que, em grande parte, é construído de forma gradual por meio de nossos
sentidos. A ideia de que nada há em nossa mente que não tenha estado
anteriormente em nossos sentidos tem consequências para nosso conceito sobre o
conhecimento e sua natureza. Embora o conhecimento ainda fosse considerado
um produto importante de nosso raciocínio, as experiências sensoriais foram, a
partir de então, igualmente consideradas sine qua non. O empirismo de Locke e o
sensualismo francês deixaram marcas nítidas em nosso pensamento educacional.
Rousseau merece menção especial. Por um lado, é um filho do Renascimento,
o que o tornou um precursor precoce da reforma educacional europeia. Por outro
lado, diferencia-se do Iluminismo por sua forte ênfase no sentimento. Essa
mesma ênfase também o torna um precursor do Romantismo e dos movimentos
nacionais posteriores.
230 Winther-Jensen
Epílogo
Contudo, é possível que essa abordagem ainda esteja ativa. Na literatura
comparada, deparamo-nos por vezes com o conceito de sistema-mundo, que
implica que certas demandas sobre a educação tornam-se aceitas de forma geral
através das culturas e das fronteiras nacionais (BOLI et al., 1985). A explicação
desse fenômeno é que as ideias que se originaram no Iluminismo resultaram em
um novo modelo educacional que se tornou gradualmente a base da educação
europeia. O modelo caracteriza-se por uma estrutura racional e secular, educação
compulsória, e baseia-se em valores tais como respeito pelo indivíduo, tolerância
religiosa, democracia e direitos humanos. Aparentemente, esse modelo conseguiu
firmar-se politicamente a tal ponto – e em boa parte, por meio das organizações
internacionais – que faz sentido falar em uma uniformidade universal
surpreendente entre as orientações que a educação de massa moderna desenvolveu,
em diferentes graus, em todo o mundo. Observações como essa inspiraram alguns
pesquisadores comparativos a falar de um sistema-mundo cujos ideais os sistemas
educacionais nacionais tentam preencher, de forma mais ou menos consciente.
Seja ou não justificável falar em um sistema-mundo per se, não há dúvida de
que as ideias do Iluminismo ainda estão tão vivas e influentes como na época em
que foram formuladas.
Iluminismo e religão, conhecimento e pedagogias na Europa 231
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232 Winther-Jensen
Introdução
A tradição católica é a base da identidade, da originalidade e da unidade do
subcontinente latino-americano. Trata-se de uma realidade histórica e cultural, com
uma única exceção no século XX: as revoluções de esquerda em Cuba e na Nicarágua.
Histórica e tradicionalmente, as relações entre a Igreja e o Estado foram muito
estreitas, em particular durante o período colonial. A expansão dos impérios
português e espanhol nos séculos XV e XVI ocorreu em nome da Coroa e da Igreja.
No Brasil, por exemplo, uma das primeiras ações dos portugueses quando
desembarcaram pela primeira vez na costa do que é hoje Porto Seguro, na Bahia,
foi a celebração de uma missa católica.
Com o advento da independência, no século XIX, começaram a emergir tensões
nas novas repúblicas, que passaram a valorizar um Estado secular, particularmente
sob a influência do positivismo de Comte, em especial entre as elites militares. A
despeito disso, a Igreja continuou a ter voz nas políticas públicas.
A educação foi uma área de intensos debates. Em sua busca pela manutenção da
hegemonia política, grupos representantes da secularidade e grupos representantes
da Igreja católica tinham programas educacionais específicos, que incluíam uma
visão da sociedade e um projeto pedagógico.
Este capítulo discutirá a relação entre a Igreja e o Estado em diversos períodos
culturais, econômicos, políticos e sociais na Argentina e no Brasil. A análise
tentará contextualizar os esforços que os diversos governos, as elites políticas e
intelectuais e os líderes católicos empreenderam para definir o currículo escolar,
o conhecimento a ser oferecido aos alunos e as diversas práticas pedagógicas em
seus projetos políticos e educacionais individuais. O capítulo termina com uma
identificação de similaridades e diferenças entre a Argentina e o Brasil em termos
das relações e dos padrões de suas ideologias políticas, de seus diferentes
problemas econômicos e de suas diferentes práticas educacionais.
233
234 Figueiredo-Cowen e Gvirtz
básica na Argentina. Até 1880, a educação era oferecida basicamente pelas famílias
e pela Igreja. A participação do Estado no provimento educacional aumentou de
maneira expressiva ao longo das últimas décadas do século XIX. A essa época, o
conflito entre a Igreja católica e os setores que governavam o Estado nacional
acentuou-se drasticamente.
Esta parte do capítulo compreende, portanto, o período entre a aprovação da
Ley de Educación Común, no 1.420/84 (1884), de âmbito nacional, e os dias atuais.
As disputas entre ambos os atores quanto à decisão de tornar a escola primária
católica ou secular merecerá ênfase especial.
Esta análise está estruturada com base em três períodos relevantes. O primeiro,
no qual a secularidade prevaleceu na escola primária, durou de 1884 a 1930; a
partir daí o catolicismo foi restabelecido – começando com a restauração
conservadora da década de 1930 e continuando durante a administração de Perón
(1946-1955) –, quando o ensino da religião católica nas escolas públicas tornou-
se obrigatório. O terceiro período vai do final da década de 1950 até os dias atuais.
Dois aspectos serão destacados neste último período.
[A] unidade espiritual da nação já não é mais, para o liberalismo, uma questão de natureza
pública. São considerados todos os tipos de unidade: unidade política, unidade legal [...] A única
unidade pela qual o liberalismo político atual não se interessa é a unidade espiritual que, no
entanto, é a base de todas as outras (LIMA, 1931, p. v-vi).
Na proposta pedagógica dos católicos, o que deveria ser oferecido nas escolas
seria o conhecimento baseado na visão católica do mundo e do Homem: “Esse
ideal pedagógico não é oferecido pelas ciências experimentais, mas por um conceito
de vida ditado pelas ciências especulativas. Estas, por sua vez, são governadas pela
ética, que é subordinada à teologia” (CURY, 1978, p. 54).
Em contraste, os Pioneiros da Escola Nova defendiam uma proposta pedagógica
cujo conteúdo de conhecimentos estava baseado nas ciências:
Daí tais ciências se apoiarem nas ciências sociais e naquelas que cientificamente pretendem
descobrir os processos regulares que atuam no ser humano. Tais são, por exemplo, a Fisiologia, a
Biologia e a Psicologia. A Biologia exige a concordância da educação com as tendências das
crianças. E as ciências sociais situam o papel e a função social da escola. Esse conjunto forma a
base científica da organização escolar (CURY, 1978, p. 83).
Assim, as tensões entre católicos e liberais perduraram por quase 20 anos. Essas
tensões evidenciavam-se também em relação à educação superior. Os primeiros
movimentos da Igreja para a criação de instituições católicas de educação superior
no Brasil surgiram na primeira década do século XX. O objetivo, semelhante ao
da criação do Centro D. Vital, era a cooptação e o ensino religioso das elites.
Algumas poucas instituições, tais como a Associação dos Universitários Católicos
e o Instituto Católico de Estudos Superiores, foram implementadas para oferecer
apoio à Igreja em relação a suas propostas para uma educação superior católica
(SALEM, 1982).
As primeiras tentativas de oferecer cursos formais no nível do ensino superior
foram realizadas pelo Instituto Católico de Estudos Superiores. Inicialmente, o
currículo limitava-se a três disciplinas obrigatórias (sociologia, filosofia e teologia)
e três facultativas (introdução ao direito, à matemática e à biologia). Mais tarde, o
currículo expandiu-se consideravelmente. Como apontado por Salem, nos últimos
anos da década de 1930, o número de estudantes aumentou para 200 (SALEM,
1982, p. 18).
Evidentemente, não era fácil a tarefa de oferecer estudos católicos em nível de
ensino superior. Segundo o Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, que
implementa o Estatuto das Universidades Brasileiras, atribuía-se ao Estado um
papel importante em termos de administração e controle da educação superior,
248 Figueiredo-Cowen e Gvirtz
mantendo assim a Igreja à parte. Dessa forma, tornou-se claro para os líderes e os
acadêmicos católicos que não haveria apoio estatal para implementação de seu
modelo católico de universidade. O Instituto Católico de Estudos Superiores,
criado em 1932, estabeleceu as primeiras bases da futura Universidade Católica.
Como aponta Salem:
[...] a Universidade Católica é pensada pelas lideranças laicas e eclesiásticas do período como
tendo duplo sentido político [...] ela se constituiria em uma instituição de combate ao ensino e
à mentalidade laicistas, garantindo a resolução das crises nacionais e barrando a penetração da
ideologia comunista no pais [...] a Igreja, por suposto, concretizaria sua meta de recristianizar a
sociedade e a própria instituição do Estado (SALEM, 1982, p. 21).
programação normal do ensino fundamental nas escolas estatais, e será oferecida sem
custo para o Estado” (CURY, 2004). A reação dos católicos foi imediata e eficaz. Em
1997, pela Lei nº 9.475 foi aprovada uma emenda ao artigo 33, mantendo o
provimento compulsório de educação religiosa no currículo e sua natureza facultativa.
Abriu também a possibilidade de utilização de dinheiro público para o salário dos
professores (CURY, 2004). Ao mesmo tempo, o novo texto do artigo 33 introduzia
algumas inovações: a educação religiosa integraria a educação do cidadão; cada sistema
educacional regulamentaria o processo de definição do programa e o treinamento e
recrutamento de professores (CURY, 2004, p. 186). O Fórum Permanente do Ensino
Religioso (Fonaper), criado em 1995, está profundamente envolvido nas discussões
e sugestões sobre os tipos de conhecimento a serem oferecidos na educação religiosa.
O Fonaper tem sido muito ativo na promoção de cursos, na produção de documentos
e publicações, na definição dos tipos de conhecimento que devem constar do
currículo, bem como no treinamento de professores.
Os Parâmetros Curriculares para a Educação Religiosa, tal como estabelecidos
pelo Fonaper, incluem a ênfase na importância de uma sociedade pluralista e
diversificada, nas tradições religiosas em diferentes contextos socioculturais, e na
atitude moral dos seres humanos.
No entanto a implementação dos parâmetros curriculares tem variado entre os
diversos estados do país. As discussões ainda estão muito presentes. A associação com
a política tem algumas bases no passado. Recentemente, gestores escolares e professores
têm sugerido que um projeto pedagógico escolar é um projeto político, uma vez que
se baseia em uma determinada visão de mundo e em uma determinada ideologia.
Por fim, segundo Cury, as discussões sobre educação secular e educação laica
vão além de um componente curricular nas escolas (CURY, 2004, p. 183). A falta
de continuidade no planejamento e na implementação de reformas educacionais é
muito mais complexa. A dificuldade pode estar no contexto histórico-social no
qual essas reformas têm lugar.
Conclusão
Argentina e Brasil talvez tenham mantido um equilíbrio entre suas similaridades
e suas diferenças. Em termos linguísticos e culturais, as diferenças são muito
marcantes. O português e o espanhol são idiomas latinos, o que às vezes resulta em
confusões embaraçosas. O tango argentino e o samba brasileiro estão muito
entranhados em cada uma das culturas, e não se transferem (de um modo sério)
entre os países. Politicamente, desde a independência, ambas as sociedades
oscilaram entre governos fortes, autoritários (frequentemente militares) e
democráticos. Até mesmo uma imensa vergonha nacional – a tortura – maculou
alguns períodos da história dos dois países. Economicamente, tanto a Argentina
quanto o Brasil passaram de estágios de real estagnação econômica para uma
economia florescente – embora nem sempre nos mesmos períodos de tempo.
A Igreja e o Estado na Argentina e no Brasil 251
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55
CONFUCIONISMO, MODERNIDADES E
CONHECIMENTO: CHINA, COREIA DO SUL E JAPÃO
Terri Kim
253
254 Kim
2. NT: Mencius (Meng Zi, ou Mestre Keng): filósofo confucionista que deu nome ao livro que compila
seus pensamentos.
Confucionismo, modernidades e conhecimento 267
Conclusão
A importância do confucionismo como referência fundamental para a
compreensão do Leste da Ásia tem permeado os discursos ocidentais dominantes
sobre a ascensão dessa região. No campo político e econômico, em relação ao
desenvolvimento, o confucionismo foi visto pelos teóricos ocidentais inicialmente
como inibidor e, posteriormente, como encorajador.
Na China, o pensamento confucionista foi essencial para o império – e depois
foi atacado por Mao no decorrer da modernização comunista chinesa. Durante a
Revolução Cultural, foi organizada uma campanha anti-Confúcio: muitos
confucionistas e intelectuais foram mortos, e alguns templos e estátuas de Confúcio
foram destruídos. Neste momento, entretanto, tendo a China se tornado um dos
principais atores na economia de mercado global, o governo comunista chinês
começou a promover também o confucionismo para exercer um poder brando da
China em todo o mundo. Em todo o mundo, foram criados mais de 120 institutos
confucionistas – todos patrocinados e promovidos pelo Chinese National Office for
Teaching Chinese as a Foreign Language3, ligado ao Ministério de Educação da
3. NT: Agência Nacional Chinesa para a o Ensino do Mandarim como Idioma Estrangeiro.
268 Kim
China. A meta oficial dos institutos confucionistas, desde sua criação em Seul, na
Coreia do Sul, em 2004, é promover a cultura chinesa e o mandarim (HYLAND,
2007). Esses institutos confucionistas no exterior são considerados parte de uma
estratégia diplomática para que a China conquiste influência global por meio de
seu capital nas áreas de educação e cultura. Esse poder brando exerce influência
particular nos países da região da Ásia e Pacífico, onde o governo chinês tem como
incentivo as grandes comunidades étnicas chinesas, os recursos naturais e a relação
estreita com os Estados Unidos.
De modo geral, o pensamento confucionista tem-se deslocado no Leste da Ásia,
modificando-se e institucionalizando-se de diversas maneiras. Em termos de
educação, no entanto, o confucionismo oferece um conjunto de padrões
pedagógicos simples e imutáveis – tais como o status dos professores, a educação
motivada pelos exames, a cultura da autoridade e da hierarquia patriarcais, o
respeito pela senioridade, a conformidade com normas grupais e o sucesso
individual na educação associado à imagem da família (WATKINS; BIGGS, 1996).
Mesmo no campo da educação, no entanto, o confucionismo é sujeito a uma
dupla interpretação – por exemplo, a ênfase típica do Leste da Ásia em
memorização e aprendizagem por repetição tem sido avaliada tanto de forma
positiva quanto de forma crítica. Diversos autores – por exemplo, Watkins e Biggs
(Eds., 1996) – tentaram explicar o fenômeno referido como o “paradoxo do
aprendiz asiático”: a aparente contradição entre o ambiente educacional e os
métodos de ensino no Leste da Ásia – isto é, turmas grandes, ensino dirigido pelo
professor para o conjunto da classe e motivado por exames, currículo orientado
para o conteúdo, e não para o processo, ênfase em memorização etc.) e o fato de
os estudantes do Leste da Ásia apresentarem regularmente desempenho superior
ao de seus pares ocidentais em avaliações internacionais – tais como o Trends in
International Mathematics and Science Study (TIMSS)4 e o Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes (Pisa). Nos resultados do Pisa relatados em 2003, a
Coreia, o Japão e a China alcançaram as melhores classificações. A Coreia, por
exemplo, ficou próxima ao nível mais alto da classificação em matemática,
letramento em leitura e ciências, e no nível mais alto em resolução de problemas.5
Entretanto, reconhecendo o bom desempenho dos estudantes do Leste da Ásia em
testes internacionais, é preciso notar também que o pensamento confucionista
sempre enfatizou a moral, e que isso afetou a cultura das escolas (e não apenas o
currículo formal).
Há, portanto, algo estranho no pensamento confucionista: muito espaço para
interpretação dupla ou variável. Apesar de todas essas interpretações e contradições,
o confucionismo sempre foi utilizado como uma explicação fundamental do Leste
da Ásia. Entretanto o excesso de generalização dos aspectos comuns como sendo
4. NT: Tendências Internacionais no Estudo de Matemática e Ciências.
5. Disponível em: <www.pisa.oecd.org>.
Confucionismo, modernidades e conhecimento 269
6. Agradeço ao Professor Robert Cowen pela sugestão inicial de que eu pensasse sobre orientalismo e
confucionismo como estrutura de referência.
270 Kim
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56
HINDUÍSMO, MODERNIDADE
E CONHECIMENTO: ÍNDIA
Joseph W. Elder
Introdução
Quatro mil anos atrás, no subcontinente indiano, sacerdotes (brâmanes)
ensinavam os textos mais antigos do hinduísmo – os Vedas – aos filhos de famílias
privilegiadas. Preservados e memorizados em linguagem litúrgica, esses Vedas
incluíam um currículo de fórmulas sacrificiais, encantamentos e palavras mágicas
que supunham uma série de divindades capazes de atender a petições humanas
adequadamente formuladas. Os brâmanes especializavam-se na formulação dessas
petições às divindades, realizando sacrifícios com fogo, acompanhados pelas
recitações védicas entoadas da forma correta.
Depois de 1947, a Índia tornou-se uma república democrática soberana,
comprometida, de acordo com sua Constituição, com justiça social, econômica e
política; com liberdade de pensamento, expressão, crença, fé e culto; e com
igualdade de status e de oportunidades. O artigo 45 da Constituição indiana
declarava que “o Estado tentará [sic] prover, dentro de um período de dez anos,
[...] educação gratuita e compulsória para todas as crianças até a idade de 14 anos”.
O idioma utilizado pelos líderes nacionais ao escrever a Constituição foi o inglês –
o idioma de um povo estrangeiro que havia governado partes da Índia desde 1757.
Durante os 4 mil anos que separam esses dois momentos, o que aconteceu com
o conhecimento daqueles antigos Vedas, com o idioma em que eram escritos, com
o treinamento de memorização textual por meio do qual esse conhecimento era
transmitido, e com os sacerdotes brâmanes que recitavam, preservavam e expandiam
o currículo védico? Este capítulo examinará as tradições do conhecimento hindu na
Índia antiga, suas diferenças em relação às tradições budista e jainista, suas
modificações nos séculos subsequentes, as tradições do conhecimento judaico,
cristão e islâmico que se estabeleceram na Índia, as políticas educacionais
introduzidas pelos governantes coloniais britânicos depois de 1757, as políticas
educacionais adotadas pelo governo independente da Índia depois de 1947, e a
emergência de grupos militantes hindus com posições próprias sobre o
conhecimento educacional e a forma de introduzir esse conhecimento no atual
currículo escolar da Índia.
273
274 Elder
acordo com a Constituição, o idioma oficial do país deveria ser o hindi, um idioma
falado no cinturão hindu do norte da Índia por cerca de um terço da população
indiana. Em todas as regiões onde o hindi não era falado, seria introduzido nas
escolas como segundo idioma. Segundo a Constituição, em 15 anos o inglês seria
substituído pelo hindi, e não seria mais o idioma oficial da Índia.
Houve protestos nas regiões da Índia onde o hindi não era falado. Milhões de
cidadãos sentiram-se ameaçados. Se as políticas enunciadas na Constituição fossem
implementadas, em menos de duas décadas eles seriam cidadãos permanentemente
em desvantagem em sua própria terra – desprivilegiados porque sua língua materna
não era o hindi. Os protestos anti-hindi nos estados do sul, onde a população falava
idiomas drávidas, resultaram em ameaça de secessão indiana. O descontentamento
com as políticas constitucionais expressou-se em uma série de eleições nacionais.
Finalmente, em resposta à agitação, o parlamento aprovou, em 1967, o Official
Languages Amendment Bill4, que estendia indefinidamente a utilização do inglês
na Índia. Isso acalmou temporariamente a agitação anti-hindi. Trouxe também um
interesse renovado pela instrução em inglês. Um jovem educado em língua inglesa
e em busca de emprego podia procurar trabalho em qualquer lugar da Índia, ao
passo que um jovem que só dominasse o hindi ou um idioma regional só
encontraria trabalho em uma região específica do país.
Nas décadas de 1980 e 1990, à medida que aumentava a participação da Índia
na economia global, cresceu drasticamente a demanda dos alunos e dos pais por
educação baseada no idioma inglês em todos os níveis educacionais. Muitas escolas
primárias e secundárias e a maioria das faculdades começaram a oferecer turmas
adicionais para estudantes que desejavam estudar em inglês. A evidência da boa
qualidade da educação de uma pessoa podia ser avaliada pela excelência de sua
pronúncia e de sua capacidade de escrever em inglês, e por conseguir ser admitido
em programas de pós-graduação nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha.
Durante as primeiras décadas que se seguiram à independência da Índia, os
currículos escolares afastaram-se gradualmente de seu passado britânico. As obras
de Shakespeare e Tennyson foram substituídas por poemas de Rabindranath Tagore
e Henry DeRozio. As estórias de Helena de Troia e do Cavalo de Troia foram
substituídas por episódios do Ramayana, do Mahabharata e dos Puranas indianos.
As crianças passaram a ler em seus livros estórias sobre o Lorde Krishna e as
ordenhadoras, o Lorde Hanumam, com corpo de macaco, e o Lorde Ganesh, com
cabeça de elefante. Em todos os níveis, os livros didáticos lembravam às crianças
indianas que Gandhi era o pai da Índia e que, sob sua liderança baseada na não
violência, a Índia havia conquistado a independência dos britânicos. Outros heróis
dos livros infantis eram o imperador Ashoka, que renunciou à guerra e
implementou ensinamentos budistas em sua terra, e o imperador Akbar que,
das vagas no parlamento indiano, em 1984, o BJP conquistou mais espaço a cada
eleição nacional subsequente até que, em 1995, obteve 30% das vagas
parlamentares.
Na condição de maior partido, o BJP foi convidado a formar o governo nacional.
No entanto, devido a suas ligações com o hindutva e o comunalismo hindu, outros
partidos recusaram-se a uma coalizão, e o BJP perdeu essa oportunidade de formar
o governo. Dois anos mais tarde, nas eleições de 1998, o BJP conquistou 33% das
cadeiras do parlamento e, mais uma vez, foi convidado a formar o governo,
conseguindo então organizar um governo de coalizão (PURI, 2005).
13. NT: Uma das culturas mais antigas do mundo (3000-1500 a.C.), descoberta no vale do Indo, no território
do Paquistão. O nome refere-se à cidade de Harappa, uma das maiores existentes na região.
284 Elder
telegráficos que ligava as regiões mais remotas da Índia; o idioma inglês, por meio do
qual se comunicavam os indianos que trabalhavam pela independência; as instituições
de ensino superior, cujos graduados participavam do cenário mundial; e escritores em
idioma inglês reconhecidos internacionalmente, como Rabindranath Tagore.
Segundo os historiadores hindutva, os britânicos haviam deixado a Índia como
um país empobrecido de terceiro mundo, enfrentando um legado desolador de
problemas econômicos. Depois da separação, os britânicos ainda tentaram explorar
a Índia (sem sucesso), mas pelo menos tinham-se retirado. Os muçulmanos, no
entanto, permaneceram: à medida que se aproximava a independência da Índia,
tinham exigido a divisão do subcontinente e uma nação muçulmana independente.
Apesar das reservas de muitos hindus, o subcontinente foi dividido em 1947, e os
muçulmanos conquistaram seu Paquistão. No entanto, isso não encerrou a questão.
Desde 1947, os muçulmanos do Paquistão haviam feito sucessivas incursões através
das fronteiras da Caxemira, matando milhares de soldados e civis hindus. Além
disso, desde 1947, os muçulmanos na Índia haviam exigido – e obtido – privilégios
especiais, entre os quais uma autonomia sem paralelo para a Caxemira, mediante
o artigo 370 da Constituição; e isenções preferenciais, como muçulmanos, de partes
do código civil uniforme da Índia.
Para aumentar os sentimentos antimuçulmanos que estavam alimentando, os
partidários do hindutva identificavam equívocos históricos por parte dos
muçulmanos, que agora deviam ser corrigidos. Um alvo particular foi a mesquita
construída em Ayodhya no século XVI, pelo imperador muçulmano Babur.
Segundo o VHP e o RSS, Babur tinha construído a mesquita no local de
nascimento do Lorde Ram, herói do épico hindu Ramayana, depois de destruir e
de utilizar em sua mesquita partes de um templo hindu que consagrava o local.
Na interpretação do VHP e do RSS, o Lorde Ram – um herói mítico ao qual
eram atribuídos múltiplos locais de nascimento – tornou-se um ser humano
histórico, cujo nascimento teria ocorrido em um momento e em um local
determinados. Os membros do VHP e do RSS definiam a mesquita de Babur
como uma relíquia humilhante do domínio muçulmano, que devia ser destruída
e substituída por um templo em honra ao Lorde Ram. Em 6 de dezembro de
1992, milhares de ativistas hindus romperam uma cerca de proteção e reduziram
a mesquita de Bubar a um monte de entulho. Ondas de indignação espalharam-
se entre os muçulmanos indianos. Motins anti-islâmicos irromperam em diversas
cidades. Antes do término dos motins, centenas de muçulmanos haviam sido
mortos. Em 2002, irrompeu novamente a violência contra os muçulmanos
desencadeada pela mesquita de Babur, desta vez no estado de Gujarat, e mais uma
vez, centenas de muçulmanos foram mortos. Em ambos os casos de violência anti-
islâmica, o BJP pouco fez para deter a violência ou punir os infratores. Apenas
endossou a versão hindutva que tornava o Lorde Ram uma pessoa histórica cujo
local de nascimento havia sido violado.
286 Elder
–, criticando muitos itens apresentados como fatos nos livros didáticos patrocinados
pelo BJP. Revisores acadêmicos consideraram os livros didáticos chauvinistas,
tendenciosos em favor do comunalismo, e hostis à ideia de que a Índia tem uma
cultura mista, revigorada por elementos islâmicos e europeus.
Na Índia, nas eleições de abril de 2004, os eleitores substituíram a coalizão
liderada pelo BJP por uma coalizão liderada pelo Partido do Congresso. M. M.
Joshi, o partidário do BJP, perdeu sua posição no Ministério de Desenvolvimento
de Recursos Humanos da União. Em seu lugar, o Partido do Congresso, partido
vitorioso, indicou Arjun Singh, que escolheu rapidamente um comitê de três
membros para estudar os livros didáticos que eram alvos de controvérsia, e sugerir
as medidas adequadas a serem tomadas a seguir. A açafronização de livros didáticos
começou a retroceder na Índia, mas isso não deteve automaticamente o processo
de açafronização fora da Índia. Um processo digno de nota ocorreu na distante
Califórnia, nos Estados Unidos.
A cada seis anos, o estado da Califórnia tinha que aprovar uma lista de livros
de história entre os quais os distritos escolares escolheriam os livros didáticos. Em
2005, alguns livros de história que tratavam da Índia continham afirmações
corretas, mas ofensivas, de que os hindus tinham muitos deuses e deusas,
consideravam algumas pessoas como intocáveis, e que na Índia antiga os homens
tinham muito mais direitos do que as mulheres (TANEJA, 2006, p. 78). Na
Califórnia, a Fundação de Educação Indiana e a Fundação Védica (baseadas nos
Estados Unidos, mas vinculadas a grupos hindutva na Índia) solicitaram que a
California State Board of Education Curriculum Commission16 fizesse algumas
mudanças que modificavam a história e ressaltavam as glórias da Índia antiga. Ao
tomar conhecimento dos esforços das fundações hindus, o professor Michael
Witzel, da Universidade de Harvard, enviou à Comissão de Currículo uma carta,
assinada por quase 50 acadêmicos, em que qualificava as revisões recomendadas
como “não acadêmicas [e] motivadas por questões políticas e religiosas”.
O Conselho e a Comissão viram-se entre dois fogos. Em 6 de janeiro de 2006,
assistiram ao debate entre o professor Witzel e o professor Shiva Bajpai, que apoiava
a maioria das solicitações das fundações indianas. Depois do debate, os acadêmicos
entraram em acordo em relação a algumas poucas mudanças em frases específicas.
A questão foi então encaminhada a um subcomitê para referência futura (CENTER
FOR SOUTH ASIA STUDIES, 2006, p. 3-7).
Ao defrontar-se com a opção entre total rigor acadêmico e sensibilidades
culturais, o Conselho e a Comissão preferiram voltar-se para a sensibilidade dos
hindus que viviam na Califórnia com suas famílias. Entre os recém-chegados,
hindus militantes tentaram definir para outros indianos e para o Conselho de
Educação da Califórnia uma versão hindutva da história e do hinduísmo que
deveria ser ensinada nas escolas públicas da Califórnia. Se sua versão hindutva fosse
validada por um conselho escolar nos Estados Unidos, essa validação internacional
fortaleceria sua posição na Índia. Atualmente, à medida que a diáspora indiana se
espalha pelo mundo, e os hindus descrevem suas heranças para seus novos vizinhos,
novos debates ocorrerão sobre o que aconteceu ou não aconteceu anos atrás no
subcontinente indiano, e se isso deveria ou não ser incorporado aos conhecimentos
dos sistemas educacionais e às formas de transmissão pedagógica fora da Índia.
Retomando as questões levantadas no início deste capítulo: durante os 4 mil
anos decorridos desde que sacerdotes brâmanes transmitiam seu conhecimento
memorizado dos Vedas aos filhos de famílias privilegiadas, o que aconteceu na
Índia com o conhecimento desses antigos Vedas, com o idioma em que foram
escritos, com o treinamento em memorização textual por meio do qual esse
conhecimento era transmitido, e com os sacerdotes que recitavam e preservavam
o currículo védico?
Atualmente, fora das instituições educacionais predominantes na Índia, o
currículo védico ainda é ensinado em localidades isoladas, presumivelmente de
forma muito semelhante àquela de 4 mil anos atrás (FULLER, 2003, p. 123).
Homens jovens (principalmente brâmanes) memorizam passagens védicas com a
entonação correta sob a tutela de gurus brâmanes. Os Vedas que memorizam ainda
incluem um currículo de fórmulas sacrificiais, encantamentos e magias. Nos
grandes templos hindus atuais, entre os quais os da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos, ainda há demanda por sacerdotes que recitam os rituais védicos. O
sânscrito purificado pelo gramático Panini, no século IV a.C., ainda é ensinado
em escolas e universidades indianas, e a gramática de Panini é estudada nos
departamentos de linguística na Índia e em outros países. Atualmente, o texto em
sânscrito de Kautilya sobre estadismo somente é lido por estudiosos interessados
na antiguidade. Em diversos locais da Índia atual, os estudantes podem obter um
diploma em astrologia e medicina aiurvédica. O texto em sânscrito de Bharata
sobre artes cênicas ainda é citado nas academias indianas de dança e música, em
um esforço para associar o desempenho artístico atual aos princípios estéticos do
sânscrito clássico. Em nossos dias, membros de castas inferiores, que se definem
como dalits17, e que representam 20% da população indiana, envolvem-se em
protestos públicos em que o Dharma Shastra de Manu, em sânscrito, é queimado;
e culpam a estigmatização das categorias de pessoas impuras, proposta por Manu,
pelos dois milênios de opressão que sofreram nas mãos das castas indianas
superiores (ZELLIOT, 1972, p. 77).
No entanto esse conhecimento védico e seu currículo são, no máximo,
periféricos na maioria das estratégias educacionais atuais da Índia. A política
declarada da Índia quanto ao financiamento público da educação compulsória –
Em 2004, o eleitorado indiano afastou o BJP do poder e, com ele, suas políticas
educacionais. No entanto continuam a emergir paixões quanto à identidade
nacional indiana e, portanto, quanto às metas do sistema educacional da Índia.
Será uma dessas metas a produção de versões contemporâneas dos ingleses marrons
de Macaulay? Será uma dessas metas a produção de graduados hindutva que negam
eventos da história indiana e marginalizam grupos importantes das populações
indianas atuais? Será uma dessas metas a produção de graduados que participam
das questões mais importantes de nosso tempo, enquanto se apoiam nas ricas
histórias e culturas do subcontinente indiano? Ou será uma dessas metas alguma
participação ainda não definida da Índia no século XXI? Independentemente dos
resultados finais, no futuro previsível os indianos continuarão a debater a utilidade
do conhecimento antigo versus o contemporâneo; as vantagens de rejeitar, adaptar
ou adotar conhecimentos externos; e as maneiras pelas quais o hinduísmo pode ser
incorporado à educação contemporânea, à medida que o próprio hinduísmo
continua a transformar-se – como tem feito há milhares de anos.
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Hinduísmo, modernidade e conhecimento: Índia 291
Jennifer Ashkenazi
Introdução
Os encontros interculturais históricos no Oriente Médio entre o Islã e o
Ocidente têm intrigado inúmeros historiadores, cientistas políticos, antropólogos
e sociólogos. Nesse contexto, um dos tópicos mais debatidos tem sido a influência
real da ocidentalização sobre o mundo islâmico e as ações e reações desse mesmo
mundo durante períodos de ocidentalização intensa. Um elemento central que
sofreu mudanças dramáticas nas sociedades islâmicas tradicionais foi a educação.
Ao lado de seu papel vital no treinamento de novas gerações de intelectuais
islâmicos, a educação teve importância fundamental no processo de difusão de
novas ideologias que acompanhou a modernização de sociedades do Oriente Médio
e, particularmente, no surgimento de movimentos islâmicos nacionais.
Uma vez que a natureza da influência ocidental diferiu entre os Estados que
surgiram no Oriente Médio, é impossível apontar um único padrão geral de
desenvolvimento da educação nacional nessa região. Para exemplificar as variações
e as similaridades entre as mudanças nas tradições de conhecimento, este capítulo
descreve e compara as características essenciais do desenvolvimento da educação
nacional em três países do Oriente Médio: Egito, Turquia e Líbano. Em cada país,
o estudo focaliza as negociações entre as tradições educacionais islâmicas e as
reformas (ocidentais) modernas. De modo geral, o momento crucial em cada país
manifestou-se na tentativa de criar um sistema nacional de educação e, dessa forma,
criar cidadãos nacionais. Será demonstrado que essas transições-chave que ocorreram
nas esferas política e social e seus efeitos ainda são visíveis atualmente. Em seu
processo de transformação em Estados-nação modernos, o Egito, a Turquia e o
Líbano adaptaram aspectos centrais de características ocidentais, frequentemente
seculares, a seus sistemas educacionais tradicionais. Os sistemas resultantes refletem
as diferenças no desenvolvimento político e nacional de cada Estado.
Este capítulo começa com um panorama geral da educação islâmica tradicional,
muito semelhante, em termos de forma e de conteúdo, na maioria das sociedades
do Oriente Médio e do Norte da África. O Islã foi fundamental não apenas para a
educação: constituiu a base da maioria das instituições e práticas culturais e sociais,
formais e informais.
293
294 Ashkenazi
Egito
As primeiras influências da ocidentalização no Egito ocorreram com a invasão
napoleônica em 1798, e continuaram sob a liderança de Muhammad Ali, depois
de 1801. Ali introduziu muitas reformas inovadoras que construiram os alicerces
para a criação do estado egípcio moderno. Um sistema de educação ocidentalizado
era um componente importante do plano de Ali. Embora a natureza das reformas
constitucionais da primeira metade do século XIX não tenha permanecido, o
espírito da educação ocidental trouxe um impulso suficiente que, em última
296 Ashkenazi
Turquia
A República Turca teve sua origem no Império otomano, islâmico e multiétnico
– uma grande potência que, em seu auge, abrangia um vasto território, ocupando
300 Ashkenazi
Islã político depois da década de 1970. Henze (1998) atribui a crise política da
década de 1970 a um conjunto de fatores, entre os quais certamente foi significativo
o resultado cumulativo do fracasso dos líderes políticos islâmicos e seculares em
governar de forma eficaz. Esse estado de coisas criou um clima favorável para
atividades terroristas, que continuaram a aumentar e, em parte, foram apoiadas
por potências estrangeiras. A crise constante chegou ao auge em setembro de 1980,
quando, depois de uma manifestação islâmica fundamentalista em Konya, os
militares tomaram o poder sob a liderança do general Kenan Evren e estabeleceram
uma lei marcial que durou até 1983.
Depois do regime militar e da ascensão de Turgut Özal como primeiro-ministro,
em 1983, foi instituída uma série de reformas bem-sucedidas para suprimir a
violência política e social e estabilizar o governo, o que, por sua vez, contribuiu
para melhorar a economia nacional e fortalecer o apoio público ao governo. Esse
sucesso baseou-se, em parte, em uma nova atitude quanto ao papel do Islã na
Turquia. Ao invés de mostrar-se contrário ao Islã, o governo pós-1980 deu vários
passos para fortalecê-lo: foram abertas novas escolas corânicas, os cursos religiosos
tornaram-se obrigatórios, e novos pregadores foram contratados (YAVUZ, 1996).
Essa nova postura do Estado turco em relação ao Islã refletiu-se claramente na nova
Constituição Turca, promulgada em 1982.
O artigo 24 da Constituição de 1982 provê, inter alia, o seguinte:
A educação e a instrução em religião e ética serão ministradas sob a supervisão e o controle do
Estado. A instrução em cultura religiosa e a educação moral serão obrigatórias nos currículos das
escolas primárias e secundárias. Outros tipos de educação e instrução religiosa ficarão sujeitos ao
desejo individual e, no caso de menores, à solicitação de seu representante legal (TURKEY. The
Constitution, 1995, pgfo. 8º).
Com essas novas medidas, o governo turco esperava evitar qualquer nova
politização religiosa da sociedade turca e, nas palavras de Yavuz, “fundir as ideias
islâmicas com as metas nacionais, [...] para criar uma comunidade islâmica mais
homogênea em termos sociais e menos ativa politicamente” (YAVUZ, 1996, p.
80). Consequentemente, os princípios kemalistas foram fortalecidos e, ao mesmo
tempo, uma forma liberal do Islã foi incorporada à ideologia nacional, e
particularmente, à educação nacional. Esse desenvolvimento não evoca as tradições
islâmicas do Império otomano: o Islã foi incluído nas escolas turcas como parte da
formação moral e ética (ÖZDALGA, 1999).
Em 1983, foi eleito primeiro-ministro Turgut Özal, presidente do Partido da
Pátria, um partido político com afiliações islâmicas explícitas. Com o apoio do
sempre poderoso setor militar, Özal inaugurou um novo período da história turca,
com uma abordagem oficial diversa em relação ao Islã e a seu papel social no estado
moderno (KADIO LU, 1996). Özal esperava superar a polarização entre
secularistas e não secularistas, instituindo uma reforma no Islã que, a seu ver, se
harmonizava com as condições modernas. Em sua visão, essa reforma tornaria o
304 Ashkenazi
Islã mais aceitável para os turcos secularistas orientados para o Ocidente, que se
ressentiam das conotações estritas do Alcorão e do Suna1.
As reformas de Özal procuravam realizar aquilo que tinha sido referido como
Síntese Islâmica Turca (Turkish Islamic Synthesis – TIS). TIS era uma filosofia
desenvolvida por Ibrahim Kafesoğlu e intelectuais de centro-direita, que constituíam
um grupo conhecido como Centro Intelectual Turco (Turk Ocaği). Esse grupo de
intelectuais sentia que a verdadeira cultura turca era uma síntese das tradições pré-
islâmicas e das tradições islâmicas do povo turkic2 (COPPEAUX, 2000). Sustentava
que o Islã era uma tradição histórica e cultural importante e deveria ser parte da
sociedade turca contemporânea. Além disso, o Centro defendia o controle do Estado
sobre o Islã. Alinhadas a essa filosofia, as reformas de Özal foram, em grande parte,
uma expansão do controle estatal sobre áreas religiosas, entre as quais a educação
(AKARSU, 2000). A percepção de Özal sobre a religião e seu papel na sociedade
refletia uma síntese de secularidade e Islã, que não ameaçaria as aspirações seculares
ocidentais dos kemalistas, mas tornaria o Islã um elemento fundamental da
identidade turca. A TIS foi vista como uma solução para a inquietação social e
política, tanto pelos líderes religiosos como pelo regime militar. Essa persistência de
valores islâmicos tornou-se parte do sistema educacional.
A principal reforma educacional desse período foi a implementação da educação
religiosa obrigatória, que era considerada uma resposta ao apelo público por ética
e moralidade na sociedade turca. O sistema de Imam-Hatips semiprivadas que, em
parte, haviam funcionado sob os auspícios do Estado desde 1950, expandiu-se
amplamente por volta da década de 1980. No entanto o discurso das políticas
nacionais era vago e inconsistente, e a não ser por algumas orientações filosóficas
gerais, a TIS não conseguiu contribuir para o desenvolvimento de uma estrutura
prática para políticas públicas.
Após a introdução dessas reformas, a instrução islâmica expandiu-se na Turquia.
Entretanto, é importante ter em mente que o Islã nunca foi totalmente eliminado
das escolas da República Turca. Em vez disso, foi colocado sob o controle do
Estado, por meio de uma série de leis e de reformas religiosas de estilo ocidental.
Na década de 1980, quando a República Turca reintroduziu o Islã nas políticas
governamentais e na Constituição, a educação religiosa passou a ser obrigatória.
Essa ação fortaleceu o lugar da educação islâmica nas escolas e na sociedade turca.
Na década de 1990, seguindo-se à era de Özal, marcada por apoio e tolerância
em relação ao Islã, mais uma vez o lugar do Islã na Turquia e em seu sistema
nacional de educação tornou-se um tema controvertido. Apesar da tolerância em
relação ao Islã no início da década de 1980, a rígida posição secularista dos militares
não havia mudado. Quando o número de estudantes matriculados nas Imam-Hatips
Líbano
Diferentemente do Egito e da Turquia, o Líbano é conhecido por sua população
multissectária, que inclui as seguintes comunidades religiosas: maronita, sunita,
xiita, grega ortodoxa, grega católica, drusa, armênia ortodoxa, armênia católica,
protestante, judaica, católica romana, caldeia, síria ortodoxa, síria católica, alauíta
e baha’i (CROW, 1962). A natureza extremamente heterogênea da sociedade
também tornou o Líbano vulnerável a conflitos internos que se refletiram em
hostilidades civis desde a década de 1860, e até a recente e trágica guerra civil de
306 Ashkenazi
Além disso, foi promulgado em 1950 um decreto que exigia que todas as escolas
privadas fossem submetidas à supervisão nacional (ABOUCHEDID, 2002).
Apesar dos esforços no sentido de centralizar a administração pública e de
criar uma ideologia nacional, as diferenças religiosas mostraram-se excessivamente
complicadas para que as escolas sectárias pudessem ser controladas de forma
eficaz. As divergências políticas entre os grupos sectários a respeito da formação
adequada de uma identidade nacional, entre outros conflitos inter-regionais,
culminaram em uma guerra civil em 1958, e mais tarde, em 1975. Diversas
reformas educacionais foram instituídas para tentar superar a inexistência de
integração nacional. O mais recente desses planos foi o Acordo Ta’if, de 1989,
aprovado pela Câmara de Ministros em 10 de novembro de 1993. Esse acordo
enfatizava a importância de uma forma nacional de educar os jovens e de valores
essenciais, como democracia, tolerância e eliminação da violência. Propunha três
objetivos principais: a padronização de livros didáticos de história e de civismo
e sua utilização obrigatória nas escolas libanesas; a proteção da educação privada;
e o fortalecimento do setor educacional público (ABOUCHEDID, 2002;
FRAYHA, 2003). Apesar das tentativas de unificação da educação, o governo
não conseguiu atingir seus objetivos nessa área, e não há diretrizes governamentais
claras sobre o ensino de religião, devido à natureza sensível da questão
(ABOUCHEDID, 2002). Além disso, as escolas privadas continuam a ensinar
religião de acordo com suas tradições sectárias.
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58
Gerald Grace
Introdução
Nas notas de orientação para os colaboradores deste livro, os organizadores
afirmam que
[à] medida que a natureza dos contextos educacionais se altera na modernidade tardia, a questão
das culturas educacionais e da identidade pedagógica desassocia-se poderosamente das noções de
cidadania e vincula-se cada vez mais poderosamente à economia ou à religião. Assim sendo, a
contextualização dos tópicos relativos a cultura, conhecimento e pedagogias vem-se modificando
rapidamente, e a educação comparada do futuro precisa elaborar novas formas de analisar o tema
da identidade.
Este capítulo tentará avaliar essa afirmação com referência particular às culturas
educacionais e socioteológicas de duas formas de cristianismo.
313
314 Grace
5. Para uma discussão detalhada, ver Rosemary de Julio: “The response of Mary Ward and Madeleine Sophie
Barat to the Ratio Studiorum” (DUMINUCO, 2000, p. 107-126).
6. Para um estudo importante sobre esse grande empreendimento missionário, ver Murphy (2000).
318 Grace
e a busca dos propósitos de Deus na vocação individual dos alunos. Esse sistema,
como argumentou Bernstein (1996), enfrentou desafios consideráveis nas
transformações culturais da modernidade tardia.
[Há uma] necessidade premente de garantir a presença de uma mentalidade cristã na sociedade
atual, marcada, entre outras coisas, pelo pluralismo cultural. Pois é o pensamento cristão que
constitui um critério sólido de julgamento em meio a conceitos e comportamentos conflitantes:
a referência a Jesus Cristo. Ensina [a diferenciar] os valores que enobrecem e aqueles que degradam
(SACRED CONGREGATION FOR CATHOLIC EDUCATION, 1977).
A escola não é apenas um lugar onde se recebe uma seleção de valores intelectuais, e sim um lugar
onde a pessoa é apresentada a um conjunto de valores que são efetivamente vividos [...] Cristo é
a base de todo o empreendimento educacional em uma escola católica [...] e a escola católica visa
formar no cristão8 as virtudes particulares que lhe permitirão viver uma nova vida em Cristo
(SACRED CONGREGATION FOR CATHOLIC EDUCATION, 1977, p. 29-33).
7. Esse foi um tema constante dos pronunciamentos subsequentes do Vaticano sobre educação católica na
modernidade tardia: “muitos jovens encontram-se em condições de instabilidade radical [...] Vivem em um
universo unidimensional no qual o único critério é a utilidade prática, e o único valor é o progresso econômico
e tecnológico. Não poucos [...], tentando escapar da solidão, voltam-se para o álcool, as drogas, o erótico, o
exótico. A educação cristã defronta-se com o enorme desafio de ajudar esses jovens a descobrir algo de valor
em sua vida” (VATICAN CONGREGATION FOR CATHOLIC EDUCATION, 1988, p. 8-10).
8. Infelizmente, o espírito do Concílio Vaticano II não levou à utilização de linguagem de gênero inclusiva nos
documentos da Igreja.
320 Grace
A escola católica tem, como dever específico, a completa formação cristã de seus alunos, e hoje
essa tarefa é particularmente importante devido às inadequações da família e da sociedade [...]
Os jovens devem ser ensinados a superar seu individualismo e a descobrir sua vocação específica
à luz da fé. O próprio padrão de vida cristão leva-os ao compromisso de servir a Deus [...] e de
tornar o mundo um lugar melhor para viver (SACRED CONGREGATION FOR CATHOLIC
EDUCATION, 1977, p. 37).
A educação não é oferecida com o objetivo de ganhar poder, mas como uma ajuda na direção da
compreensão mais completa e da comunhão com o homem, os acontecimentos e as coisas. O
conhecimento não deve ser considerado como meio de prosperidade e sucesso material, mas
como um chamado para servir e para ser responsável pelos outros (SACRED
CONGREGATION FOR CATHOLIC EDUCATION, 1977, p. 43).
A escola católica não depende tanto de conteúdos ou metodologia quanto das pessoas que nela
trabalham. Em grande parte, depende de os professores determinarem até que ponto a mensagem
cristã é transmitida por meio da educação [...] A nobreza da tarefa para a qual os professores
foram chamados exige que, imitando Cristo [...] eles revelem a mensagem cristã não apenas pela
palavra, mas também por meio de cada gesto de seu comportamento.9 Isso é que faz a diferença
entre uma escola cuja educação é permeada pelo espírito cristão e aquela em que a religião é
considerada apenas como um tema acadêmico semelhante a qualquer outro (SACRED
CONGREGATION FOR CATHOLIC EDUCATION, 1977, p. 36).
Uma vez que é motivada pelo ideal cristão, a escola católica é particularmente sensível ao apelo
de todas as partes do mundo por uma sociedade mais justa... Em alguns países, devido a leis e
condições econômicas locais, a escola católica corre o risco de dar um testemunho ambíguo ao
permitir que a maioria de seus alunos sejam os filhos de famílias ricas [...] Essa situação preocupa
muito os responsáveis pela educação católica, porque, em primeiro lugar e acima de tudo, a Igreja
oferece seus serviços educacionais aos pobres, aos que não têm auxílio ou afeto da família, ou
àqueles que estão distante da fé (SACRED CONGREGATION FOR CATHOLIC
EDUCATION, 1977, p. 44-45).10
9. Essa ênfase na importância do testemunho na formação educacional católica foi ainda mais fortalecida pela
afirmação muito citada (em contextos católicos) do Papa Paulo VI: “atualmente, os estudantes não escutam
seriamente os professores, mas sim as testemunhas; e quando escutam os professores, é porque estes são
testemunhas” (EVANGELII NUNTIANDI, 1975 apud DUMINUCO, 2000, p. 285).
10. Para outras discussões, ver Grace (2003).
322 Grace
A comunidade escolar católica é uma fonte insubstituível de serviços [...] Atualmente, vemos um
mundo que clama por solidariedade e, no entanto, vivencia a ascensão de novas formas de
individualismo. A sociedade pode observar na escola católica que é possível criar comunidades
genuínas a partir de um esforço comum para o bem comum (SACRED CONGREGATION
FOR CATHOLIC EDUCATION, 1977, p. 47).11
Na certeza de que o espírito opera em todas as pessoas, a escola católica se oferece a todos, inclusive
aos não cristãos, com todas as suas metas e todos os seus meios distintos (SACRED
CONGREGATION FOR CATHOLIC EDUCATION, 1977, p. 66). 12
11. A Conferência dos Bispos Católicos da Inglaterra e do País de Gales reiterou os objetivos do bem comum do
ensino social e educacional católico em duas publicações, em 1996 e 1997.
12. As escolas católicas em contextos missionários, tais como África, Oriente Médio e Extremo Oriente, Índia
etc., sempre estiveram abertas a pessoas de outros credos. Esse desenvolvimento radical de 1977 estendeu
internacionalmente essa abertura a todos os contextos.
Cristianismo, modernidades e conhecimento 323
Solicitamos a cada congresso episcopal que considere e desenvolva estes princípios que devem
inspirar a escola católica, e que os traduzam em programas concretos que atendam às reais
necessidades dos sistemas educacionais que operam em seus países (CATHOLIC BISHOPS’
CONFERENCE OF ENGLAND AND WALES, 1996, p. 71-72).
13. Para alguns estudos que tentaram avaliar o impacto das reformas do Concílio Vaticano II sobre a prática de
educação católica, ver Arthur (1995), Bryk et al. (1993), Flynn (1993), Grace (2002), Greeley (1998),
McLaughlin et al. (1996), O’Keefe (2000), Sullivan (2000) e Youniss et al. (2000 a, b).
14. Uma tentativa de remediar essa situação é feita na publicação “International handbook of Catholic education”,
organizada por Gerald Grace e Joseph O’Keefe, S. J., publicada em 2009.
324 Grace
15. Isso foi reconhecido também por Berstein: “pela primeira vez, produzimos um discurso e uma cultura pedagógicos
virtualmente seculares e, ao mesmo tempo, uma revivescência do sagrado” (BERSTEIN, 1996, p. 80).
16. Walford (2001) examinou o desenvolvimento de escolas cristãs evangélicas na Inglaterra e na Holanda.
Cristianismo, modernidades e conhecimento 325
17. Deve-se notar, entretanto, que as escolas católicas pré-Concílio Vaticano II também se isolavam do mundo
externo, que era considerado um corruptor potencial da fé.
18. Citado em Armstrong (2001b, p. 267).
326 Grace
19. A gravidade da situação foi reconhecida na publicação da Sagrada Congregação pela Educação Católica, “Lay
Catholics in schools: witness to faith” (1982). Nesse documento é expressa a esperança de que o carisma e o
sentimento de vocação das ordens religiosas educadoras em processo de declínio fossem reconstituídos em
seus sucessores laicos.
Cristianismo, modernidades e conhecimento 327
20. Para uma discussão sobre o impacto da evangelização protestante na América Latina, ver Cook (1994). Ver
especialmente os Capítulos 5 (Berg e Pretiz) e 20 (Bonino).
21. Para uma tentativa de encorajar essas pesquisas, ver Grace (2004).
22. Casanova argumenta, com especial referência ao catolicismo, que “as tradições religiosas em todo o mundo
vêm-se recusando a aceitar o papel marginal e privatizado que as teorias da modernidade [...] reservaram para
elas. Surgiram movimentos sociais [...] desafiando, em nome da religião [...] o Estado e a economia de
mercado” (CASANOVA 1994, p. 5).
328 Grace
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59
Robin Alexander
1. Este capítulo baseia-se particularmente no estudo comparativo realizado pelo autor sobre cultura, políticas e
pedagogia nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, na Índia e na Rússia (ALEXANDER, 2001), bem
como no corpo mais amplo de trabalhos publicados citados. Vários dos artigos mais recentes do autor sobre
pedagogia dentro de um quadro de referência internacional podem ser encontrados em Alexander, R. J.
“Essays on pedagogy” (ROUTLEDGE, jul. 2008).
331
332 Alexander
Definindo pedagogia
Até aqui, uma definição de pedagogia foi inferida. É tempo de torná-la mais
explícita. Um dos valores do trabalho comparativo é que nos alerta a respeito da
maneira pela qual termos aparentemente sólidos em um determinado discurso não
são o que parecem ser.
Portanto, pode ser importante que, no contexto de forte investimento na
cidadania que caracteriza a educação pública francesa, éduquer signifique criar, bem
como educar formalmente, e que bien éduqué signifique bem-educado ou dotado
de boas maneiras, e não bem-escolarizado (em inglês educate também tem os dois
sentidos, mas o último deles predomina atualmente); ou que a raiz da palavra russa
para educação, obrazonanie, signifique forma ou imagem, e não, como em nossa
versão latina, “conduzir”; ou que abrazovanie seja inseparável de vospitanie, uma
ideia que não tem equivalente em inglês, porque combina desenvolvimento pessoal,
moralidade pública e privada, e compromisso cívico, enquanto em inglês estes
tendem a ser tratados como domínios separados, e até mesmo conflitantes; ou que
obuchenie, traduzido em geral como instrução orientada por um professor, sinalize
aprendizagem e ensino. Certamente é muito importante que na educação inglesa
(e americana) desenvolvimento seja considerado um processo fisiológico e
psicológico que ocorre independentemente da escolarização formal, ao passo que
os professores russos definem desenvolvimento de forma transitiva, como uma
tarefa que requer sua intervenção ativa: em um dos contextos o desenvolvimento
é natural, enquanto no outro é mais próximo de aculturação. Da mesma forma,
na tradição anglo-americana, a criança mais capaz é definida como aquela que tem
maior potencial, ao passo que, no legado pedagógico da Rússia soviética, ela é a
menos capaz, porque tem um caminho mais longo a percorrer na direção de metas
que são consideradas comuns a todas as crianças (MUCKLE, 1988;
ALEXANDER, 2001, p. 368-370).
Esses termos sugerem mais do que a necessidade de que o comparativista seja
sensível aos problemas de idioma e de tradução. Também ajustam sutilmente a
agenda educacional segundo linhas culturalmente distintivas, mesmo antes que se
inicie a investigação dos detalhes das políticas e das práticas. Nos casos
exemplificados acima, tanto l’éducation quanto vospitanie introduzem no discurso
sugestões de moralidade pública e do bem comum, de maneira que influenciam
subliminarmente as discussões recorrentes sobre metas e currículos escolares na
França e na Rússia; por outro lado, as noções russas de potencial e de
Por uma pedagogia comparada 335
Em qualquer contexto, ensinar é o ato de utilizar o método X para capacitar os estudantes a aprender Y.
entre estudantes e professor, e dos estudantes entre si, o que equivale à lei, aos
costumes, às convenções e à moralidade pública na sociedade civil. Definimos esse
componente como rotina, regra e ritual.
O quadro de referência completo do ensino, discutido mais detalhadamente em
Alexander (2001, p. 320-325), é apresentado na Figura 1. Os elementos são
agrupados sob os títulos de estrutura, forma e ato. Os atos nucleares de ensino (tarefa,
atividade, interação e julgamento) são moldados pela organização da sala de aula
(espaço) e dos alunos, pelo tempo e pelo currículo, e pelas rotinas, pelas regras e pelos
rituais da sala de aula. E ganham forma na aula ou nos procedimentos de ensino.
Portanto, é preciso fazer escolhas sobre a maneira de analisar cada um dos
elementos. Isso levanta novas questões sobre categorias analíticas, métodos de
pesquisa e tecnologias, que por motivos de espaço não podem ser abordadas aqui.
Basta dizer que na pesquisa “Culture and pedagogy” cada elemento mencionado
acima foi desdobrado em diversas subunidades analíticas; os principais
instrumentos de pesquisa foram observação, vídeo e entrevista; e os dados incluíram
notas de campo, transcrições de entrevistas, transcrições de aulas, fotografias,
documentos relativos ao ensino, e cerca de 130 horas de registros em vídeo.
Tarefa 6
Atividade 7 Ato
Interação 8
Avaliação 9
342 Alexander
Valores
Portanto, valores irrompem desordenadamente a cada momento na análise
da pedagogia, e uma das fragilidades mais persistentes de grande parte da
pesquisa básica sobre ensino, inclusive os raros trabalhos que aparecem na
literatura de educação comparada, é a tendência a minimizar sua importância
na modelação e na explicação da prática observável. Ultimamente, a ideia de
ensino sem valores recebeu um impulso poderoso por meio do endosso de vários
governos anglófonos a pesquisas sobre eficácia escolar (que reduzem o ensino à
técnica, e a cultura a um fator não particularmente importante entre muitos
outros) e da adoção, em todo o espectro das políticas públicas, do critério
cruamente utilitário de o que funciona. O ensino é uma atividade intencional
e moral: é empreendido com um objetivo, e é validado em referência a metas
educacionais e a princípios sociais, bem como à eficácia operacional. Em
Por uma pedagogia comparada 343
3. Com a permissão da professora em questão. A ética de utilização de vídeo como instrumento de pesquisa
deve ser sempre considerada com seriedade.
344 Alexander
que observamos nas ruas da Rússia pós-União Soviética contava uma estória
diferente, mas os professores que entrevistamos foram muito explícitos quanto à
sua tarefa, que era manter a linha contra a onda crescente de anomia. É essa
diferença cultural, tanto quanto a mera competência executiva, que explica muitos
dos contrastes surpreendentes na prática, e na aparente eficiência da prática, com
os quais esses valores estão associados.
Esse exemplo também pode ajudar-nos em nossos estudos anteriores sobre
Sadler e o empréstimo cultural. Pois talvez seja o grau de compatibilidade no nível
dos valores que estabelece os limites daquilo que pode ser transferido com bons
resultados no nível da prática. Uma pedagogia baseada em autoridade do professor,
indução em direção a disciplinas temáticas, cultura geral e cidadania no mínimo
estará desconfortável ao lado de outra que celebra a democracia na sala de aula, o
conhecimento pessoal, o pluralismo cultural e a antipatia pelo aparato do Estado
– e vice-versa. Essa proposição simples, que pode ser facilmente testada na prática,
escapa àqueles que emprestam políticas, que presumem que o que funciona em
um país funcionará em outro. Assim, antes que a educação russa sucumbisse à
escassez de recursos que se seguiu ao colapso econômico em meados da década de
1990, durante algum tempo as crianças russas continuaram a superar o
desempenho das crianças norte-americanas em matemática e ciências, apesar da
enorme disparidade de recursos entre os sistemas educacionais dos dois países
(RUDDOCK, 2000; WORLD BANK, 2000). E, no entanto, o Banco Mundial e
a OCDE rejeitaram o ensino russo acusando-o de autoritário e ultrapassado, e
fizeram pressão por uma pedagogia mais democrática e centrada no aluno
(WORLD BANK, 1996; OCDE, 1998).
4. NT: L’affaire du foulard (em francês no original): o caso do véu, ou echarpe, hijab e chador – vestimentas
tradicionais muçulmanas que as mulheres usam para cobrir a cabeça e os ombros, ou, no caso do chador e
da burca, o corpo inteiro. O caso assim denominado foi a controvérsia ocorrida na França em meados da
década de 1990 a respeito do uso do hijab nas escolas públicas, que se ampliou em debates sobre o islamismo
e a integração entre culturas, terminando em 2010 com a proibição do uso do hijab em escolas, hospitais e
transportes públicos.
Por uma pedagogia comparada 345
coletivas, aliada à autoridade indiscutível do professor, sem falar nos métodos de ensino,
evidenciam claramente que as continuidades são tanto czaristas quanto soviéticas. Na
Índia, as continuidades remontam ainda mais longe no tempo, e encontramos pelo
menos quatro tradições – duas delas nativas (brâmane e pós-independência) e duas
impostas (colonialista e missionária) – que se combinam para dar forma à prática
primária contemporânea naquele país vasto e complexo (KUMAR, 1991).
Na Inglaterra, os legados gêmeos do minimalismo e do idealismo progressista
na escola elementar contrabalançaram as tentativas do governo de promover uma
modernização radical. Um deles ainda modela as estruturas escolares e as
prioridades do currículo (e o governo está tão submisso a ele quanto os professores),
enquanto o outro continua a influenciar a consciência profissional e a prática em
sala de aula. Na verdade, na busca por reconquistar uma força de trabalho docente
insatisfeita, a Primary National Strategy pós-2003 do governo do Reino Unido
procurou suavizar sua imagem de estatismo por meio de um apelo direto às virtudes
progressistas de prazer, criatividade e flexibilidade, expresso em grandes caracteres
e com fotos de crianças sorridentes (ENGLAND, 2003; ALEXANDER, 2004).
Alguns enxergaram o que estava por trás dessa trama; muitos outros, não.
Jerome Bruner nos recorda, também, que em nossa teorização pedagógica:
[...] ainda estamos nos alimentando muito de nosso passado mais distante, pré-positivista.
Chomsky reconhece sua dívida em relação a Descartes, Piaget é impensável sem Kant, Vygotsky,
sem Hegel e Marx, e a teoria da aprendizagem foi construída sobre as fundações criadas por John
Locke (BRUNER, 1990, p. x-xi).
Versões de ensino
Mais uma vez, não é possível listar todas as ressonâncias interculturais que
encontramos na pesquisa Five Cultures. Entretanto, abrangendo-as, houve seis
versões de ensino e três valores primordiais que podemos resumir brevemente.
1. Ensino como transmissão vê a educação principalmente como um processo em
que se instruem as crianças para que absorvam, repliquem e apliquem
informações e habilidades básicas.
2. Ensino como iniciação vê a educação como um meio de proporcionar o acesso
ao acervo cultural de conhecimentos de alto status – por exemplo, na literatura,
nas artes, nas humanidades e nas ciências – e a transmissão desses
conhecimentos de uma geração para outra.
3. Ensino como negociação reflete a ideia de Dewey de que professores e alunos
criam conjuntamente conhecimentos e compreensões em uma comunidade de
aprendizagem ostensivamente democrática, ao invés de relacionar-se entre si
como uma fonte dominante de conhecimento e o seu receptor passivo.
4. Ensino como facilitação orienta o professor por princípios de desenvolvimento
(mais especificamente, princípios piagetianos), e não por princípios culturais
ou epistemológicos. O professor respeita e alimenta as diferenças individuais,
e espera até que crianças estejam prontas para progredir, ao invés de forçá-las
a isso.
5. Ensino como aceleração, ao contrário, implementa o princípio vygotskiano de
que a educação é uma aculturação planejada e guiada, e não um
desenvolvimento natural facilitado e, na verdade, de que o professor tenta
acelerar o desenvolvimento, e não acompanhá-lo.
6. Ensino como técnica, por fim, é relativamente neutro em sua postura quanto à
sociedade, o conhecimento e a criança. O importante aqui é a eficiência do
ensino, independentemente do contexto de valores, e para isso são mais urgentes
imperativos como estrutura, utilização econômica do tempo e do espaço, tarefas
cuidadosamente graduadas, avaliação regular e retroalimentação clara do que
disciplinas ou ideias como democracia, autonomia, desenvolvimento.
Por uma pedagogia comparada 347
A primeira versão é ubíqua, mas nos dados de Five Cultures foi mais
proeminente na aprendizagem por memorização, e no ensino por recitação da
pedagogia indiana dominante. O arquétipo da segunda é fornecido pelas salas de
aula francesas, mas também emergiu na Rússia e na Índia e – embora muitas vezes
sob protestos profissionais no estágio do primário – na Inglaterra e nos Estados
Unidos (seu pedigree mais seguro na educação inglesa talvez remeta a Matthew
Arnold e às tradições das Grammar Schools5 e escolas particulares. Nos Estados
Unidos, os professores defendiam e procuravam aplicar tanto a terceira quanto a
quarta versões de ensino, muitas vezes seguindo explicitamente John Dewey e Jean
Piaget. Os professores da Inglaterra, sujeitos às pressões das estratégias
governamentais de alfabetização e de operações com números, ainda valorizavam
a prontidão e a facilitação do desenvolvimento, mas bem menos a democracia.
Baseando-se explicitamente na máxima vygotskiana de que “o único ensino
adequado é aquele que supera o desenvolvimento”, nossos professores russos
ilustraram a pedagogia da intervenção e da aceleração (5), diametralmente oposta
à prontidão e à facilitação do desenvolvimento. Ao mesmo tempo, tal como os
professores de boa parte da Europa Continental, baseavam-se na antiga tradição
comeniana (6) de aulas altamente estruturadas, ensino para o conjunto da turma,
desdobramento das tarefas de aprendizagem em fases pequenas e graduadas, e
preservação da economia na organização, nas ações e na utilização do tempo e do
espaço (COMENIUS, 1657, p. 312-334).
A trajetória das reformas pedagógicas recentes evidencia permutações
interessantes entre essas versões. Assim, sob o Government of India District Primary
Education Programme6, os professores indianos foram solicitados a tornar-se mais
democráticos (3) e orientados pelo desenvolvimento (4) (INDIA, 1998). A
linguagem do desenvolvimento e da facilitação também penetrou em documentos
de políticas na França e na Rússia (FRANCE, 1998; RUSSIA, 2000). Em contraste,
os professores ingleses estavam sendo estimulados a imitar a tradição continental
representada por (6), particularmente por meio da adesão ao “ensino interativo
para o conjunto da turma” nas estratégias governamentais do Reino Unido relativas
a alfabetização e operações numéricas (ENGLAND, 1998, 1999). Esses são atos
deliberados de importação pedagógica. Resta ver até que ponto o que vem de fora
pode acomodar-se ao que é nativo.
Já foi inferida uma tradição distintivamente europeia continental. Os dados de
Five Cultures tornam possível a ideia de tradições pedagógicas amplas que
atravessam fronteiras nacionais para consolidar-se. Nessa pesquisa, o grande divisor
cultural foi o Canal da Mancha, e não o Atlântico. Houve um nexo anglo-
americano discernível quanto a valores e práticas pedagógicas, da mesma forma
que houve um nexo discernível na Europa Continental, com a Rússia em um
5. NT: Escolas de ensino médio, de orientação fortemente acadêmica.
6. Programa Distrital de Educação Primária do Governo da Índia
348 Alexander
Valores primordiais
Os professores do estudo de cinco nações também articularam, praticaram ou
percorreram um caminho incerto entre três versões de relações humanas:
individualismo, comunidade e coletivismo.
• Individualismo coloca o indivíduo acima dos outros, e os direitos pessoais antes
das responsabilidades coletivas. Enfatiza liberdade irrestrita de ação e de
pensamentos.
• Comunidade centra-se na interdependência humana, em cuidar dos outros,
compartilhar e colaborar.
• Coletivismo também enfatiza a interdependência humana, mas apenas na
medida em que serve às necessidades maiores da sociedade, ou do Estado (o
que não é a mesma coisa) como um todo.
Nas salas de aula observadas, um compromisso com o individualismo
manifestou-se na diferenciação intelectual ou social, em resultados de aprendizagem
divergentes, e não uniformes, e em uma visão de conhecimento como algo pessoal
e único, e não imposto de cima para baixo, sob a forma de disciplinas e temas. O
ensino na versão comunidade refletiu-se em tarefas colaborativas de aprendizagem,
frequentemente em pequenos grupos, em cuidar e compartilhar, e não em
competir, e em uma ênfase no afetivo, e não no cognitivo. Por fim, na linha do
coletivismo refletiu-se em conhecimento comum, ideais comuns, um único
currículo para todos, cultura nacional, e não em pluralismo e multicultura, e em
aprender junto, e não de forma isolada ou em pequenos grupos.
Esses valores permearam os níveis nacional, escolar e de sala de aula. Estamos
familiarizados com o contraste entre as culturas supostamente egocêntricas do
Ocidente, com os Estados Unidos como o grande vilão, com as culturas supostamente
holísticas, sociocêntricas, do Sul e do Leste da Ásia. Embora haja evidências em apoio
a essa oposição (SHWEDER, 1991), é muito fácil demonizar um dos polos e
romantizar – ou orientalizar – o outro. Mas penso que, quando se trata de pedagogia,
a distinção tríplice se sustenta, e não parece de forma alguma ser acidental que tantas
discussões sobre método de ensino tenham-se centrado nos méritos relativos do
ensino para o conjunto da turma, de grupo ou de trabalho individual.
Na França, esse debate pode ser remontado a argumentos do início do século
XIX a respeito dos méritos relativos de l’enseignement simultané, l’enseignement
mutuel e l’enseignement individuel (REBOUL-SCHERRER, 1989). Venceu
l’enseignement simultané, como instrumento pós-revolucionário para a promoção
do comprometimento cívico e a identidade nacional, bem como da alfabetização.
Por uma pedagogia comparada 349
Conclusão
Se a globalização impõe uma presença comparativa e internacional mais forte
na pesquisa educacional em geral, não é menos urgente a necessidade de que os
comparativistas focalizem o próprio núcleo do empreendimento educacional – a
pedagogia. Esse empreendimento exige, no entanto, tanto rigor no referenciamento
e na análise da pedagogia quanto no ato de comparar. Neste capítulo, baseei-me
em um estudo comparativo sobre a educação primária de cinco países para postular
princípios e quadros de referência para uma nova pedagogia comparada. A
pedagogia é definida especificamente como o ato de ensinar juntamente com os
discursos, ideias e valores que o acompanham. A análise desse discurso requer, a
350 Alexander
um só tempo, que nos engajemos com cultura, valores e ideias nos níveis de sala
de aula, escola e sistema, e que tenhamos um quadro de referência viável e
abrangente para o estudo empírico do processo de ensino e aprendizagem. Os
modelos interligados de pedagogia, ensino e currículo apresentados nas Figuras de
1 a 3, que foram desenvolvidos inicialmente para referenciar a análise dos dados
de “Culture and pedagogy”, e foram mais elaborados desde então, associam cultura,
estrutura e política nacional com a atuação na sala de aula; mas permitem também
que a relação estrutura-atuação seja encenada no interior das microculturas da
escola e da sala de aula.
O foco aqui não é no detalhamento dos resultados da pesquisa Five Cultures, e
sim no potencial de seu quadro de referência analítico para sustentar o
desenvolvimento já muito tardio de uma pedagogia comparada. Porém, ao
argumentar pela centralidade da cultura, da história e dos valores em uma análise
adequada da pedagogia, e ao aplicar em cinco países, e não apenas em um ou dois,
os quadros de referência, instrumentos e perspectivas escolhidos, abrimos outros
domínios importantes: o equilíbrio entre continuidade e mudança no pensamento
e na prática educacional ao longo do tempo, e as diversidades e semelhanças
pedagógicas através de fronteiras geográficas. Ao fazê-lo, não somos apenas forçados
a reavaliar a resistência de Sadler à importação-exportação educacional; também
nos aproximamos da identificação dos verdadeiros universais do ensino e da
aprendizagem. Uma pedagogia comparada adequadamente concebida pode
promover nossa compreensão sobre interação entre educação e cultura e, ao mesmo
tempo, ajudar-nos a melhorar a qualidade do provimento educacional.
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60
MUDANÇA PEDAGÓGICA E
EDUCACIONAL PARA SOCIEDADES DO
CONHECIMENTO SUSTENTÁVEIS
Andy Hargreaves
Introdução
Vivemos em tempos perigosamente insustentáveis. No mundo desenvolvido, o
desejo de progresso interminável e de consumo ilimitado, de prazer imediato e de
recompensas no curto prazo, de querer tudo, e de querer agora coloca nosso planeta
e seus habitantes em perigo. E são os menos privilegiados – os pobres e despossuídos
– que correm os maiores riscos. Políticos atraídos pela gratificação instantânea de
eleições de curto prazo e de resultados imediatistas trocaram o imperativo moral
da mudança climática de longo prazo pela popularidade imediata do sucesso
eleitoral – e as consequências são pobreza global, catástrofe climática generalizada
e migração de milhões de pessoas ao redor do mundo.
Da mesma maneira, as mudanças educacionais e as estratégias de reforma
atualmente em voga ameaçam tratar nossos professores e nossos recursos humanos
de forma insustentável, assim como negócios multinacionais e políticos vêm
comprometendo a sustentabilidade de nossos recursos naturais. A imposição de
metas de curto prazo, a avaliação infindável e os ganhos políticos rápidos à custa
de aprendizagem efetiva para todos os alunos são inimigos da sustentabilidade
educacional.
Nos últimos anos, escrevi dois livros aparentemente contraditórios sobre
pedagogia, liderança e mudança nas sociedades do conhecimento. “Teaching in
the knowledge society” (HARGREAVES, 2003) argumenta que as escolas, o ensino
e a aprendizagem precisam ser reconfigurados para preparar todos os jovens para
participar da transformação de suas sociedades em economias do conhecimento
criativas, e para ter oportunidades de emprego nos níveis mais altos dessas
economias em sociedades com competências de alto nível e altos salários.
Aumenta cada vez mais o número de nações que são ou aspiram a ser economias
do conhecimento. Sociedade do conhecimento não é apenas sinônimo de sociedade
da informação. Em uma era de tecnologias eletrônicas, digitais e de satélites, as
sociedades do conhecimento abordam a maneira pela qual as informações e as ideias
são criadas, utilizadas, circuladas e adaptadas com velocidade cada vez maior em
353
354 Hargreaves
Imersão no presente
Algumas vezes, a ameaça de mesclar futuro e passado não representa uma
rejeição ativa do passado, e sim uma imersão indulgente em um presente que
parece não ter entradas nem saídas. Em uma época de insegurança econômica e
de perda crescente de credibilidade no compromisso e na capacidade da política
de prospectar o futuro não surpreende que as pessoas invistam suas paixões e seus
objetivos no presente. Mas na sociedade do conhecimento pós-industrial, a
esquiva em relação ao futuro é menos marcada por uma resignação fatalista entre
os pobres do que por uma indulgência enérgica por parte dos grupos mais
privilegiados em termos socioeconômicos. Em um tempo de insegurança, muitas
pessoas lidam com a peremptoriedade da morte e o fim do futuro de formas
diferentes das de seus predecessores de outras gerações. Não economizam para
deixar um legado, não se preparam prudentemente para as recompensas últimas
da eternidade religiosa, ou nem mesmo se sacrificam nos campos de batalha em
nome do bem maior da identidade ou da segurança nacional. Ao invés disso,
negam e tentam enganar e controlar a morte por meio daquilo que Bauman
chama de marginalização das preocupações com a irrevogabilidade, por meio da
desvalorização de tudo que é durável, permanente, de longo prazo: a
desvalorização de tudo que tenda a sobreviver à vida individual (BAUMAN,
2006, p. 39).
No culto pós-industrial ao presente, as pessoas “adiam as frustrações, não as
gratificações” (BAUMAN, 2006, p. 8). Vivem de crédito, fazem plástica no rosto,
dilapidam a herança de seus filhos, e gastam em orgias de consumo nas quais cada
um imagina que será jovem para sempre em um mundo que não pensa no amanhã.
Esse consumo do presente é sustentado e estimulado por um ambiente de
trabalho que valoriza o movimento e não a estabilidade, interações de curto prazo
e não relações de longo prazo, e migração de uma tarefa para outra e não o orgulho
de ter domínio sobre uma competência desafiadora (SENNETT, 2001). Nas
palavras de Richard Sennett:
358 Hargreaves
Não se exige nem se deseja aqui engajamento crítico algum, desafio algum aos
objetivos da organização, reflexão alguma de longo prazo ou profundidade moral,
pois “as instituições baseadas em transações de curto prazo e tarefas que mudam
constantemente [...] não geram esse aprofundamento. Na verdade, a organização
pode temê-lo” (SENNETT, 2006, p. 105). A sedução da imersão de curto prazo
nas interações do presente “separa a análise da crença, ignora o elo dos vínculos
emocionais, penaliza o aprofundamento” (SENNETT, 2006, p. 121-122). Nesse
ambiente de tempo presente e de total consumo, “sua competência reside em
cooperar, quaisquer que sejam as circunstâncias” (SENNETT, 2006, p. 126).
Essas predileções e preocupações evidenciaram-se em um projeto que meu
colega Dennis Shirley e eu avaliamos na Inglaterra, e no qual mais de 300 escolas
que tinham apresentado um declínio no desempenho medido durante um ou dois
anos foram conectadas entre si, receberam apoio técnico para a interpretação de
resultados de avaliações, tiveram acesso ao apoio de escolas mentoras e receberam
um orçamento modesto para ser gasto segundo seus próprios critérios, desde que
estes fossem orientados para os objetivos do projeto (HARGREAVES et al., 2006).
As escolas participantes receberam também um cardápio de estratégias gerado para
o profissional visando a melhorias de curto, médio e longo prazo.
As escolas tiveram um sucesso espetacular nas melhorias de curto prazo, mas
poucas delas passaram a envolver-se com processos de melhorias de prazo mais longo.
Em grande parte delas ainda não tinham ocorrido diálogos sobre transformações
mais profundas no ensino. Ao invés disso, professores e escolas implementavam e
trocavam entre si, entusiasticamente, estratégias de mudança de curto prazo:
transmitiam aos alunos estratégias para desempenho em exames, pagavam ex-alunos
para que auxiliassem os alunos atuais, ofereciam aos alunos lanches de água, banana
e alface antes dos testes, ou obtinham o número de telefones celulares para entrar
em contato com alunos que não apareciam nos dias de exame.
No passado, muitos professores sentiram a imposição de metas e estratégias de
curto prazo como uma intromissão profissional indesejável (HARGREAVES, 2003).
Contudo, o projeto para escolas de baixo desempenho venceu a aversão dos
professores a medidas de melhorias no curto prazo, por meio de estratégias de
validação profissional apoiadas pelos colegas, que de fato fizeram diferença em termos
da avaliação do desempenho dos alunos que os professores ensinam nesse momento.
No entanto as novas estratégias de curto prazo e os novos meios de adquiri-las
e permutá-las são tão satisfatórias e bem-sucedidas atualmente que se tornaram um
tipo de dependência, ao invés de algo aversivo. Nas palavras de um professor, essas
Mudança pedagógica e educacional 359
estratégias são “tão engenhosas e incríveis” que podem ser utilizadas de imediato,
e não desafiam nem estimulam o professor a questionar e revisar suas abordagens
usuais ao ensino e à aprendizagem. Recorrentemente, a urgência de melhorar os
resultados provoca nos professores uma euforia pelo sucesso de curto prazo. O
resultado é uma cultura algo hiperativa de mudança que pode provocar entusiasmo,
mas também esvaziamento e confusão.
Em uma das conferências observadas por nós, a maioria das estratégias
compartilhadas por diretores e diretores assistentes em suas discussões era de
curto prazo. Essas estratégias não são apenas de implementação fácil e rápida,
são também explicáveis de forma rápida e fácil – especialmente em um contexto
em que há poucas oportunidades para conversas prolongadas. Em exercícios
de encontros com novos parceiros, antes de se separar, diretores que têm
interesses em comum frequentemente trocam ideias e cartões de visita, em um
ambiente estimulante.
Quando esses intercâmbios estimulantes se combinam com a lógica do
financiamento de curto prazo de propostas, de uma cultura de políticas
caracterizada pelo imediatismo, e de uma cultura de ensino já imbuída de uma
orientação para o momento presente, juntamente com uma linguagem movida
pelo desempenho, na qual professores e diretores não se referem ao envolvimento
com a aprendizagem, e sim ao movimento de alunos rumo às categorias adequadas
de resultados, focalizando os grupos corretos, forçando os alunos com mais vigor,
levando-os adiante, elevando suas aspirações, contendo as pessoas e controlando
firmemente os jovens pela atuação, o resultado é uma pressão combinada no sentido
de preservar e perpetuar a orientação de curto prazo para o presente, sem incentivo
ou estímulo para pensar no futuro ou preparar-se para ele. Nesse cenário de
mudança pedagógica, o futuro recua diante de um presente interminável de maior
eficácia sem transformação pedagógica.
Em contraste, outras propostas de mudança pedagógica e educacional não
negligenciam nem negam o passado, mas voltam a ele como uma forma de
reinventar o futuro. Essas abordagens de volta para o futuro apresentam o futuro
em termos do passado.
A restauração do passado
No início de 2007, quando o governo do Japão, liderado pelo neto do primeiro-
ministro que dirigiu o país durante a Segunda Guerra Mundial, propôs a
reintrodução do patriotismo no currículo, por meio da associação entre imagens
nostálgicas de um passado glorioso e a perspectiva de um futuro mais unificado,
em reação a uma era de insegurança e incertezas crescentes nos valores familiares,
na identidade cultural e em uma ética de trabalho mais antiga. Da mesma forma,
as especificações do governo britânico para o currículo nacional da década de 1990
– de história como sendo a história britânica, e de literatura como sendo a literatura
360 Hargreaves
inglesa – procuravam restaurar o orgulho nacional e a confiança dos pais nas escolas
aludindo a ideias e imagens de estabilidade imperial (GOODSON, 1994).
Um dos exemplos contemporâneos mais dramáticos dessa estratégia de
mudanças recicladas pode ser encontrado nos Estados Unidos. No início de 2007,
o US National Center for Education and the Economy1 divulgou o relatório “Tough
choices or tough times”, produzido por sua New Commission on the Skills of the
American Workforce2. Em continuidade a seu relatório de 1990, que orientou grande
parte do movimento por padrões educacionais nos Estados Unidos, esse respeitado
órgão – que compreende dois ex-ministros de Estado, diversos superintendentes
estaduais e metropolitanos e gestores de escolas, além de uma variedade de CEOs
da área empresarial e líderes sindicais – lançou uma crítica ácida à incapacidade do
sistema nacional de educação pública, inflexível e com baixo desempenho, para
enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades da economia global
contemporânea.
Acompanhando tardiamente (ainda que mal admitindo) a liderança de
organizações internacionais que trabalham com políticas, como a OCDE (OECD,
2000); notando finalmente os já antigos prognósticos de Peter Drucker (1993),
falecido guru e futurista da administração; e entrando finalmente em sintonia com
analistas da sociedade do conhecimento, como Phillip Schlechty (1990) e eu
mesmo (HARGREAVES, 2003), a Comissão apontou o desempenho educacional
em declínio dos Estados Unidos em comparação com outras nações industriais
desenvolvidas. As razões do declínio, segundo a argumentação da Comissão,
estavam enraizadas na qualidade relativamente baixa da força de trabalho docente
do país, em um sistema distorcido pelos excessos de uma padronização
insuficientemente testada, que não estava preparado para a produção da criatividade
e da inovação necessárias para uma força de trabalho altamente competente e bem-
remunerada em uma economia global em rápido processo de mudança.
Nas palavras da Comissão, o estabelecimento de uma posição vantajosa e de
liderança econômica na economia global
[...] depende de uma profunda disposição para a criatividade que se renova constantemente, e de
uma miríade de pessoas que possam imaginar de que forma os indivíduos podem utilizar coisas
que nunca estiveram disponíveis antes, criar campanhas engenhosas de marketing e de vendas,
escrever livros, construir mobiliário, fazer filmes e imaginar novos tipos de software que capturem
a imaginação das pessoas e se tornem indispensáveis para milhões delas (NEW COMMISSION
ON THE SKILLS OF THE AMERICAN WORKFORCE, 2007, p. xviii).
1. NT: Centro Nacional dos Estados Unidos para a Educação e a Economia (tradução livre).
2. NT: Nova Comissão sobre Habilidades da Força de Trabalho Norte-americana (tradução livre).
Mudança pedagógica e educacional 361
Consumindo customização
Por fim, as perspectivas de mudança pedagógica que não descartam, não negam
ou não recriam o passado algumas vezes prometem algo mais radical, inovador e
original, tanto em termos de meios quanto de fins. Um exame mais detalhado, no
entanto, revela que elas talvez não tenham poder de transformação. Assim, o
relatório do UK Gilbert Committee sobre aprendizagem personalizada (GILBERT,
2006; HARGREAVES, 2004) parece defender, em uma era de sociedades do
conhecimento, transformações na aprendizagem e na pedagogia que vão além da
padronização. Na prática, entretanto, o que é defendido não é tanto uma
personalização que conecte a aprendizagem com narrativas e projetos sobre os
aprendizes e os cidadãos de uma nação ao longo da vida, mas sim a customização
dessa aprendizagem, de forma que se torne simplesmente mais flexível quanto à
forma pela qual é acessada, ministrada e apresentada – tal como se carrega um iPod
ou se encomendam opcionais para o automóvel. Aqui a aprendizagem pode ser
acelerada ou desacelerada, customizada e modulada, acessada na escola ou online,
no local ou fora dele, isoladamente ou com outros, ajustada a estilos pré-
identificados de aprendizagem, e apresentada em módulos combinados segundo
as preferências pessoais e a escolha do consumidor.
Assim como uma encomenda sob medida de roupas ou de decoração de
interiores, esse tipo de aprendizagem é simplificada e estilizada, mas é uma
aprendizagem que se omite a respeito de conteúdo, objetivos ou missão em uma
relação pedagógica esvaziada de sentido pessoal e social. Há uma aprendizagem
Mudança pedagógica e educacional 363
3. NT: DfID – Department for International Development (Departamento para o Desenvolvimento Internacional).
364 Hargreaves
Por outro lado, investidores espanhóis foram ao Peru para valer-se dos salários mais
baixos. Em ambos os casos, ocorreu transferência de tecnologia, que foi adaptada
às condições peruanas. Além disso, os empreendedores peruanos aprenderam (e
continuam a aprender) técnicas avançadas de agricultura em desertos irrigados, por
meio de cursos em Israel. Os produtores de aspargos do Peru estão organizados em
uma associação que divulga informações e dá assistência ao marketing. Além disso,
a universidade La Molina produz pesquisas sobre novos produtos para exportação,
bem como sobre controle de pragas e doenças, que são disponibilizadas para os
produtores de aspargos, constantemente adaptadas a condições locais e ensinadas
por grandes produtores para técnicos e pequenos fazendeiros. Essa aprendizagem
continuada produz alto retorno para o desenvolvimento econômico. A indústria
peruana de aspargos exemplifica o valor de tratar os setores público e privado não
como oponentes, mas como aliados, trabalhando em conjunto para dar apoio a
aprendizagem e treinamento permanentes que promovem um bem maior em
termos econômicos e sociais.
Uma das fábricas de sabão da Unilever, na Indonésia, trata a água de um rio
próximo para fabricar sabonete, creme dental e shampoo – uma vez que todos
demandam água limpa. A Unilever tem interesse comercial em melhorar a qualidade
da água na Indonésia, e isso é parte também de sua responsabilidade social e
ambiental. O programa Clean River da Unilever-Indonésia focaliza a sustentabilidade
por meio do envolvimento e do treinamento de todos os moradores das margens
do rio para que contribuam para sua melhoria, e oferece treinamento para que os
moradores dos vilarejos possam cuidar do rio de forma autossustentável.
Todos esses casos mostram que conhecimentos nativos locais, de longa data,
não precisam ser empecilhos para o desenvolvimento da economia do
conhecimento. Ao invés, a cultura tradicional pode ser considerada capital cultural
mantendo também seu valor social por seus próprios méritos. Essa afirmação não
significa apenas mostrar aos mais fracos tolerância em relação à diferença e à
comparação. Trata-se de reconhecer a força do conhecimento tradicional e de
envolver-se com esse conhecimento como uma base sólida para a inovação e o
desenvolvimento do conhecimento no futuro.
Em “Teaching in the knowledge society” (HARGREAVES, 2003), argumentei
que é importante que professores e escolas ensinem para além da sociedade do
conhecimento, ao mesmo tempo que se dirigem para ela – equilibrando a ênfase
da acelerada sociedade do conhecimento em inovação e criatividade, com o
desenvolvimento de lealdade, confiança e coesão social. Porém, atualmente está
claro que a conexão do presente com o futuro e o passado é mais do que uma
questão de compensação e equilíbrio. Essa conexão está no próprio núcleo daquilo
que significa ser uma sociedade do conhecimento que é sustentável e bem-sucedida
em uma sociedade que desenvolve confiança e lealdade, inclusão e equidade,
segurança e proteção como qualidades básicas de uma sociedade e de uma economia
Mudança pedagógica e educacional 365
4. NT: Boomer – referência à geração Baby Boom, nascida no período imediatamente posterior ao final da
Segunda Guerra Mundial, na qual ocorreu um grande aumento no número de nascimentos.
368 Hargreaves
de responsabilização gerencial – são estas apenas algumas das lições essenciais a serem
extraídas do extraordinário percurso educacional e econômico da Finlândia.
Engajamento ativista
Se a Finlândia parece ser um exemplar atípico e exclusivo de mudança pedagógica
em sociedades do conhecimento sustentáveis, as ruas tensas da Los Angeles
culturalmente diversificada talvez ofereçam um teste mais rígido das maneiras pelas
quais a mudança pedagógica pode ser mobilizada a partir de uma visão social inclusiva
e atraente, que é também sustentada por uma teoria clara de mudança em ação.
Jeannie Oakes e colegas da Universidade da Califórnia, Los Angeles, argumentam
que estratégias convencionais de mudança e reforma fracassam porque a
aprendizagem e o ensino que propõem não têm metas claramente articuladas em
relação à justiça social, exceto aquelas estritamente preocupadas com resultados de
testes e lacunas de desempenho (OAKES; ROGERS; LIPTON, 2007). Além disso,
as estratégias para produzir mudanças são dirigidas para a escola e promovidas por
escolas e profissionais do sistema escolar, com pouco envolvimento de alunos e de
pais, a não ser como alvos ou consumidores dos esforços de mudança. Nesse sentido,
nem os meios nem os fins da maioria dos esforços de mudança, nem as teorias de
ação que os sustentam desafiam ou confrontam as estruturas de poder e de controle
da sociedade que protegem sistematicamente escolas, programas e estratégias
pedagógicas particularmente vantajosos para as elites e seus filhos.
A título de resposta, Oakes e colegas (2006) baseiam-se nos princípios de
pesquisa participativa de John Dewey (1927), bem como em tradições norte-
americanas de ativismo e organização comunitária, para propor mudanças nos
níveis da sala de aula e da escola que melhoram o desempenho e garantem
melhorias mais amplas, por meio da associação entre estudantes pobres e de
minorias com baixo desempenho e redes de pesquisadores universitários e
professores que lhes oferecem treinamento e apoio para que investiguem e depois
atuem sobre suas próprias condições de educação e de vida. Essas formas de
pesquisa em colaboração não são meramente pedagogias culturalmente responsivas
que reagem aos estilos de aprendizagem culturalmente diversos de diferentes
estudantes (LADSON-BILLINGS, 1995); nem são apenas atos de instrução ou
criatividade intelectual cooperativa que estimulam realizações cognitivas. Antes,
em sintonia com o legado de Paulo Freire (2000), essas práticas, que Oakes e colegas
ajudaram a criar na prática tanto quanto na teoria, melhoram o desempenho e as
condições de desempenho para outras pessoas ao ajudar os alunos a investigar,
compreender e querer atuar sobre as condições que afetam sua própria vida e sua
educação, assim como as de suas comunidades – edificações dilapidadas, turmas
grandes, agrupamento de alunos por habilidades acadêmicas, que resulta em
divisão, livros e materiais inadequados, escassez de professores qualificados e poucas
oportunidades de aprendizagem.
Mudança pedagógica e educacional 369
Conclusões
O que podemos concluir sobre a mudança pedagógica em sociedades do
conhecimento sustentáveis? Desde a publicação de “Teaching in the knowledge
society” (HARGREAVES, 2003), persistem as evidências de que o sucesso e a
prosperidade na economia ainda dependem de inovações bem-sucedidas nas
atividades baseadas na informação. Sucesso e prosperidade dependem também, em
todas as esferas, da capacidade de acessar e circular conhecimentos de forma
inclusiva e intensiva, para acelerar o ritmo da competividade econômica juntamente
com a eficiência dos serviços públicos, por meio de mais consciência pessoal,
conectividade e responsabilidade – até mesmo e especialmente entre doentes e
idosos (CASTELLS; HIMANEN, 2002).
Persiste, portanto, a necessidade de cultivar pedagogias que enfatizem a
criatividade; que desenvolvam conhecimentos aplicados como forma de melhorar
a capacidade de resolução de problemas; que promovam aprendizagem permanente
e capacidade de adaptação e de mudança, à medida que o ambiente de trabalho as
exija; e que adaptem o ensino e a aprendizagem, de forma que a aprendizagem
possa ser acessada nos locais, estilos e gêneros mais eficazes para cada estudante
individualmente, e que maximizem seu desempenho e suas habilidades.
Escrito e publicado logo depois do 11 de setembro, “Teaching in the knowledge
society” levantou problemas paralelos de justiça, humanidade e segurança. Esses
problemas só vêm-se intensificando. Quando a nação mais rica do mundo
transformou seu ultraje de 11/9 em conquista militar da civilização mais antiga do
planeta, e quando seus aliados anglo-saxões ao redor do Atlântico e do Pacífico
resolveram, praticamente por si sós, associar-se a essa empreitada, a consequência
não foi a disseminação da democracia e da estabilidade, e sim a morte e o
deslocamento de pessoas e de suas famílias por todo o Oriente Médio – e mais
terrorismo, insegurança e fundamentalismo seguiram-se rapidamente em seu rastro.
370 Hargreaves
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SEÇÃO 7
INTRODUÇÃO EDITORIAL:
UMA NOVA MANEIRA DE PENSAR
Robert Cowen
O problema relativista
O problema relativista foi em parte ocultado pelas promessas duplas (liberais)
de progresso e melhoria da condição humana. Assim, dependendo da educação
comparada que se examina e da época em questão, pode haver uma promessa de
melhor entendimento ou de reforma mais fácil. Para Sadler, o que promete a
educação comparada – ao olhar para o que se passa no exterior – é um melhor
377
378 Cowen
O problema da práxis
Pode-se afirmar com certa confiança que o sistema educacional norte-americano
é insatisfatório. Mais precisamente, o estrangeiro que observa a educação nos
Estados Unidos aponta um fluxo de críticas detalhadas proveniente do mundo
acadêmico durante os últimos 40 anos. Claramente, então, esse sistema educacional
é ruim e precisa desenvolver-se com apoio de consultores externos e ajuda
internacional – e os Estados Unidos são um caso que requer tratamento.
Fica claro também que isso não vai acontecer.
A ação de estrangeiros sobre os sistemas educacionais, mesmo a mais banal
consultoria, normalmente ocorre em condições bastante específicas de
desequilíbrios no poder político e econômico, e a adoção de uma condição de
suplicante – ou por meio de ocupação, como no caso do Japão e da Alemanha em
1945. É bastante útil também que o que está errado com o sistema educacional
Introdução editorial: uma nova maneira de pensar 379
O problema da banalidade
Consideremos as categorias tradicionais que usamos para descrever sistemas
educacionais: objetivos, estrutura (o padrão de escolas de primeiro e segundo
níveis), administração e gestão, finanças, currículo, formação de professores,
exames, talvez educação técnica profissional e, possivelmente, ensino superior.
É claro que há especialistas que oferecem uma compreensão complexa e
sociológica, ou complexa e histórica de camadas particulares ou níveis de um sistema
educacional. Robin Alexander sobre currículo; Peter Jarvis sobre aprendizagem ao
longo de toda a vida; Guy Neave sobre educação de nível superior – todos eles nos
vêm à mente, e estão presentes em capítulos destes volumes. Porém, de modo geral,
é difícil não pensar que colecionar descrições de sistemas educacionais é como
colecionar números de trens: só é interessante se você já faz isso por hobby.
Mesmo assim, a situação piora, e então a banalidade transforma-se em algo um
pouco mais complexo.
Da descrição de sistemas educacionais passa-se rapidamente à identificação de
semelhanças e diferenças. De repente, o problema são os clichês da área – a educação
comparada compara; justapõe descrições educacionais; e identifica semelhanças e
diferenças. Porém, mais uma vez, e de modo geral, é difícil não pensar que o
pensamento que identifica semelhanças e diferenças em sistemas educacionais é
como colecionar números de trens: só é interessante se você já faz isso por hobby.
380 Cowen
Rolland G. Paulston1
Para Isaiah Berlin, in memoriam
“Quem faz o bem ao outro deve fazê-lo nos mínimos detalhes. O Bem
Geral é a justificativa do imoral, do hipócrita e do falso; pois a Arte e a
Ciência não podem existir senão em detalhes minuciosamente organizados”.
(William Blake, “Jerusalém”)
1. Agradeço ao professor Roger Boshier e a seus alunos da Universidade de British Columbia, que me
convidaram a apresentar uma versão deste artigo como uma palestra de abertura no Encontro Regional
Ocidental da Sociedade de Educação Comparada e Internacional, em junho de 1998. Agradeço também aos
três revisores por seus comentários de grande ajuda.
2. Para quem se interessa pelas complexidades das novas ideias e terminologia da ciência social na educação
depois da modernidade, ver, entre outros: BUENFIL-BURGOS, 1997, p. 97-107; ENGLISH, 1998, p.
426-463. Para um livro introdutório acessível sobre a cultura popular e a condição pós-moderna, ver
Anderson, “Reality isn’t what it used to be” (1990).
383
384 Paulston
3. Berlin identifica as três ideias centrais do anti-Iluminismo como: (1) populismo, ou a visão de que as pessoas
só podem perceber elas mesmas plenamente quando pertencem a grupos ou culturas com raízes; (2)
expressionismo, ou a noção de que todos os trabalhos humanos são, acima de tudo, vozes que falam ou formas
de representação que transmitem uma visão de mundo; e (3) pluralismo, ou o reconhecimento de uma
variedade potencialmente infinita de culturas, modos de ver e sistemas de valores, todos igualmente
incomensuráveis entre si, o que torna logicamente incoerente a crença iluminista em uma narrativa dominante
com validade universal, ou uma via ideal para o progresso e a realização do homem. Berlin identifica como
principais expoentes do Iluminismo: Niccolo Machiavelli, Giambattista Vico, William Blake, Johann Herder,
Alexander Herzen e outros, incluindo Georges Sorel e Friedrich Nietzche (BERLIN, 1980, esp. p. 1-24).
4. Uma exposição mais detalhada encontra-se em Owen, que sugere que a teoria pós-moderna busca deslocar
o trabalho da ciência social – de afirmações de verdade colocadas teoricamente para representação de novos
terrenos sociais e intertextuais em fluxo constante (OWEN, 1997, p. 1-22). Ver um guia útil de análise textual
exegética como leitura atenta (FRANCESE, 1997, p. 107-154).
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 385
5. Anteriormente, talvez antecipando a revolução do ciberespaço, Foucault argumentava que hoje de fato
aconteceu uma mudança fundamental de consciência – de tempo para espaço: “[o] grande temor obsessivo
do século XIX era a história, com seus temas de desenvolvimento e estagnação, crises e ciclos, a acumulação
do passado, o que restou dos mortos. O da nossa própria era, por outro lado, parece ser o espaço. Estamos
na era da simultaneidade, da justaposição, do próximo e do distante, do lado a lado, e do disperso. Um
período em que o mundo testa a si mesmo, não tanto como um grande modo de vida destinado a crescer no
tempo, mas como uma rede que une pontos e cria sua própria confusão [como mostram a Tabela 1 e a Figura
2]. Pode-se dizer que certos conflitos ideológicos subjacentes às controvérsias de nossos dias acontecem entre
os piedosos descendentes do tempo e os tenazes habitantes do espaço” (FOUCAULT; MISKOWIEC, 1986).
6. Ver discussões esclarecedoras da visão de mundo da modernidade reflexiva – ou modernidade tardia – em
Beck, Giddens e Lash (1994).
7. NRTT: O termo de língua inglesa egghead, mais usado nos Estados Unidos do que na Inglaterra, é impossível
de traduzir. Ele não tem o mesmo valor metafórico em português. O sentido é de um intelectual muito
inteligente, mas pouco ou quase nada prático no mundo real.
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 387
Em uma contribuição para esse número especial, propus (ver Tabela 1) que os
profissionais da educação comparada fizessem uma volta no espaço e se tornassem
acadêmicos mais reflexivos. Procurei estimular maior consciência com relação ao
modo como as visões individuais da realidade social e da mudança social tendem
a canalizar e filtrar as percepções e a olhar para possibilidades alternativas, para
representar os potenciais e as limitações da mudança educacional. Para isso, delineei
o alcance total de perspectivas teóricas que foram usadas para apoiar estratégias de
reforma educacional e sugerir como os comportamentos individuais de escolha
sucedem orientações filosóficas, ideológicas e experimentais básicas para chegar à
realidade social percebida (PAULSTON, 1977). Pela primeira vez, um periódico
de educação comparada publicou um retrato fenomenológico – embora conflituoso
e estático – do modo como cerca de 320 textos internacionais construíram
realidades múltiplas de reformas educacionais. Em contraposição, C. Arnold
Anderson, referindo-se ao ano de 1950, argumentava, nessa mesma edição especial,
em favor de uma ortodoxia continuada de alta modernidade. Para citar esse
pioneiro da Comparative and International Education Society (Cies)8, “continuo
insistindo que as disciplinas tradicionais da ciência social devem continuar sendo
as bases para o trabalho neste campo” (ANDERSON, 1977). O autor defendia a
construção de modelos teóricos e a formulação de conclusões sólidas baseadas em
leis gerais (método nomotético), e aconselhava a evitar as ideologias em voga e suas
semânticas, seus clichês e suas novidades. Anderson aconselhava os profissionais
da educação comparada e internacional a produzir estudos acadêmicos sólidos,
evitando para isso a antropologia e a etnometodologia, e adotando os enfoques
sociológico e econômico. Em síntese, Anderson manifestava um otimismo
moderado com relação ao progresso contínuo na Cies, porém somente se o campo
“evitar novas panaceias fastidiosas” e trabalhar com maior empenho na
“identificação de equivalentes funcionais para as estruturas e funções básicas dos
sistemas educacionais” (ANDERSON, 1977, p. 416).
Minha contribuição concentrou-se no espaço dos textos na construção literária
de debates ligados a reformas nacionais da educação, e usou o que Foucault chamou
de abordagem genealógica de textos-padrão como janelas teóricas que se abrem
para realidades múltiplas. O texto de Anderson, ao contrário, argumentava em
favor de uma ortodoxia de pesquisa nomotética que permitiria gerar hipóteses,
universalizar leis e acompanhar a teoria da modernização com base na primazia de
autores profissionais autônomos, medindo o modo como as coisas realmente são.
Os organizadores Andreas Kazamias e Karl Schwartz assumem uma terceira posição
ainda mais pragmática, algo entre meu interpretativismo hermenêutico e o
logocentrismo patriarcal de Anderson. Embora firmemente plantados em uma
ontologia realista, os dois organizadores mapeiam uma rota para o campo cada vez
Desconstruções pós-modernistas
Com a publicação de sua fala presidencial em 1991, Val Rust abriu o discurso
do Cies ao debate sobre as ideias pós-modernas – uma controvérsia de grande
repercussão que energizou e desestabilizou boa parte da vida intelectual acadêmica
a partir da década de 1970. Rust introduziu os argumentos desconstrutivistas dos
pós-estruturalistas franceses Jacques Derrida, Michel Foucault e Jean François
Lyotard, ideias que rejeitam a linguagem básica e os pressupostos realistas da idade
moderna. Argumentando que a comunidade da educação comparada praticamente
não havia desempenhado papel algum nessa discussão, Rust selecionou quatro
aspectos do pós-modernismo que considerava essenciais para um entendimento
pós-moderno de nosso campo atualmente: (1) a crítica da natureza totalitária das
metanarrativas; (2) o reconhecimento dos problemas do Outro; (3) o
reconhecimento do desenvolvimento de uma sociedade de informação por meio
da tecnologia; e (4) uma abertura a novas possibilidades para a arte e a estética na
vida cotidiana (ver RUST, 1991).
Embora Rust apresente uma argumentação convincente em favor da utilidade
das ideias pós-modernas em nossa era, sua análise continua fortemente realista, e
mesmo meliorista:
Nós, profissionais da educação comparada, devemos discutir as oportunidades da era que se
inicia. [...] Devemos definir mais claramente as metanarrativas que impulsionaram nosso campo
[...] devemos empreender a tarefa crítica de desmontar essas narrativas, porque elas definem o
que os profissionais da educação comparada consideram aceitável [...] devemos dar mais atenção
a pequenas narrativas [...] devemos aprender a equilibrar alta cultura e cultura popular (RUST,
1991, 625-626).
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 391
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Fig. 2. Um mapeamento metafórico das posturas de conhecimento que constroem o debate da pós-modernidade
no discurso da educação comparada (e em outros discursos relacionados). Nesse campo intertextual aberto, as
setas indicam fluxos intelectuais, e os nomes próprios referem-se não aos autores, mas a textos ilustrativos citados
no documento e justapostos acima. Ao contrário das Utopias (isto é, locais sem lugar real) tão valorizadas nos
textos modernistas, essa figura inspira-se na noção de heterotopias de Michel Foucault. São os espaços
simultaneamente míticos e reais da vida cotidiana contestada. Os textos pós-modernistas valorizam as heterotopias,
como se vê acima, porque são “capazes de justapor em um único lugar real diversos espaços, diversos lugares
incompatíveis em si mesmos” (FOUCAULT; MISKOWIEC, 1986, p. 25).
392 Paulston
9. Aqui os autores introduzem a cartografia social aos profissionais da educação comparada como “um método
novo e eficaz para demonstrar visualmente a sensibilidade das influências pós-modernas para a abertura do
diálogo social, em particular àqueles que foram privados de seus direitos pelo modernismo” (USHER;
EDWARDS, 1994, p. 232). Seu texto de cartografia social argumenta que a justaposição espacial oferece uma
nova maneira de buscar uma verdade mais situada em uma era de ciberespaço. Agora, a verdade não é
necessariamente fundamentada apenas em fatos mensuráveis: baseia-se também na aquisição de uma
generosidade de visão composta de muitas verdades – ou seja, o que os textos pós-modernos chamam de uma
multiplicidade de testemunhos e uma democracia de percepções. Ao abrir a comparação dessa maneira, a
cartografia social pós-moderna ajuda os atores a passar de uma verdade subjetiva para uma reintegração do
seu eu em um novo tecido/espaço social composto de múltiplas vozes e estórias. Essa visão é rotulada como
multiperspectivismo pós-moderno por Francese (nota 4), que defende sua utilidade como uma proteção contra
“qualquer leitura do passado excessivamente forte, excludente: a verdade unívoca que sufoca todas as outras e
rapidamente se transforma, de maneira drástica, em mito concretizado” (FRANCESE, 1997, p. 130).
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 393
resistência para abalar o poder metanarrativo. Ou, nas palavras do texto acessível
dos dois autores:
É perturbando o exercício do poder, e não tentando superá-lo, que a resistência pode tomar
forma. O momento pós-moderno nos possibilita transgredir os limites da modernidade, em
vez de nela permanecer contidos. Mais do que emancipação, a resistência e as transgressões
representam as possibilidades de desafiar as formas de poder dominantes. Ao invés de uma
guerra de hostilidades, é algo semelhante à guerra de manobra de Gramsci. E é uma guerra
sem fim, uma recusa constante de dominação e de ser dominado (USHER; EDWARDS, 1994,
p. 224).
Alteridade radical
Os batalhões da alteridade radical das forças pós-modernistas aplicam ideias
de Derrida e da subalteridade do Outro, e buscam tirar do centro e derrubar as
estruturas modernistas de controle (isto é, a hierarquia e o patriarcado) com
novas possibilidades abertas por noções não essencialistas de corpo e identidade.
Em que os textos modernistas veem a ciência, a moralidade e a arte como
obstinadamente diferenciadas, os defensores de uma alteridade radical veem o
eu depois da pós-modernidade tanto como um constructo de múltiplas formas
de discurso, jogos de linguagem diversificados e narrativas variadas, como
orientado para a ação e autodefinido pelos modos como se comunica. Como
diz Calvin Schrag, o eu depois da pós-modernidade é aberto ao entendimento
por meio de seu discurso, suas ações, seu estar junto em comunidade e sua
experiência de transcendência. Por outro lado, “as gramáticas modernistas de
unidade, totalidade, identidade, uniformidade e consenso encontram pouco uso
no pensamento pós-moderno” (SCHRAG, 1997).11 Ao contrário, os textos da
comunidade da alteridade radical assumem a advertência de Lyotard no sentido
de que o consenso forçado viola a liberdade dos jogos de linguagem, e nossas
novas categorias interpretativas de heterogeneidade, multiplicidade, diversidade,
diferença e dissensão agora estão disponíveis para interrogar e desconstruir as
visões modernistas do eu cartesiano autônomo (como representado pelo
10. Ver o texto um tanto quixotesco “Post-structuralist pedagogy as a counter-hegemonic praxis”, de James
Whitson (1991). A defesa ou a adoção de uma perspectiva de desconstrução pós-moderna também estão
presentes em textos de Weiler (1996), Luke (1995) e outros, incluindo Gottlieb (1989).
11. Para a perspectiva subalterna, ver, por exemplo, Mohanty (1991). Ver uma aplicação da perspectiva de
alteridade radical para investigar a alegoria de espaço em estudos feministas em Spark (1996).
394 Paulston
12. Brandi afirma que a ortodoxia estruturalista do livro silencia questões ligadas ao modo como a pesquisa reflete
as visões daqueles que estão sendo considerados, e cujas vozes e questões orientam a evolução do campo
(BRANDI, 1994, p. 160). A autora alega também que a inclusão de teorias feministas sobre ajuste estrutural
e estudos fenomenológicos de perspectivas locais ajudariam os oprimidos a melhorar sua qualidade de vida.
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 395
Sociedade semiótica
A perspectiva da sociedade semiótica baseia-se em ideias do canadense Marshall
McLuhan e do francês Jean Baudrillard. Em seu estudo pioneiro de 1964,
“Understanding media”14, McLuhan interpretou a modernidade como um processo
de diferenciação, como uma explosão virtual de mercantilização, industrialização,
mecanização e relações de mercado. Essas diferenciações produzem a mídia quente.
Por outro lado, a televisão, como mídia fria, é um terreno de implosão de todas as
fronteiras, regiões e distinções entre a baixa e a alta cultura (isto é, a nova aldeia
global), entre aparência e realidade, e entre as oposições binárias mantidas pela
filosofia modernista tradicional e pela teoria da modernização (McLUHAN, 1964).
Depois de inicialmente rejeitar a tese de McLuhan durante sua fase
neomarxista, Baudrillard mais recentemente aceitou e expandiu o argumento
de implosão de significado de McLuhan. O texto de Baudrillard agora sustenta
que a proliferação aparentemente interminável de sinais e informações destrói
o significado por meio da neutralização e da dissolução de todo o conteúdo,
conduzindo tanto a um colapso de significado quanto à destruição das distinções
entre a mídia e a realidade, criando o que chama de hiper-realidade. De acordo
com textos mais recentes de Baudrillard, a economia política, a mídia e a
cibernética combinam-se para produzir uma sociedade semiótica muito além
do estágio de capitalismo descrito pelo marxismo. Este é o tempo da pós-
modernidade, em que modelos de simulação acabam por constituir o mundo,
e finalmente devoram a representação. Considera-se, portanto, que a sociedade
passa de uma orientação produtivista capitalista para uma ordem cibernética
neocapitalista que visa ao controle total. De maneira muito semelhante à dos
programas de televisão, os modelos e códigos passam a constituir a vida
13. Ao contrário do que o texto de Epstein vê como meu otimismo confesso pelo campo, considero meu ponto
de vista similar ao de Berlin, que é uma curiosa combinação de idealismo e ceticismo. O texto de Epstein
também defende a ideia de um ceticismo calculado na avaliação de futuras possibilidades do campo. O
problema, na visão de Epstein, é que a compreensão limitada do eu restringe o alcance e a possibilidade de
trabalho de conhecimento no campo da educação comparada. Mas será que nossa falta de autoconhecimento
reflexivo, nossa ingenuidade, são nossa perdição? Se isso é verdade, não seria possível vê-las como um problema
educacional que poderia ser tratado com mapeamento heterotópico? Um terceiro exemplo de alteridade radical
que problematiza os atores, em textos da educação comparada, pode ser encontrado em Moran (1998). Moran
compara duas histórias de vida – a sua própria e a de Gail Paradise Kelly – com dolorosas honestidade e
instrospecção. Seu relato da luta de uma mulher com as normas da modernidade patriarcal fornece uma
contribuição pioneira valiosa à educação comparada, até hoje um discurso masculino predominantemente
logocêntrico, rejeitado pelas sensibilidades de alteridade muito radical que constroem a história de Moran.
14. NT: Publicado no Brasil com o título “Os meios de comunicação como extensão do homem”.
396 Paulston
15. Ver a crítica neomarxista dos argumentos de Baudrillard em Kellner, “Jean Baudrillard: from Marxism to
Postmodernism and beyond” (1989). Embora pareça fascinado pelo brilho e pela originalidade das ideias de
Baudrillard, Kellner o vê, ao mesmo tempo, preso na armadilha da “ausência de uma teoria de ação e mediação
[pela] [...] impossibilidade de qualquer tipo de agente de mudança política [...] pelo triunfo metafísico do
objeto sobre o sujeito” (KELLNER, 1989, p. 216). Kellner conclui ainda que “o apelo do pensamento de
Baudrillard poderia sugerir que estamos [de fato] vivendo em uma situação de transição, por meio da qual
novas condições sociais estão pondo em questão velhas ortodoxias e fronteiras” (KELLNER, 1989, p. 217).
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 397
Profissional reflexivo
Os outros dois campos favoráveis para uma leitura pós-moderna de nosso tempo
e de nosso campo são os estilos textuais do profissional reflexivo e da cartografia social.
Ambos favorecem uma hermenêutica de afirmação, e ambos estão estreitamente
vinculados ao florescimento da tradição de pesquisa qualitativa em educação. O estilo
do profissional reflexivo, em particular, tem raízes profundas no humanismo ocidental
e no movimento romântico. Na educação, ele resistiu aos esforços pseudocientíficos
e tecnológicos para tornar o mundo um objeto e uma mercadoria. Durante as guerras
de paradigma das décadas de 1970 e 1980, a perspectiva reflexiva, de caráter
fortemente humanista, defendeu, com sucesso, a ideia de Verstehen, ou insight, como
um conceito essencial e um objetivo para a aprendizagem individual e o trabalho
voltado para o conhecimento. Um texto influente dessa época, que legitimava as
abordagens reflexivas na educação, é “The reflective practitionner”, de Donald Schon
398 Paulston
16. Ver exame perspicaz de diferentes tradições no pensamento reflexivo atual em Potter (1996). Duas tentativas
literárias imaginativas de ultrapassar a tendência da maior parte da produção intelectual moderna a “afirmar,
qualificar e concluir” podem ser vistas em Ermath (1992) e também em Paulston e Plank (2000).
17. NT: “Pesquisa educacional qualitativa em países em desenvolvimento” (tradução livre).
18. Anna Sfard, em um estudo relacionado, adverte que a luta por uma unificação conceitual da pesquisa não é
um esforço compensador, e uma devoção exagerada a uma metáfora em particular pode levar à distorção
teórica e a consequências práticas indesejáveis. Ao contrário, a autora rejeita a rigidez de Torres (ver nota 32)
e defende uma abordagem discursiva de mapeamentos metafóricos e o pluralismo metafórico para uma
renovação conceitual e uma prática aperfeiçoada. Ver seu estudo “On two metaphors for learning and the
dangers of choosing just one” (1998).
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 399
Cartografia social
Os textos agrupados no estilo da cartografia social têm uma série de
características em comum, talvez apreendidas mais adequadamente pela noção de
heterotopia de Foucault. Ao contrário do espaço utópico – isto é, o não lugar –
totalizante da modernidade, os espaços heterotópicos são simultaneamente espaços
míticos e reais da vida cotidiana, capazes de justapor em um único lugar uma
grande variedade de locais diferentes que podem ser incompatíveis. Como observou
William Blake, os textos modernistas preferem utopias racionais idealistas de bem
geral. Os textos pós-modernistas, ao contrário, preferem heteropias de diferença
situada e conhecimento local. A Figura 2 anterior ilustra exatamente esse
mapeamento heterotópico da diferença. Aqui, dentro de um campo intertextual,
todos os pontos de vista que produzem um texto no debate da pós-modernidade
da Cies encontram seu lugar e sua relação com outras visões similares ou totalmente
diferentes. Nesse sentido, este mapeamento emaranhado e interconectado, ou
rizoma deleuziano de posturas e relações de conhecimento, pode ser visto como
uma metáfora do debate, como uma abordagem heurística, e como um lugar real
de paralogismo e processo pós-moderno. Pode ser visto também como uma nova
ferramenta espacial útil, criada especificamente para dar uma forma visual à
complexidade cada vez maior do trabalho com o conhecimento hoje. Onde Pablo
Picasso tornou possível a representação simultânea de vários lados de um objeto
por meio do cubismo analítico, a cartografia social também cria algo, no ato mesmo
da descrição. Isso não é simplesmente uma síntese frágil, mas uma nova maneira
de olhar o mundo e, de forma equivalente, um novo aspecto do mundo a examinar
(FOUCAULT; MISKOWIEC, 1986).19
As ideias por trás dos mapeamentos heterotópicos da diferença de perspectiva
começaram a ganhar forma em meu artigo “Comparing ways of knowing across
inquiry communities”20, apresentado em Pittsburgh, em 1991, na reunião anual da
Cies. Naquela ocasião, alguns estudantes de doutorado da Universidade de Pittsburgh
integraram o projeto, e trabalhamos juntos para criar uma cartografia social capaz de
representar e estabelecer padrões de multiplicidade, seja ela de perspectivas, de estilos,
de argumentos ou de sonhos. Nessa heurística, o campo também é definido pelas
posições discrepantes. Nas representações positivistas modernas, ao contrário, o
oposto é verdadeiro: a intenção é planejar uma tendência central, na qual os
discrepantes – por exemplo, o Outro – simplesmente desaparecem.
19. (Ver nota 5). Ao fazer essa mudança de tempo para espaço na análise social, Foucault elegantemente reconhece
sua dívida intelectual para com Gilles Deleuze: “talvez um dia este século venha a ser conhecido como
deleuziano”, em “Language, counter-memory, practice” (FOUCAULT, 1977, p. 76). Por suas ideias fecundas
e originais sobre conceitos vistos como território e sobre a necessidade de cartografias como uma estratégia
para examinar o discurso com uma análise espacial, ver Deleuze e Guttari (1980). Sobre a analogia do
cubismo, ver Nehamas (1985). Agradeço ao professor Eugenie Potter por destacar essa relação.
20. NT: “Comparando modos de conhecimento entre comunidades de investigação” (tradução livre).
400 Paulston
Metanarrativas modernistas
Na extremidade direita da Figura 2, agrupo em três grandes áreas os textos
modernistas ilustrativos do discurso da educação comparada que, de uma forma
ou de outra, se opõem ao desafio pós-moderno: (1) textos utópicos, que rejeitam
21. No mapeamento pós-moderno e na narrativa pós-moderna, o esforço para distanciamento movimenta-se
simultaneamente em duas direções: uma que amplia a subjetividade de percepção e outra que diminui qualquer
sentido de conexão mimética entre aquela subjetividade e o mundo que aparentemente permanece intacto e
separado. Liebman é perito em produzir esse sentido de distanciamento como uma distorção de escala e
percepção. Nas palavras de Vladimir Nabokov, o objetivo é encontrar “uma espécie de lugar de encontro
delicado, entre a imaginação e o conhecimento, um ponto ao qual se chega diminuindo coisas grandes e
aumentando as pequenas, que [como o mapeamento social] é intrinsecamente artístico” (NABOKOV, 1970).
22. Ahmed demonstra como um mapeamento de estórias de mulheres marginalizadas pode fornecer, de fato,
dados de avaliação valiosos para os responsáveis pelo planejamento educacional – desde que estes se
disponham a ver e ouvir.
23. Aconselha-se o leitor interessado a recorrer também a uma obra de Paulston, Leibman e Nicholson-Goodman,
sobre o mesmo tema: “Mapping multiple perspectives: research reports of the University of Pittsburgh Social
Cartography Project, 1993-1996” (1996).
402 Paulston
Sendo assim, de um ponto de vista positivista lógico excessivo, que, nas palavras
de Pascal, admitiria somente a razão, o texto de Epstein afirma que aquele que
26. White conclui que a chave para entender o método de transcrição de Foucault está no modo como é usado para
revelar a dinâmica interna do processo de pensamento por meio do qual determinada representação do mundo
em palavras tem seu fundamento na poética: “traduzir a prosa em poesia é o propósito de Foucault, e por isso
ele se interessa particularmente em mostrar de que modo todos os sistemas de pensamento nas ciências humanas
podem ser vistos como um pouco mais do que formulações terminológicas de fechamentos poéticos com o
mundo das palavras, e não com as coisas que eles pretendem representar e explicar” (WHITE, 1978, p. 259).
404 Paulston
Ator racional
A postura do ator racional, ou da teoria do jogo, pode ser vista como uma
relação próxima da metanarrativa modernista de progresso de Anderson e Watson.
27. Watson faz eco à antiga agenda de modernização para a educação comparada de C. Arnold Anderson: “acima
de tudo, o trabalho empreendido deve ter objetivos determinados de caráter reformador e prático, e deve ser
usado para informar e aconselhar governos” (WATSON, 1998, p. 28). Nesse texto, Watson oferece, a título
de exemplo, duas figuras estrutural-funcionalistas: uma dos determinantes de um sistema educacional
(WATSON, 1998, p. 22) e outra de “influências internacionais que modelam os sistemas educacionais”
(WATSON, 1998, p. 27). Entretanto, não fica claro de que modo essas representações atendem ao seu critério
de dados concretos, em particular a segunda figura, que é codificada usando a ideologia dos sistemas mundiais,
e que apresenta uma crítica benevolente do capitalismo internacional, em “Role of stock markets, e.g.,Tokyo’s
Hang Seng” (WATSON, 1998, p. 27). Porém, como qualquer colegial de Hong Kong sabe, a bolsa de valores
Hang Seng não fica em Tóquio, e mesmo os dados supostamente concretos podem de vez em quando tornar-
se um tanto nebulosos. A bolsa de valores de Tóquio é, de fato, a Nikkei.
28. Ver também Keith Watson, análises críticas de “Mapping multiple perspectives”, de Paulston, Leibman e
Nicholson-Goodman (1996); e “Social cartography”, organizado por Paulston (1998). Embora as análises
estatísticas possam de fato ser úteis no trabalho técnico, a avaliação educacional equilibrada exige uma prática
alternativa de formular julgamentos não somente sobre classificações numéricas específicas, mas também
sobre características de desempenho no contexto. O texto de Watson vê o conhecimento útil de um ponto
de vista particularmente limitado da teoria da modernização – isto é, articulado em termos simples,
essencialistas, e mecânicos. Minha visão é mais ampla, e também aceita uma perspectiva que vê o
conhecimento como uma construção individual e social, refletida em contextos e discursos particulares que
podem ser mapeados e discutidos e remapeados. Ver Delandshere e Petrosky (1998).
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 405
Modernista crítico
Os textos que escolhem a perspectiva modernista crítica mantêm um
compromisso firme com a metanarrativa modernista de emancipação, e buscam, ao
mesmo tempo, insuflar nova vida e credibilidade no projeto do Iluminismo. Isso é
feito por meio de uma apropriação seletiva de ideias pós-modernas das posturas de
realidade antiessencialista para sustentar suas próprias bases essencialistas. Essa é
uma tarefa manifestamente difícil – senão confusa –, e exige uma quantidade
considerável de qualificação e racionalização. Um texto recente de Peter McLaren
apresenta um exemplo perfeito dessa hábil manobra ontológica:
Embora eu admita a importância de reconhecer os limites conceituais da análise marxista
(isto é, dos pressupostos universais marxistas) para ler certos aspectos da condição pós-
moderna, acredito que os pilares mais importantes da análise marxista permanecem intactos,
a saber, a primazia dos aspectos econômicos e a identificação de contradições e antagonismos
que acompanham as forças mutáveis do capitalismo. É importante que os educadores críticos
não percam de vista esses focos [as fundações modernistas] em seu movimento no sentido
de incorporar percepções do pós-modernismo [que são contrárias aos fundamentos]
(McLAREN, 1994).29
29. Ver também os estudos relacionados de Buder (1992) e Stromquist (1995). Stromquist sugere que questões
críticas de gênero podem ser aproveitadas a partir do discurso feminino para dar suporte a uma “manipulação
de identidades de gênero por meio de instrução escolar e da comunicação de massa” mais liberadora
(STROMQUIST, 1995, p. 454). Nesse estilo, ver também Dimitriadis e Kamberelis, “Shifting terrains:
mapping education within a global landscape” (1997).
406 Paulston
Modernidade reflexiva
Os textos que representam a postura da modernidade reflexiva têm as mesmas
origens dos textos modernistas críticos. Entretanto foram mais competentes – pelo
menos superficialmente – para libertar-se de certezas e narrativas modernistas
dominantes que já perderam a efetividade. Buscam sobreviver às tempestades pós-
estruturalistas por meio de uma adaptação seletiva de interpretações úteis, estórias
e vocabulário da literatura pós-moderna, e da escolha de metáforas da modernidade
tardia e da modernidade reflexiva.34 Os textos dessa comunidade florescente
conservam noções modernistas de um espaço unitário e ideal de uma sociedade
que é mapeada no corpo de uma população, juntamente com as afirmações
territoriais de um Estado-nação e de um sistema nacional de educação. Ao mesmo
tempo, parecem ter perdido toda a esperança de certeza, e tentam incorporar e
adotar seletivamente ideias pós-modernas de fragmentação, identidade polimorfa
e espaços descontínuos de pensamento (ver, por exemplo, WELCH, 1998).35 No
Ocidente e, em particular, na Europa Ocidental, o enfoque de sistemas reflexivos
reconhece uma política de voz e representação que muitas vezes procura desalojar
um estado de bem-estar social tido como ineficiente e paternalista. A ideia de que
32. Um problema importante com a abordagem moralista encontrada em muitos textos modernistas críticos é
que frequentemente leva a um beco sem saída de autocentramento do autor, enquanto os marginalizados
ficam ainda mais à margem. Nast apresenta o problema nessas palavras: “a culpa centrada simplesmente na
existência de […] desigualdade e não em como a desigualdade pode ser transformada é […] paralisante e
improdutiva” (NAST, 1994).
33. Ver uma série de ideias sobre abrir novo espaço à crítica radical em uma era pós-moderna em Simons e Billig,
“After postmodernism: reconstructing ideological critique” (1994). O capítulo de Richard Harvey Brown –
“Reconstructing social theory after the postmodern critique” (p. 12-37) – pareceu-me particularmente útil em
sua defesa da “discussão sobre a discussão” autorreflexiva e seu aconselhamento sobre debates acerca do ensino.
34. Ver a introdução em Beck, Giddens e Lash (1994) (nota 6).
35. Aqui Welch preocupa-se com a possibilidade de uso de ideias pós-modernas destrutivas como uma bengala
para conduzir os esforços de performatividade no meio acadêmico. Embora isso de fato pareça prestes a
ocorrer, seu apelo no sentido de reafirmar um ideal universal de democracia ocidental como um critério de
julgamento contrário, como um ponto de vista absoluto para julgar a verdade, soa um tanto eurocêntrico e
nostálgico. Para uma tentativa séria de repensar o espaço político hoje, ou seja, o hiperespaço da política na
aldeia global na qual todos nós vivemos hoje, ver Magnusson, “The search for political space: globalization,
social movements, and the urban political experience” (1996).
408 Paulston
precisamos saber “o que está acontecendo” para saber como agir é essencial nessa
visão, o que contrasta fortemente com as certezas dos textos modernistas críticos.
Para isso precisamos desenvolver uma linguagem e um espaço no qual empregar
nossa disposição presente para deixar que a maioria das perspectivas de
conhecimento (senão todas elas) entre em concorrência e competição.
Na educação comparada, essa visão de sistemas reflexivos é bem ilustrada em
um texto recente de Robert Cowen, no qual o autor afirma que a análise da
condição pós-moderna feita por Lyotard em 1979 continua a oferecer a avaliação
mais exata da sociedade – e das universidades – à medida que elas ingressam na
“era pós-industrial e a cultura ingressa no que é conhecido como era pós-moderna”
(COWEN, 1996, p. 247).36 O argumento de Lyotard é que atualmente o
conhecimento está sujeito à performatividade, ou à otimização da eficiência do
sistema. O conhecimento tornou-se uma tecnologia, ou seja, um produto
comercializável sujeito à performatividade e também a testes de verdade. Cowen
argumenta, com grande discernimento, que essas mudanças definem um tipo
diferente de educação comparada, que não se baseia nas já cansadas metanarrativas
modernistas de certeza, e sim no reconhecimento de uma crise de legitimidade. A
moderna educação comparada de John Dewey, Talcott Parsons e colegas focalizava
predominantemente a preparação do cidadão e a igualdade de oportunidades
educacionais; já nos sistemas educacionais da modernidade tardia, a conexão mais
forte situa-se entre a economia internacional e os esforços para direcionar os
sistemas educacionais para a competição global. Hoje, afirma Cowen, nós,
comparativistas, precisaremos especificar os padrões de desordem em contextos de
transição nacionais específicos para a educação moderna tardia. [Hoje,] as categorias
de análise do senso comum – ou seja, a gestão e a administração financeira da
escola, as estruturas administrativas, o currículo, a formação de professores – agora
são perigosas. Mesmo que a partir delas pudéssemos deduzir determinadas regras
[como os defensores da modernidade gostariam que fizéssemos],
37
essas regras seriam
uma leitura do mundo errado (COWEN, 1996, p. 167).
Considerações finais
Para concluir, Cowen cita Zygmunt Bauman, que observa que não somos mais
legisladores, e que deveríamos primeiro cuidar de nossas interpretações (BAUMAN,
36. Ver outros trabalhos,afins conceitualizados nessa perspectiva em Coulby e Jones (1995, 1996). Ver também
(GREEN, 1994, p. 136-149; SCHRIEWER, 1988, p. 25-83), cujo texto deste último autor defende de
maneira pretensiosa uma ciência da educação comparada baseada em estilos de raciocínio, ou Denkstile, em
“tipos divergentes de teorias, a saber, teorias científicas e teorias de reflexão” (SCHRIEWER, 1988, p. 30).
37. Em um estudo semelhante, Peter Jarvis usa o conceito de “modernidade tardia” para situar preocupações
ligadas à performatividade de culturas não ocidentais, que consomem conhecimento educacional que agora
pode ser apresentado em pacotes e comercializado no mundo todo. Ver seu “Continuing education in a
late-modern or global society” (1996).
O mapa da educação comparada depois da pós-modernidade 409
38 Assim como no estudo aqui apresentado, os autores relatam a descoberta de um “campo fragmentado que
constitui caos para alguns e, para outros, um mosaico de objetivos, estruturas teóricas, metodologias e
declarações variados e às vezes competitivos” (ROSS et al., 1992, p. 113). Em 1988, os autores constataram
que os membros da Cies, de modo geral, “colocavam suas esperanças nas múltiplas possibilidades da
diversidade e defendiam a posição eclética do campo como uma ampliação de identidade, e não como
ausência” (ROSS et al., 1992, p. 127). Situo essa visão na posição ecletismo pós-paradigmático, no centro
da Figura 2. Essa talvez ainda seja a perspectiva preferida da maioria dos profissionais da educação comparada,
porém, um estudo de acompanhamento faz-se necessário. Para uma revisão perspicaz de nosso livro “Social
cartography” sob essa perspectiva eclética, ver Pickeles, “Social and cultural cartographies and the spatial turn
in social theory” (1999).
39 Nigel Blake também aborda esse desafio em seu perspicaz estudo “Between postmodernism and anti-
modernism: the predicament of educational studies” (1996). Blake considera que os pós-modernistas resistem
ao uso de um critério de validade, como defendem Watson (ou seja, dados concretos) e Welch (ou seja
democracia ocidental) para estabelecer um uso (ver notas 27 e 35). Isso impediria outras estórias e
representaria uma reivindicação de consentimento universal como único critério. A teoria pós-moderna, por
sua própria natureza, refuta o valor de toda estrutura de investigação que reivindique a priori validade
universal. De fato, uma das características intelectuais mais importantes do pós-modernismo é o repúdio da
noção de perspectivas sobre si mesmo ou sobre qualquer outra coisa que sejam exclusivamente válidas ou
valiosas (BLAKE, 1996, p. 43). Aqui, Nigel Blake reitera o profundo ceticismo encontrado nos textos anti-
iluministas e pós-modernos sobre a validade universal de qualquer narrativa dominante ou estória teórica
individual dominante. Ver Lyotard, “The postmodern condition: a report on knowledge” (1984), que, não
sem ironia, pode ser lido como defesa da rejeição de metanarrativas como narrativa dominante. A cartografia
social, como é aqui praticada, procura evitar essa tentação, reconhecendo e inter-relacionando todos os textos
e argumentos que reivindicam espaço nos debates no campo do conhecimento.
410 Paulston
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63
Introdução
A pedagogia crítica geralmente busca expor de que maneira as relações de poder
e desigualdade (social, cultural e econômica), em suas inúmeras formas,
combinações e complexidades, são manifestadas e contestadas na educação formal
e informal de crianças e adultos (GIROUX, 1997; McCARTHY; APPLE, 1988;
McLAREN, 2005). Contudo, essa afirmação pode, na verdade, ter um caráter
excessivamente geral, pois a expressão “pedagogia crítica” é um significador um
tanto escorregadio que tem sido utilizado de diversas maneiras para descrever
diversas coisas. De fato, o termo já chegou a ser usado de formas tão amplas que
pode significar praticamente qualquer coisa, desde salas de aula cooperativas, com
um conteúdo pouco mais político, até uma definição mais sólida, que envolve uma
reconstrução ampla dos propósitos da educação, como ela deve ser executada, o
que ensinar e quem deveria ser autorizado a dedicar-se a ela. Essa compreensão
mais sólida, na qual nós dois nos baseamos, envolve transformações fundamentais
nos pressupostos epistemológicos e ideológicos subjacentes sobre o que seria o
conhecimento oficial ou legítimo, e quem o detém (APPLE, 1979/2004, 2000).
Isso envolve um comprometimento com a transformação social e um rompimento
com a reconfortante ilusão de que a maneira como atualmente se organizam nossas
sociedades e seus mecanismos educacionais pode levar à justiça social. Uma
compreensão mais profunda de pedagogia crítica também é, cada vez mais, baseada
na percepção da importância de dinâmicas múltiplas que sustentam as relações de
exploração e domínio em nossas sociedades. As questões relacionadas a políticas
de redistribuição (dinâmica e processos econômicos de exploração) e a políticas de
reconhecimento (lutas culturais contra a dominação e lutas pela identidade)
precisam, portanto, ser consideradas de maneira conjunta (FRASER, 1997).
Na raiz dessas preocupações encontramos um princípio simples. Para
compreender a educação e atuar em suas complicadas conexões com a sociedade
mais ampla, devemos nos comprometer com o processo de reposicionamento. Isto
é, devemos ver o mundo pelos olhos das pessoas despossuídas e agir contra os
processos e formas institucionais e ideológicos que reproduzem as condições
opressivas (APPLE, 1995). Esse reposicionamento diz respeito tanto a práticas
415
416 Apple e Au
assim como uma atenção mais explícita às questões de raça e gênero, indicando a
influência cada vez maior de teorias inglesas e francesas sobre as relações existentes
entre cultura, instituições sociais e educação (YOUNG, 1971).
Ao mesmo tempo, as mobilizações e os movimentos originários de populações
feministas e aquelas envolvidas em questões raciais desafiaram com propriedade a
ênfase exclusiva na questão de classe no trabalho crítico na área de reprodução social
e econômica. A própria noção de reprodução foi drasticamente contestada durante
o processo (GIROUX, 1983). As questões de contradições e conflitos dentro dessas
dinâmicas, e entre elas, tornaram-se consideravelmente mais importantes. Assim,
por exemplo, McCarthy e Apple (1988) defenderam um esquema paralelístico não
sincrônico para compreender questões de classe, raça e gênero, que reconhecesse
as interações intensas e contraditórias existentes no interior dos diferentes modelos
de exploração e domínio, e entre eles, e que exigisse dos educadores críticos menos
reducionismo em seus pressupostos. Consequentemente, argumentou-se, por
exemplo, que a desigualdade racial não poderia ser reduzida unicamente a
desigualdade econômica (APPLE; WEIS, 1983) – uma posição que, embora ainda
não seja plenamente desenvolvida, antecipa alguns dos argumentos fortemente
producentes da teoria racial crítica (GILLBORN, 2005; LADSON-BILLINGS;
TATE IV, 1995).
Com o objetivo de buscar novas orientações teóricas que tratassem das
complexidades que faltavam em análises como as de Bowles e Gintis (1976),
muitos acadêmicos críticos, como Giroux, recorreram às obras de Antonio
Gramsci, Louis Althusser, Stuart Hall e Raymond Williams, e também aos
estudiosos da Escola de Frankfurt. Logo desenvolveu-se toda uma série de análises
ricas em insight sobre a relação entre cultura vivida, escolarização e economia. Em
parte com o estímulo de “Learning to labour”, a obra clássica de Willis (1977)
sobre cultura, relações de classe e masculinidade de jovens, e dos insights
igualmente perspicazes de McRobbie (1978) sobre os modos de interação das
dinâmicas de gênero e classe dentro e fora das escolas, muito se ganhou e ainda se
ganha em termos de compreensão do modo como as formas e as práticas culturais
populares se interconectam dialeticamente com práticas e dinâmicas de classe,
raça e sexo ou gênero (ARNOT, 2004; EPSTEIN; JOHNSON, 1998; WILLIS,
1990). Essas análises apontaram espaços contraditórios na experiência vivida pelos
povos, nos quais um trabalho cultural poderia conseguir reunir os jovens sob uma
liderança mais progressista (WEIS, 1990).
Ainda assim, mesmo com os imensos progressos alcançados pela compreensão
marxista e neomarxista, e pelas pesquisas baseadas em teorias feministas e
antirracistas, essas tradições passaram por um escrutínio rigoroso. Abordagens
feministas pós-estruturais e análises convincentes baseadas em teorias raciais críticas
fizeram intervenções provocadoras nos debates sobre todas essas questões
(LADSON-BILLINGS; TATE IV, 1995; LUKE; GORE, 1992). Um foco na
422 Apple e Au
Tensões e contradições
No entanto a imagem que construímos até agora é enganosamente linear. As
tradições críticas são complicadas e cheias de tensões e discordâncias. Além disso,
há o risco de apagar da memória ganhos importantes, e também de voltar a
perspectivas redutoras e essencializadoras, cujas deficiências são sérias. Foi o que
aconteceu com perspectivas funcionalistas econômicas surpreendentemente
similares às de Bowles e Gintis (1976), porém sem o conhecimento de economia
que têm esses autores, e que efetivamente voltaram a essas perspectivas. Com o
surgimento das análises pós-modernas e pós-estruturais na educação da década de
1990, as análises que tendiam a excluir a discussão de classes de suas estruturas
críticas – e de certa forma, essa volta a explicações mais ligadas a aspectos
econômicos de escolarização e reprodução social é compreensível – levaram alguns
estudiosos marxistas e neomarxistas a assumir essencialmente posições ideológicas
que enfatizavam a importância da materialidade das relações de classe (COLE et
al., 2001). Infelizmente, durante o processo, muito se perdeu dos ganhos obtidos
nas tradições críticas, no que diz respeito à nossa compreensão das complexidades
das relações de classe dentro do Estado e entre o Estado e a sociedade civil. É como
se Althusser, Poulantzas, Jessop, Dale e outros nunca tivessem escrito nada de
importante. O material extremamente prolífico sobre a relação entre ideologia e
identidade; sobre a relação entre cultura, identidade e economia política; sobre o
impacto crucial da política; e sobre o poder dos movimentos sociais que atravessam
as barreiras de classe, bem como uma série de outras questões, agora é visto por
alguns como uma rejeição aos princípios fundamentais das tradições marxistas (o
plural aqui é absolutamente essencial), ou então considera-se que esses avanços
lidam com preocupações epifenomênicas.
Em ambos os lados do Atlântico, algumas pessoas atacaram esses progressos,
no intuito de purificar a tradição marxista da mácula do culturalismo e do pecado
de se preocupar muito com coisas como gênero e raça, em detrimento da classe
(KELSH; HILL, 2006). A versão britânica simplesmente não compreende a
história dos Estados Unidos e de muitas outras nações, e a importância da questão
racial como uma dinâmica relativamente autônoma e extraordinariamente poderosa
na construção e na manutenção de suas relações de exploração e dominação
(GILLBORN, 2005). Assim como na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos há razões
cruciais para lidar com extrema seriedade com as questões de classe e com as
Política, teoria e realidade na pedagogia crítica 425
2. Precisamos deixar claro que alguns dos livros mencionados neste ensaio, em especial os livros de Anyon e
Weis, fazem parte de uma série organizada por um de nós (Apple). Entretanto, uma vez que a tarefa que nos
foi solicitada era dar uma ideia da situação do trabalho crítico nos Estados Unidos e em outros lugares, e
esses livros constituem importantes declarações sobre o tema, sentimos que sua exclusão teria levado à omissão
de elementos importantes.
Política, teoria e realidade na pedagogia crítica 429
mais ativa na construção de soluções para esses problemas (APPLE et al., 2003;
GANDIN, 2006).
Mais uma vez, não queremos ser românticos. Há problemas em Porto Alegre
– políticos, econômicos e educacionais (GANDIN; APPLE, 2003). Entretanto,
apesar deles, vemos com otimismo o impacto duradouro dessas iniciativas
democratizadoras e da construção de uma educação mais diversificada e inclusiva.
A Escola Cidadã, por si só, foi muito bem-sucedida ao tornar possível a inclusão
de uma população inteira que, se não fosse por esse projeto, estaria fora das escolas,
e ainda mais excluída em uma sociedade que já é ativamente excludente. No
entanto, o aspecto educativo mais amplo da Escola Cidadã – o empoderamento
de comunidades carentes no lugar em que elas estão e a transformação tanto das
escolas como do que ali se considera conhecimento oficial – é também de enorme
significado. As transformações em Porto Alegre representam novas alternativas na
criação de uma cidadania ativa, que aprende com suas próprias experiências e
culturas, não apenas para este momento, mas também para as gerações futuras.
Por essas razões, acreditamos que as experiências de Porto Alegre têm uma
importância considerável não só para o Brasil, mas também para todos nós que
nos preocupamos profundamente com os efeitos da reestruturação neoliberal e
neoconservadora da educação, e da esfera pública em geral. Há muito que
aprender a partir das lutas bem-sucedidas lá travadas. Entender essas lutas,
documentá-las e apoiá-las ativamente pode ajudar-nos em nossas tentativas de
realizar as tarefas da análise e da ação crítica na educação às quais nos referimos
no início deste capítulo.
Considerações finais
Neste capítulo, delineamos uma agenda ambiciosa. Sugerimos uma série de
tarefas inter-relacionadas que são essenciais para o crescimento contínuo e o êxito
da educação crítica: dar testemunho; analisar a realidade de modo a identificar os
espaços disponíveis para o trabalho anti-hegemônico; atuar como secretários críticos
para movimentos e práticas sociais críticos; manter vivas as diversas tradições
críticas, de maneira apoiadora, mas também autocrítica; e participar de movimentos
voltados para transformações sociais e culturais. Cada uma dessas tarefas é
importante, especialmente em um tempo de modernização conservadora e de
ataques a uma educação digna de ser chamada crítica.
Não nos bastava, porém, uma simples enumeração de coisas a fazer. Indicamos
também algumas raízes da educação crítica nas práticas de grupos subalternos
nos períodos iniciais das ações educacionais. Além disso, fizemos um
levantamento do trabalho acadêmico que surgiu ao longo de décadas de trabalho
sobre a relação (ou as relações) entre o poder, a educação, a reprodução e a
transformação. Detalhamos igualmente os esforços de educadores críticos
orientados para políticas e práticas – por exemplo, no trabalho de Paulo Freire –
Política, teoria e realidade na pedagogia crítica 431
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64
Jagdish S. Gundara
435
436 Gundara
Este capítulo examinará os modos pelos quais o que é nacional pode ser capaz de
agir de maneira diferente dentro das estruturas institucionais e legais nos planos
regional, continental e internacional. O artigo fará referência a políticas,
especialmente àquelas ligadas a direitos educacionais e demais direitos dos cidadãos.
Instituições como a Comissão Europeia, o Conselho da Europa e a UNESCO têm
uma participação da maior importância nestes tempos de mudanças rápidas.
Organizações continentais e regionais, como a Organização de Unidade Africana e
o Mercosul podem desempenhar papéis similares nas regiões de sua atuação. Dentro
da Comunidade Britânica de Nações, os chefes de governo, reunidos em Kampala,
trataram da questão da transformação das sociedades, no sentido de alcançar maior
desenvolvimento político, econômico e humano – um processo que pode lançar mão
das redes de comunicação mais fortes da Comunidade Britânica de Nações na área
da educação, para contribuir para essas agendas (UNITED KINGDOM, 2007).
Atualmente, os Estados modernos enfrentam desafios cada vez mais sérios em
seus sistemas educacionais. Em termos gerais, exclusão social e desigualdade em
vários índices representam uma ameaça para a viabilidade dos sistemas políticos e
sociais nacionais, em virtude da maneira pela qual essa exclusão leva à
institucionalização da injustiça em muitas sociedades. Profissionais e gestores de
políticas públicas e sociais têm um papel a desempenhar no processo de transformar
exclusões em inclusões sociais, recorrendo a poderes legais e constitucionais em
contextos democráticos. Entretanto, esses profissionais enfrentam uma série de
problemas. Para os educadores, isso inclui a maneira como as questões de diferença
e diversidade foram conceituadas no passado recente, e de que forma, em alguns
contextos, a diferença passou a ser interpretada como déficit. Essas distorções
conceituais têm reduzido ainda mais as possibilidades de melhoria nos resultados
da educação de grupos mais pobres e marginalizados da sociedade. Este capítulo
tratará de algumas dessas questões.
Alguns dos problemas mais difíceis de tratar são encontrados em sociedades em
que o racismo, a xenofobia e o chauvinismo aprofundaram as desigualdades em
comunidades diversificadas, frustrando as aspirações de grupos, comunidades e
indivíduos que se sentem excluídos de uma geração para outra ou
permanentemente. Portanto, questões sobre como conseguir igualdade e como
lidar com sistemas de conhecimento nacionais poderosos e excludentes precisam
ser consideradas de forma permanente e avaliadas criticamente. Com o fracasso de
muitos Estados modernos no sentido de prover igualdade, muitos grupos voltaram
a adotar identidades étnicas e religiosas mais singulares; e quando existem, são
muito poucas as medidas educacionais bem-fundamentadas para tratar dessas
questões no plano internacional. Os educadores precisam considerar em que
medida o fracasso do Iluminismo ao lidar com as questões do racismo e da
xenofobia contribuiu para o desencanto com os sistemas democráticos e
constitucionais nacionais e com as organizações internacionais. O retorno dos
O futuro dos estudos interculturais nas sociedades multiculturais 437
A educação deve ser orientada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e para o
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A educação
deve promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações, todos os grupos
religiosos e raciais, e desenvolver as atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz
(BATELAAN; COOMANS, 1999).
Essa é uma boa definição para a educação intercultural, mas está longe da
realidade, uma vez que certos aspectos da globalização, como o direito à educação,
deixaram totalmente de lado pelo menos um bilhão de pessoas (POWER, 2000).
O direito à educação que consta na Declaração Universal traduz-se em uma forma
mais precisa no Acordo Internacional sobre Direitos Sociais e Culturais e no Acordo
Internacional sobre Direitos Políticos e Civis. Nas décadas de 1980 e 1990, a
agenda dos direitos humanos ampliou-se com o reconhecimento dos direitos ao
desenvolvimento, dos direitos ambientais e com uma formulação mais precisa dos
direitos da criança. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
dedica dois artigos – 28 e 29 – aos direitos à educação e aos propósitos da educação
(PEREZ DE CUÉLLAR, 1995).
O Marco de Ação de Dacar comprometeu seus signatários a “garantir que, em
2015, todas as crianças, particularmente meninas e crianças em circunstâncias
difíceis, e aquelas que pertencem a minorias étnicas, terão acesso a educação
primária de boa qualidade, gratuita e compulsória, e poderão concluí-la”. Nesse
sentido, o desafio de Educação para Todos (EPT), da UNESCO, não se restringe
ao provimento da educação básica e primária em países pobres, mas inclui também
educação de qualidade para todos, que, por definição, deve ser intercultural, tanto
nos países mais ricos como nos mais pobres. O documento da UNESCO
“Educação e diversidade cultural” estabeleceu uma prioridade fundamental para o
biênio 2002-2003, e ressaltou que: “a UNESCO estimulará a inclusão de questões
que envolvam valores em educação em sociedades multiculturais e multilíngues
nos planos de ação nacionais de EPT (UNESCO, 2002).
Esse foco tornou o Marco de Ação de Dacar mais intercultural, ao incluir
provimento para nômades, viajantes e populações ciganas. Nas Américas, esses
grupos incluem os povos inuite, maia e quéchua. A importância de EPT para os
países industrializados em muitas partes do mundo foi assegurar que o conteúdo
educacional seja apropriado ao provável contexto futuro internacional. Nesse
sentido, a menos que a educação seja intercultural, não se poderá prover igualdade
e educação de qualidade para todos. O provimento de medidas educacionais, que,
por definição, é intercultural e leva a maiores níveis de igualdade, foi criticado
como enfraquecedor ou redutor da qualidade da educação. Essas críticas precisam
ser consideradas para garantir que políticas e práticas interculturais não percam
credibilidade, uma vez que qualidade e igualdade em educação caminham de mãos
dadas (UNESCO, 2003). No nível mais amplo, a educação requer uma parceria
entre as instituições educacionais estatutárias e formais no setor público, com o
O futuro dos estudos interculturais nas sociedades multiculturais 439
Assim sendo, algumas das tendências mencionadas acima, que são mais
excludentes do que inclusivas, refletem-se na maneira como as relações e os
entendimentos interculturais em um nível vêm sendo reforçados em alguns
contextos e níveis sociais. Em outras sociedades, e em muitos outros níveis, os
conflitos interculturais de natureza racial, religiosa, linguística, de classe e nacionais
vêm-se exacerbando. Esse é o caso nos Estados do sudeste da Europa e na Somália,
onde os governos têm dificuldades em impedir que uma instrução literalista (que,
obviamente, não é muito educativa) seja oferecida por muitas instituições de base
étnica. Há, no entanto, diferenças marcantes entre um Sudeste da Europa
etnicamente diverso e a fragmentação baseada em diferenças de amplo espectro, e
a Somália, onde as diferenças “étnicas” são muito poucas. Por isso, pode-se dizer
que o narcisismo das pequenas diferenças na Somália tem sido sua constante ruína.
No nível global, muitas dessas questões resultam não somente da globalização
contemporânea, mas também dos legados históricos de nacionalismo e dos
impérios do século XIX. Se as iniciativas internacionais, especialmente das agências
das Nações Unidas, não forem bem-sucedidas na redução dessas diferenças, será
cada vez maior o número de Estados e seus governos que precisarão lidar com a
fragmentação das sociedades, devido a desigualdades, polarizações, conflitos e
competição não regulamentada resultantes. A presente seção conclui argumentando
que as diferenças entre as pessoas permanecem porque, ainda que crie possibilidades
de melhores relações interculturais, o crescimento do multiculturalismo dentro dos
sistemas políticos aumenta também as possibilidades de conflito intercultural, a
menos que as instituições do Estado tomem medidas positivas, inclusive
educacionais, para promover igualdade e minimizar as situações de conflito.
Questões e conceitos
Um dos problemas decorrentes da complexa gama de questões que causam
conflitos interculturais é que há muito pouco consenso sobre o uso de termos ou
de uma estrutura de análise. Em muitos países de língua inglesa, alguns acadêmicos
argumentam que uma conotação de raça tem sido atribuída ao termo
“multiculturalismo”. Há alguma verdade nessa afirmação: por exemplo, ativistas e
outros indivíduos utilizaram as questões de discriminação e de diversidade para
enfrentar somente a discriminação contra eles mesmos e suas comunidades em
particular. As maneiras como foram elaboradas políticas decorrentes de uma postura
tão estreitamente definida tenderam a sugerir que somente determinados grupos
enfrentaram a exclusão e a discriminação. Na Grã-Bretanha, por exemplo, ativistas
de comunidades asiáticas e caribenhas não cogitaram fazer causa comum com
judeus, ciganos e outras minorias para lidar com as desigualdades na educação. Por
exemplo, muitas políticas antirracistas na educação tendiam a enfatizar a
discriminação contra certas minorias de imigrantes, mas ignoravam os setores mais
pobres da comunidade dominante e outras nacionalidades e minorias. Sendo assim,
O futuro dos estudos interculturais nas sociedades multiculturais 441
2. NRTT: No Reino Unido, a chamada educação de adultos (Further Education) refere-se à educação para a
faixa etária pós-compulsória, isto é, para os jovens acima de 16 anos. Este nível oferece geralmente cursos
técnicos-profissionalizantes, bem como cursos que preparam para os exames de Nível Avançado (A Level
exams) ou o bacharelado internacional (International Baccalauréat) para entrada na universidade.
442 Gundara
Obstáculos à igualdade
Em muitas sociedades, outro dilema precisa ser enfrentado, uma vez que, ao
mesmo tempo que atribuíram papéis claros a diferentes grupos da sociedade, as
velhas solidariedades baseadas em classe social, como antecedentes de uma
sociedade dividida em classes, criaram as divisões entre as classes que têm sido
objeto de confrontação ao longo do últimos 150 anos. As divergências baseadas
em raça, religião e gênero levaram à criação de siege mentalities6 e de siege
communities7, que, em todas as partes do mundo, impedem a segurança e a proteção
de muitas comunidades que se tornaram socialmente divididas. Em vez de coesão
social, nesses tempos fluidos, como Bauman os descreve, as comunidades estão se
dividindo (BAUMAN, 2007). Hoje em dia, com a ausência de uma base pré-
ordenada de classes para a solidariedade, as gerações mais jovens veem-se diante de
Conhecimento cêntrico
Em um nível ainda mais amplo, essas questões suscitam problemas de
conhecimento cêntrico, que, de acordo com o COD 1990, é definido como “tendo
um centro (especificado)”. Há, no entanto, múltiplas fontes de conhecimento e
muitas narrativas; não há uma narrativa única sobre conhecimento. Portanto,
sistemas de conhecimento cêntrico funcionam com base em critérios simplificados
e exclusivos do currículo escolar oficial. O critério para a seleção do currículo a
partir de múltiplas fontes em sistemas de governo diversificados apresenta um
complexo desafio aos responsáveis pelo planejamento do currículo, o que ocorre
especialmente porque um currículo centrado no conhecimento de grupos
dominantes não atende às necessidades de sistemas políticos socialmente
diversificados. É necessário um currículo não cêntrico, ou um currículo inclusivo,
baseado em diferentes fontes, nos contextos nacional, regional e local (GUNDARA,
2000, p. 161-205).
Um dos problemas na implantação da educação intercultural é que, na Europa,
os idiomas, as histórias e as culturas de grupos subordinados não são vistos como
tendo o mesmo valor daqueles das nacionalidades europeias poderosas. O direito
a um currículo não cêntrico ou inclusivo é talvez um dos maiores desafios para a
concretização do desenvolvimento de uma educação intercultural. Esse exercício
implicaria um grande desafio intelectual, como o que ocorreu quando a UNESCO
encarregou-se de escrever a história da África em uma série de oito volumes. Em
grande medida, a série não foi integrada ao corpo principal do conhecimento
448 Gundara
lidam com a reavaliação da maneira segundo a qual os livros didáticos têm sido
escritos e como os nomes nos mapas têm sido indicados de forma excludente, e
não representativa de passados complexos. O Instituto Eckhart, na Alemanha, e a
UNESCO dedicaram tempo e expertise a essas iniciativas.
As tensões entre as ideologias secular e religiosa talvez sejam o alerta mais
alarmante para Estados multiculturais e multirreligiosos, e exigem dos educadores
e responsáveis pelo planejamento curricular um tratamento não nacionalista e
criativo. Embora a religião e as crenças pessoais devam pertencer à esfera privada,
há questões nos sistemas religiosos e no conhecimento que podem incidir sobre as
mentes nacionais e globais, e sobre o desenvolvimento futuro de cidadãos com
mentalidade crítica e democrática. É uma questão de grande importância a clara
definição do papel da religião em Estados democráticos, constitucionais e
multirreligiosos, para evitar que sejamos levados ao abismo social pelas noções
fundamentalistas e dogmáticas de verdades alimentadas pela fé.
A importância de Gandhi e de seu pupilo Nehru é sua compreensão
intercultural genuína das civilizações ocidental e indiana. Personificaram uma
criatividade e uma determinação que hoje falta a muitos líderes políticos e
educacionais. O ex-presidente da Tanzânia, Mwalimu Nyerere (professor), era
normalmente chamado simplesmente de “professor”, e por meio de suas políticas,
unificou a sociedade multicultural tanzaniana. Nelson Mandela talvez tenha
seguido seus passos quando formou um grupo de Anciãos que inclui antigos líderes
e Prêmios Nobel, e podem usar sua influência para resolver conflitos interculturais
e outras crises, no cassino do mercado global não regulamentado. Como essas
iniciativas podem ser usadas por educadores para encantar os desencantados com
compromissos ativos, inclusivos e democráticos?
No nível subjacente, é preciso perguntar sobre as implicações educacionais da
Renascença Africana do Presidente Mbekis, e sobre o papel das instituições
acadêmicas. A menos que seja capaz de construir uma África do Sul mais igualitária
e inclusiva, a Renascença permanecerá uma quimera (The Observer, 24 nov. 2007).
É preciso perguntar ainda até que ponto o crescimento do fundamentalismo
também é um resultado da incapacidade dos governos para modernizar as
sociedades e outorgar igualdade em políticas públicas e sociais de modo geral. Se
os governos estão fracassando nesse papel, não há muito que os sistemas de
educação possam fazer para reduzir a intensidade do conflito religioso.
Na Nigéria, Wole Soyinka ressente-se da maneira pela qual as religiões proselitistas
estão erodindo as tradições e as fés locais, como a dos Orixás, e também desintegrando
a educação nas escolas e universidades (The Guardian, 6 ago. 2002). No contexto da
África Ocidental, a implementação de políticas e práticas interculturais pode ser um
modo de evitar as contendas religiosas nas instituições educacionais.
No nível acadêmico, estudiosos como Inayatullah, no Paquistão, além de outros,
lutam por uma ciência social alternativa, não baseada no Estado-nação como
452 Gundara
uma profissão de alto status, e no mesmo nível de outras profissões. A maioria das
instituições de ensino superior educa e treina médicos, arquitetos e advogados, mas
somente treina os professores. Essa é uma questão importante, porque há uma
diferença entre treinamento e educação. As instituições de ensino superior não
podem ignorar a mesma educação rigorosa e de base ampla para professores. Como
apontou o professor Colin Power, ex-diretor de Educação da UNESCO, em uma
palestra no Instituto de Educação da Universidade de Londres, se a Harvard
Business School educa predadores individualistas, as instituições de formação de
professores não devem simplesmente capacitá-los como assistentes sociais para
recolher os pedaços que esses barracudas deixam para trás.
A pergunta-chave é se as questões dizem respeito a treinamento de professores
ou a educação de professores. Treinamento implica uma ordem menor de
conhecimento e habilidades.
Para ter os professores mais instruídos, educados e profissionalmente mais
qualificados, sua educação deve ser assumida pelas universidades ou instituições com
padrões compatíveis. Portanto, sendo profissionais autônomos, os professores devem
ingressar em uma instituição de formação de professores depois de um curso de
graduação, e seguir uma formação profissional semelhante à de outras profissões
(CARNEGIE, 1986). Obviamente, as circunstâncias variam de país para país.
A existência de professores com alto nível profissional e com formação rigorosa,
com qualificação em nível de pós-graduação, é essencial para elevar as competências
da profissão docente. Como parte dessa formação, é necessário que haja dimensões
interculturais nos cursos que integram o processo de formação de professores, o
que já suscita algumas questões complexas. Alunos de comunidades minoritárias
que se saíram bem na universidade tendem a escolher outras profissões, não o
magistério. Ainda assim, para tornar eficaz a educação intercultural de professores,
tanto as instituições de formação de professores quanto as escolas precisam ter um
corpo discente e docente diversificados. Não só o magistério deve passar a ser uma
profissão atraente, mas também a educação das classes menos favorecidas, das
minorias e das nacionalidades minoritárias deve ser aprimorada, acompanhada de
medidas destinadas a assegurar que algumas dessas pessoas abracem a profissão
docente. Uma das vantagens de uma “força” multicultural de professores educados
de maneira intercultural é que ela não só torna possível a negociação de valores
sociais complexos nas escolas e nas instituições de ensino superior, como também
proporciona habilidades e conhecimento multilíngues para que essa força de
professores seja competente e profissional.
Em termos interculturais, as habilidades do professor devem incluir expertise
em relações interpessoais, condução de conversações, moderação de discussões
difíceis, resolvendo conflitos e trabalho com os pais. Os professores enfrentam a
tarefa mais complexa de lidar com o racismo dos alunos e a discriminação de
culturas autônomas dos colegas. A necessidade de habilidades em comunicação só
454 Gundara
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456 Gundara
Nelly P. Stromquist
457
458 Stromquist
está ligado a um movimento que vise à intervenção na arena política por meio da
pressão por políticas específicas, ou que conduza as mulheres a cargos políticos para
que representem os interesses das próprias mulheres.
Este capítulo analisa a forma como o pensamento teórico sobre gênero e
educação avançou nas últimas décadas. Para isso, começa com uma discussão sobre
a educação de mulheres e homens, e em seguida apresenta as diversas vertentes do
pensamento feminista, terminando com uma discussão do que poderia constituir
intervenções eficazes, tendo em conta as lições aprendidas ao longo do tempo.
1. Entre as meninas (o que não causa surpresa), a gravidez e a maternidade são determinantes significativos para
o abandono da escola.
Feminismo, libertação e educação 463
Intervenções nacionais
Políticas educacionais substanciais que incluem uma perspectiva de gênero
foram promulgadas em diversos países industrializados, entre os quais se destacam
Austrália, Reino Unido e Estados Unidos. Essas políticas frequentemente passaram
por revisões para ampliar os objetivos de proibição de práticas discriminatórias na
admissão escolar ou no provimento de bolsas de estudo e empréstimos, de modo
a criar ambientes mais amigáveis para as meninas, protegendo-as contra o assédio
sexual e discriminação quanto a orientação sexual. Na Austrália, o sucesso da
reforma, caracterizada por várias reiterações de leis educacionais, foi atribuído à
ação conjunta de sindicatos de professores, professores e acadêmicos feministas,
envolvidos em pesquisas ligadas a questões de gênero na educação, e a ativistas
posicionados dentro do sistema de ensino e em outros locais altamente estratégicos
(KENWAY, 2005).
As políticas educacionais dos países em desenvolvimento consideram cada vez
mais a dimensão do gênero. O padrão predominante nessas políticas é concentrar-
se no acesso universal à educação básica, que é reconhecido como um direito
humano e, portanto, aplicável também às mulheres. Essas políticas respondem
principalmente a questões de acesso e permanência, mas o fazem utilizando
estatísticas, e não por meio de uma intervenção clara para ajudar as mulheres.
Normalmente como efeito colateral da expansão global e das mudanças de
mentalidade da sociedade, a expansão dos sistemas educacionais acaba beneficiando
as mulheres, que são auxiliadas pelas mensagens (às vezes contraditórias) da mídia.
O princípio básico dessas políticas é a igualdade de oportunidades, que focaliza a
igualdade de acesso, e não a igualdade de tratamento nas escolas, nem o
conhecimento que vai transformar os padrões de dominação de gênero. Como
conceito, a igualdade de oportunidades enfrenta limitações, uma vez que pressupõe
466 Stromquist
2. No final de 1999, o Progresa abrangia 2,6 milhões de famílias, ou cerca de 40% de todas as famílias rurais,
e uma em cada nove famílias no México, em quase 50 mil comunidades. Representava um investimento
anual de US$ 777 milhões, ou 0,2% do PIB do México (Behrman e Skoufias, 2006). Em 2005, o programa
que o sucedeu – o Oportunidades – atingiu cerca de 5 milhões de famílias.
3. As escolas Brac, que existem desde 1985, agora são 40 mil, e atenderam a cerca de 8% da população da escola
primária no país.
4. O programa Quetta é pequeno, atingindo cerca de 10 mil alunos em escolas em que as meninas representam
cerca de 30% das matrículas.
Feminismo, libertação e educação 467
5. Esta seção é um relato muito pessoal de como as questões teóricas evoluíram. Vários outros são possíveis. O
que apresento enfatiza a trajetória do setor educacional.
468 Stromquist
Forças compensatórias
Por ser um movimento que procura grandes mudanças nas normas e crenças
que dão forma à sociedade, o feminismo teve que enfrentar várias reações
institucionais e sociais contrárias. Significativamente, as teorias feministas
prevalentes raramente conceitualizam o surgimento de grupos que vão lutar contra
a introdução de mudanças nas ideologias de gênero.
No contexto da América Latina, a ação da Igreja católica tem sido decisiva para
impedir alterações curriculares em favor da introdução da educação sexual e do
tratamento da sexualidade como uma prática cultural com atribuições diferenciadas
e consequências para homens e mulheres. De maneira geral, tem argumentado que
a família está sendo atacada e que o questionamento das diferenças naturais entre
homens e mulheres levará à homossexualidade (BONDER, 1998). Experiências
semelhantes foram documentadas na República Dominicana, no Peru, na Costa
Rica, no Chile e no México. A tática da Igreja de retirar certas questões do debate
repercute as observações feitas há décadas por Bachrach e Baratz (1970), que
introduziram a ideia de que, quando o poder de um conjunto de interesses ou
perspectivas evita a introdução de questões fundamentais na agenda política, os
cidadãos permanecem ignorantes a respeito de tais questões. Nas regiões
influenciadas pelas normas islâmicas, o lugar da mulher é preponderantemente na
esfera doméstica.
Uma força mais difusa, porém amplamente disseminada, que funciona contra
as questões de gênero é a globalização. Ao promover a estratégia de soluções
orientadas pelo mercado e o papel dos indivíduos no progresso, em oposição a um
estado de bem-estar ou à solidariedade na resolução dos problemas sociais, a
competitividade globalizada fomentou um clima que exalta o individualismo e
limita a participação do Estado na consideração das questões sociais. Ao reduzir os
serviços sociais prestados pelo Estado, as políticas orientadas pelo mercado
(neoliberais) deslocaram a carga para as mulheres (SUBRAHMANIAN, 2005;
KENWAY, 2005; GONZÁLEZ DE LA ROCHA, 2006) – um efeito que não é
reconhecido pelos órgãos do Estado. Pode-se dizer que a sujeição da mulher,
expressa no seu papel ligado ao espaço doméstico, é necessária para subsidiar os
custos dos cuidados com idosos e jovens – custos com os quais o Estado,
especialmente o Estado neoliberal, não está disposto a arcar (ODORA-HOPPERS,
2005). Apesar desses fatos, muitos governos recusam-se a reconhecer que o
neoliberalismo prejudica as mulheres, com o recuo do estado de bem-estar social.
472 Stromquist
6. Nas últimas décadas, os governos começaram a reconhecer como problemáticas certas situações que eram
antes consideradas normais e, portanto, além da ação legal. Esses problemas incluem o abuso de crianças
(que não era reconhecido até 1965), a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro marital.
Feminismo, libertação e educação 473
7. Na África do Sul, relatam-se casos de sucesso na criação de um setor de atendimento de questões de gênero
em sindicatos de professores para atingir paridade salarial, intervindo no desenvolvimento de currículo para
aplicar uma estrutura de direitos humanos (que cubra temas como assédio sexual) e promover mais mulheres
a cargos de gestão (MANNAH , 2005).
8. Em razão dos baixos salários e das más condições de trabalho em muitos países, a mobilização dos professores
geralmente é maior quando o objetivo é melhoria econômica do que quando se busca transformação social.
474 Stromquist
Considerações finais
O enquadramento de um problema dá a forma de sua solução. Atualmente,
em diferentes arenas e por diferentes razões, há uma análise limitada da influência
que questões de gênero exercem nos problemas sociais, e as soluções projetadas
para corrigir desigualdades de gênero são apenas modestas. Embora em seus
fóruns nacionais e internacionais o Estado tenha conseguido produzir acordos
globais para lidar com as questões de gênero e das mulheres, esses instrumentos
revelaram-se verdadeiras facas de dois gumes. No lado positivo, o Estado admitiu
Feminismo, libertação e educação 475
que deve ser responsável por seus cidadãos, e isso inclui o provimento de
benefícios e serviços para as mulheres. As políticas globais deram destaque às
questões de gênero e de educação, e levaram à adoção de políticas por governos
que, de outra forma, teriam feito muito pouco a esse respeito. Do lado negativo,
o Estado tendeu a cooptar o movimento e a agregar seus principais conceitos, e
esvaziou suas medidas de qualquer propósito transformador. As respostas do
Estado muitas vezes são retóricas, e os objetivos globais mais recentes na verdade
têm reduzido agendas feministas anteriormente alcançadas (como ocorreu com
vários dos Objetivos do Milênio).
Os discursos cumprem muitas tarefas. Servem para apresentar algumas vozes e,
por omissão, silenciar outras. Aquelas que são apresentadas com maior frequência
passam a ter maior legitimidade e autoridade. Hoje os governos emitem mensagens
contraditórias, exaltando os valores do individualismo e da competição e, ao mesmo
tempo, fazendo declarações em favor da inclusão social e da construção da
democracia. Em um exame a partir de uma perspectiva sociológica, em que são
analisadas as questões de conteúdo e diferenciais de poder, pode-se concluir que
questões críticas do sistema educacional são negligenciadas. De maneira geral, após
a devida consideração, as políticas públicas não descartam essas questões como se
não fossem importantes: desde o início, tendem a ignorar questões controversas
ligadas a gênero, o que ocorre basicamente devido à incapacidade dos funcionários
das organizações governamentais e bilaterais para levar em consideração a literatura
educacional feminista. Ocorre também por meio da agregação de termos como
gênero, equidade de gênero e empoderamento das mulheres, sem um esforço sério
para lidar com esses conceitos tão poderosos.
Para agravar ainda mais uma situação já negativa, há pouca atividade neste
momento na área da política de gênero e da educação. Além disso, as mulheres
organizadas raramente participam (ou pedem para ser incluídas) em fóruns
educacionais. É difícil obter benefícios de organismos nos quais as mulheres não
têm voz ativa, e quando as vozes das mulheres são demasiadamente diversas. Assim
sendo, parece essencial incentivar o diálogo e as alianças entre o mundo acadêmico,
as organizações da sociedade civil e as unidades governamentais favoráveis, para
estimular maior atenção às questões de gênero na educação.
Nosso mundo contemporâneo é caracterizado por contradições. Os governos
agora exigem simultaneamente um desenvolvimento orientado para o mercado
(que supostamente cuidaria de tudo) e direitos humanos e democratização,
especialmente nos países em desenvolvimento. O primeiro, no entanto, não implica
uso de recursos públicos; para o segundo, esses recursos são indispensáveis. Embora
os governos expressem objetivos contraditórios no nível do discurso, no nível
prático a ênfase está claramente em esforços dirigidos ao mercado. Embora novas
políticas públicas sejam constantemente promulgadas, a utilização dos instrumentos
a elas ligados – como recursos materiais, legislação, planos e relatórios de equidade
476 Stromquist
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66
EDUCAÇÃO COMPARADA,
PÓS-MODERNIDADE E PESQUISA
HISTÓRICA: HONRANDO OS ANTEPASSADOS
Marianne A. Larsen
479
480 Larsen
Para entender, apreciar e avaliar o real significado do sistema educacional de uma nação, é essencial
conhecer um pouco de sua história e de suas tradições, das forças e atitudes que regem sua
organização social, das condições políticas e econômicas que determinam seu desenvolvimento
(KANDEL, 1933, p. xix).
Para Jenkins, não se trata tanto do fim da história como tal, mas de um fim da
grande história narrativa e da história mais familiar produzida por historiadores
acadêmicos.
Outros não foram tão longe a ponto de anunciar o fim da história, mas veem
a disciplina como fundamentalmente falha. Alguns criticaram a tentativa da história
tradicional ou “normal” de fornecer algum tipo de representação e compreensão
reais do passado (BERKHOFER, 1997). De fato, em lugar da história tradicional,
o pós-modernismo considera que o passado não pode ser objeto de um
conhecimento histórico; ou, mais especificamente, que o passado não é, e nunca
poderá ser, referencial de afirmações e representações históricas.
Assim como os historiadores tradicionais, os novos historiadores sociais,
incluindo aqueles que fazem parte do movimento conhecido como Escola dos
Annales, veem o historiador como um conhecedor estável de um mundo objetivo,
por meio do qual a verdade é vista como a relação não mediada do historiador com
o passado. A crítica de Poster (1997) ao trabalho tanto da “velha” história político-
intelectual como da “nova” história social demonstra de que maneira ambas ainda
buscam alcançar a verdade sobre o real. Assim como outros historiadores pós-
modernos, Poster baseia-se amplamente nas ideias de Foucault – o historiador
francês que ofereceu uma crítica abrangente da história como disciplina.
Além disso, o foco teleológico da história total significa que ela tenta estabelecer
uma ligação direta entre as origens e o presente, a fim de legitimar o presente como
uma continuação do passado.
A abordagem histórica conhecida como arqueologia foi desenvolvida por
Foucault em uma série de escritos anteriores, como uma alternativa à história total
(FOUCAULT, 1972a, 1972b, 1986). O conceito de discurso, definido por
Foucault (1972b) como sistemas de enunciados cuja organização é regular e
sistemática, constituída por tudo o que se pode dizer e pensar sobre um tema
específico, e também quem tem permissão para falar, e com que autoridade, é
central para a arqueologia. A arqueologia envolve a descrição de enunciados
recorrentes, entendidos como unidades ou partes do conhecimento, encontradas
no arquivo relacionado a um assunto ou a um tema.
O processo de análise de textos para encontrar enunciados recorrentes sobre
determinado assunto ou tema é um aspecto do método arqueológico. Assim sendo,
a investigação arqueológica envolve determinar se uma declaração atende ou não a
um conjunto de condições que permitem considerá-la um exemplo de um discurso
específico. Essas condições são regras, relações e padrões que conectam, relacionam
e dividem o que pode ser dito e repetido sobre um tópico (por exemplo, em “The
order of things”, de 1986, Foucault procura analisar as regras de formação que
regulamentaram o surgimento das ciências humanas). Portanto, a descrição pode
permitir que o historiador, como arqueólogo, estabeleça um modelo teórico aberto
para entender regras, relações e procedimentos entre dois ou mais enunciados. Essa
ênfase no modo como o conhecimento é organizado ou sistematizado faz do
discurso uma ferramenta analítica.
Ao analisar um grupo de enunciados unificados por um tema comum, a
pesquisa arqueológica não procura atenuar as aparentes diferenças, aberrações e
incoerências entre eles. Foucault adverte que o arqueólogo não deve forçar a
unidade e a coerência de um grupo de enunciados. Pelo contrário: a arqueologia
envolve o processo de estudar formas de divisão e dispersão. Foucault (1972a)
explica que esse processo não é uma tentativa de localizar o significado oculto de
contradições em documentos.
Educação comparada, pós-modernidade e pesquisa histórica 489
Na análise arqueológica, as contradições não são aparências a superar, nem princípios secretos a
descobrir. São objetos a descrever por si mesmos, sem qualquer tentativa de descobrir a partir de
que ponto de vista podem ser dissipadas, ou em que nível podem ser radicalizadas, seus efeitos
passando a ser causas (FOUCAULT, 1972a, p. 151).
A partir daí, pode-se ver que a arqueologia envolve o processo duplo de tentar
localizar unidade e coesão e, simultaneamente, desestabilizar essa mesma unidade.
Destacam-se as descontinuidades, divisões e rupturas, abrindo espaços para uma
análise mais cuidadosa do modo como uma série de enunciados passa a ser um
objeto de discurso reconhecível. Como procurei demonstrar no relato acima sobre
a pesquisa histórica em educação comparada, a descontinuidade passa a ser um
problema a investigar. Foucault (2000) explica:
A história torna-se ‘eficaz’ à medida que introduz a descontinuidade em nosso próprio ser, à
medida que divide nossas emoções, dramatiza nossos instintos, multiplica nosso corpo e compara-
o a si mesmo. A história eficaz [...] vai desarraigar suas bases tradicionais e abalar implacavelmente
sua pretensa continuidade (FOUCAULT, 2000, p. 380).
a história pode ser usada como meio para diagnosticar o presente. A melhor
maneira de alcançar a compreensão do presente como histórico é um processo de
tornar o passado estranho. Assim, talvez a melhor justificativa para dedicar-se à
pesquisa histórica é o fato de que ela nos permite alterar e rearranjar coisas que
reconhecemos como certas. Foucault afirmou que, quando usamos a história, não
devemos permitir que essa história chegue ao fim e repouse confortavelmente em
sua estranheza; pelo contrário, devemos tentar “usá-la, deformá-la, fazê-la gemer e
protestar” (FOUCAULT, 1980, p. 54).
Apresentando histórias que muitas vezes se opõem aos pressupostos que
aceitamos como verdadeiros acerca do passado, Foucault desafia nossos preconceitos
sobre história e pesquisa histórica. O presente parece muito mais inquietante na
medida em que Foucault tenta não demonstrar as semelhanças entre o passado e o
presente, mas as diferenças entre ambos. Em seu trabalho, procura isolar momentos
passados de diferença ou estranheza, para desestabilizar nosso momento presente
e “atenuar o senso de naturalidade e legitimidade que envolve as convenções de
hoje” (POSTER, 1997, p. 28).
Pode parecer difícil entender alguns conceitos de Foucault, como discurso,
arqueologia e genealogia, por serem tão pouco familiares e distantes dos
procedimentos normais da história como disciplina. No entanto, Poster explica:
Quando os véus do estranhamento são arrancados, ainda que brevemente, pode-se ver que seu
projeto de fato faz sentido e oferece uma nova noção do que poderia ser a história intelectual. Os
textos do passado podem ser vistos sem recorrer ao assunto, e podem revelar um nível de
inteligibilidade que lhes é próprio. O problema da leitura de Foucault não é o fato de sua escrita
ser abstrata, ou de seu estilo ser evasivo [...] É o fato de falar a partir de um lugar que é novo e
estranho, e talvez ameaçador (POSTER, 1997, p. 143).
Considerações finais
Assim como na história como disciplina, o campo da educação comparada
requer metodologias, estratégias e mapas cognitivos novos para que cheguemos ao
próximo século. Paulston afirmou que devemos nos tornar cartógrafos sociais, para
podermos, de forma reflexiva, sair de diferentes constructos da realidade ou de
maneiras de ver diferentes, ou entrar neles. Segundo o autor, os comparativistas
que aprendem a negociar [...] os novos espaços de conhecimento [...] terão oportunidades sem
precedentes para imaginar e ajudar a moldar uma educação internacional comparada interativa
pós-moderna que extrapola nosso entendimento atual (PAULSTON, 2000, p. 363).
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67
David Phillips
Empréstimo (transferência)
Em seu Plano para a Educação Comparada, de 1816/17, Marc-Antoine Jullien
tinha como objetivo implícito identificar práticas que poderiam ser transferidas de
um sistema para outros:
497
498 Phillips
Poderíamos facilmente julgar as [nações europeias] que estão avançando, aquelas que estão
regredindo e aquelas que permanecem estacionadas; quais são, em cada país, os setores deficientes
e os problemáticos; quais são as causas de deficiências internas observadas; ou quais são os
obstáculos para a ascendência da religião, da ética e do progresso social, e como esses obstáculos
podem ser superados; por fim, que áreas oferecem avanços que podem ser transpostos de um país
para outro, com as modificações e alterações que forem consideradas adequadas para as
circunstâncias e locais (FRASER, 1964, p. 37).
esperar que, se fincarmos na terra o que colhemos, teremos uma planta viva. Um sistema nacional
de educação é uma coisa viva, o resultado de lutas e dificuldades já esquecidas e ‘de batalhas do
passado’. Traz dentro de si algo do funcionamento secreto da vida nacional. Ao mesmo tempo
em que busca remediá-las, reflete as falhas do caráter nacional. De maneira instintiva, muitas
vezes, confere ênfase especial aos aspectos de treinamento de que o caráter nacional necessita
especificamente. Também por instinto, frequentemente evita destacar pontos relacionados com
dissidências amargas originárias de períodos anteriores da história nacional (SADLER, 1900 apud
HIGGINSON, 1979, p. 49).
Perspectivas históricas
Como assinalei, seria um equívoco encarar o empréstimo como uma fase
ingênua pela qual passaram os estudos comparados, pertencente apenas aos estágios
1 e 2 da sequência de cinco estágios que Noah e Eckstein propuseram para o
desenvolvimento do tema.
Lembramos que o primeiro estágio de Noah e Eckstein representa o tempo em
que os viajantes traziam narrativas sobre o que tinham observado. Tais relatos
constituíam as “observações […] mais primitivas”, que resultavam da curiosidade
e enfatizavam o exótico, de maneira a produzir forte contraste com a norma
doméstica: “são poucos os observadores capazes de extrair conclusões sistemáticas
com valor elucidativo a partir de uma massa de impressões relatadas de maneira
indiscriminada” (NOAH; ECKSTEIN, 1969, p. 5). Por exemplo, viajantes
britânicos e de outras origens que se encaixam no primeiro estágio de Noah e
Eckstein visitaram a Prússia, movidos pela curiosidade cultural e intelectual, e
constituíram um grande grupo de comentaristas com trabalhos bastante
heterogêneos em termos de qualidade.
O segundo estágio inclui viajantes cujas pesquisas tinham foco educacional.
Esses visitantes tinham como propósito aprender com um exemplo estrangeiro e,
com isso, ajudar a melhorar as circunstâncias em seus países. Contudo, seus relatos
raramente eram elucidativos: tendiam a concentrar-se em “descrições enciclopédicas
de sistemas escolares estrangeiros, eventualmente animadas aqui e ali com casos
curiosos” (NOAH; ECKSTEIN, 1969, p. 5).
Porém, outra maneira de examinar as fases e os estágios no desenvolvimento da
investigação comparada é descrever, como Michele Schweisfurth e eu tentamos
fazer, um “encadeamento sequencial dos tópicos enfatizados, começando por alguns
pontos históricos definidos de maneira ampla, e prosseguindo no sentido das
ênfases já existentes, embora modificando-as de diversas maneiras”. Esse aspecto
está ilustrado na Figura 1.
Esta “cadeia de desenvolvimento” (PHILLIPS; SCHWEISFURTH, 2006, p. 28)
começa com um período que se limita sobretudo à descrição, como vista nas
narrativas de viajantes encontradas em muitos dos primeiros relatos sobre as condições
políticas e sociais em outros países. Em seguida, contempla um momento de
sobreposição, em que os observadores tinham em mente um propósito político claro
em suas investigações, um desejo de influenciar o debate sobre políticas nos seus
países e de sugerir aspectos do provimento educacional de outros lugares que
poderiam ser tomados emprestados. Um exemplo dessa abordagem seria o trabalho
Aspectos da transferência educacional 501
de William Howitt (1792-1879) sobre a Alemanha, cujo objetivo era dissuadir seus
leitores britânicos de adotar a noção de controle da educação pelo Estado: “o espírito
livre da Inglaterra e os interesses particulares nunca permitirão que aqui, como
acontece na Alemanha, o governo assuma a responsabilidade pela educação,
regulamente-a e imponha a educação de todas as classes da comunidade” (HOWITT,
1844, p. 310). O terceiro grande desenvolvimento veio com avanços na coleta de
dados estatísticos, o que possibilitou uma análise mais sofisticada das condições
socioeconômicas e de sua relação com o provimento educacional. Os governos
alemães, em especial, eram adeptos da coleta de dados estatísticos; o estabelecimento
do Gabinete de Investigações e Relatórios Especiais (Office of Special Inquiries and
Reports), de Michael Sadler (1895), em Londres, possibilitou a produção de relatos
fidedignos sobre a educação em outros países, com base em alguma coisa que se
aproximava de evidências científicas. Ao mesmo tempo, como descrito na Figura 1,
continuaram os relatos dentro de outras tradições. Mais recentemente, cresceu o
número de levantamentos internacionais de larga escala sobre a realização educacional
dos alunos e o desempenho de sistemas nacionais de educação, como aqueles
realizados pela Associação Internacional para Avaliação de Realizações Educacionais
(IEA) e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
(OCDE), assim como o trabalho contínuo de teóricos que monitoram as tendências
de globalização e exploram temas pós-modernos na educação (PHILLIPS;
SCHWEISFURTH, 2006, p. 28-29). O empréstimo de políticas seria um aspecto
de cada um desses períodos sobrepostos de ênfase.
descrição
- - - - - - - - - ------------------------------------------------------------------------------->
análise política
------------------------------------------------------------------------->
uso de evidências estatísticas, coleta sistemática de dados
- - - -------------------------------------------------------------->
evidência/entendimento socioeconômico
-------------------------------------------------------->
análise de resultados
------------------------------------------->
contexto globalizado
------------------------------------>
abordagens pós-modernas
-------------------------->
Almut Sprigade mostrou que, nas primeiras décadas do século XIX, havia muito
mais sofisticação nos relatos referentes a exemplos estrangeiros na educação do que
normalmente se supõe. Nas palavras da autora, seu estudo confirma
a existência de um amplo espectro de informações sobre educação no estrangeiro, em diversas
fontes, que apoia afirmações de expertise na comparação de sistemas de educação e um
envolvimento ativo de grupos e políticos no intercâmbio e na geração de informações sobre o
provimento educacional em outros lugares (SPRIGADE, 2005, p. i).
Exemplos
O relato de John Quincy Adams sobre suas viagens pela Silésia, entre 1800 e
1801, publicado em Londres em 1804, é um dos primeiros exemplos de forte
atração por um modelo estrangeiro. À época, Adams (1767-1848) era ministro
Aspectos da transferência educacional 503
fornece um esquema para uma possível imitação e, portanto, pode ser visto como
um exemplo inicial de identificação daquilo que funciona em outro sistema.
Evidentemente, não há intenção de tomar emprestada a experiência da Silésia, mas
informações como aquelas coletadas por Adams eram incluídas de forma rotineira
na discussão sobre políticas, e utilizadas por outros defensores de reformas.
Passemos do plano pessoal para o oficial. Em 1834, um relatório do Comitê
Especial da Câmara dos Comuns, sobre a promoção da educação na Inglaterra,
incluía evidências obtidas de testemunhas que relatavam experiências de educação
em primeira mão na Alemanha. Eis o que parece ser a íntegra do registro de uma
entrevista com William Davis, diretor de uma escola em Whitechapel, Londres (na
linha do sistema de monitoria de Bell). O contexto é uma discussão sobre a
expansão do provimento educacional na Inglaterra e a exploração de formas como
essa expansão ocorrera na Alemanha:
– Você é de opinião de que é altamente desejável que seja estabelecido um
sistema de educação mais amplo?
– Sim, se possível.
– E deve-se combinar a esse sistema educacional um sistema de emprego, de
modo que as crianças criem hábitos úteis?
– Sim; talvez não seja irrelevante observar que aprendi muito sobre estrangeiros
da classe mais baixa que vieram para a Inglaterra em busca de emprego, e
raramente conheci um deles (alemães) que não soubesse escrever seu nome
e ler sua Bíblia.
– Você quer dizer que a proporção de estrangeiros capazes de fazer isso é muito
maior que a de ingleses?
– Na minha experiência, entre as centenas que conheci, raramente encontrei
um que não soubesse ler e escrever.
– A classe dos estrangeiros com os quais você se familiarizou é tão baixa quanto
a daqueles que você conheceu neste país?
– Eles vêm da classe camponesa de seu próprio país, e aqui são principalmente
trabalhadores nas refinarias de açúcar.
– Você acha que os açucareiros alemães que vieram para cá têm melhor
educação que homens de posições sociais e ocupações similares neste país?
– Penso que, como um todo, eles são mais bem-educados (SELECT
COMMITTEE ON THE STATE OF EDUCATION, 1834, p. 215).
Esse diálogo também merece ser citado em detalhes, pois fornece evidências de
um empenho oficial sério, desde muito cedo – em um tempo em que se debatia
seriamente a necessidade de considerar a intervenção estatal na educação na
Inglaterra –, no sentido de identificar evidências que explicassem o que era visto
como superioridade do provimento em outros lugares. Trata-se de um exemplo
daquilo que Steiner-Khamsi chamou de escandalizar o sistema doméstico.
Aspectos da transferência educacional 505
Transferência educacional
1 2 3 4 5
Pesquisa
Considerando esse rico contexto histórico, é necessário desenvolver maneiras
de analisar o que ocorre na transferência de políticas de vários tipos, e é com isso
que se têm preocupado muitos adeptos da educação comparada e outros autores
nos últimos anos. Em 1989, uma edição especial do periódico “Comparative
508 Phillips
Perspectivas
Comecei afirmando a significância do empréstimo de políticas como um tema
na educação comparada e a importância do objetivo de aprender lições por meio
de investigação comparada em educação. Até agora não entrei em detalhes a
respeito da globalização, mas é claro que, mais do que nunca, diante do cenário de
tendências globalizadoras, haverá exemplos de transferência – deliberada ou não –
de ideias educacionais entre localidades. Haverá caso de imperativos aparentemente
irresistíveis que dirigem essas transferências, como se viu na situação interessante
do Processo de Bolonha para a educação na Europa, em que tradições há muito
tempo estabelecidas estão dando lugar a uma padronização consensual.
Nesse caso, o objetivo é que, até 2010, tenha sido criada uma Área Europeia de
Ensino Superior, com provimento de educação superior comparável e compatível
entre os países. Em 1999, foi realizada em Bolonha uma reunião de ministros da
educação e, posteriormente, seguiu-se uma série de encontros para levar adiante
um programa que envolve a adoção de um sistema de três ciclos de bacharelado,
mestrado e doutorado, e para estabelecer um acordo quanto a abordagens comuns
para assegurar a qualidade e o reconhecimento mútuo das qualificações e dos
períodos de estudo a elas associados. Esses ministros estabeleceram uma série
notável de objetivos comuns, e declararam:
Comprometemo-nos a alcançar esses objetivos – dentro da estrutura de nossas competências
institucionais e com total respeito pela diversidade de culturas, de idiomas e de sistemas de
educação nacionais, e pela autonomia universitária – para consolidar a área europeia de ensino
superior. Para tanto, buscaremos modos de cooperação intergovernamental, assim como de
organizações não governamentais europeias com competência na área do ensino superior.
Esperamos que as universidades mais uma vez respondam pronta e positivamente, e que
contribuam ativamente para o sucesso de nosso esforço (EUROPEAN COMMISSION,
1999).
510 Phillips
Assim, está montada a cena para uma extensão de processos observáveis desde
a criação da Comunidade Europeia, no sentido de uma cooperação e de uma
convergência ainda mais estreitas entre os Estados-membros e as nações da Europa
que não fazem parte da União Europeia. É esse o tipo de convergência que os
comparativistas deverão monitorar, especialmente para testar a noção de Cowen
de “mover e transformar”: em que medida as noções subjacentes ao acordo serão
afetadas por contextos locais?
Certamente, os contextos são o fator-chave na análise da transferência de
políticas. Sadler lembrava-nos disso em 1900, e outros também o fizeram de várias
maneiras antes dele. Uma tarefa difícil, porém importante para futuras pesquisas,
é desenredar os fatores contextuais que ajudam ou dificultam a transferência
educacional, o que envolverá investigação detalhada do estágio de internalização
no modelo descrito no Apêndice 1.
Será igualmente importante uma investigação do que nesse modelo é visto como
atores significativos (indivíduos e instituições) na promoção ou no entrave da
transferência de políticas e práticas. Todas as formas de relatos terão um papel nos
processos de transferência – como vimos no caso do interesse mundial pela
Finlândia, devido ao êxito notável do país nos exames do Pisa, ou no caso da
Alemanha, cujo desempenho no Pisa foi decepcionante. Isso também precisa ser
monitorado e criticado.
Hoje, há um rico conjunto de trabalhos sobre transferência educacional a ser
tomado como referência, e o desenvolvimento adicional de teorias baseadas em
relatos de caso nessa área importante da investigação comparada sem dúvida ajudará
a destacar a importância contínua do estudo da educação comparada e a relevância
dos dados comparados para os processos de formulação de políticas.
Resumo
Este exame dos aspectos da transferência de políticas em educação tentou
abranger uma vasta área em um pequeno espaço. A título de resumo, posso tentar
estabelecer algumas conclusões:
• É importante a clareza na terminologia usada ao discutir transferência: boa parte
dela é potencialmente problemática. O empréstimo é apenas uma característica
em um espectro de possibilidades de transferência educacional.
• O empréstimo deve ser visto como um fenômeno intencional, em que se busca
deliberadamente aprender a partir do exemplo estrangeiro e importar ideias na
forma de políticas e práticas para o sistema doméstico.
• Uma característica significativa do exame de abordagens estrangeiras para
problemas educacionais, sejam elas emprestáveis ou não, é que nos ajudam a
compreender os problemas locais.
• Ao analisar as maneiras pelas quais o empréstimo ocorre, é essencial lidar com
a difícil questão do contexto e de sua adequação para adaptar-se a práticas e
políticas importadas.
Aspectos da transferência educacional 511
Apêndices
1. Quatro estágios de empréstimo de políticas
(PHILLIPS; OCHS, 2003a, 2003b; 2004a, 2004b)
RAÇÃO TRANS
GIO I: AT NAC
ESTÁ ION
AL
IMPULSOS: POTENCIAL DE
INSATISFAÇÃO INTERNA EXTERNALIZAÇÃO:
COLAPSO SISTÊMICO ORIENTAÇÃO FILOSÓFICA
AVALIAÇÃO EXTERNA NEGATIVA AMBIÇÕES/OBJETIVOS
MUDANÇAS NA ESTRATÉGIAS
ECONOMIA/COMPETIÇÃO ESTRUTURAS FACILITADORAS
POLÍTICA E PROCESSOS
OUTROS IMPERATIVOS TÉCNICAS
NOVAS CONFIGURAÇÕES
INOVAÇÕES NO
CONHECIMENTO/
HABILIDADES
ÃO
MUDANÇA POLÍTICA
ZAÇ
NALIZAÇÃO/INDIGENI
IMPACTO SOBRE OS
SISTEMAS/MODUS
OPERANDI EXISTENTES QUATRO ESTÁGIOS TEÓRICA
ABSORÇÃO DE
CARACTERÍSTICAS EXTERNAS DE EMPRÉSTIMO REALISTA/PRÁTICA
SOLUÇÃO RÁPIDA
SÍNTESE
AVALIAÇÃO
DE POLÍTICAS FALSIFICAÇÕES
NA EDUCAÇÃO
NTER
O IV: I
I
ADAPTAÇÃO
ÁG
ADEQUAÇÃO DO CONTEXTO
ST
VELOCIDADE DA MUDANÇA
E
ATORES SIGNIFICATIVOS
APOIO: RESISTÊNCIA:
NACIONAL/LOCAL NÃO DECISÃO/REJEIÇÃO
ESTÁ
GIO III: IM LEMENTAÇÃO
P
512 Phillips
INTERPRET
TA
AÇÃO
O
INTERPRETAÇÃO TRANSMISSÃO RECEPÇÃO IMPLEMENTAÇÃO
IMPLEMENT
TA
AÇÃO
F1 F2 F3 F4
PRÁTICA 1 PRÁTICA
A2
FLUXO
FLUXO DE TEMPO/PROGRESSÃO
UX TEMPO/PROG
GRESSÃO
ATORES
ATORES AGÊNCIAS
AGÊNCIAS
INDIVÍDUOS CONTEXTOS
CONTEXT OS
ORGANIZAÇÕES
OR
RGANIZAÇÕESS MÍDIA
INSTITUIÇÕES PR
ROFISSIONAIS
PROFISSIONAIS
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Andreas M. Kazamias
Introdução: a hipótese-enredo e o
modo mítico de adquirir conhecimento
Esta apresentação aborda de maneira teórica e examina criticamente as
consequências antidemocráticas e desumanizadoras da admirável cosmópole nova
da globalização (ACNG) e da sociedade do conhecimento tecnológico / da informação
/ da aprendizagem (SCTIA). Usando os antigos mitos gregos de Agamenon e
Prometeu, são apresentadas como uma dilogia (um espetáculo em dois episódios),
cuja hipótese-enredo é dupla: (a) as consequências desumanizadoras e
despolitizadoras da globalização e da SCTIA para o conhecimento, a aprendizagem,
a educação, a sociedade e o indivíduo; e (b) a reinvenção ou reencantamento da
paideia humanística, por meio do cultivo do que se pode chamar neo-humanismo
prometeico, a fim de humanizar o anthropos-politis (pessoa-cidadã / ser humano-
cidadão) no que seria a cosmópole do conhecimento / da aprendizagem (CCA).
No primeiro episódio, intitulado “Globalização, sociedade do conhecimento e
o sacrifício da paideia humanística: a síndrome de Agamenon” –, usarei o mito de
Agamenon, tal como foi dramatizado na tragédia “Ifigênia em Áulis”, de Eurípedes,
para examinar criticamente os efeitos desumanizadores da globalização e do
paradigma epistemológico da tecnologia da informação (Peti) – especificamente o
perigo de construir um tipo de cidadão homo faber/homo fabricatus (Jürgen
Habermas) ou homo barbarus (Heideger), e um homo economicus, em lugar de um
cidadão homo civilis/homo humanus (Martha Nussbaum). No segundo episódio,
“Prometeu libertado: neo-humanismo prometeico e a reinvenção da paideia
humanística”, usarei o mito de Prometeu, tal como foi dramatizado no “Prometeu
acorrentado”, de Ésquilo, para argumentar em favor do reencantamento ou da
reinvenção da paideia/aprendizagem humanística como meio de empoderar,
libertar e humanizar o anthropos politis (pessoa-cidadão) na cosmópole do
conhecimento / de aprendizagem (CCA) emergente.
517
518 Kazamias
retribuição por um insulto. A Guerra de Troia também foi incitada pela arrogância
do poder grego, personificada no arrogante rei de Argos, e foi travada em nome de
orgulho nacional, engrandecimento, riqueza, poder e glória, “pelo bem comum da
Hélade”, como declarou a heroína transformada Ifigênia, a caminho do altar onde
seria sacrificada. O poeta dramático Eurípedes usa o mito de Agamenon para teorizar
e interpretar criticamente as condições e os problemas sociopolíticos da cidade
democrática de Atenas durante um período turbulento de sua história – ou seja, por
volta dos últimos anos do século V a.C.
Como Eurípedes, porém sem seu talento dramático, usarei o mito de
Agamenon e o sacrifício de Ifigênia como recurso metodológico para fazer uma
interpretação comparada e crítica de um fenômeno político-econômico e
sociocultural que ocupa o primeiro plano do discurso e das políticas sociais
contemporâneas em todo o mundo.
Colocado de maneira simples, trata-se do problema da educação e, mais
amplamente, da paideia / culture / Bildung na nova cosmópole, daquilo que podemos
chamar de modernidade neoliberal. Em minha reflexão sobre as tendências
contemporâneas nessa área sociocultural, tentarei desenvolver a seguinte trama.
Para que os Estados-nação contemporâneos e regimes internacionais, como a União
Europeia (UE), possam participar de maneira eficaz e competitiva da nova cosmópole,
como sociedade do conhecimento (SC) globalizada e sistema econômico mundial, os
sistemas modernos de educação, sendo mecanismos geridos pelo Estado, são instados
a enfatizar certos tipos de conhecimento e de cultura, em detrimento de outros
convencionais. Para responder de maneira eficaz às demandas e aos desafios da
globalização e do paradigma epistemológico de tecnologia / informação a ela associado
(CASTELLS, 1989, 2000), transformam-se a identidade e o papel das escolas
secundárias, e mais ainda das universidades, que vêm deixando de ser territórios socio-
culturais – uma das principais funções de uma educação holística/de conhecimento
geral, ou paideia no plano intelectual, moral e cívico – para metamorfosear-se em
locais de produção de conhecimento instrumental, tecnociência e aquisição de
habilidades mercantilizáveis. Nessa transformação, fica reduzida sua missão de formar
o anthropos-politis (pessoa-cidadã), com mente e alma cultivados, e aumenta a missão
de construir o trabalhador do conhecimento informado, eficiente e qualificado para
os mercados econômicos mundiais competitivos. As escolas e as universidades estão
sendo transformadas de lugares de paideia em lugares daquilo que Jane Roland Martin,
filósofa educacional norte-americana, chamou de educação voltada principalmente
para processos produtivos (MARTIN, 1994, p. 78), e Aronowitz, sociólogo norte-
americano, chamou de fábricas de conhecimento. Especialmente no caso da
universidade moderna (europeia e norte-americana), a ideia de Universidade tem
mudado de uma função eminentemente educacional e cultural – provimento e cultivo
de educação liberal, Bildung, culture générale ou paideia – para uma função
eminentemente voltada para a promoção de racionalidade instrumental e daquilo que
520 Kazamias
a globalização tem raízes históricas profundas. Sempre esteve lá, pelo menos desde o
advento da modernidade, no século XVIII, e mesmo antes disso. Entretanto a maioria
dos estudiosos, teóricos sociais e observadores especializados, aceitaram até certo
ponto a globalização como realidade econômica, social e histórico-cultural com
alcance e intensidade bastante recentes. Um exemplo é o recente manifesto político
“The third way”1, do sociólogo inglês Anthony Giddens, em que o autor escreve:
A globalização econômica é, assim, uma realidade, e não apenas uma continuação ou uma reversão
de tendências de anos anteriores. Embora boa parte das trocas comerciais continue regionalizada,
há uma economia totalmente global no plano dos mercados financeiros [...] A globalização [...]
não tem a ver somente, nem principalmente, com interdependência econômica, mas também
com a transformação do tempo e do espaço em nossa vida (GIDDENS, 1998, p. 30-31;
1999/2000, p. 28).
relação de subordinação com as forças do mercado global. Em parte como reação a esses
acontecimentos, e em parte como resultado das deficiências do secularismo como fonte de
realização humana, em muitos ambientes o Estado também está perdendo sua capacidade de prover
os ingredientes sociais, econômicos e físicos de segurança dentro de suas fronteiras (FALK, 1999).
tanto no que diz respeito a currículos escolares e pedagogias como nos âmbitos de
avaliação, desempenho dos alunos ou governança escolar. Portanto, nesse sentido
– ou seja, como parte da argumentação frequentemente utilizada para justificar
reformas educacionais –, pode-se dizer que a globalização efetivamente adquiriu
uma existência ontológica (ver DAVIES; GUPPY, 1997, p. 435).
Em resumo, pode-se dizer que a SC, assim como outros conceitos coincidentes,
tais como sociedade da informação e sociedade da aprendizagem, são sociedades em
que a promoção do conhecimento passou a ser um discurso dominante como fator
determinante no desenvolvimento econômico, social e individual, e nas quais “a
distinção fundamental entre as pessoas não será entre as que têm e as que não têm,
mas entre as que sabem e as que não sabem” (STAMATIS, 2005, p. 115; KLADIS,
1999, p. 82; KAZAMIAS, 1995; COMISSION OF THE EUROPEAN
COMMUNITIES, 1993).
Assim como no caso da globalização, existem variações nos conceitos de SC.
Entretanto o discurso predominante sobre o assunto parece destacar e enfatizar os
seguintes elementos epistêmicos:
• imenso desenvolvimento das TIC e tecnologias de aprendizagem sofisticadas; a
ascensão da Sociedade em Rede (CASTELLS, 1996, 2000);
• importância crescente das tecnologias de informação e do conhecimento
codificado para a acumulação de capital e o desenvolvimento sustentável em
uma economia global competitiva;
• racionalidade instrumental tecnocientífica;
• conhecimento como commodity comercializável, que pode ser negociada;
• formas de organização da vida e do trabalho em mutação (uma organização de
aprendizagem, uma força de trabalho flexível, um profissional do conhecimento);
• emergência de novos padrões de exclusão/inclusão (por exemplo, a divisão digital).
524 Kazamias
Portanto, assim como a SC, real ou imaginária, a globalização está bastante ligada
à nossa saga. Constitui o contexto ou a matriz na transformação de discursos
educacionais (na fala e na prática relacionadas a políticas), e o que podemos chamar
de culturas educacionais. No entanto, a partir de nosso modo mítico de pensar – a
síndrome de Agamenon –, a globalização, e particularmente seus aspectos economísticos
e racionalísticos, também é vista, metaforicamente, como maldição, ou como uma
anomia que põe em ação certas escolhas em educação enquanto sacrifica outras há
muito tempo valorizadas. Essas escolhas podem de fato ocasionar glória e benefícios.
Há quem alegue, por exemplo, que a globalização contribui para o bem-estar, que
torna as desigualdades menos claras e que torna os países economicamente mais fortes
e mais competitivos (ANDRIANOPOULOS, 2004, p. 14). Na mesma linha, na
Europa, a OCDE – a poderosa Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômicos – não vê mais que bons benefícios derivados da economia global em
evolução e do espaço de mercado global concomitante: crescimento da economia,
progresso material, aumento da prosperidade e do bem-estar humano, estabilidade
política e maior igualdade (SPRING, 1998, p. 160).
No mito grego, a decisão de Agamenon de saquear Troia resultou em benefícios
e espólios – a maioria deles materiais –, mas também em glória. Entretanto, o custo
humano desses benefícios foi muito alto. Além de levar ao sacrifício de sua filha
Ifigênia, a maneira de agir de Agamenon teve outras consequências trágicas: a
destruição total da cidade de Troia, o estupro e a escravização das mulheres troianas,
o massacre de homens e mulheres da nobreza e, depois de Troia, o assassinato do
próprio Agamenon por Clitemnestra, sua mulher, seguido do assassinato de
Clitemnestra por seu filho Orestes. Em nossa história, as políticas educacionais
impelidas pela globalização e pela SC também poderiam ter consequências terríveis
e desumanizadoras.
(f) Por fim, cabem aqui algumas observações adicionais com respeito à transformação
do ensino superior na época da globalização. Um estudo recente da OCDE
observou que
a educação superior está mudando para atender às expectativas do cliente e dos interessados, para
responder de forma mais ativa à mudança social e econômica, proporcionar formas mais flexíveis
de ensino e aprendizagem, focalizar mais fortemente as competências e as habilidades através do
currículo (OECD, 1998, p. 49).
dos chamados Tigres Asiáticos (Singapura, Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan),
que dependem cada vez mais de conhecimento científico e tecnológico para
participar da nova cosmópole de maneira eficaz e competitiva, são convocadas a
colocar a maior parte dos ovos do conhecimento na cesta tecnocientífica.
Consequentemente, pressionam as instituições educacionais tradicionalmente
responsáveis pela produção e pela disseminação do conhecimento – ou seja, as
escolas, e sobretudo as faculdades e universidades – a dar maior importância ao
conhecimento tecnocientífico e à racionalidade instrumental. Em troca, a
universidade fica atrelada ao vagão da economia, sua tradicional autonomia se
deteriora, e o mesmo ocorre com a ideia da universidade liberal-cultural moderna.
Em síntese, observa-se a transformação da universidade moderna, que de studium
generale passa a ser studium speciale, em que a especialização e o instrumentalismo
tecnocientíficos estreitos suplantaram e eclipsaram o que, em inglês, é conhecido
como liberal education (educação liberal), especificamente o cânone humanístico
liberal, o Bildung und Wissenschaft alemão, ou a paideia grega (KAZAMIAS, 1997,
p. 39-42).
Os sacrifícios humanísticos:
justiça social, cidadania e a paideia da alma
O discurso relacionado a crise e reforma na educação – conversas de políticas e
prática de políticas – apresentado acima, oferece um excelente cenário moderno
para usar o antigo mito de Agamenon em nossa interpretação crítica desse
fenômeno político-econômico e sociocultural contemporâneo. No antigo mito,
Agamenon foi amaldiçoado devido a uma arrogância familiar que, na forma
dramatizada por Eurípides, significava que, como vingança, mas também para
alcançar a glória, o engrandecimento e o bem da Hélade, ele deveria seguir um
curso de ação que exigia o sacrifício de sua filha, com consequências essencialmente
trágicas. Para essa tarefa, a alma humana, personificada em Ifigênia, tinha que ser
sacrificada. Em nosso drama, vemos a globalização como uma maldição ou uma
anomia, como um poder do conhecimento imperial que obriga a construção de
certo discurso de reforma na educação. Nossa hipótese é que na admirável
cosmópole nova da globalização e na sociedade do conhecimento tecnológico / da
informação, a hegemonia desse discurso educacional – como logos e como práxis –
pode de fato gerar riqueza e suntuosos espólios, como entoava enigmaticamente o
coro de mulheres gregas ao despedir-se de Agamenon, nas estrofes finais da tragédia
de Eurípedes. Entretanto, insistimos, o tipo de educação e, acrescento, de pedagogia
exigida para essa cornucópia de conhecimento global implica, a nosso ver, diversos
custos ou descontentamentos negativos. Entre esses descontentamentos – ou, em
nosso modo mítico de ver, sacrifícios – destacam-se especialmente três sacrifícios
humanos ou humanísticos: (a) a erosão da esfera pública, da democracia e da
cidadania democrática; (b) a desprofissionalização e a desqualificação dos
530 Kazamias
sem oferecer uma linguagem capaz de conectar as considerações privadas às questões públicas
[…] Sob o domínio do neoliberalismo, a política é dirigida pelo mercado, e as reivindicações de
cidadania democrática são subordinadas aos valores do mercado […] Nesse discurso, a boa vida
‘é construída em termos de nossas identidades na condição de consumidores – nós somos o que
compramos’. Vida boa significa viver em um mundo de grifes corporativistas [...] a cultura
corporativa repousa na noção antiutópica do que chamamos mercadotopia, e caracteriza-se por
uma violação colossal da equidade e da justiça (GIROUX, 2002, p. 428-430, ênfase minha).
termos mais amplos, uma paideia voltada, acima de tudo, para a virtude política
(areté). Nas palavras de Elshtain, os Estados Unidos deveriam dar atenção à
“aprendizagem liberal e ao cultivo da virtude cívica” (ELSHTAIN, 1995, p. 2).
No mesmo comprimento de onda, Benjamin Barber afirmou que a educação
pública e a democracia estão indissoluvelmente ligadas, e que “a instrução escolar
pública e o bem-estar público estão intimamente ligados”. Referindo-se à tendência
norte-americana a enfatizar na educação a racionalidade instrumental e as
habilidades profissionalizantes para manter trabalhadores competitivos em uma
economia cada vez mais dominada pelo que Robert Reich chamou de “profissionais
analistas simbólicos”, Barber afirmou que os americanos precisavam lembrar-se de
que a educação tinha também “uma missão cívica fundamental”. Assim como
Elshtain, também instou a levar mais a sério uma “educação em humanidades” nos
Estados Unidos, pois a “educação em humanidades e a educação cívica
compartilham um currículo de reflexão crítica e pensamento autônomo”
(BARBER, 1997, p. 5). Mais recentemente, uma coleção de estudos
apropriadamente intitulados “Schools or markets? Commercialism, privatization,
and school-business partnerships” (2005) documenta os efeitos corrosivos sobre a
missão cívica das escolas públicas e a cidadania democrática que resultaram do
envolvimento cada vez maior do mundo corporativo americano na educação
pública, e da comercialização concomitante das escolas e instituições americanas
de ensino superior (BOYLES, 2005).
Desprofissionalização e desqualificação
do professor: de profissional pedagógico
relativamente autônomo a mestre tecnocrata?
Paralelamente à erosão do domínio público e à retenção da democratização da
democracia, observa-se uma tendência de desprofissionalização, ou o que é
conhecido como desqualificação do professor. De pedagogo e intelectual público
relativamente autônomo, o professor vem-se tornando um mestre tecnocrata, cuja
tarefa passa a ser organizar e ensinar com eficácia, porém de forma não crítica, um
conhecimento prescrito oficialmente (currículos) e métodos para atingir resultados
altamente mensuráveis em exames (STROMQUIST; MONKMAN, 2000, p. 13).
E como acrescenta Boyles, “classificação e preparação para currículos orientados
para a vida futura – ou seja, pró-consumismo, formação de força de trabalho e
preparação para atividades profissionais, e abordagens orientadas para a
qualificação” (BOYLES, 2005, p. 220-221).
Segundo Hargreaves, em países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, o
trabalho do professor intensificou-se, formalizou-se e tecnicizou-se: “assemelha-se
mais à atividade de um trabalhador braçal infeliz do que ao de um profissional
autônomo a quem confiamos o exercício responsável da autoridade e um
julgamento justo na sala de aula, que ele conhece melhor do que ninguém”
Agamenon contra Prometeu 533
(para França, ver TALBOTT [1969, p. 14]; para Alemanha, ver ALBISETTI [1987,
p. 182-183]; para Estados Unidos, ver TOZER, VIOLAS e SENESE [2002]).
3. Ver em Kimball (1986) uma análise mais detalhada das controvérsias sobre a educação liberal nos Estados
Unidos no período pós-Segunda Guerra Mundial.
4. NT: A Palestra Rede é uma apresentação pública realizada uma vez por ano. O nome remete a sir Robert
Rede, que foi presidente do Tribunal de Justiça Comum no século XVI.
538 Kazamias
seu espaço ou seu conteúdo epistêmico ampliou-se. Já não se podia dizer que a
paideia/cultura humanística, tanto no sentido clássico (a cultura do classicismo de
Winterer, em WINTERER, 2002) como, sem dúvida, no sentido moderno mais
amplo de educação em humanidades ocupava uma posição de destaque na educação
geral ou liberal dos cidadãos em uma sociedade democrática livre. Os clássicos – latim
e grego – praticamente desapareceram nos Estados Unidos, enquanto na Europa
humanística tradicional, as humanidades eram rebaixadas a uma posição no máximo
igual à das ciências naturais e estudos sociais. Na pior das hipóteses, a paideia/cultura
humanística desvalorizou-se em termos de utilidade e valor instrumental no mundo
pós-industrial em desenvolvimento, cada vez mais tecnocientífico, em comparação
com as ciências em ascensão. Mesmo na Inglaterra, tradicionalmente humanista,
onde as artes liberais humanísticas – o trivium5 – dominavam a universidade, como
observou posteriormente Basil Bernstein, “o que estamos vendo é o desenvolvimento
crescente das disciplinas especializadas (ciências e matemática) do quadrivium”6
(BERNSTEIN, 1996). Uma segunda inferência é que, apesar de seu conteúdo e de
sua orientação epistêmicos mais amplos de duas ou três culturas, a educação
geral/liberal continuou a ser elitista e basicamente eurocêntrica.
5. NRTT: Trivium, nas universidades medievais, compreendia três matérias ensinadas inicialmente – gramática,
lógica e retórica, constituindo a base da educação medieval de artes liberais.
6. NRTT: Quadrivium consistia no estudo da geometria, aritmética, astronomia e música. O trivium e o
quadrivium formavam as sete artes liberais do estudo clássico.
Agamenon contra Prometeu 539
7. NRTT: Para uma edição em língua portuguesa, ver Kerr, C. Os usos da universidade. Fortaleza: Edições
UFC, 1982.
540 Kazamias
A universidade não mais se dedica ao propósito central definidor de sua fase humanística liberal:
a busca e a preservação desinteressadas do conhecimento. Em vez disso, agora supre e tenta
conciliar uma pluralidade de interesses: os indivíduos querem habilidades comercializáveis, os
empregadores querem empregados adequadamente capacitados, e as forças políticas e econômicas
querem suas agendas e preferências representadas. Na falta de uma finalidade comum, a
universidade só pode ser governada pela racionalidade burocrática. […] Assim, a universidade
pode simultaneamente ser comercializada (pela busca de patrocínio corporativo para postos de
professores universitários, edificações e programas de pesquisa) e politizada (pelo novo sectarismo
e seus grupos políticos, funcionários responsáveis pelas questões de equidade e grupos de pressão)
(GOOD, 2001, p. 103-104).
predecessores lutaram em anos anteriores”. O autor conclui sua diatribe crítica com
o seguinte pensamento:
Muito pouco podemos fazer para forçar as elites a desistir da visão de mundo intrumentalista e
filistina. Podemos, porém, travar um combate de ideias pelos corações e pelas mentes do público.
Como fazer isso é uma das questões fundamentais de nosso tempo (FUREDI, 2004, p. 156).
Por fim, seria importante observar aqui que o impulso no sentido de formas
instrumentais e tecnocientíficas de conhecimento pode ser interpretado como
um fator que contribui para uma mudança de valores e ética social, pela qual,
segundo Neave, a educação é “cada vez mais vista como um subsetor das
políticas econômicas” e menos como uma parte das políticas sociais (NEAVE,
1988, p. 274).
deveriam sentir-se felizes, porque sua filha está viva, em companhia dos deuses. A
seguir, despede-se dizendo-lhe que anseia por revê-la ao retornar de Troia.
Clitemnestra, porém, permanece ameaçadoramente calada. A cortina cai, depois
que o coro declama estas estrofes bastante sibilinas:
– Adeus, filho de Atreus, desejo-lhe boa viagem a Frígia
e um bom retorno, trazendo consigo suntuosos espólios de Troia!
Evidentemente, a plateia ateniense conhecia o mito e o que essas palavras
prognosticavam: triunfo e espólios, mas também consequências trágicas. A
pilhagem de Troia por Agamenon e seu retorno triunfante a Argos “trazendo com
ele suntuosos espólios”, como profetizara o coro, teve um custo humano pesado:
o sacrifício de sua própria carne e sangue, o estupro e a escravidão das mulheres
troianas, o massacre do melhor da juventude grega e troiana, e a matança de pessoas
inocentes. E depois de Troia: o assassinato do próprio Agamenon por sua mulher
Clitemnestra, que nunca o perdoou pela insolência cometida, o assassinato de
Clitemnestra por seu próprio filho Orestes, por causa da insolência cometida pela
mãe e, por sua vez, a perseguição vingativa de Orestes pelas Fúrias, sedentas de
sangue, por seu ato igualmente condenável, a insolência de matricídio.
Como no mito de Agamenon, no primeiro episódio acima, afirmamos que as
declarações e práticas discursivas na educação (logos e praxis) construídas e legitimadas
em resposta ao prisma e aos imperativos da globalização do fundamentalismo de
mercado capitalista e da sociedade de aprendizagem/conhecimento a ele associada, e
através deles, de fato podem trazer riqueza, bênçãos e belos espólios troianos.
Entretanto, como pressagiava o mito de Agamenon, também cobrarão um pesado
preço humano e exigirão sacrifícios humanísticos, a saber, violência, competitividade,
individualismo possessivo, a “colonização econômica de pessoas” (KORTEN, 1995,
p. 245), a perda de justiça social e de outras virtudes cívicas democráticas e – o que
é ainda mais pertinente para nossos propósitos – da cultura humanística liberal e de
pedagogias antropocêntricas, o que chamamos “paideia da alma”, cujas consequências
finais são terríveis.
Agora, se (a) ser criaturas humanas significa essencialmente ter mentes e ter
almas; (b) pode-se dizer que a admirável cosmópole nova da globalização e a
sociedade do conhecimento tecnológico / da informação / da aprendizagem
imaginadas, tal como foram apresentadas no primeiro episódio desta dilogia, não
são inteiramente humanas; (c) o papel da educação é, entre outras coisas, cultivar
mentes e almas, e o que Martha Nussbaum chamou de “humanidade”
(NUSSBAUM, 1997); e (d) concordamos com o canto de Sófocles em louvor ao
homem, “ele é a maior maravilha sobre a Terra” e “para cada mal ele encontrou um
remédio” (coro em “Antígona”); ou, na mesma linha, com o Hamlet de Shakespeare:
“Que obra de arte é o homem! Tão nobre no raciocínio! Tão infinito na capacidade!
No entendimento é como um deus!” (Hamlet, em “Hamlet”), pode-se,
544 Kazamias
A música, explica ele, “é uma parte essencial de quem somos como seres humanos
[…] em última análise, ao dar forma ao sentimento, a música dá forma ao ser humano
integral” (KALKAVAGE, 2006, p. 16). Apoiando seu argumento sobre o valor
educativo da música, Kalkavage refere-se ao filósofo grego Aristóteles, para quem a
música, como ingrediente da paideia, era decisivamente útil para o desenvolvimento
intelectual, moral e político do anthropos-politis (pessoa-cidadão) virtuoso.
A literatura fornece outro exemplo da diferença entre as abordagens das
“ciências sociais” e das artes. Segundo Rosenblatt:
Ao contrário da abordagem analítica das ciências sociais, a experiência literária tem imediação
e persuasão emocional. Entre o presidente Madison e Rip van Winkle, quem terá uma vida
mais intensa, para o aluno? A história da Grande Depressão vai impressioná-lo tanto quanto
‘As vinhas da ira’, de Steinbeck? As definições teóricas do livro didático de psicologia serão tão
esclarecedoras quanto ‘Édipo’ ou ‘Filhos e amantes’? Obviamente, a abordagem analítica não
precisa de defesa. Entretanto, será que os materiais literários não podem contribuir
poderosamente para as imagens que o aluno tem do mundo, de si mesmo e da condição
humana? (ROSENBLATT, 1995, p. 7).
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69
Introdução
“Toda uma série de conceitos importantes para a compreensão
da sociedade deriva sua força do fato de parecerem ser apenas
o que sempre foram, e sua instrumentalidade, do fato de
assumirem formas significativamente diferentes”.
(SMITH, 2006, p. 628)
555
556 Dale e Robertson
Nossa hipótese é que o perigo pode ser assim resumido: os modos de abordagem
dos elementos centrais dos estudos comparados de educação – sistemas nacionais de
educação geridos pelo Estado – correm grave risco de tornar-se “ismos”. Podemos ser
confrontados por (ou dependentes de) não apenas um nacionalismo metodológico,
mas também um estatismo metodológico e um educacionismo metodológico. Em cada
um desses casos, o “ismo” é usado para sugerir uma abordagem dos objetos que parte
do princípio de que eles não são complicados, e que pressupõe um significado
constante e compartilhado; eles passam a ser “fixos, abstratos e absolutos” (FINE,
2003, p. 465), e a fonte do perigo reside na continuidade nominal fornecida por
conceitos que, ostensivamente, são os mesmos, como adverte Smith. A suposição ou
aceitação dos “ismos” significa que o entendimento das mudanças ocasionadas pela
globalização pode ser refratado através das lentes de concepções elementares de
nacionalismo, estatismo e educacionismo, mesmo na medida em que essas próprias
mudanças ocasionam mudanças no significado de Estados-nação e sistemas
educacionais, e no modo como eles trabalham e, portanto, enfraquecem sua validade.
Um reflexo da profundidade da integração existente nesse conjunto de conceitos é
que eles próprios passam a ser uma espécie de marco de referência para medir e
representar as mudanças percebidas; assim, temos desconcepções; desterritorialização,
desestatização, desconcentração, descentralização, e assim por diante (PATRAMANIS,
2002).
Nosso argumento é que o impacto da globalização foi usado para expor os
problemas dos “ismos” na educação comparada (e de fato, nos estudos ligados à
educação, de forma mais ampla). Fundamentalmente, o que expôs as deficiências
de teorias anteriores foram as mudanças da escala e dos meios de governança nos
quais e por meio dos quais a educação se realiza. O exame dos elementos
fundamentais da educação comparada como “ismos” metodológicos revela que
raramente aconteceu uma situação em que o Estado fez tudo, no caso da educação;
que as atividades e a governança educacionais sempre estiveram confinadas à escala
nacional; e que educação sempre foi uma concepção simples, objetiva e
descomplicada.
Além disso, a concepção de Estado-nação é ainda mais reforçada pelo fato de estar
integrada em um sistema bem-estabelecido de Estados similares (no qual os
Estados-nação são reconhecidos como entidades legais submetidas a uma legislação
internacional), o que aprofunda a dificuldade tanto para ver além como para
imaginar alternativas a essa concepção.
O Estado-nação foi o conceito central sobre o qual se baseou o nacionalismo
metodológico que caracterizou não apenas a educação comparada, mas também a
maior parte das ciências sociais (MARTINS, 1974). Na realidade, podemos
identificar quatro elementos distintos desse problema (ver DALE, 2005, para uma
crítica mais extensa da concepção de nacionalismo metodológico em educação
comparada). O primeiro elemento, e o mais conhecido, é a ideia de que o
nacionalismo metodológico vê o Estado-nação como o recipiente que contém a
sociedade, de modo que comparar sociedades implica comparar Estados-nação
(BECK, 2002; BECK; SZNAIDER, 2006). O segundo é a associação estreita entre
os Estados-nação e a comparação, ocasionada pelo fato de que as estatísticas são
tradicionalmente computadas no nível nacional: como disse um colega em outro
trabalho, o nacionalismo metodológico funciona tanto sobre o Estado-nação como
para ele, a tal ponto que a única realidade que conseguimos descrever
estatisticamente de maneira abrangente é nacional, ou, na melhor das hipóteses,
internacional (DALE, 2005, p. 126). O terceiro elemento do problema decorre da
tendência de justapor um nacionalismo metodológico ultrapassado a concepções
subespecificadas de globalização, em uma relação de soma zero. Isso geralmente
assume a forma do global que afeta o nacional, ou do nacional que medeia o global.
Isso não significa que tais relações não estejam presentes, mas que não devem ser
consideradas como norma. O último elemento que queremos mencionar aqui diz
respeito ao grau de disseminação, ou identificação, de conceitos do Estado-nação
com um imaginário particular de normatização, o que ficou mais claro graças a
discussões recentes sobre concepções de soberania, territorialidade e autoridade
(ANSELL; DI PALMA, 2004). Essencialmente, essas discussões veem a combinação
particular de responsabilidades e atividades que foram assumidas como
responsabilidade dos Estados-nação como contingência histórica, e não como
necessidade funcional, ou mesmo mais adequada. Assim, embora a ontologia de
que “uma região de espaço físico [...] possa ser concebida como uma personalidade
corporativa”, a natureza, as implicações e as consequências disso variaram muito, e
resta o fato de que “a unidade dessa autoridade pública geralmente foi vista como a
marca inconfundível dos chamados Estados vestfalianos” (ANSELL, 2004, p. 6),
embora “a principal característica do sistema moderno de governo territorial seja a
consolidação de todas as autoridades repartidas e personalizadas em um único
âmbito público” (RUGGIE, 1993, p. 151). Entretanto, embora a “autoridade
pública tenha sido demarcada por fronteiras discretas do território nacional [...] o
mesmo ocorreu, também, com a articulação de interesses e identidades sociais que,
558 Dale e Robertson
Estatismo metodológico
Educacionismo
Neste ponto, passaremos ao terceiro “ismo”, possivelmente o mais controvertido:
o educacionismo. O que se toma por educação em educação comparada, e bem
além dela, é tão simples quanto o nacionalismo ou o estatismo. O que se entende
por educação pode ser visto como tão fixo, abstrato e absoluto quanto os demais
“ismos”, igualmente carente de explicação, mais do que elucidativo, e com
consequências similares para a análise e o entendimento. É essencial observar que
os próprios elementos centrais do que chamamos educação evoluíram juntos de
modo bastante semelhante – de fato, ao lado da evolução do Estado-nação
(GREEN, 1993) –, e podem demandar um tipo similar de desagregação.
562 Dale e Robertson
Questões de educação
Essas questões situam-se em quatro níveis – tanto para refletir a variedade de
significados que podem estar vinculados à educação como para esclarecer a
complexidade das questões, cujas respostas não podem ser dadas a partir de um
nível único.
Estes níveis são: a prática educacional; a política em educação; a política de
educação; e o nível dos resultados. Por fim, cabe declarar que as questões de
educação ainda presumem uma base nacional para a educação. Isso se dá porque
ainda é no nível nacional que, empiricamente, ocorre a maior parte das atividades
incluídas no tópico educação. Entretanto, como pode ser confirmado por uma
observação rápida nas questões do Nível 3, não significa adotar um foco totalmente
ou exclusivamente nacional. Tampouco significa que a escala nacional seja a mais
importante ou a única importante para a análise. Da mesma forma, não implica
qualquer suposição de comparabilidade entre níveis nacionais; é imperioso também
problematizar a comparabilidade das categorias que usamos dentro dos níveis e das
escalas e através deles (ver Tabela 1).
2. Neste contexto, consideramos a ideia de sistema educacional como incluída no setor da educação.
564 Dale e Robertson
Ao estudar os setores, os examinamos em dois sentidos: genérico e específico por nação (VOGEL,
1996, p. 258). As características genéricas do setor são aquelas mais comuns de qualquer setor;
existem além das nações e regiões e aplicam-se, em princípio, a países tão diferentes quanto
Jamaica e Alemanha, por exemplo. As características de um setor que são específicas por nação
refletem as mudanças nas características genéricas, como resultado de sua integração em um
cenário ou um contexto nacional. Distinguir entre as características genéricas e as específicas
por nação em um setor é ser sensível aos pontos em comum de [...] setores além das nações,
mas, ao mesmo tempo, entender que eles estão inseridos em ambientes nacionais e, portanto,
adquirem características próprias. De fato, faz sentido distinguir três aspectos diferentes das
características setoriais genéricas e específicas por nação: o tecnológico, o econômico e o político
(VOGEL, 2006, p. 368-369).
entre elas. Equivale a dizer que educação como setor está mudando de tal modo
que se tornam inúteis, e mesmo enganosos, os pressupostos e as formas de análise
existentes, que constituem o educacionismo metodológico. Para elaborar melhor
esse aspecto, podemos procurar identificar a natureza mutável das características
genéricas (ou transnacionais) do setor, e de suas características políticas, econômicas
e técnicas. Aqui a essência do argumento é que, em lugar de um conjunto simples
de características compartilhadas, que compõem um setor genérico da educação,
basicamente comum e não diferenciado – sendo o genérico mediado de diversos
modos em escala nacional –, o que vemos é um colapso das características genéricas
do setor da educação, e sua substituição pelo que pode ser visto, em termos
conceituais, como um conjunto duplo, ou mesmo triplo – se levarmos em conta o
desenvolvimento do nível subnacional –, de características que demarcam diferentes
setores da educação, sendo que a relação entre eles não é restrita à mediação, mas
assume a forma, por exemplo, de operações híbridas e paralelas. E ainda mais,
sugerimos que as características básicas que estabelecem os aspectos políticos,
econômicos e tecnológicos do setor da educação vêm sendo estruturadas pelo
trabalho de organizações internacionais, que funcionam de acordo com um roteiro
amplamente comum (DALE, 2006b).
Entretanto, quando introduzimos a possibilidade de estender o setor para além
da escala nacional, surge uma história bem diferente. Em lugar de um pressuposto
de um nível indispensável de compatibilidade de características políticas e
econômicas nacionais, assumimos que as forças da globalização tornarão
problemáticas as relações políticas e econômicas no nível nacional, e constituirão,
elas próprias, conjuntos diferentes, porém paralelos, de demandas, definições e
expectativas nos níveis supra e subnacionais. E aqui as ênfases são bem diferentes.
Nos níveis subnacionais, os interesses dizem respeito, sobretudo, a questões
políticas, de representação, voz etc. No nível supranacional, os interesses estão
muito mais voltados para a economia, como comprova a reiteração constante da
importância da competitividade econômica internacional, e da necessidade
primordial de que a educação contribua para uma economia global do
conhecimento. Aqui se vê claramente a divisão funcional e escalar da governança
da educação, com a ascensão de questões que giram em torno da competitividade
econômica; e as questões que giram em torno do papel da educação na distribuição
de oportunidades no interior das sociedades nacionais ficam relegadas ao nível
nacional, ou são até mesmo rebaixadas. A diferença fundamental aqui diz respeito
à natureza e ao status das características genéricas. Nos níveis nacional e subnacional,
continuam a formar o terreno no qual acontecem, entre outras, as disputas políticas
sobre a distribuição de oportunidades. No nível supranacional, entretanto, essas
características passam a ser o centro de interesse, à medida que são percebidas como
inadequadas para o propósito em questão em uma economia global do
conhecimento (ROBERTSON, 2005). É por essa razão que não vemos apenas a
Além dos “ismos” metodológicos na educação comparada 567
Representação
Conclusões
Neste artigo, tentamos apresentar três ideias conectadas. A primeira é que, em
uma era de globalização, a tendência crônica no interior da ciência social como um
todo, a fazer do nível nacional o foco de toda a atenção analítica é mais problemática
do que nunca; ao mesmo tempo, a tendência a materializar o nível nacional, ou a
tratá-lo como um fetiche, estende-se à forma de governo – estatismo – e no caso da
educação comparada, ao objeto de estudo – a educação. A segunda ideia é que esse
exercício demonstra que os três termos nunca foram realmente precisos: por
exemplo, o Estado nunca fez tudo. A terceira ideia, e também a mais importante
neste capítulo, é o risco de que cada uma delas, a partir das categorias fundamentais
da educação comparada, gere um conjunto de “ismos” metodológicos que precisam
ser reconhecidos e superados, para que a educação comparada avance em uma era
de globalização.
Entretanto, quando a localização nacional ainda é a mais comum na governança
educacional, o Estado é a forma mais comum de governança, e a educação ainda é
o termo mais útil para as atividades nas quais nos concentramos. O que há, agora,
para comparar? Como procuramos demonstrar neste capítulo, a ideia é que a nação
e o Estado de hoje não são a mesma nação nem o mesmo Estado de dez anos atrás,
tampouco as relações entre eles são as mesmas. De maneira similar, a educação
sempre foi reconhecida tacitamente como sendo e fazendo coisas diferentes, mas
agora ganhou alguns elementos que são novos em termos qualitativos. Acreditamos
que isso torna ainda mais importante reconhecer a natureza e o perigo da
transformação dos conceitos de Estado, nacional e educação em “ismos”
metodológicos, congelados nas concepções de épocas passadas. O perigo pode ser
comprovado no comentário de Smith em epígrafe neste capítulo; os conceitos de
nacional e de sistemas de educação “derivam sua força do fato de parecerem ser
apenas o que sempre foram”, e sua instrumentalidade, “do fato de assumirem
formas significativamente diferentes”. As implicações disso não se restringem, de
maneira alguma, ao âmbito metodológico. Como procuramos indicar neste
capítulo, há evidentes implicações teóricas. Mais ainda, quando essa força está
radicada na manutenção da ideia de que nada mudou, quando tudo mudou, as
570 Dale e Robertson
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Além dos “ismos” metodológicos na educação comparada 571
EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E A
PERSPECTIVA COMPARATIVA
Terence H. McLaughlin
Introdução
Embora grande parte do trabalho de educação comparada de alguma forma
envolva a filosofia, e os próprios educadores comparativistas estejam atentos a
considerações filosóficas, o papel da filosofia na educação comparada não foi
claramente enfocado. Uma expressão dessa falta de foco é a relativa ausência de
desenvolvimento das relações entre as disciplinas de filosofia da educação e
educação comparada: os estudos educacionais continuam sofrendo de
compartimentalização. Entretanto, independentemente do estado atual de
relacionamento entre disciplinas educacionais formalmente estruturadas, deveria
existir um diálogo bem fundamentado, sensível e crítico entre as abordagens
filosófica e comparativa ao estudo da educação. Este capítulo procura analisar a
relação adequada entre uma abordagem filosófica e uma abordagem comparativa
ao estudo da educação com referência a uma série de necessidades, dificuldades e
oportunidades. O capítulo tem três seções que tratam, respectivamente, de
necessidades, dificuldades e oportunidades.
573
574 McLaughlin
mesmos (por exemplo: o que sou? O que é consciência? Tenho livre arbítrio?), o
mundo (por exemplo: por que existe algo, e não nada? Faz sentido pensar que o
futuro poderia influenciar o passado?) e sobre nós mesmos e o mundo (por
exemplo: como podemos ter certeza de que o mundo realmente é como
acreditamos que ele é? O que é conhecimento, e quanto conhecimento temos?)
(BLACKBURN, 1999, p. 2-3). A particularidade (e a peculiaridade) desses tipos
de questões está em seu caráter não empírico e no quanto elas resistem a
procedimentos e critérios simples para busca e resolução. Questões desse tipo
surgem de uma forma fundamental de autorreflexão crítica que se estende às
“estruturas de nosso pensamento” (BLACKBURN, 1999, p. 3-4).
Uma dificuldade para oferecer uma descrição geral da natureza da filosofia é que
qualquer descrição é oferecida a partir de uma tradição filosófica particular, e,
portanto, talvez seja parcial, sendo desse modo por esta influenciada. A descrição
de filosofia feita por Blackburn – “realizar engenharia conceitual” (BLACKBURN,
1999, p. 2) –, e sua rejeição às proposições de certas escolas de pensamento filosófico
como “engenheiros conceituais incapazes de traçar um plano, quanto mais de
desenhar uma estrutura” (BLACKBURN, 1999, p. 13) indica sua adesão a uma
abordagem à filosofia amplamente analítica. A abordagem analítica opõe-se a uma
concepção de filosofia contida na noção de uma filosofia, em que uma filosofia
oferece “uma descrição da grande escala da natureza da realidade, do lugar que nela
ocupam os seres humanos, e das implicações de tudo isso no modo como as pessoas
devem comportar-se no mundo e em relação aos outros” (COOPER, 2003a, p. 2).
As crenças africanas tradicionais mencionadas no artigo de Bridges, Asgedom e
Kenaw nesta edição especial são exemplo de uma filosofia nesse sentido.
A rejeição a uma concepção de filosofia desse tipo está presente na negação
inicial de Richard Peters da ideia de que a filosofia (e a filosofia da educação) oferece
“diretrizes de alto nível” (PETERS, 1966, p.15; ver também ELLIOTT, 1986).
Qualquer referência a filosofias da educação na perspectiva comparativa envolve a
noção de filosofia no sentido de uma filosofia. Como observa David Cooper, “assim
como ‘música’, ‘filosofia’, como nome de uma atividade intelectual muito geral,
não tem plural” (COOPER, 2003a, p. 2).
A realidade e o significado de tradições filosóficas contrastantes e, em parte,
competitivas, são de grande importância para este capítulo, e voltaremos ao assunto
oportunamente. No entanto, para nossos propósitos atuais, cabe ilustrar o que está
envolvido em uma abordagem filosófica à educação, fazendo referência a um
exemplo particular dessa abordagem, extraído da tradição analítica que predominou
na filosofia da educação anglo-americana desde a década de 1960, e que vem sendo
interpretada de modo cada vez mais amplo nos últimos anos (sobre a questão da
amplitude crescente de interpretação, ver, por exemplo, WHITE; WHITE, 2001).
Da perspectiva dessa tradição, pode-se descrever uma abordagem filosófica à
educação como incluindo tarefas inter-relacionadas e superpostas dos seguintes
Educação, filosofia e a perspectiva comparativa 575
“uma série de teorias e métodos das ciências sociais e cruza uma série de subcampos,
inclusive sociologia da educação, planejamento educacional, antropologia e
educação, economia da educação, e educação e desenvolvimento” (NINNES;
BURNETT, 2003, p. 279).
Seja como for, surgem considerações filosóficas relativas à articulação e à defesa
de metodologias de pesquisa utilizadas na educação comparada (ver, por exemplo,
MARTIN, 2003; NINNES; BURNETT, 2003), e alguns educadores
comparativistas abordaram diretamente essas consideraçãoes filosóficas (ver, por
exemplo, NINNES; BURNETT, 2003). Patricia Broadfoot chama atenção para a
profunda divisão metodológica entre os métodos qualitativos e aqueles de tipo mais
quantitativo associados ao paradigma das ciências naturais, que caracterizaram a
educação comparada (BROADFOOT, 2000, p. 360). A autora pede uma
perspectiva de ciência social mais crítica na educação comparada, fundamentada
teoricamente, que envolva maior consciência autocrítica, particularmente com
relação à natureza carregada de valor de problemas, métodos e conclusões
(BROADFOOT, 2000). A autora insiste particularmente na ideia de que “os
próprios educadores comparativistas […] devem estar dispostos a comprometer-se
em debates fundamentais sobre valores; sobre a natureza da vida boa e a propósito
do papel da educação e da aprendizagem com relação a isso” (BROADFOOT,
2000, p. 370). Mais precisamente, alega, a educação comparada tem a
responsabilidade de levar o debate para além dos meios, ou seja, até os fins.
aspecto geral de dificuldade tem caráter prático, e esse tema foi abordado acima,
quando descrevemos as duas primeiras dificuldades. Aqui, porém, concentraremos
a atenção em aspectos filosóficos de dificuldade. Um bom ponto de partida para
chegar a formas pertinentes de compreensão é uma descrição (clara) de diversos
tipos. Entretanto, embora seja necessária para o entendimento, uma descrição de
uma tradição filosófica ou do desenvolvimento do filosofar sobre educação em um
contexto determinado não é suficiente (para essas descrições, ver, além das
contribuições publicadas nesta edição especial, o relato de Jover [2001] sobre
filosofia da educação na Espanha). Um aspecto relevante da dificuldade diz respeito
à questão do entendimento transversal entre tradições filosóficas. A tradição analítica
da filosofia e da filosofia da educação, que usamos como exemplo no início deste
capítulo, manifestamente não é imune à crítica, especialmente por parte das
tradições filosóficas continentais, às quais Paul Standish se refere em sua
contribuição nesta edição especial. As visões educacionais detalhadas originárias de
uma filosofia no sentido indicado anteriormente (ou seja, visões e sistemas
filosóficos globais e abrangentes) pedem compromisso com uma tarefa
particularmente complexa de explicação e interpretação que requer sensibilidade e
julgamento consideráveis. (Para informações sobre esse tipo de tarefa, ver, por
exemplo, DEUTSCH; BONTEKOE, 1997; especificamente sobre as tradições de
pensamento representadas nesta edição especial, ver ALBERTINI, 1997;
DEUTSCH; BONTEKOE, 1997, caps. 7-15, 32-40, 43, 45; MASOLO, 1997;
WEIMING, 1997; COOPER, 2003a, caps. 3, 6, 9; sobre a relação entre povos
indígenas e filosofias ocidentais, ver, por exemplo, MARSHALL, 2000.).
Entender a filosofia do confucionismo, do budismo e do islamismo, por
exemplo, coloca um desafio particular para os pensadores ocidentais, e não só
devido à relação intrincada dessas tradições com todo um modo de vida. Um dos
riscos que enfrentam os pensadores ocidentais é o orientalismo inerente na
categorização das filosofias não ocidentais da educação, à luz de um pressuposto
de que todas as tradições filosóficas não definidas como ocidentais constituem
algo identificável pelo simples fato de serem não ocidentais (DEUTSCH, 1997,
p. xii). Deutsch chama a atenção também, convenientemente, para outro perigo
envolvido em imaginar que o pensamento de outra cultura “tem unidade e
simplicidade claras, em comparação com o caráter multivariado do nosso próprio
pensamento” (DEUTSCH, 1997, p. xiii). Na realidade, segundo Deutsch,
muitas dessas tradições alternativas caracterizam-se por profundidade,
abrangência, diversidade e controvérsia. Por conseguinte, não existe uma filosofia
(ou filosofia da educação) chinesa, japonesa ou africana propriamente dita. Um
risco relacionado a isso é o primordialismo, em que uma identidade grupal
particular, com sua articulação filosófica subjacente, é vista como um pressuposto
atemporal e eterno. Um problema relacionado é a definição do que se pode
considerar filosofia (ver o artigo de Bridges, Asgedom e Kenaw neste volume).
582 McLaughlin
A afirmação de Deutsch conduz à ideia de que uma pessoa pode ser um filósofo
e um filósofo da educação mais qualificado por ter abraçado uma perspectiva
comparativa. Para um especialista em educação de cultura liberal ocidental, a maior
dificuldade ao adotar uma perspectiva comparativa é estar verdadeiramente aberto
a concepções, valores e formas de raciocínio alternativos, que podem entrar em
conflito significativo com concepções, formas de raciocínio e valores liberais
ocidentais (ver especialmente a contribuição de Mark Halstead nesta edição
especial). Uma dificuldade aqui é a prevalência de noções como pós-modernismo,
que parecem colocar em dúvida o próprio projeto avaliativo, de diferentes maneiras
(sobre pós-modernismo, ver, por exemplo, COOPER, 2003b). Evidentemente, a
noção de concepções e valores liberais ocidentais não é transparente e simples,
embora, para os fins dessa discussão, seja possível invocar um sentido geral, ainda
não analisado (para discussão adicional, ver WHITE, 2003). A disseminação prática
e normativa de tais concepções, formas de discussão e valores liberais em todo o
mundo é evidente, especialmente devido à presença de democracia como um de
seus elementos fundamentais (sobre a disseminação de valores liberais no caso do
Japão, ver, por exemplo, FEINBERG, 1993). Um fenômeno geral digno de nota é
a intensa pressão filosófica (e também social e política) exercida por influências
liberais e democráticas sobre as formas tradicionais de filosofar. Tu Weiming descreve
o modo como a tradição iluminista ocidental provocou “a discussão mais
devastadora jamais encontrada pela mente chinesa” (WEIMING, 1997, p. 22). As
formas locais de filosofar, com suas concepções, seus valores e suas formas de
Educação, filosofia e a perspectiva comparativa 583
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SEÇÃO 8
Gita Steiner-Khamsi
A reviravolta desenvolvimentista
Existe uma forte convicção de que a reviravolta desenvolvimentista ocorrida na
década de 1960 foi inteiramente positiva. Essa afirmação geral, sustentada por
pesquisadores com enfoque comparativo e internacional nos Estados Unidos, merece
ser examinada com cuidado. É correto afirmar que o foco exclusivo na Europa foi
abandonado e substituído por uma orientação para países em desenvolvimento. É
591
592 Steiner-Khamsi
1. É importante ter em mente que a mudança da educação comparada na direção de estudos de um único país
não ocorreu necessariamente em outros países e continentes. Na verdade, a seção de educação comparada da
Associação Europeia de Pesquisa Educacional (European Educational Research Association – EERA) excluiu
todos os resumos e apresentações que não tivessem uma dimensão explicitamente comparativa, e os delegou
para outras seções da EERA. No Congresso Europeu de Pesquisa Educacional, em Genebra (setembro de
2006), debateu-se vivamente se apresentações que tratavam de um único caso estariam qualificadas para a
seção de educação comparada
594 Steiner-Khamsi
comparação entre a educação nos Estados Unidos e na União Soviética foi o tema
de maior destaque.2 A educação soviética tornou-se um ponto básico de referência
depois do lançamento do Sputnik, em 1957, e essa posição foi reforçada quando,
em 1961, Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem no espaço. O declínio
soviético coincidiu com relatórios nas décadas de 1970 e 1980, nos quais dissidentes
denunciavam a repressão política e escreviam sobre a economia da escassez
generalizada nos países socialistas.
A influência da Guerra Fria persiste até hoje e está evidente em diversas
características contemporâneas da educação comparada e internacional nos Estados
Unidos: em primeiro lugar, a dominância dos estudos de área e de desenvolvimento
na educação comparada e internacional norte-americana; e em segundo, sua
preocupação com análises de contrastes entre sistemas educacionais entendidos
como diametralmente opostos ao sistema norte-americano. Nos Estados Unidos,
os estudos sobre a União Soviética foram logo substituídos por estudos sobre o
Japão e, a seguir, depois de mais de uma década de relativa inércia, por estudos
sobre o Islã. As pesquisas sobre práticas educacionais na União Soviética, no Japão
e no mundo árabe – regiões que em um ou outro momento eram vistas como
ameaças econômicas ou políticas aos Estados Unidos – atraíram muita atenção
pública e financiamentos governamentais. Por fim, é perceptível que os
pesquisadores da educação comparada nos Estados Unidos raramente comparam
a educação norte-americana com a de outras partes do mundo. O único país que
parece servir como sociedade de referência (SCHRIEWER et al., 1998) para a
reforma educacional nos Estados Unidos é a Grã-Bretanha, e mesmo assim
limitando-se a reformas educacionais orientadas para o mercado. Para os analistas
norte-americanos, aparentemente não há atração por políticas transnacionais, a
menos que as reformas tenham origem na Grã-Bretanha, o que contrasta
acentuadamente com a pesquisa em educação comparada em outros países, que
normalmente é atraída por observação, documentação e publicação a respeito de
reformas em países cujos contextos são considerados comparáveis.
2. O estudo da educação soviética foi o único tópico específico da área na reunião de 1956. Todos os outros
tópicos referiam-se a teorias, métodos ou conceitos de educação comparada (ver CAMPISANO, 1988, p.
35; BRICKMAN, 1966). George Z. Bereday foi convidado a comparar a educação nos Estados Unidos com
a educação soviética (BEREDAY, 1957). Os outros três tópicos, programados pelos coorganizadores William
Brickman e Gerald Read, foram: (1) Fundamentos teóricos da educação comparada; (2) Importância atual
do tema como área de estudo e pesquisa; e (3) Exame de definições, objetivos e valores da educação comparada
e o conceito, e os princípios gerais de comparação. Na segunda parte do programa, os participantes
discutiram as aplicações práticas da educação comparada.
Comparação: quo vadis? 595
3. Em 2005, 60 universidades eram elegíveis para a administração de bolsas de estudo para estudos de áreas e
idiomas estrangeiros (Título VI). O orçamento do ano fiscal de 2005 foi de US$ 28,2 milhões, tendo sido
financiadas 926 bolsas com duração de um ano e 635 bolsas de verão. Os programas de educação internacional
do Título VI continuaram a ser a maior fonte de financiamento federal, em que a educação é explicitamente
associada à segurança nacional e global. Em seguida, vêm a bolsa de segurança da pátria (criada em 2003),
que desembolsou US$ 15 milhões, e o Programa de Educação para a Segurança Nacional, com um orçamento
de US$ 8 milhões em 2005 (GLENN, 2005).
596 Steiner-Khamsi
4. Em 2002, o exército dos Estados Unidos relatou a “séria carência de tradutores e intérpretes em cinco de
seus seis idiomas críticos” (UNITED STATES OF AMERICA, 2006, p. 3): árabe, coreano, chinês mandarim,
farsi e russo. Espera-se que a Iniciativa de Idiomas pela Segurança Nacional resolva a situação, produzindo,
até 2009, 2 mil “falantes avançados de idiomas críticos” que pudessem ser empregados pelo Exército dos
Estados Unidos, por agências de inteligência e agências governamentais (LIEBOWITZ, 2006, p. B29).
Comparação: quo vadis? 597
Análises de contrastes
Andreas Kazamias critica a “metamorfose social-científica da educação
comparada” (KAZAMIAS, 2001, p. 440) da década de 1960, por ter transformado
a educação comparada em um campo de investigação que não recorre à história
nem, em certa medida, a teorias. Eu gostaria de acrescentar à observação de Kazamias
que o período inicial de comparação social-científica na década de 1960 presenciou
– sob a forma de estudos soviéticos e, mais tarde, de estudos japoneses – o modo
mais superficial e descontextualizado de comparação: as análises de contrastes. Do
ponto de vista metodológico, as análises de contrastes devem ser consideradas um
tipo específico de comparação. Enfatizam mais as diferenças do que os aspectos em
comum. A tipologia de análises comparativas com base em estudos de caso ajuda a
situar as análises de contrastes dentro da metodologia comparativa.
A Tabela 1 apresenta a distinção entre sistemas e resultados feita por análises
comparativas em estudos de caso (BERG-SCHLOSSER, 2002, p. 2.430; ver também
PRZEWORSKI; TEUNE, 1970). Utilizo “sistema” e “caso” como equivalentes,
porque, do ponto de vista metodológico, um caso é um sistema delimitado por sua
própria rede causal (TILLY, 1997, p. 49), que conecta o grande número de variáveis
do caso/sistema. A tabela a seguir é particularmente útil para decisões sobre
amostragem, uma vez que ajuda a tornar transparente a seleção de casos.
5. Noah e Eckstein (1969) identificam no desenvolvimento da educação comparada os cinco estágios a seguir: (1)
relatos de viajantes; (2) empréstimo educacional; (3) cooperação internacional em educação; (4) estudos sobre
sociedade e escolarização, incluindo estudos de caráter nacional; e (5) fundamentação da educação comparada
nas ciências sociais. Noah e Eckstein foram criticados por sua afirmação de que as ênfases filosófica e histórica
iniciais da educação comparada haviam sido substituídas por uma ênfase nas ciências sociais, e principalmente
por seu endosso entusiástico a métodos quantitativos de pesquisa em educação comparada. Sua explanação
histórica sobre os cinco estágios está em sintonia com o que foi observado por outros acadêmicos. Talvez seu
entusiasmo quanto ao grande potencial da pesquisa quantitativa pudesse ser mais moderado, mas – a despeito
de afirmações em contrário (MASERMANN, 2006; ver também STEINER-KHAMSI, 2006, nota 12) –
certamente não há dúvida de que a história e a filosofia foram as bases da pesquisa inicial em educação comparada
e, na verdade, de qualquer outra pesquisa educacional nos Estados Unidos e na Europa.
600 Steiner-Khamsi
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72
Andrew Brown
Introdução
As tecnologias digitais e particularmente as tecnologias de informação e
comunicação são frequentemente referidas na literatura acadêmica
contemporânea de educação comparada, ainda que de forma bastante oblíqua.
A capacidade dessas tecnologias de possibilitar redes e comunicações
internacionais rápidas normalmente é invocada como fator facilitador no
processo de globalização, ou, de modo mais geral, como um componente-chave
da formação das sociedades contemporâneas, sejam essas identificadas como pós-
moderna, tardiamente moderna, pós-industrial, centrada no conhecimento ou
alguma variante dessas sociedades. Raramente, no entanto, dedica-se atenção
continuada às características e às utilizações das próprias tecnologias, o que é
lamentável, uma vez que a falta de um exame crítico pode levar-nos a aceitar
alguns pressupostos questionáveis sobre o que as tecnologias digitais fazem e
podem fazer em relação à educação e à sociedade.
É muito fácil ser atraído por visões utópicas que, por exemplo, consideram os
mundos virtuais como novas fronteiras nas quais as limitações materiais e a opressão
física podem ser descartadas na criação de novas democracias digitais, abrindo acesso
e oportunidades para grupos marginalizados e menos favorecidos. Da mesma forma,
é igualmente fácil imaginar e elaborar o complemento negativo virtual dessas utopias
– a corrupção moral e cultural potencialmente ilimitada e desregulada da sociedade.
Uma perspectiva comparativa – que, por definição, fundamenta e contextualiza as
atividades – sobre as utilizações da tecnologia digital advertiria e protegeria contra
a imersão em qualquer perspectiva unitária particular. A atividade de comparar
requer diferença, diversidade e, na melhor das hipóteses, diálogo. Sendo uma
atividade acadêmica, requer explicação, compreensão e desenvolvimento teórico.
Entretanto esse exame comparativo acadêmico está amplamente ausente em relação
às tecnologias digitais.
Essa falta de atenção específica às tecnologias digitais constitui mais uma
oportunidade perdida para o desenvolvimento da educação comparada. Cowen
argumenta:
611
612 Brown
O campo de estudos acadêmicos denominado educação comparada deve tratar sempre dos
problemas intelectuais provocados pelos conceitos de contexto (o local, a inserção social dos
fenômenos educacionais) e de transferência (o movimento de ideias, políticas e práticas
educacionais de um lugar para outro, em geral através de fronteiras nacionais); e de suas relações
(COWEN, 2006, p. 561).
por Cowen. O envolvimento com tecnologia digital e suas utilizações desafia nossas
concepções sobre o que é um contexto (por exemplo, por meio da facilitação de
comunidades virtuais) e, a despeito de sua capacidade de atuar como condutor
dentro e entre contextos, enfatiza a necessidade de compreender os processos e os
efeitos da transferência.
Tecnologias de aprendizagem
A comparação internacional da educação primária em cinco países feita por
Alexander (2001) ilustra a complexidade da relação entre as práticas de educação
formal e as condições políticas, sociais, econômicas e culturais históricas e
contemporâneas das sociedades em questão. A organização de espaços pedagógicos,
modos de regulação, conteúdo curricular, expectativas dos alunos, construção de
identidades, reconhecimento de realizações, e assim por diante estão inter-
relacionados, são moldados por um complexo de fatores desde o nível sistêmico
até o individual, e variam entre os contextos. As tecnologias digitais colocam uma
série de desafios para essas práticas, mas, evidentemente, dada a forma pela qual a
prática é moldada em diferentes contextos, esses desafios assumem formas diferentes
e têm consequências diversas.
Como argumentou Kress (2004), a maneira pela qual a informação é
apresentada – por exemplo, nas telas dos computadores e em equipamentos digitais
portáteis – desafia as noções de letramento existentes. À medida que formas
multimodais de apresentação e representação tornam-se cada vez mais comuns,
aumenta a demanda por recursos para a produção e a interpretação não apenas de
textos escritos lineares, mas também de áudio, imagens digitais estáticas, animação,
vídeo, e assim por diante. A reunião de todas essas formas de representação em
hipertextos não lineares complexos amplia ainda mais o que podemos considerar
como sendo as competências comunicacionais básicas na era digital.
A mídia das novas telas oferece, a um só tempo, meios para a produção de textos e para sua
disseminação. Dados os fatos da diversidade social, de desaparecimento, atenuação ou ausência
do poder central, e acima de tudo, do deslocamento, pelo mercado, do Estado como fonte
principal de poder, já não existe mais um modo canônico de representação. Ao invés, as
características da audiência (que já não é vista como composta por cidadãos, mas por
consumidores), suas necessidades, seus desejos e suas aspirações reais ou atribuídas passam a
ocupar o centro do cenário. O modo de representação torna-se uma questão de planejamento:
este grupo prefere imagens ou escrita? Imagens estáticas, ou em movimento? Qual conjunto de
modos de apresentação atenderá melhor às minhas necessidades retóricas diante desta audiência?
(KRESS, 2004, p. 38).
som e movimento), e sua utilização de forma interativa com turmas de alunos. Moss
e colegas propuseram-se a determinar o impacto do investimento em larga escala
nessa tecnologia pedagógica particular na cidade de Londres focalizando
especialmente o processo de ensino-aprendizagem, a motivação de alunos e
professores, comportamento e frequência dos alunos, e padrões de desempenho dos
alunos em disciplinas centrais do currículo. Nesse estudo, mais uma vez, as formas
de utilização da tecnologia no ensino são muito variáveis, evidenciando-se as práticas
mais inovadoras na atuação daqueles que lideraram a introdução da tecnologia.
Ao avaliar o potencial dessa tecnologia na transformação da pedagogia, os
pesquisadores observam que isso depende do que os professores pensam a respeito.
Verificam que o pensamento dos professores sobre as lousas digitais interativas gira
em torno do potencial para um ritmo mais acelerado de ensino, maior
multimodalidade dos recursos de ensino, e uma forma mais interativa de ensinar
em sala de aula. No entanto, o grau em que é possível promover mudança
pedagógica depende de quão profundamente a tecnologia é integrada à abordagem
pedagógica adotada, e da maneira pela qual os recursos oferecidos pela tecnologia
relacionam-se a formas estabelecidas de pedagogia na sala de aula e à natureza da
disciplina que está sendo ensinada. Em termos mais simples, a velocidade da
ministração do ensino ou a utilização de formas variadas de representação podem
ser ou não benéficas para o ensino e a aprendizagem de aspectos particulares de
disciplinas particulares. O potencial da tecnologia relaciona-se, portanto, com as
práticas pedagógicas existentes e com as culturas pedagógicas e os conteúdos
curriculares da área que está sendo ensinada e aprendida. Independentemente do
potencial percebido e das práticas observadas, a pesquisa não conseguiu encontrar
evidências de qualquer relação entre o desempenho dos alunos nas disciplinas
centrais do currículo e a utilização intensificada de lousas digitais interativas no
decorrer do ano em que se realizou o estudo.
Mais uma vez, o ponto aqui é que, na prática, a forma de efetivação da
tecnologia digital está relacionada ao contexto em que está inserida. O significado
da tecnologia modifica-se à medida que se desloca de um lugar para outro. Ao
mesmo tempo em que é transformada pelo contexto, a própria tecnologia o
transforma. Kress e colegas veem a tecnologia digital como modos transformadores
de representação e comunicação que, por isso mesmo, requerem transformações
em nossos modelos de aprendizagem e de práticas educacionais. Essas tecnologias
e sua utilização estão radicalmente contextualizadas nas práticas da educação formal
e informal e, como demonstram estudos internacionais, como os SITES, e estudos
mais localizados, como o de Moss e colegas, fatores como a cultura pedagógica de
um determinado contexto (em qualquer nível, do sistema a uma determinada sala
de aula), as habilidades e as compreensões dos professores, e as expectativas dos
alunos atuam na modelagem do que é possível, e resultam em uma variedade de
práticas, que se ajustam ou divergem em graus variáveis em relação a qualquer ideal
Tecnologia digital e educação: contexto, pedagogia e relações sociais 617
Espaços pedagógicos
Mudar os modos de comunicação e de representação em processo de mudança
não atenua necessariamente a tendência da educação a produzir e reproduzir
diferenças sociais e culturais na distribuição de oportunidades de realização e de
vida. Por exemplo, o estudo de Gino (2006) sobre comunicação visual em uma
área urbana economicamente carente, em Israel, explorou a maneira pela qual
crianças de três grupos culturalmente diversificados, que viviam em locais
próximos, baseavam-se em suas histórias culturais diferenciadas para produzir e
interpretar imagens. Essas crianças moravam na mesma área física, mas em sua vida
cotidiana tinham poucas oportunidades de interagir com crianças das outras
comunidades. A comunicação visual, e particularmente a produção de imagens
para representar aspectos de sua experiência de vida naquela localidade podem ser
consideradas uma oportunidade de compartilhar experiências e perspectivas, e de
criar um espaço e um modo compartilhado de comunicação que supere diferenças
linguísticas. Entretanto, apesar de trabalhar em conjunto e compartilhar seu
trabalho, as diferenças culturais entre os grupos produziram diferentes tipos de
imagens, não apenas em termos de convenções visuais, mas também quanto ao que
pode ser representado.
Nesse caso seria possível considerar que, ao invés de atenuar diferenças
culturais, o movimento na direção do visual as reforçam. Essa constatação levanta
questões interessantes a respeito do potencial da representação multimodal
mediada pelo computador, tanto em relação ao aprender a dar sentido a uma
diversidade de formas de texto (onde e quando isso poderia ocorrer?), quanto ao
potencial da comunicação intercultural (em que medida comunidades online,
dispondo de práticas e compreensões compartilhadas, facilmente a seu alcance,
reforçam separações construídas e vividas em locais como esses?). Temos aqui
três comunidades em um espaço físico muito limitado, com recursos e
experiências comuns compartilhados, mas cujas redes de identificação são
definidas fora desse espaço e estendem-se para além dele. A comunicação online
oferece diversas possibilidades – em virtude, por exemplo, de suas convenções
visuais dominantes – para cada grupo, e, ao mesmo tempo, provê o potencial
para escapar, para o bem ou para o mal, da interação com outros grupos
618 Brown
Exclusão digital
O acesso à tecnologia digital evidentemente não é uniforme entre contextos e
dentro de cada contexto. Para aqueles que veem a tecnologia digital como um
recurso-chave para a educação na atualidade, o acesso diferencial a essas tecnologias
é uma preocupação básica na abordagem ao que é comumente considerado como
“exclusão digital”, em que é claramente perceptível a relativa riqueza ou pobreza
de acesso em comunidades, regiões e países ricos e pobres. Embora o acesso a essas
tecnologias seja claramente uma questão importante, este capítulo tentou
demonstrar que não é a única questão envolvida na compreensão e na abordagem
à desigualdade social e cultural na educação e para além desta. O esforço para
garantir um acesso mais equitativo à tecnologia digital precisa ser acompanhado
pela tentativa de compreender de que forma essas desigualdades são (re)produzidas
através dos diversos modos de engajamento com essas tecnologias e por meio delas.
Não o fazendo, corre-se o risco de tratar a tecnologia como fetiche e buscar o acesso
como um projeto social em si mesmo e por si mesmo.
622 Brown
Essa situação torna-se evidente no projeto One Laptop per Child (OLPC – Um
laptop por criança), iniciado por Nicholas Negroponte e outros membros do corpo
docente do laboratório de mídia do Instituto Massachusetts de Tecnologia (MIT).
A meta aqui é desenvolver um computador laptop de baixo custo que possa ser
amplamente distribuído para crianças no mundo desenvolvido e no mundo em
desenvolvimento.1 Alega-se que o laptop e seu software foram desenvolvidos para
exemplificar uma abordagem construcionista à aprendizagem, e assim facilitar o
aprender a aprender. Embora se alegue que se trata de um projeto educacional, e
não de um projeto tecnológico, seu núcleo foi o desenvolvimento do equipamento,
e não os princípios para sua utilização. Esse projeto não foi bem aceito
universalmente. O governo da Índia, por exemplo, recusou a oferta de participação
no projeto, porque isso desviaria recursos de outras necessidades já estabelecidas
(THE HINDU, 25 jul. 2006). Outros argumentaram que esse esforço estava
desfocado, uma vez que até mesmo pequenas quantias de dinheiro poderiam fazer
uma enorme diferença em termos de oportunidades de vida em regiões
desesperadamente pobres do mundo, fornecendo, por exemplo, água limpa e
medicamentos vitais. Paralelamente, o próprio projeto incorreu em uma série de
problemas relativos a produção da tecnologia, especificação e orçamento e a
suposições feitas a respeito das condições de vida das pessoas, de dificuldades para
arcar com o custo de funcionamento das máquinas, e de provimento e manutenção
de infraestrutura básica.
É seriamente questionável a própria suposição de que o provimento de um laptop
(ou, nesse caso, um equipamento simplificado que só se assemelha superficialmente
a um laptop comercial) e de software selecionado (embora, nesse caso, não seja um
software empresarial e educacional reconhecido) representaria uma contribuição
substancial para as perspectivas de vida e de educação de estudantes de escolas
caracterizadas por essa enorme variedade de circunstâncias sociais, econômicas e
culturais. Até mesmo em salas de aula nos Estados Unidos, pesquisadores lançaram
dúvidas sobre o valor agregado pelo acesso individual a laptops. Por exemplo, em
um estudo em duas escolas do ciclo médio, Dunleavy, Dexter e Heinecke (2007)
verificaram que a razão 1:1 entre laptops e alunos nas salas de aula analisadas não
agregava valor automaticamente e sugeriram que o alto custo e os desafios de gestão
colocados para os professores pelo provimento de laptops criam uma demanda radical
de desenvolvimento profissional para garantir que os docentes sejam capazes de criar
e administrar ambientes de aprendizagem adequados.
Isso não significa necessariamente abrir mão da tecnologia digital em qualquer
circunstância que não seja economicamente privilegiada (e com isso aprofundar
ainda mais a exclusão). Uma estratégia alternativa é selecionar e prover tecnologias
digitais de uma forma mais afinada com o contexto e as circunstâncias específicas
de sua utilização. À luz dos estudos citados até o momento neste capítulo, seria
particularmente valioso o foco no desenvolvimento profissional dos professores.
Leach e Moon (2002) exploram as maneiras pelas quais as tecnologias digitais
podem ser implementadas na formação de professores, em tentativas mais
abrangentes de reformar a escolarização e cumprir metas nacionais e internacionais,
tais como a Educação Primária Universal. Apresentam uma série de exemplos de
contextos, que variam desde comunidades rurais pobres na África ao Sul do Saara,
que estão tentando reconstruir a educação em situações de guerra e doença, até
escolas urbanas de países ocidentais ricos, que estão tentando prover educação para
populações cada vez mais diversificadas em termos linguísticos, culturais e
econômicos. Em todos os casos, a criação e a manutenção de uma força de trabalho
docente suficientemente grande e dotada de conhecimentos e competências
profissionais adequadas são consideradas desafios-chave, para cujo enfrentamento
as tecnologias digitais e novas abordagens à formação de professores podem dar
uma contribuição.
O ponto forte da abordagem proposta e dos exemplos apresentados é a
sensibilidade ao contexto e a adequação das intervenções. Em muitos casos, não
são factíveis formas convencionais de formação de professores, devido à escala do
empreendimento e ao nível de recursos disponíveis. Nesses contextos, a utilização
de tecnologias de comunicação para facilitar a aprendizagem dos professores e o
estabelecimento de redes pode ampliar significativamente as possibilidades de
desenvolvimento dos professores do que o investimento convencional em
edificações e outras instalações físicas que concentram recursos em uma área,
criando distância entre as atividades de desenvolvimento profissional e o contexto
em que eventualmente serão aplicadas.
O Digital Education Enhancement Project (DEEP)2 é um desses projetos de
pesquisa e desenvolvimento que focaliza a utilização das tecnologias digitais na
promoção do desenvolvimento de conhecimentos e práticas pedagógicas de
professores, e explora o impacto da intensificação de estratégias de tecnologia sobre
a motivação e o desempenho dos estudantes em 12 escolas da cidade do Cairo,
Egito, e em 12 escolas de cidades e de áreas rurais da província de Eastern Cape,
na África do Sul. Como parte do projeto, Leach e Moon (2004) exploraram o uso
de computadores palmtop pelos professores, verificando que esses equipamentos
pequenos, portáteis, flexíveis e fáceis de usar integraram-se facilmente ao cotidiano
de trabalho dos professores, e tiveram impacto substancial sobre profissionalismo,
organização e planejamento, colaboração e aprendizagem compartilhada,
desenvolvimento de novas práticas em sala de aula, e autoestima dos professores.
Estudos como esse oferecem alguma indicação sobre o potencial das novas
tecnologias na formação e no desenvolvimento de professores. No entanto, deve
ficar claro que os resultados não são função da tecnologia, mas sim de sua interação
com fatores contextuais nas situações em que as tecnologias e as práticas
relacionadas a elas estão inseridas. Isso não significa apenas que é preciso ter cautela
quanto à suposição de que essas tecnologias ou práticas possam ser transferidas para
outros locais com os mesmos efeitos, mas também de que a efetividade observada
da própria intervenção tende a ser transitória, à medida, por exemplo, que a
tecnologia adquira com o tempo novos significados sociais e culturais, e que outras
condições se modifiquem.
Considerações finais
Considera-se que as tecnologias digitais possibilitam comunicação rápida a
distância. Possibilitam a produção e a distribuição de informações e de artefatos
digitais, sob a forma de textos, gráficos, sons e vídeos. À medida que esses artefatos
se deslocam de um lugar para outro, sua forma pode (ou não) permanecer estável,
mas seu significado pode transformar-se ao ser transferido de um sistema de
significados para outro, e à medida que são lidos e relidos por diferentes agentes, que
introduzem novos significados e novas compreensões em sua interpretação. Isso não
é novidade e, na verdade, é a essência da corrente de educação comparada acadêmica
que tenta compreender a relação entre sistemas e práticas abordando, por exemplo,
empréstimos, transferências e traduções entre um sistema e outro. Assim, práticas
associadas na Inglaterra à educação centrada na criança, tais como a exibição pública
dos trabalhos individuais das crianças como forma de comemorar as realizações
individuais e encorajar empreendimentos coletivos, passam a significar algo muito
diferente quando são transferidas para salas de aula de áreas rurais na Indonésia. Essa
nova contextualização constitui uma transformação, na medida em que as práticas
são desligadas de uma rede de significados, ou cultura, e conectadas a outra.
Vistas sob essa perspectiva, essas práticas não podem ser compreendidas como
dotadas de um significado essencial; em vez disso, só podem ser compreendidas
em relação ao contexto em que se realizam. O movimento dos artefatos digitais
entre um contexto e outro também pode ser compreendido dessa forma. No
entanto os espaços através dos quais e nos quais se deslocam são ao mesmo tempo
virtuais e geográficos (e aqui esse “e” tem importância fundamental). Contudo,
não são apenas os textos e os artefatos digitais que enfrentam esse destino: são
também as próprias tecnologias digitais.
A ênfase deste capítulo foi a compreensão de tecnologias digitais e sua utilização
educacional, formal e informal, em relação aos contextos em que estão inseridas.
Esses contextos, por sua vez, podem estar inseridos em outros contextos. Cada
escola, por exemplo, está inserida em conjuntos particulares (que podem ser
definidos por idade dos alunos, formas de financiamento, localização geopolítica,
e assim por diante), dentro de um determinado sistema educacional (que pode ser
definido em termos de redes nacionais, regionais ou transnacionais de instituições
Tecnologia digital e educação: contexto, pedagogia e relações sociais 625
interligadas ou associadas, e assim por diante). Cada nível mais alto de organização
atua de forma a prover um reservatório de significados potenciais para suas partes
constituintes o que, por sua vez, por meio da concretização desse nível mais alto
como um repertório de casos, permite-nos descrever, compreender e explicar suas
características. Portanto, salas de aula devem ser compreendidas em relação aos
sistemas nos quais operam e, por sua vez, atuam de forma a constituir o sistema
como casos particulares deste. Essa relação opera em qualquer nível, da ação
individual aos sistemas transglobais.
Fica evidente que os espaços pedagógicos formais e informais que foram
considerados neste capítulo não são neutros do ponto de vista social. Tal como
qualquer contexto ou comunidade materiais, os contextos e comunidades virtuais
são demarcados pelo jogo do capital social e cultural, e por meio deste são
produzidos e reproduzidos padrões de relações sociais. Embora seja possível
considerar que a passagem da reprodução de conhecimentos e artefatos para a
produção e a disseminação que é facilitada pela tecnologia digital tem o potencial
de subverter as instituições de educação formal, na prática os padrões de relações
sociais e culturais existentes e as práticas a eles associadas atuam contra essa
subversão. Um exemplo é a necessidade identificada de capacitar professores e
alunos para que utilizem tecnologias especializadas de determinada maneira.
Inverte-se assim a noção de transformação da educação pelas novas tecnologias,
por meio da leitura dessas tecnologias como demandas de novas competências de
professores e alunos, que precisam ser adquiridas antes que as tecnologias possam
efetivamente ser utilizadas em contextos pedagógicos. Essa condição cria déficits
e padrões potenciais de distribuição de competências e, portanto, inclusão e
exclusão, e sucesso e fracasso na utilização da tecnologia segundo certos modos
particulares estabelecidos.
As próprias tecnologias já são, cada vez mais, parte da experiência cotidiana
de estudantes e de professores. No entanto, não fazem parte da vida cotidiana de
todos os estudantes de maneira equitativa (e assim, por exemplo, será variável o
grau de ressonância entre a cultura, as práticas e as competências comuns em casa
e na escola); tampouco estão igualmente disponíveis para todas as escolas os
recursos materiais e simbólicos (tais como conhecimento e competência dos
professores) que possibilitam a incorporação das tecnologias ao currículo. Ainda
que estivessem, a relação entre as culturas das crianças e as culturas da escola seria
diferente. A estruturação da exclusão digital como relativa predominantemente
ao acesso a equipamentos e programas adequados desconsidera esse fato. O estudo
da OCDE realizado em 23 países por Venezky e Davis (2002) constatou que as
escolas estavam claramente conscientes das desigualdades potenciais que poderiam
ser produzidas pela utilização de tecnologias digitais na escolarização, mas as
estratégias citadas para a superação do problema relacionavam-se apenas ao apoio
a famílias pobres para lhes dar acesso a essas tecnologias. O relatório aponta que
626 Brown
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73
REPENSANDO O CONTEXTO
EM EDUCAÇÃO COMPARADA
Michael Crossley
629
630 Crossley
Na verdade, argumenta-se também que isso passa a ser ainda mais importante
na arena de pesquisas transculturais, internacionais e comparativas – em que as
diferentes visões de mundo somam-se de forma significativa às complexidades e às
implicações éticas, políticas e contextuais (HAYHOE; PAN, 2001). Ao explorar
caminhos possíveis à frente, este capítulo recorre agora a exemplos de pesquisas
comparativas inovadoras, juntamente com aspectos de meu próprio trabalho, que
se sugere tenham potencial para trajetórias futuras de pesquisas educacionais
comparativas e internacionais sensíveis ao contexto.
Olhando para o futuro, referimo-nos inicialmente a dois argumentos
relacionados que contribuem para reunir uma série de temas relacionados ao
contexto. Em primeiro lugar, trata-se de revisitar minhas preocupações com a
reconceituação da pesquisa comparativa e internacional em educação de
determinadas formas que reconheçam mais efetivamente o potencial e as limitações
das diversas abordagens à educação comparada e suas modalidades (CROSSLEY,
2003). Em segundo lugar, esse argumento é desenvolvido juntamente com esforços
para estimular cada vez mais a “criação de pontes entre culturas e tradições”
(CROSSLEY, 2000; CROSSLEY; WATSON, 2003) dentro do campo e, por
exemplo, entre posições paradigmáticas e disciplinares, estudos teóricos e aplicados,
políticas e práticas, níveis micro e macro de análise, humanidades e ciências sociais,
estudos sobre o passado e sobre o presente, e pesquisas no Norte e no Sul.
Argumenta-se que esses esforços contribuiriam significativamente para a abordagem
a muitos dos desafios colocados a respeito do impacto, da confiabilidade e da
acessibilidade de pesquisas sociais e educacionais apontados acima – e que isso é
possível mesmo em contextos que enfrentam dificuldades e dilemas gerados por
mudanças problemáticas no ambiente de pesquisa mais amplo.
Além disso, embora possa estimular um obscurecimento de fronteiras entre
profissionais, paradigmas e comunidades, esse processo de criação de pontes não
Repensando o contexto em educação comparada 637
Portanto, nesses três estudos foram construídas pontes entre o Norte e o Sul,
entre pesquisadores, formuladores de políticas e profissionais, e entre os de fora e
os de dentro. Além disso, os três estudos tiveram caráter multidisciplinar,
ofereceram treinamento em pesquisa que atravessou fronteiras paradigmáticas,
incorporou níveis micro e macro de análise, e situou a crítica contemporânea de
políticas em um referencial histórico extensamente pesquisado. Por fim, cada um
dos estudos ilustra de modo útil as possibilidades e os dilemas encontrados quando
são empreendidos esforços para investigar questões de desenvolvimento com maior
sensibilidade em relação ao que Arnove e Torres (2003) chamam de dialética do
global e do local. A esse respeito, podemos observar de que forma essas iniciativas,
planejadas inicialmente para ajudar a fortalecer a capacidade local de pesquisa e
Repensando o contexto em educação comparada 639
Conclusões
Sugere-se que repensar o lugar do contexto na educação comparada tem muito
a oferecer a todos os envolvidos na pesquisa e no desenvolvimento relacionados
à educação. De fato, como mostrou Schriewer (2006a), pode-se identificar nos
estudos comparativos uma abordagem culturalista que atravessa as ciências sociais
e que há muito “se orientou para o exame dos fenômenos, não de forma isolada
e desconectada, mas em termos de sua afiliação histórica e de sua dependência
em relação a condições contextuais sociais e culturais mais abrangentes”
(SCHRIEWER, 2006b, p. 1). Por sua vez, as implicações da presente análise têm
potencial para trajetórias futuras de pesquisa em muitos campos e disciplinas na
área de ciências sociais. O ano de 2002, por exemplo, testemunhou o
lançamento, pela Associação Americana de Sociologia, de um novo periódico
intitulado simplesmente “Contexts”, objetivando “tirar a pesquisa sociológica de
sua torre de marfim e situá-la em uma perspectiva do mundo real” (ASA,
Contexts Brochure). No âmbito da psicologia, avanços inovadores e desafiadores
de Rogoff (1990), Wertsch (1995) e Elliot e Grigorenko (2007) refletem muitos
princípios comparativos, demonstrando de que forma a teoria sociocultural
compreende o crescimento pessoal, individual como sendo modelado pelos
contextos sociais e culturais nos quais ocorre. Da mesma forma, ao explorar
direções futuras de desenvolvimento da economia global, as palestras Reith da
BBC apresentadas por Jeffrey Sachs, em 2007, também situam o aumento de
sensibilidade ao contexto no cerne das futuras deliberações políticas
internacionais que visam à redução da pobreza, à gestão da mudança climática e
à prevenção de guerras (SACHS, 2007). Voltando ao campo da educação
comparada, Stromquist prioriza preocupações semelhantes em relação a igualdade
e equidade internacionais, com implicações de maior vinculação entre
interessados e comunidades. A autora argumenta que a influência da educação
comparada e internacional:
642 Crossley
[...] é determinada não apenas por seu valor intelectual, mas também pela proximidade daqueles
que a exercem com os círculos de poder. Aqueles que exercem influência não são os acadêmicos,
e sim os membros de organizações internacionais e seus pares transnacionais, que subscrevem os
modelos de desenvolvimento dominantes orientados para o mercado, que não são substanciados
por pesquisas empíricas (STROMQUIST, 2005, p. 107).
Espera-se que as reflexões críticas apresentadas aqui contribuam para que outros
desafiem a transferência internacional acrítica de paradigmas de pesquisa e de
políticas sociais e educacionais; que contribuam de alguma forma para direções
futuras na educação comparada; e que ajudem a demonstrar até que ponto o
contexto faz diferença, mais do que é normalmente reconhecido, não apenas por
formuladores de políticas, mas também por muitos pesquisadores que trabalham
em educação e em todo o campo das ciências sociais.
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74
Sonia Mehta
Introdução
Dedicado a Rolland G. Paulston
Para nossos descendentes, o fato de ter havido um tempo em que uma guerra
podia ser deflagrada entre relativistas, que sustentavam que a linguagem só se refere
a si mesma, e realistas, que sustentavam que a linguagem ocasionalmente
corresponde a um estado real de coisas, parecerá tão estranho quando a ideia de
uma guerra pelas relíquias sagradas (LATOUR, 1999).
647
648 Mehta
academia já não seja mais dividida entre o científico e o não científico pelas antigas
batalhas. Acima disso, críticas do nascimento das ciências sociais apontaram que
os iluministas, com toda a sua elegância e beleza da razão e da ideologia
humanitária, moldaram uma sociedade hostil às diferenças sociais e às culturas não
ocidentais (vistas também como culturas do conhecimento não científicas), e
provocaram o efeito social indesejável de promover uma intolerância rígida em
relação à diversidade humana, e de inculcar diferenças sociais em indivíduos e
grupos (SEIDMAN, 2004). Isso não significa que diferenças sociais não fossem
afirmadas em indivíduos e grupos muito antes que o Iluminismo tivesse qualquer
coisa a ver com isso, em razão de categoriais religiosas ou sociais, separando seitas,
castas, homens, mulheres, e assim por diante. No discurso educacional, entretanto,
como talvez em outros aspectos da construção da identidade, ainda estamos lutando
por relíquias sagradas, por nossas pequenas ou grandes histórias. Enquanto algumas
formas de conhecimento forem consideradas mais válidas ou mais valiosas do que
outras, sempre existirá a dissonância de debates ácidos a respeito da validade e da
ética de uma teoria contra a outra.
Durante muito tempo nos envolvemos, nesse campo, em diversas maneiras não
harmônicas de contar histórias educacionais e sociológicas – um debate que
recentemente se tornou tenso e aguerrido, com a inclusão das teorias pós-iluministas
(pós-modernas, pós-estruturais, pós-coloniais, entre outras), cuja defesa ou
condenação levou os envolvidos no campo a alinhar-se de um lado e de outro de
uma dicotomia teórica divisória. Sugiro que se trata de uma divisão artificial: opor-
se às histórias universais da sociologia moderna não implica oposição à ciência
empírica ou à ideia de que as ciências humanas podem criar um mundo melhor.
Implica, no entanto, considerar que o privilégio atribuído à verdade científica acima
de todas as outras limita as opções epistemológicas e a compreensão integral da
diversidade humana. O abandono de divisões dicotômicas sugere também que a
compreensão da condição humana na sociedade seria mais favorecida desde que não
fosse descartada a promessa de uma explicação das realidades sociais, mas que suas
lógicas de verdade e de progresso social fossem substituídas por lógicas de justiça
social e reflexividade moral crítica, colocando genealogias e narrativas no lugar de
comparações de modelos e funções. No entanto as comunidades acadêmicas
continuam investidas de posturas teóricas opostas associadas a poder, prestígio,
sanção institucional, ego pessoal ou outras razões, conservando a divisibilidade de
culturas de conhecimento diversificadas. A divisão teórica é particularmente
prejudicial para os estudantes do campo de estudos de educação comparada, mas
também poderia ter o efeito mais amplo de circunscrever pesquisas que têm
implicações diretas para indivíduos e instituições que planejam e implementam
decisões de políticas baseadas em pesquisas educacionais, especificamente em
pesquisas na área de educação comparada. A lógica binária e o territorialismo na
academia também servem para dizimar nossa simples (e complexa) humanidade.
Pequenas e grandes histórias 651
Este ensaio de compreensão procura ter uma visão mais ampla do que a visão
conflituosa, e procura encontrar a paisagem que privilegia e atribui poder à
aprendizagem, e não ao território. Dessa forma, aqueles que estão envolvidos na
modelagem de opções ontológicas podem engajar-se primeiramente na prática de
desaprender (um termo cunhado por Heredero [1989], no contexto de consciência
social), aprender e reaprender – em outras palavras, reflexividade –, um termo que
faz referência à prática de compreender um texto por meio de sua própria
construção, ou à compreensão do pesquisador por meio da possibilidade de
construção de suas próprias histórias. Ao fazê-lo, utilizo os mapas e a última
pesquisa de Rolland Paulston para identificar e navegar por pequenas e grandes
histórias rumo a uma metodologia comparativa que inclui o processo pelo qual
essas histórias são construídas e tornam-se pequenas ou grandes; e como mostrou
Paulston em seus mapas, o processo pelo qual as narrativas se veem e se situam
reciprocamente em uma rede inter-relacionada de conexões. Utilizando métodos
de mapeamento e interpretações da ACD, meu ensaio leva adiante a discussão de
como fazer o múltiplo (mapear as múltiplas perspectivas de conhecimento), tanto
como metanarrativas quanto como mininarrativas, em particular, combinando uma
modalidade de ACD e a cartografia social pós-moderna em uma pedagogia para
os estudos de educação comparada. Para aqueles que sofrem de fadiga da linguagem
pós-iluminista, permitam-me dizer que esse é (simplesmente) um exercício de
criação da possibilidade de mais opções de linguagem e de registro, por meio das
quais será possível descrever nossos diversos mundos e pontos de vista. Nosso
ambiente acadêmico globalizado, interconectado e conflituoso, de atividades
acadêmicas e instituições, permite examinar as várias guerras de ideias e desilusões,
e perguntar: ao final do processo de contestação e desacordos, o que serve aos
propósitos de uma comunidade de aprendizagem e ensino?
Rolland perguntou a si mesmo: “de que forma devemos praticar nossa arte
comparativa nestes tempos de heterogeneidade e mudanças tumultuadas?” Até o
momento, foram apresentadas diversas opções. Uma delas é agarrar-se às verdades
eternas de nossos pais fundadores. Outra é abraçar e privilegiar as diferenças
culturais de outros. E há também aqueles que simplesmente evitariam a questão,
utilizando uma forte dose de rigor científico – e talvez, de tapa-olhos culturais. Por
outro lado, eu gostaria de argumentar em favor da reinscrição de todas as grandes
histórias em um espaço, ou campo, de pequenas histórias. Esse desvio
epistemológico e ontológico em relação a uma lógica binária de exclusão oferece a
possibilidade de uma representação cartográfica mais diversificada e interativa de
nosso campo. Assim, os debates sobre perspectivas de construção de conhecimento
podem ser mapeados em redes de diferenciação abertas a outros atores e a outras
histórias possíveis, o que não significa argumentar em favor de uma posição ou de
uma linguagem neutras por meio das quais comparar as diferenças. Todas as
escolhas teóricas oferecem uma visão de mundo em seus próprios termos, e todas
podem ser criticadas a partir da posição de outra teoria. Podemos, por exemplo,
insistir na ortodoxia e na absoluta validade de nosso ponto de vista, e tentar excluir
outras visões como desviantes. Ou podemos adotar a grande “recusa” de Clifford
Geertz à imposição de uma única história reducionista sobre a maravilhosa
diversidade de compreensões humanas. Ao final da longa estrada acadêmica,
escolho reunir-me àqueles que, voluntariamente, tentam o que pode parecer uma
tarefa impossível: “reconhecer a parcialidade de sua própria história (e na verdade,
de todas as histórias) e, ainda assim, contá-la com autoridade e convicção”
(SCOTT, 1991, p. 42-43), situando-a ao mesmo tempo no campo de debates da
educação comparada. Dessa forma, começamos a visualizar de que modo nosso
campo pode ser entendido como uma “representação, um retrato de nossa
complexa realidade multidimensional” (PAULSTON, 2004).
O mapa de Paulston (reproduzido nas páginas seguintes) mostra a divisão
ontológica que separa os espaços onde é possível a emergência de pequenas histórias
e, ao mesmo tempo, ilustra as condições dessa possibilidade.
O mapa de Paulston descreve e situa cinco gêneros discursivos em termos de
valores nucleares, ontologia, epistemologia e foco disciplinar. Os gêneros de
discurso escolhidos aqui são o ideográfico, o nomotético, o etnográfico, o agnóstico
e o cartográfico, explicados integralmente na tabela de atributos de gênero que
acompanha o mapa (Tabela 1). Pode ser útil para os leitores imaginar texto como
narrativa – escrita ou falada – com seu início específico, seus eventos presentes
(meio) e seus fins, desenlaces ou conclusões que ajustam a narrativa ou sua visão
de mundo a uma cultura de conhecimento particular.
Embora o mapa apresente constructos opostos de conhecimento, estes não estão
necessariamente em oposição, a menos que os sistemas de valores dos narradores
(mapeadores) sejam construídos de forma a ser opostos. Eu sugeriria que a natureza
Pequenas e grandes histórias 655
na Figura 1 podem ser considerados de modo a construir uma educação comparada diferenciada?
Mehta
Pequenas e grandes histórias 657
Fig1. Mapa em estilo alexandrino comparando espaços de conhecimento e gêneros de investigação no discurso
da educação comparada
Fonte: Paulston (2004)
Ver no Apêndice A os minicânones que constroem cada gênero
daqueles que atuam sobre eles. Os tópicos da análise, tal como sistemas de valores
e crenças sobre educação, ou redução da pobreza, constituem aquilo que as pessoas
dizem ou pensam que (os tópicos) sejam (GAME; METCALF, 1996).
A ACD estuda, por assim dizer, a malha interpretativa do que é dito, do que
não é dito e do que não pode ser dito no texto e na fala. Esse método focaliza as
condições específicas sob as quais são propostas e sustentadas alegações sobre
realidade, verdade e conhecimento, e as condições sob as quais determinados
discursos e discursos implícitos são considerados mais dominantes do que outros.
Em certo sentido, a ACD torna-se um processo-chave na criação de um mapa
elaborado por múltiplos usuários, como o passo fundamental no sentido de
estabelecer as coordenadas do mapa.
Foucault descreveu de que forma alguns discursos, e não outros, tornam-se
proeminentes em contextos particulares, as condições dessa proeminência e de sua
manutenção, e as relações de poder entre seu funcionamento recíproco e sua
transformação, seja de forma independente, recíproca ou correlativa (FOUCAULT,
1972). A ACD permite questionar os discursos perguntando de que maneira os
diversos textos simbólicos, escritos e falados constituem e definem o conhecimento,
o aprendiz, o educador, as identidades acadêmicas e institucionais no interior de
relações de poder e de condições sócio-históricas por meio das quais esses discursos
se manifestam. As ACD não se ocupam apenas do conteúdo dos documentos, mas
também do processo de seu desenvolvimento e resultados.
O desafio de mapear a multiplicidade seria enfrentado quando há mais de um
participante trabalhando na criação de um mapa de constructos de conhecimento.
Como assinala Paulston, o mapeamento reconhece e padroniza diferenças.
Uma mudança de direção espacial nos estudos comparativos focalizaria menos teoria formal e
alegações concorrentes sobre verdades, e mais a forma pela qual conhecimentos contingentes
podem ser vistos como incorporados, construídos localmente e reapresentados como
posicionamentos opostos, mas complementares, em campos em transformação (PAULSTON,
1996, p. xvii).
Multiálogo
O conceito de “multiálogo”, cunhado por mim, questiona a ideia de que a
pedagogia da diferença só pode ser elaborada na sala de aula. Ao final, o espaço
mais fluido pode ser encontrado fora dos espaços tradicionais (como as salas de
aula), talvez em versões, no espaço virtual, de uma combinação de ACD (que
utiliza a linguagem para desconstruir o discurso), de métodos pós-modernos de
mapeamento (que mobilizam o posicionamento e o arranjo dos atores que optam
por entrar no discurso), e de outras ferramentas de crítica e representação
orientadas para o processo. O conceito de “multiálogo” amplia os contextos
pedagógicos de construção do significado, da sala de aula para qualquer ambiente
no qual esteja representado um espaço comum e/ou diferente. Toma os conceitos
de diálogo e os multiplica de forma que possa ocorrer a criação de um mapa
interno e externo, bem como a capacidade de compartilhar e discutir as diferenças
que esses mapas manifestam. A meu ver, o espaço comum que representa o
discurso do mapeamento como grupo, oferece os meios para transformar
coordenadas ontológicas e epistemológicas e introduzir novas coordenadas. Assim,
os atores do discurso devem estar engajados na construção de uma forma
profundamente significativa de criar conhecimento, ou talvez até mesmo de
resolução de problemas, de um modo que permita a expressão pessoal, bem como
a interação coletiva com outros no discurso.
Rolland Paulston assumiu como obra de sua vida a construção e a reconstrução
de perspectivas de conhecimento, para que sejam ou venham a ser cada vez mais
reflexivas e inclusivas. Indo além dos debates conflitantes entre modernos e pós-
modernos, ortodoxias e heterodoxias, o autor olhou para o futuro do trabalho
acadêmico internacional em relação a sua heterogeneidade: redes e sinergia. Isso é
uma manifestação da crença em múltiplas realidades, com espaço para grandes e
pequenas histórias, multidimensionais, complexas, mutáveis e incorporadas, em
que relações intertextuais assumem o que as metanarrativas omitiram. Dessa forma,
passamos de histórias compartilhadas e isolacionistas – as grandes histórias dos
sistemas nacionais e dos movimentos sociais, e interrupções de pequenas
divergências e outras histórias, ou mininarrativas – para um processo de sinergia e
um discurso em contínua transformação.
Pequenas e grandes histórias 661
que devemos conter e disciplinar o campo sob a forma de uma comunidade mais
segura e previsível certamente compreendem que não há caminho de volta, porque
o passado nunca foi estático, e porque os conteúdos, as pessoas e os lugares da
educação comparada são diversificados. A comunidade de estudiosos da educação
comparada está globalmente engajada, seja em conflito ou em harmonia. Na
verdade, a identidade da maioria deles é plural em termos culturais, étnicos e talvez
até mesmo éticos.
É assustador pensar nas histórias inimagináveis que aguardam representação;
mapear o inimaginável é imprevisível, desconfortável. Tomando Rolland Paulston
e Peter Ninnes por modelo, quero propor o desafio de permitir que os processos
autoconscientes e tendenciosos de multiálogo passem a ser uma escolha
metodológica, e não uma escolha de consolidação teórica com o objetivo de tornar-
se um método. Dessa forma, a teoria passa a ser um veículo rumo a desenlaces
imprevisíveis da pesquisa. Dito de forma simples, é preciso começar de algum lugar,
que será necessariamente e reconhecidamente míope e limitado, mas intensamente
subjetivo e íntimo, portanto inestimável. Depois, na conceituação de Paulston,
continuamos a pensar sob a perspectiva de um mapa circular e simplificado,
tornando o ponto de partida de pesquisa apenas vestigial em sua linearidade,
focalizando, não a finalização (embora conclusões venham a ser obtidas), mas a
continuação e a aprendizagem por meio do debate e do discurso. Ao final, serão os
estudantes de educação comparada que afastarão fronteiras de forma significativa,
mas somente se houver liberdade para assumir o impossível, o subversivo e o
impensado, e a alternativa, qualquer que seja. No nível mais superficial, isso
significaria a incorporação da reflexividade em cada evento de ensino, perguntando
a cada pesquisa: “qual é a alternativa? onde está e quem é o invisível?”, como faz
Susan Star (1991) em seu ensaio sobre a “Sociologia do invisível”, sendo capaz de
nomear alternativas conhecidas, e em seguida, permitir que outras possibilidades
nomeiem a si próprias. Isso não implica, de forma alguma, que o “pós” alguma
coisa seja a nova e deslumbrante direção que deveríamos desejar seguir. Apenas
reforça que não devemos permanecer à mercê de uma ou outra ortodoxia. No
entanto seria necessário um espírito acadêmico de muita coragem para colocar a
paisagem do contexto (o presente múltiplo), da história (o passado múltiplo) e da
abstração (os múltiplos futuros possíveis) a serviço da aprendizagem, acima do
atendimento da agenda ou do ego. É uma direção conturbada, mas, acredito,
infinitamente criativa. Os defensores da obediência aos textos sagrados podem fazê-
lo devido à previsibilidade do método e da investigação. Se previsibilidade significa
estar a salvo, é claro, fiquemos a salvo. Não deveríamos então estar a salvo sendo
diferentes e divergindo, e não deveríamos ter um espaço seguro no qual incluir
essas diferenças? Como qualquer campo de investigação transcultural, a educação
comparada merece pelo menos isso.
664 Mehta
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75
Introdução
É fascinante a diferença entre China e Japão na história da educação comparada.
Evidentemente, os dois países compartilham muitos aspectos de história cultural,
principais sistemas de crenças e alguns aspectos de tradição governamental
(inclusive a tradição de premissas confucionistas a respeito de harmonia política e
social). No entanto as histórias individuais (mas que se sobrepõem) dos dois países
são acentuadamente distintas, e os levaram a direções radicalmente diversas em
vários momentos do final do século XIX e ao longo do século XX.
É possível oferecer uma análise justaposta sobre esses desenvolvimentos, mas,
paradoxalmente, escrever as histórias é uma tarefa para o futuro: será necessário
muito trabalho para definir e discutir essas histórias de forma séria e comparativa.
Já existe um grande volume de trabalhos sobre as várias educações comparadas
da Europa, ou da Europa e da América do Norte. Certamente, com a reunião de
análises individuais de educação comparada para diversos países e sociedades
profissionais, começam a ser compilados os tipos básicos de informação que
permitem reflexão.
No entanto ainda estamos longe de apreender as sociologias e geografias
comparadas da educação comparada: de que modo se modificam ao longo do
tempo a forma e o estilo da educação comparada, sob o efeito de políticas e
sociologias de contextos específicos?
671
672 Wang, Dong e Shibata
O estágio da pré-história
Na China Antiga, havia discussões sobre educação sob uma perspectiva
comparativa e, em estágios posteriores, difundiram-se artigos ou relatos de viajantes
sobre a educação estrangeira. Dificilmente se pode dizer que houvesse nesse estágio
algum estudo comparativo em educação. Durante o período da Primavera e do
Outono (770-476 a.C.), os registros históricos mostram que Confúcio e Mêncio
fizeram comparações entre políticas, culturas e educação das dinastias Xia, Shang
e Zhou (WANG, 1999). No sétimo século da dinastia Tang, as obras de Huang
Zunxiang – “Registros sobre o Japão” – e de Xuan Zang – “Registros sobre regiões
ocidentais” – (602-664) apresentaram um quadro geral sobre a educação no Japão
e na Índia (LI, 1983; WU; YANG, 1999; WANG, 1999). Os intercâmbios de
cultura e educação com países vizinhos, como Coreia, Japão e Índia, remontam à
dinastia Han (202 a.C.).
A introdução detalhada da educação estrangeira na China começou nos últimos
anos do século XVI e prosseguiu no século XVII, principalmente por meio dos
missionários ocidentais, sob a forma escrita (LI 1983; WU; YANG, 1999). Os
sistemas educacionais, métodos de ensino e história da educação ocidental
tornaram-se cada vez mais populares na China, o que, no século XIX, resultou em
um grande e prolongado debate em todo o país.
No final do século XIX e início do século XX, começou nos círculos intelectuais
o debate de âmbito nacional sobre o quê e como aprender e a tomar emprestado
as experiências estrangeiras, entre as quais a educação. Teve início igualmente a
experimentação, na educação, de todos os estilos de vida e de práticas copiados de
sistemas educacionais estrangeiros. O debate sobre “essência chinesa,
funcionamento ocidental” (Zhong Ti Xi Yong), que se baseava na noção de que
“os orientais veneram Dao [a civilização espiritual], e os ocidentais veneram
técnicas” (a civilização material) chegou ao auge durante o Movimento de 4 de
Maio – um novo movimento cultural. Até certo ponto, tratava-se de um
movimento contra a tradição, anticonfucionista. A recusa a tudo que fosse
estrangeiro era tomada como um dos maiores obstáculos que impediam o progresso
da China na direção da modernização. Em resposta, foi formulada a estratégia de
Democracia e Ciência Ocidental. Durante esse período, a educação comparada
conquistou reconhecimento gradualmente dentro do campo mais amplo de estudos
educacionais (CHENG, 1985; WU; YANG, 1999).
Diversos artigos, livros traduzidos e até mesmo materiais de ensino de caráter
descritivo e introdutório sobre educação estrangeira foram publicados e adotados.
A primeira publicação realmente sobre educação comparada aparece já em 1901
(final da dinastia Qin), em uma revista intitulada “Educação mundial”. No mesmo
ano, foi adotado um compêndio de ensino em quatro volumes, que introduzia a
educação (praticada) por Alemanha, França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Japão,
desenvolvido pelo departamento provincial de educação de Hubei. Outra
publicação, organizada por Lu Feikui, em 1911 (LI 1983; CHENG, 1985), foi o
“Status quo da educação mundial”. As três publicações deram início aos estudos
comparativos nesse campo. Nos anos seguintes, foram publicados mais de 40 livros
de educação comparada, organizados ou traduzidos por acadêmicos chineses. Luo
e Wei traduziram o trabalho de Kandel sobre educação comparada (CHENG,
1985; WU; YANG, 1999). A publicação introduziu na China a metodologia de
educação comparada, amplamente adotada por acadêmicos chineses desse campo.
Nesse estágio, todas as publicações sobre educação comparada focalizavam
principalmente a introdução da educação ocidental, ao lado dos achados de
pesquisas da educação comparada ocidental.
Mudanças e desenvolvimentos em
educação comparada depois de 1949
Diferentemente da tradição ocidental de educação comparada (em meu
entendimento, os estágios de desenvolvimento da educação comparada em países
ocidentais estão mais ou menos associados aos trabalhos publicados pelos
acadêmicos mais eminentes do campo), depois de 1949, quando da fundação da
nova China, os desenvolvimentos da educação comparada chinesa estão
estreitamente associados às mudanças políticas, sociais e culturais no país, o que
pode ser caracterizado de forma aproximada em quatro estágios, representados por
alterações rápidas de direção.
O primeiro estágio vai de 1949 a 1957, um período de nacionalização e
reorganização. Esse estágio presenciou um processo de apropriação do sistema
educacional e das instituições do antigo regime da república – e a formulação de um
controle altamente centralizado da educação. O sistema educacional, e aspectos como
organização e estrutura, teorias e práticas educacionais, e até mesmo currículos e livros
didáticos eram padronizados exclusivamente segundo o modelo soviético. A educação
comparada chinesa não foi exceção. Uma vez que não existia educação comparada
na União Soviética, a educação comparada foi abolida na China, tanto como
disciplina independente quanto como conteúdo de ensino (LI, 1983; CHENG,
1985). Os estudos e os pesquisadores educacionais focalizavam exclusivamente o
sistema soviético. Na década de 1950, foi grande o número de trabalhos soviéticos
Educação comparada em dois contextos asiáticos 675
educação (LI, 1983; WANG, ZHU; GU, 1985; GU, 2005). Paralelamente, o foco
de pesquisa incluiu também materiais de segunda mão sobre educação estrangeira,
para que as informações e os dados que poderiam ser úteis para a reforma e o
ajustamento da estrutura educacional do país fossem processados e analisados para
atender a necessidades práticas.
Acompanhando a defesa cada vez maior de políticas nacionais de abertura, os
intercâmbios internacionais de pessoal e de documentação foram significativamente
estimulados e acelerados. Os profissionais do campo da educação comparada tiveram
amplas oportunidades de estudar e pesquisar em países de seu interesse, utilizando
materiais de primeira mão e suas próprias experiências. A diversificação foi a
principal característica do estágio da década de 1990. Os focos e os temas da
educação comparada foram amplamente expandidos e tornaram-se mais específicos.
Além do estudo de teorias e práticas de reformas estruturais da educação em outros
países, foram abordados temas como tradição cultural e modernização educacional,
educação e economia de mercado, educação e progresso social etc. Ocorreu também
uma diversificação em termos de teorias e abordagens adotadas no campo da
educação comparada. Foram traduzidos e publicados na China inúmeros livros sobre
educação comparada, oriundos principalmente de países ocidentais. Ao mesmo
tempo, foi estimulada a adoção de nossos próprios métodos e de nossas próprias
filosofias nos estudos comparativos, que passaram a ser mais analíticos do que
descritivos. A educação comparada chinesa entrou em um estágio de estudos
temáticos. Em outras palavras, a pesquisa em educação comparada deslocou-se “de
pesquisas macro, como os estudos de sistemas, para um nível micro, isto é,
currículos, modos e métodos de ensino etc. – todos estreitamente relacionados com
a reforma e o desenvolvimento da educação na China” (GU, 2005).
A diversificação evidencia-se também nas publicações de educação comparada.
Publicações e resultados de pesquisa sobre uma grande variedade de tópicos foram
produzidos em grande número. Desde a década de 1980, as publicações nesse
campo podem ser agrupadas em quatro categorias: (1) materiais de ensino para
instituições de ensino superior, sendo as mais importantes “Educação comparada”,
organizada pelos professores Wang, Zhu e Gu, primeiro material de ensino
publicado desde 1949, sendo a primeira edição de 1982 e a segunda, de 1985; e
outra, intitulada “Pedagogias comparadas”, desenvolvida e organizada por Wu e
Yang em 1989, e revisada em 1999; (2) trabalhos de pesquisa abrangentes e
temáticos – isto é, uma breve história em três volumes sobre os estudos
comparativos de educação chinesa e estrangeira, organizada por Zhang e Wang em
1979 – um trabalho pioneiro sobre educação comparada chinesa, que visa a situar
a análise comparada da história da educação chinesa e estrangeira em um quadro
de referência amplo de contextos históricos e culturais mundiais, e que se espera
que ofereça bases teóricas e práticas para a reforma educacional na China; (3)
coletâneas e artigos traduzidos; e (4) séries, das quais as mais influentes são
678 Wang, Dong e Shibata
Japão: introdução
[Masako Shibata]
Esta parte do capítulo tenta traçar a história da educação comparada no Japão.
No caso do Japão e em outros lugares, o surgimento e a atuação do estudo
comparativo não tiveram lugar necessariamente na universidade. As ideias e a
atuação dos estudos comparativos foram esboçadas essencialmente no processo de
construção, destruição e reconstrução do Estado e da sociedade modernos. A partir
desse referencial analítico, entendo que a educação comparada como campo de
estudos é um projeto moderno. Portanto, este capítulo sobre o Japão parte de
minha compreensão sobre o desenvolvimento desse país como Estado moderno,
antes de examinar de que forma o estudo foi moldado como campo acadêmico na
3. NT: Comprehensive University – instituição de ensino superior que abrange grande variedade de áreas
científicas, de artes e humanidades e profissionais.
680 Wang, Dong e Shibata
Considerações finais
O que é interessante (entre outras coisas, nesses relatos justapostos) é a maneira
pela qual ocorre uma mescla de educação comparada como ação e como modo de
pensar. Evidentemente, esses temas podem ser encontrados em toda parte (por
exemplo, nos Estados Unidos ou na França), mas as histórias dramáticas de
modernização e remodernização na China e no Japão tornam o tema muito complexo.
Também fascinante é a forma pela qual as políticas de guerra e revolução afetam
o que é visto como educação comparada. Essas histórias potenciais são diferentes
das mudanças identificadas por alternâncias entre escolas de pensamento, de
disputas sobre método, de conflitos a propósito do declínio e da queda de
departamentos ou de periódicos, que são parte integrante da literatura sobre
educação comparada no norte da Europa e da América do Norte.
Em terceiro lugar, com base nesses relatos (justapostos acima), um tema
fascinante para pesquisas futuras é a questão: o que acontece quando é visível e
forte a associação entre educação comparada e Estado? De que forma o Estado
Educação comparada em dois contextos asiáticos 687
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76
Eleftherios Klerides
Introdução
As noções de nacionalidade e de identidade cultural têm sido há muito tempo
temas fundamentais da educação comparada (EC) (MASON, 2006; NINNES;
NURNETT, 2004; TIKLY, 1999). Na literatura produzida nesse campo pelo menos
desde o início do século XX, essas noções aparecem seja como hipóteses subjacentes,
seja como objetos de estudo. São parte importante do capital profissional e
intelectual do trabalho de educadores comparativistas, a ponto de se afirmar que
estão entre ideias-unidade do campo (COWEN, 2002a; COWEN, 2002b).
Recentemente, Cowen (2002b, 1996) fez um apelo por uma revisão na
abordagem dessas ideias-unidade na EC. A necessidade de renegociá-las faz parte
de um apelo mais amplo pela renovação do campo no novo milênio (NINNES;
MEHTA, 2004; KAZAMIAS, 2001; CROSSLEY, 2000; BROADFOOT, 2000;
WATSON, 1999). Acredita-se que esse apelo seja determinado por um mundo
transformado ou em transformação – nas palavras de Kazamias, “o novo cosmo da
modernidade tardia” (KAZAMIAS; 2001, p. 439), – e, principalmente, pelo que
é visto como uma necessidade premente de incorporar à pesquisa educacional
comparativa as novas e complexas visões de identidade, cultura e nação, que
emergiram ou estão emergindo principalmente por meio do pós-estruturalismo,
do pós-modernismo e do pós-colonialismo (NINNES; MEHTA, 2004; NINNES;
BURNETT, 2004; COWEN, 2002b; TIKLY, 1999).
Ainda que o mundo tenha-se transformado ou esteja em transformação, isso
não significa necessariamente que as perspectivas mais antigas sobre essas ideias-
unidade devam ser automaticamente abandonadas. Sua renegociação não implica
o desenvolvimento de um pensamento a-histórico. Antes, a prática de sua
redefinição deve ser vista “como consolidação e maturidade que constroem de
forma cumulativa, confiante e crítica a partir de realizações passadas” (CROSSLEY,
2000, p. 239). Assim, a interpretação histórica desses conceitos do campo deve ser
revista, para determinar quais ideias podem ser mantidas, quais devem ser
readaptadas e quais devem ser descartadas.
Este capítulo procura contribuir para a reconceituação dessas ideias-unidade da
EC, por meio de um envolvimento crítico tanto com as tradições do campo quanto
689
690 Klerides
caráter nacional era descrito como “a totalidade das disposições de pensar, sentir e
comportar-se peculiares a certo povo e nele disseminadas, e manifestadas com maior
ou menor continuidade ao longo das gerações” (MALLISON, 1975, p. 14). Os
exemplos em seu trabalho multiplicam-se: a identidade de uma sociedade “é o
modo de vida total daquela sociedade” e “compreende tudo o que é herdado”; “é
uma expressão de continuidade, uma percepção da extensão de um povo no tempo,
em número e no espaço”; e “baseia-se em uniformidade de costumes e maneiras
com prolongada continuidade” (MALLISON, 1975, p. 7, 263-264).
Resumindo até aqui, as noções em discussão eram vistas nessa literatura comparada
inicial como entidades essenciais, homogeneizadas, fixas e perenes. Sua concepção
específica é uma manifestação da colonização da EC pelo paradigma chamado de
primordialista e perenialista no estudo da nacionalidade e do nacionalismo
(ÖZKIRIMLI, 2000; SMITH, 1999). Por outro lado, essa leitura da identidade
nacional e da nação produziu e legitimou: (a) certos pontos de vista sobre a natureza
da educação e seus objetivos; (b) a forma pela qual eram moldados os sistemas
nacionais de educação e o conhecimento educacional; e, portanto, (c) certo tipo de
educação comparada com ênfases e prioridades particulares em termos de pesquisa.
Uma vez que nação e identidade eram vistas como unidades essenciais, eram
por outro lado, consideradas como existentes independentemente das práticas
escolares; e se existiam antes dessas práticas, um sistema nacional de educação não
era mais do um mero reflexo delas. A afirmação de Kandel ilustra esse ponto: “cada
sistema nacional de educação é característico da nação que o criou, e expressa algo
peculiar ao grupo que constitui aquela nação” (KANDEL, 1993, p. xxiv). Hans
reitera Kandel, enfatizando que os sistemas educacionais “são a expressão exterior
do caráter nacional e, como tal, representam a nação em contraste com outras
nações” (HANS, 1958, p. 9).
Assim, o objetivo principal da educação nacional era proteger, preservar e
transmitir a chamada herança cultural de uma nação e, por meio dessa herança,
promover entre os cidadãos um sentimento de pertencimento nacional, garantindo
a continuidade cultural da nação. Um exemplo dessa linha de pensamento é
oferecido por Mallison: “é por meio da educação dos imaturos que cada sociedade
luta para proteger e perpetuar suas tradições e aspirações” (MALLISON, 1975, p.
8). Da mesma forma, Kandel fala de educação em termos de “transmissão da
herança cultural que foi considerada necessária para a preservação da sociedade”
(KANDEL, 1933, p. 365). Sob esse ponto de vista, a educação era uma instituição
na qual as crianças de um país eram assimiladas na cultura nacional e aprendiam
a forma de ser nacionalmente. Essa forma de socialização nacional baseava-se na
suposição de que as crianças já eram sujeitos étnicos, mas que sua realização integral
deveria ser alcançada pela educação.
Uma vez que eram concebidas como entidades determinadas, as mentalidades
e tradições nacionais e sua trajetória histórica tendiam a ser tratadas na EC como
Identidades culturais nacionais, análise de discurso e educação comparada 693
“as coisas fora da escola” (SADLER, 1964, p. 310), “forças espirituais e culturais
intangíveis, impalpáveis” (KANDEL, 1933, p. xix) ou os fatores (HANS, 1958)
que afetam a configuração da educação. Colocado de outra forma, a escola de
pensamento de forças e fatores abordava o contexto cultural e a história do contexto
cultural no qual a educação estava inserida em termos de uma narrativa causal
(COWEN, 2002a; KAZAMIAS, 1961): eram os determinantes e as causas de
certas formas de conhecimento e de sistemas educacionais nacionais.
Assim, como forma de pesquisa e abordagem ao conhecimento, sob o impacto
das alegações nacionalistas do primordialismo e do perenialismo, a EC era concebida
como uma episteme multidisciplinar dedicada ao estudo da educação em seu contexto
cultural e histórico mais amplo (KAZAMIAS, 1961, 2001; COWEN, 1996, 2002a).
Esse ponto talvez seja mais ilustrado com maior clareza pelo trabalho de Mallison.
Esse autor definia a pesquisa e o estudo comparativos em educação como
um exame sistemático de outras culturas e outros sistemas educacionais derivados dessas culturas,
para descobrir semelhanças e diferenças, causas subjacentes às semelhanças e diferenças, e por
que (e com quais resultados) eram experimentadas soluções diferentes para problemas que
frequentemente são comuns a todos (MALLISON, 1975, p. 10).
(a) quais meios e recursos particulares são empregados para construí-las; e (b) quais
elementos constituem a metanarrativa da nação. A tarefa dos parágrafos seguintes
é oferecer um panorama desses desenvolvimentos mais recentes no estudo do
nacionalismo.
O ponto de partida da discussão é a tese de Anderson de nações como
“comunidades políticas imaginadas”. Para ele, todas as nações são necessariamente
imaginadas, porque se estendem para além da experiência imediata – abrangem
muito mais pessoas do que aquelas das quais seus membros têm conhecimento
pessoal, e muito mais lugares do que já visitaram. Como abstração, a nação é
imaginada como finita, delimitada, autônoma e horizontalmente uniforme:
A nação é imaginada como limitada, porque mesmo a maior delas, envolvendo talvez um bilhão
de seres humanos, tem fronteiras finitas, ainda que elásticas, para além das quais situam-se outras
nações [...] É imaginada como soberana porque [...] as nações sonham em ser livres e, caso
estejam submetidas a Deus, essa submissão é direta[...]. Por fim, é imaginada como uma
comunidade, porque, independentemente da desigualdade e da exploração efetivas que nela
possam prevalecer, a nação é sempre concebida com uma camaradagem profunda e horizontal
(ANDERSON, 1983, p. 7).
Bhabha assinala que um dos modos de representação que têm sido utilizados
para produzir e fazer circular a imagem de nação é a narrativa. “Nações, tal como
narrativas”, escreve ele,
têm suas origens perdidas nos mitos de tempo, e só reconhecem inteiramente seus horizontes com
os olhos da mente. Essa imagem de nação – ou narração – pode parecer impossivelmente romântica
e excessivamente metafórica, mas é dessas tradições de pensamento político e linguagem literária
que a nação emerge como uma ideia histórica poderosa (BHABHA, 1990, p. 1).
forma, Bauman vê a identidade “como uma tarefa inconclusa, ainda não terminada”,
um conceito que “está fadado a permanecer não apenas eternamente irrealizado,
mas também para sempre precário” (BAUMAN, 2004, p. 20-21). Hall também
fala da identidade como uma formação em estado de fluxo constante, e da
construção de identidade como “um processo sempre incompleto – sempre ‘em
processo’. A identidade não é determinada, no sentido de que sempre pode ser
ganha ou perdida, mantida ou abandonada” (HALL, 1996a, p. 2). Hall enfatiza
ainda que as mudanças na forma e no tipo de uma identidade sempre estão
associadas às “suas condições determinadas de existência”, entre as quais se incluem
recursos materiais e simbólicos.
Se a identidade nacional é vista agora como produto de representação narrativa,
a questão é “o conjunto de ideias e compreensões que veio a cercar o significante
‘nação’ nos tempos modernos” (SUNY, 2001, p. 870). Sugere-se que uma
identidade construída narrativamente contém quatro elementos principais.
O primeiro pilar é a noção de espaço nacional comum: “uma nação é mais do
que uma comunidade imaginada de pessoas, pois também é preciso imaginar um
lugar – uma terra-mãe” (BILLIG, 1995, p. 74). O corpo geográfico da nação é
articulado de diversas maneiras (SMITH, 2003, 1986) – como uma terra natal
sagrada, uma entidade unificada que começa e termina em fronteiras demarcadas,
para além das quais se situam outros territórios nacionais. É imaginada como uma
terra histórica ancestral, uma terra que pertence espiritualmente e organicamente
a seu povo, como o povo à sua terra. É imaginada ainda como uma terra única,
peculiar, bela e autossuficiente, o que separa o que é “nosso” do que é “deles”.
Em segundo lugar, há um tempo nacional coletivo na representação narrativa das
identidades nacionais. “Se as nações existem no espaço”, sugere Smith, “estão
igualmente ancoradas no tempo” (SMITH, 2003, p. 166). O tempo nacional é
frequentemente segregado em três elementos – passado, presente e futuro
compartilhados. É representado como se estendendo no passado, em um nevoeiro
de obscuras gerações de ancestrais, e no futuro, nas gerações igualmente
incognoscíveis de descendentes (CALHOUN, 1997; MILLER, 1995; SMITH,
1986). Entre essas três facetas do tempo, Hobsbawm privilegia o passado na
construção da nacionalidade: “o que faz uma nação é o passado; o que justifica
uma nação contra outras é o passado, e os historiadores são aqueles que o
produzem” (HOBSBAWM, 1996, p. 255). Em qualquer historicidade nacional,
há certo número de temas recorrentes – a unicidade do povo, a superioridade de
sua cultura e de seu caráter, sua pureza racial e cultural, sua longevidade, a
importância de sua autonomia, e os efeitos negativos da heteronomia (BERGER
et al., 1999).
Um terceiro aspecto da identidade é a ideia de uma cultura nacional
compartilhada. Escreve Gellner que “o homem [sic] moderno, o que quer que ele
[sic] diga, não é leal a um monarca, a uma terra, a uma fé, e sim a uma cultura”
Identidades culturais nacionais, análise de discurso e educação comparada 699
termos de uma dialética: as coisas internas são constituídas pelas coisas externas, mas,
ao mesmo tempo, as constituem. Portanto, para que a EC leve em conta as novas
complexidades da formação de identidade, qualquer instância educacional de
constituição de identidade deve ser pensada agora como “a inserção da história
(sociedade) em um texto, e desse texto na história” (KRISTEVA, 1986, p. 39). Por
“inserção da história em um texto”, entende-se que a identidade absorve e é
construída a partir de convenções disponíveis em uma sociedade e em sua história,
estando, dessa forma, envolvida na realização de continuidade com o passado e de
reprodução. Por inserção desse texto na história entende-se que a identidade trabalha
novamente os sentidos disponíveis naquela sociedade e, ao fazê-lo, ajuda a fazer
história, contribuindo para processos de mudança na imagem do Eu nacional.
Além disso, e mais uma vez acompanhando as novas teorias de construção de
identidade, a relação da educação com o contexto cultural e com a história desse
contexto não deve ser concebida ou examinada em bases deterministas – “forças e
fatores espirituais e culturais intangíveis, impalpáveis” como determinantes de
formas de educação e de conhecimento. Ao invés, esse tema da literatura histórica
comparada deve ser reconceituado com base na ideia de possibilidade – “forças
espirituais e culturais intangíveis, impalpáveis” como condições para a articulação
de certas narrativas nacionalistas e, ao mesmo, delimitadoras da possibilidade de
outras formas de representação e construção do conhecimento sobre o Eu. Esse
ponto será revisitado e explicado com maior clareza mais adiante neste capítulo.
Com base em um envolvimento crítico tanto com as tradições do campo quanto
com as novas perspectivas sobre identidades e nacionalidade, podem ser esboçadas
agora diversas novas prioridades de pesquisa.
É necessário que a EC comece a questionar as noções de nacionalidade e
identidade cultural em diferentes contextos nacionais. O ponto de partida desse
processo seria uma interpretação dessas noções como produtos do discurso e da
linguagem, materializados em currículos, textos sobre políticas, livros didáticos ou
práticas em sala de aula. Desse insight emerge uma grande variedade de novos temas
de pesquisa. São particularmente relevantes, por exemplo, o estudo das maneiras
pelas quais as nacionalidades são construídas como unidades primordiais, nações e
culturas são apresentadas como homogêneas, continuidade e singularidade são
enunciadas, distinções entre o Eu e os Outros são constituídas, identidades são
apresentadas como entidades eternas e naturais. A implicação aqui para a EC é
envolver-se em investigações sobre as formas pelas quais essas ideias nacionalistas
– unidade, atemporalidade, unicidade, diferença e assim por diante – são
construídas em diferentes lugares. Essa abordagem, que focaliza o como, e não o
quê, não é uma prática usual na EC e em outros campos educacionais. Na literatura,
identidades nacionais e nacionalidade são estudadas frequentemente por meio de
métodos de análise de conteúdo que negligenciam o papel da linguagem na
constituição do conteúdo (OTEIZA, 2003).
Identidades culturais nacionais, análise de discurso e educação comparada 703
Uma última área de pesquisa comparativa abordada aqui deriva da visão de que
identidade nacional é contingente ao contexto ideológico, político, sociocultural e
histórico no qual está inserida, e é constitutiva desse contexto de modos criativos
ou normativos. Essa visão implica a necessidade de explorar tanto o papel atribuído
à educação na modelação e na transmissão de certas percepções de nacionalidade,
quanto as condições para a (re)produção de certos estilos de identidade. O exame
da condicionalidade deve tentar captar e ilustrar tanto a unicidade como a
interdependência das culturas. Algumas das complexas conexões entre constructos
educacionais de identidade e as condições mais amplas nas quais se relacionam
podem ser reveladas por meio da análise do discurso.
banal são frequentemente as mais curtas: ‘nós , ‘isto’ e ‘aqui’, que são as palavras
da dêixis linguística” (BILLIG, 1995, p. 94). Isso significa que se espera que
um determinado discurso nacionalista construa narrativas sobre o tempo
nacional, o espaço nacional, o habitus nacional e a cultura nacional, assim como
sobre continuidade, diferença, singularidade, autonomia, de modos específicos
realizados linguisticamente por meio de escolhas específicas de vocabulário.
Essa estrutura tripartida para a identificação e a descrição de identidade, baseada
na análise dos conteúdos, estratégias e formas de linguagem nacionalistas, é
ilustrada por exemplos de minha própria pesquisa sobre identidade nacional e
historiografia escolar no Chipre e na Inglaterra.
O excerto a seguir é extraído de um livro didático grego cipriota. Ele codifica
leituras particulares do passado e do presente na comunidade grega de Chipre,
assim como de seu habitus, seu destino, sua terra e sua cultura. Essas leituras
associam-se a três estratégias – a estratégia de ênfase na continuidade, da diferença
e da unidade –, e tanto conteúdos como estratégias são constituídos e comunicados
por meio de certos recursos linguísticos:
Muitos povos (ou grupos) passaram pelo Chipre ou o conquistaram: fenícios, assírios, egípcios,
persas, ptolemaicos, romanos, árabes, cruzados, francos, venezianos, turcos e ingleses. Entretanto,
os habitantes preservaram seu caráter grego, que se havia formado desde que os micênicos
estabeleceram-se na ilha, no final da Idade Tardia do Bronze; isso se evidencia no idioma tanto
quanto na tradição.
Outros que tentaram modificá-lo ou destruí-lo. Isso, por sua vez, relaciona-se com
a mensagem implícita sobre Chipre como uma terra grega, tanto no presente
quanto no decorrer da história, bem como com uma perspectiva específica sobre a
natureza e o habitus do Eu – “nós” somos uma comunidade cultural grega, com
idioma e tradições compartilhados, e teimosamente leais a eles, dispostos inclusive
a lutar por sua manutenção contra povos poderosos.
As categorias de conteúdo do discurso também são valiosas para esboçar os
diversos estilos com os quais as identidades são imaginadas diacronicamente e
sincronicamente nas várias culturas. Isso pode ser ilustrado com o passado. Nas
histórias inglesas, dois dos principais aspectos da representação do passado nacional
são aqueles que em minha análise identifiquei como a “vertente narrativa do
crescimento constitucional” e a “vertente narrativa do expansionismo imperial”.
Em contraste, as histórias greco-cipriotas, como mencionado acima, promoviam o
passado como um passado de preservação da cultura grega na ilha. A construção
do passado no estilo grego dominou a historiografia na escolarização greco-cipriota
desde as primeiras décadas do século XX. Depois da divisão territorial do Chipre,
em 1974, foi acrescentada uma nova narrativa aos padrões existentes. Trata-se da
vertente da heteronomia e da autonomia, que conta a história de um povo cipriota
que luta contra grandes potências pela sobrevivência física e pela liberdade.
As categorias de conteúdo também podem ser importantes para revelar os temas
de fragmentação, ambivalência, dilemas e hibridização que caracterizam a
constituição da identidade. Nos relatos ingleses, por exemplo, a narrativa de
crescimento constitucional promove uma nação democrática, inicialmente inglesa
e depois britânica (com a criação do Reino Unido) que, com o passar do tempo,
ampliou suas liberdades. Na narrativa expansionista, o Eu também é articulado de
forma ambígua: por um lado, existe a imagem de uma nação inglesa poderosa e
progressista, que conseguiu submeter ao controle inglês seus vizinhos celtas fracos
e atrasados; por outro, a imagem de uma nação britânica civilizada e superior, que
abraçou a missão de difundir a civilização junto a povos incivilizados e inferiores.
Da mesma forma, a coocorrência da narrativa de preservação cultural grega e a
narrativa cipriota de heteronomia e autonomia nas histórias greco-cipriotas depois
de 1974 também exemplificam a natureza heterogênea, fragmentada, ambivalente
e dilemática da identidade. Cada uma dessas duas vertentes promove uma posição
diferente de identificação nacional: uma posição grega – a narrativa de preservação
cultural grega, por meio da qual o Eu é construído como um povo grego que é
parte inseparável da comunidade helênica; e uma posição cipriota – a narrativa de
autonomia e heteronomia, por meio da qual o Eu é visto como um povo cipriota
independente e diferente da comunidade mais ampla do helenismo.
Ambivalência e heterogeneidade podem ser estudadas também por meio do
tema discursivo da realização linguística. Isso é ilustrado por um excerto de um
livro didático inglês de 1966, que também indica a persistência da construção
708 Klerides
Nessa passagem, não está claro se os termos “país” e “nação”, o dêitico “nós” e
o pronome possessivo “nosso” denotam o povo inglês ou o povo britânico. Isso
decorre do fato de que o texto mistura elementos do discurso da identidade inglesa
– a historicidade whig, que se manifesta, por exemplo, no episódio da Guerra Civil
– e elementos do discurso da identidade britânica – o Parlamento britânico como
representante da vontade da nação, e a lei britânica como guardiã das liberdades
nacionais. Da mesma forma, o termo “Grã-Bretanha” parece ambivalente quanto
a referir-se à Grã-Bretanha ou à Inglaterra, salientando o chamado enigma da
identidade nacional na Inglaterra – britânico ou inglês? (KUMAR, 2003). Esse
exemplo indica também que a meta da análise de discurso de ler nas entrelinhas só
pode ser alcançada por meio de uma combinação de análise linguística detalhada
do texto e insights explanatórios de outras disciplinas sociais (FAIRCLOUGH,
2003; REISIGL; WODAK, 2001).
A noção de realização linguística também é útil para traçar as diferentes
formações de identidade de acordo com a audiência e, de modo geral, a ideia de
múltiplas identidades nas práticas educacionais de significação. Essa noção inclui
o ponto de vista de que ainda que uma certa proposição ou estratégia seja a mesma
em dois casos diferentes de formação de identidade, sua realização na linguagem
pode diferir. Um exemplo é a diferente realização linguística da ideia de preservação
da cultura e da identidade gregas ao longo do tempo nos livros didáticos da escola
elementar e secundária. As histórias greco-cipriotas para a escola elementar
frequentemente comunicam essa ideia por meio de uma linguagem simples – por
exemplo, com verbos e advérbios que denotam continuidade e com tempos verbais:
“os cipriotas continuaram a amar a Grécia. Esse amor nunca deixou de existir”. A
mesma mensagem muitas vezes é expressa nos livros didáticos para o ensino
secundário por meio de frases nominais abstratas – “A continuidade do helenismo
sob condições extremamente adversas” – ou por negação: “Mas, apesar de todo o
sofrimento que os ataques árabes provocaram para os greco-cipriotas, não
produziram efeito algum sobre seu caráter grego”.
1. NT: Whig – referente ao pensamento de um partido político inglês (século XVIII a meados do século XIX)
que posteriormente se tornou o Partido Liberal.
Identidades culturais nacionais, análise de discurso e educação comparada 709
Por meio de referências temporais, esse extrato adota o locus da diferença para
projetar duas compreensões sobre a relação entre o império e os povos nativos. A
primeira é a leitura do século XIX (ainda evidente em sua maior parte no século
XX) de que o Império trouxe a esses povos os benefícios da civilização. A segunda
é a visão da década de 1970 em diante, de que o Império não necessariamente os
beneficiou. O que conecta essas duas interpretações históricas é a mudança – da
antiga certeza de que o Império era favorável aos povos colonizados, para uma nova
visão de que o Império não foi necessariamente benéfico para esses povos.
As estratégias de distanciamento/envolvimento e de mitigação/intensificação
também são muito valiosas, especialmente quando se examina comparativamente
a maneira pela qual escritores ou locutores posicionam-se em relação a discursos
representados sobre nacionalidade, e o modo como ouvintes ou leitores são
chamados a identificar-se com eles. Isso também é ilustrado por exemplos de minha
própria análise das historiografias escolares no Chipre e na Inglaterra, notadamente
em relação à forma pela qual expressões estereotípicas aparecem nos livros didáticos.
Considerem-se dois extratos:
1. Os irlandeses vivem como animais, são mais incivilizados, sujos e bárbaros em
seus costumes do que em qualquer outra parte do mundo (na fonte 4E: relato
de um inglês na época de Elizabeth I, extraído de um livro didático inglês).
2. Os venezianos violavam sem qualquer esforço a liberdade pessoal, a honra e a
dignidade, e os cortejos (encontrado na narrativa principal de um livro didático
greco-cipriota).
No livro didático inglês, a utilização do relato direto para expressar o estereótipo
negativo dos irlandeses como incivilizados indica uma disposição, por parte do
autor do livro, de distanciar-se explicitamente desse estereótipo e de desafiá-lo
implicitamente como verdade universal. Ao mesmo tempo, essa estratégia de
distanciamento reduz a força de verbalização intencional do estereótipo e seu poder
de persuasão dos leitores, dizendo-lhes que essa é apenas uma opinião e, portanto,
710 Klerides
Considerações finais
A emergência de novas perspectivas complexas sobre nacionalidade e identidade
cultural em outros campos de estudo não implica apenas a necessidade de uma
reformulação radical do pensamento sobre o modo pelo qual a EC trata essas ideias-
unidades. E o que talvez seja mais importante, também salienta para os educadores
comparativistas que é preciso que ampliem sua agenda de pesquisa e,
particularmente, que olhem para além das preocupações econômicas da
globalização, para questões não econômicas que incluem identidade, etnia, cultura,
nação, raça e gênero. Esse é um apelo que tem sido repetidamente enfatizado na
literatura recente (KAZAMIAS, 2001; WATSON, 1999; TIKLY, 1999; COWEN,
Identidades culturais nacionais, análise de discurso e educação comparada 713
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77
Patricia Broadfoot
1. NT: A autora cria um neologismo – learnology – que, como ela própria afirma adiante, não é gramaticalmente
defensável em uma exegese cuidadosa.
717
718 Broadfoot
de avaliação. Se tudo correr bem, o aluno é aprovado nos exames e todos ficam
satisfeitos; se não correr tão bem, o fracasso geralmente é explicado seja por falta
de aplicação do estudante (“precisa se esforçar mais”) ou como reflexo de alguma
deficiência inata por parte dele (“estudante menos capaz”). Esse modelo de
aprendizagem não se ajusta adequadamente ao que sabemos com base no corpo
crescente da ciência da aprendizagem (CLAXTON, 1999), até mesmo no mundo
ocidental onde se deu predominantemente seu desenvolvimento. Ajusta-se ainda
menos às abordagens e às tradições relativas à aprendizagem em outras culturas
(ver, por exemplo, WATKINS; BIGGS, 1996; HUFTON et al., 2003).
Dada a natureza em grande parte não questionada desse paradigma, seja por
estudiosos da teoria da educação, seja por formuladores de políticas, não surpreende
que praticamente toda a pesquisa educacional, inclusive em educação comparada,
focalize, de uma forma ou de outra, aspectos desse provimento. Seja sobre formação
de políticas educacionais, administração e gestão educacional, capacitação de
professores, questões de organização escolar, desenvolvimento de currículo,
procedimentos de avaliação ou qualquer outro dos tópicos que constituem o foco
da pesquisa educacional, esses estudos quase sempre são concebidos dentro do status
quo, no sentido de que se referem a maneiras de melhorar as soluções para
problemas atuais de organização e provimento: de que forma podemos prover
educação de maneira mais eficiente, mais equitativa ou mais efetiva. São raras as
ocasiões em que a lente teórica ou empírica é focalizada no exame de premissas e
questões muito diferentes relativas à educação e à aprendizagem.
Assim, ainda que no campo da educação comparada venha aumentando a
pressão pelo reconhecimento da importância da carne cultural que reveste o
esqueleto de leis e políticas – sistemas e recursos que definem formalmente o
provimento educacional –, essa tendência ainda não desafiou os parâmetros
estabelecidos do campo. Ainda é preciso que desafie o discurso que define questões
educacionais em termos de um modelo educacional de provimento que envolve
incontáveis milhares de crianças e jovens em todo o mundo de forma mais ou
menos bem-sucedida, por meio de pacotes curriculares determinados de maneira
centralizada, e que os ensina a competir entre si na função de regurgitar seus
conhecimentos de maneiras específicas. Portanto, em sua maior parte, os
desenvolvimentos contemporâneos no campo da educação comparada devem ser
considerados essencialmente como debates no interior do paradigma existente.
Sustento que é necessário aplicar mais ferramentas conceituais pós-modernas para
criar uma educação neocomparada (BROADFOOT, 1977, 2001), que reconheça
as evidências de pesquisa bastante consideráveis já existentes quanto às limitações
dos modelos convencionais de educação. Pode-se argumentar que a lente crítica
oferecida pela pesquisa em educação comparada desempenha um papel central na
busca de conceitos e abordagens que serão mais produtivos no século XXI. Pois
enquanto o modelo educacional de provimento pode ter servido suficientemente
Tempos de revolução científica? 721
bem em tempos em processo mais lento de mudança, vem-se tornando cada vez
mais evidente que não está equipado para responder a um mundo de tecnologia
informacional disseminada, mercados de trabalho em rápida mudança, e ausência
de um cânone comum de valores e normas comportamentais.
Até o momento, uma das características mais definidoras do século XXI é a
erosão das fronteiras entre educação formal e outras atividades desempenhadas na
vida. Os mundos do trabalho e do lar, do lazer e do estudo vêm-se tornando cada
vez mais integrados. Isso significa que a concepção modernista de educação como
forma de atividades definida e organizada, realizada em uma instituição
especializada, e concebida como uma preparação para a vida adulta torna-se cada
vez mais anacrônica. De fato, pode-se dizer que, em um mundo crescentemente
pós-moderno, o emprego continuado de paradigmas modernistas de organização
educacional e de ensino e avaliação é uma força reacionária poderosa, que ajuda a
manter o status quo. Para que a ciência normal (KUHN, 1962) da educação seja
desafiada, a pesquisa precisa constituir-se como a sementeira para a revolução
científica ou a mudança de paradigma.
Sugiro que essa mudança de paradigma precisa colocar a própria aprendizagem
no centro do cenário, como foco de estudo. Questões tais como de que modo
ajudar os indivíduos a envolver-se satisfatoriamente com as inúmeras modalidades
de oportunidades de aprendizagem disponibilizadas pelo desenvolvimento
tecnológico propõem novos desafios para a pesquisa educacional. Particularmente
no caso da educação comparada, o território mais amplo e mais amorfo de
aprendizagem desafia o foco tradicional em sistemas educacionais e em problemas
de provimento. Se, ao invés do provimento para a aquisição de aprendizagem ou a
avaliação de seus resultados, a própria aprendizagem for aceita como o novo centro
gravitacional da disciplina, pode ser razoável refletir esse desenvolvimento em uma
mudança de nomenclatura. O descritor educação comparada pode ser substituído
por teoria comparada da aprendizagem como uma nova designação para a pesquisa
que busca compreender melhor a aprendizagem por meio da comparação
sistemática de contextos e culturas. Ainda que talvez não seja defensável diante de
uma exegese aprofundada, a utilização do descritor teoria comparada da
aprendizagem ofereceria um sinal sólido de que o centro da atenção desses estudos
é o próprio processo de aprendizagem e as forças que modelam o engajamento dos
indivíduos nesse processo.
Como foi sugerido acima, isso é particularmente importante porque, apesar do
enorme volume de pesquisas sobre ensino e aprendizagem realizadas ao longo da
década, há ainda uma lacuna considerável em nossa compreensão sobre como
melhorar os resultados de aprendizagem nos inúmeros e diferentes contextos em
que esta ocorre. Quando existe a preocupação com o que funciona, como ocorre
cada vez mais em meio a governos ansiosos pela elevação de padrões, há uma
tendência correspondente a ignorar a inevitável complexidade do processo de
722 Broadfoot
Culturas e contextos
Não surpreende que os desafios enfrentados pelo desenvolvimento da educação
comparada sejam amplamente compartilhados com outros campos de pesquisa social
aplicada, como políticas sociais. Atualmente todas as disciplinas da ciência social
devem responder aos desafios da globalização, o que se reflete na importância
crescente de um foco internacional tanto para as questões de pesquisa quanto para a
organização de equipes de pesquisa. Por exemplo, a iniciativa recente da União
Europeia de criar redes de excelência3 é típica da tendência crescente a colaborações
internacionais mais amplas envolvendo vários países e o desenvolvimento de
comunidades de pesquisadores de diferentes nacionalidades. No entanto, embora em
princípio apoie a lógica e a prática dos estudos comparativos, essa cooperação também
salienta os problemas endêmicos do trabalho em diversos contextos e culturas.
Embora esses problemas estejam presentes em estudos quantitativos tanto
quanto em estudos qualitativos, é em relação a estes últimos que algumas das
questões centrais dos estudos comparativos se tornam particularmente intratáveis.
A dificuldade de obter equivalência de conceitos e comparabilidade de significados
entre culturas e contextos, por exemplo, ou a representatividade dos casos
escolhidos para estudo são particularmente salientes quando a possibilidade de
generalização depende de um número relativamente pequeno de casos. A lógica
que subsidia a escolha dos casos ou a seleção dos países afeta criticamente a validade
do estudo. Embora a premissa-padrão seja comparar os casos mais semelhantes,
este nem sempre é o formato mais produtivo, o que não é fácil identificar no início
de um estudo qualitativo. Quando os estudos dependem muito de palavras, mais
do que de dados codificados numericamente, pode ser problemático trabalhar com
dados brutos que raramente são traduzidos na íntegra, ou que já foram traduzidos,
uma vez que esses dados estão inevitavelmente sujeitos à sobreposição da
interpretação humana dos entrevistadores e tradutores, assim como dos próprios
pesquisadores. Além disso, os dados nos quais a análise se baseia são frequentemente
resumos de casos – casos que muitas vezes não são comparáveis por terem sido
produzidos por uma equipe internacional, e principalmente quando são derivados
de fontes governamentais.
Entretanto, por mais difíceis que sejam em termos metodológicos, esses
problemas precisam ser abordados para que se possa obter uma base suficientemente
rigorosa para estudos comparativos qualitativos. Como argumentou Stenhouse
(1979), é necessária uma ênfase muito maior nas evidências na realização de estudos
comparativos, porque é por meio do provimento de evidências que:
[...] a experiência é tornada pública para convidar avaliações pelo diálogo, e essas avaliações
repousam sobre a possibilidade do apelo a evidências. Essas evidências, fonte fundamental de
dados para a educação comparada, devem ser descritivas. E vou argumentar que desde que se
tornou uma área autoconsciente de estudo acadêmico, a educação comparada dedicou muito
pouca atenção à observação e à descrição, preferindo enfatizar abstrações como estatísticas ou
medidas, por um lado, e sistemas escolares, por outro [...] [Uma] base comparativa para a
interpretação é extremamente importante. Estou [...] pedindo que se desenvolva em nosso campo
uma representação mais bem-fundamentada da realidade educacional cotidiana com base no
estudo cuidadoso de casos particulares (STENHOUSE, 1979, p. 10).
Restrições de financiamento
Os problemas associados à gestão e ao acesso a dados em larga escala são
agravados pelo regime predominante de financiamento de pesquisas.
Historicamente, os estudos em educação comparada têm tido dificuldade para
atrair financiamento. Mais recentemente, o reconhecimento cada vez maior por
parte dos governos quanto à importância de estudos comparativos tem implicado
maior disponibilidade de recursos, que, no entanto, normalmente mantêm um
foco nacional e de curto prazo. Isso não apenas dificulta a proposição de projetos
com foco mais internacional, como também torna os estudos e os dados produzidos
por eles vulneráveis a agendas políticas nacionais e a protecionismo quanto ao
acesso. Embora estejam surgindo alguns sinais positivos quanto à cooperação
internacional em armazenamento de dados e disponibilização de acesso, esses
desenvolvimentos ainda não mobilizaram o esforço internacional continuado que
seria necessário para criar repositórios de dados na escala internacional significativa
que prevalece atualmente em outros campos, como o da medicina.
O déficit de habilidades
Há ainda o problema do déficit de habilidades – de uma equipe técnica
internacional de pesquisadores capacitados em nível suficientemente alto não só
4. NT: ESRC – Economic and Social Research Council (Conselho de Pesquisas Econômicas e Sociais).
5. NT: Grey literature – todos os tipos de literatura não disponíveis nos canais normais de comercialização,
incluindo relatórios, memorandos, panfletos, notas técnicas ou outros documentos produzidos e publicados
por agências governamentais, instituições acadêmicas e outros agentes.
730 Broadfoot
Entre
Entre escolas, explicada por
p background
backgrroound social
Dentro
De o das escolas
entr
Fig1. Variância no desempenho dos estudantes em matemática no Pisa 2003, separada em componentes intra e interescolares. Fonte: OECD, 2004, p. 383.
732
Tempos de revolução científica? 733
6. NT: Access Grid Nodes – conjunto de sistemas e serviços gerenciados e programados como uma unidade.
São os componentes básicos de um evento virtual.
734 Broadfoot
7. NT: CERN – originalmente Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (Conselho Europeu para Pesquisa
Nuclear); atualmente denominado Organização Europeia para Pesquisa Nuclear. A sigla é utilizada também
em referência ao laboratório onde está instalado o acelerador de partículas.
Tempos de revolução científica? 735
É cada vez maior o reconhecimento de que toda a ciência social é global por
definição, e que, portanto, a utilização de métodos comparativos é fundamental
para a ciência social. Historicamente, a visão de muitos campos comparativos tem
sido limitada por disciplinas e escala e por um foco nacional. O potencial desses
estudos também foi limitado pelo insucesso em trabalhar em colaboração, e por se
satisfazer com uma abordagem caseira em termos de financiamento, sofisticação
metodológica e provimento de infraestrutura em larga escala.
Embora a educação comparada tenha sido caracterizada por algumas tentativas
louvavelmente ambiciosas de aumentar sua escala e seu impacto, como no caso do
estudo do Pisa anteriormente referido, essas colaborações internacionais estão longe
de ser típicas. Além disso, os desafios políticos e metodológicos inerentes a essas
colaborações resultaram inevitavelmente em limitações e compromissos em termos
de profundidade e comparabilidade dos dados coletados.
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78
Andreas M. Kazamias
Introdução
A história da educação comparada na segunda metade do século XX foi marcada
periodicamente por crises sistêmicas no sentido dado por Alvin Gouldner. O
historiador pode identificar essas crises sistêmicas no final da década de 1950 e início
da década de 1960, em meados da década de 1970 e primeiros anos da década de
1980, e nos últimos anos da década de 1990 e primeiros anos do novo milênio.
Segundo Gouldner, “a implicação central de uma crise não é que o paciente vá
morrer”, mas sim que o sistema “mudará de forma significativa em relação à sua
condição presente” (GOULDNER, 1970, p. 341), e que essa mudança pode
produzir “uma metamorfose básica em seu caráter total”. Em consequência desses
episódios de crise, a educação comparada pode não ter sofrido “uma metamorfose
em seu caráter total”, mas modificou-se de forma significativa. Uma mudança
significativa foi a metamorfose da educação comparada – de uma episteme
essencialmente histórico-filosófico-humanista em uma episteme essencialmente de
ciência social. O foco deste capítulo é duplo. Em primeiro lugar, examinam-se
criticamente as duas variedades de educação comparada como sistemas de
pensamento ou modos de investigação e formas de conhecimento. Os sistemas em
questão baseiam seus insights teóricos e suas abordagens metodológicas nos domínios
da história e da ciência social, e serão referidos aqui respectivamente como “educação
comparada histórica” e “educação comparada científica”. O segundo objetivo deste
capítulo é argumentar em favor de outro sistema intelectual, modo de investigação
e de conhecimento, ou outra variedade de educação comparada que, baseando-se
tanto na história quanto na ciência social, evite suas respectivas limitações. Esse
sistema alternativo será referido como “análise histórica comparativa”.
739
740 Kazamias
Hans e Robert Ulich, foi o que pode ser denominado abordagem “histórico-
filosófico-humanista”, ou “histórico-humanista-meliorista”. Outros comparativistas
– por exemplo, Brian Holmes – referiram-se aos principais representantes desse
gênero de educação comparada como “historiadores comparativistas” ou
“historiadores estudiosos da educação comparada” (HOLMES, 1965, p. 64).
Em forma epigramática, as principais características da geração histórico-
filosófico-humanista do discurso da educação comparada incluíram:
• A educação comparada é uma ciência humana, com a conotação e a denotação
do termo grego episteme e do alemão Wissenschaft; não é uma ciência social
empírica ou positivista. Segundo Hans, “a educação comparada como disciplina
acadêmica está exatamente na linha divisória entre as humanidades e as ciências
e, portanto, assemelha-se à filosofia, que é a formulação de ambas” (HANS,
1959, p. 299).
• Em associação com a colocação acima, e utilizando a classificação das ciências
de Karl Popper, a educação comparada é uma ciência histórica, e não uma
ciência social generalizadora. Como ciência histórica, seu foco epistêmico está
no esclarecimento e na explicação do particular, de eventos específicos, e não
em leis históricas universais (POPPER, 1957, p. 254).
• Em associação com a colocação acima, a educação comparada é uma episteme
hermenêutica, explanatória, que visa à interpretação histórica. Em uma das muitas
afirmações a respeito da natureza da educação comparada, Kandel escreveu:
A tese de que estudar a educação sem estudar todos os contextos antecedentes que lhe dão
sentido é reduzi-la à absorção com técnicas que, por mais úteis que sejam, só oferecem uma
abordagem restrita aos conceitos e propósitos fundamentais da educação. É significativo que
as primeiras e até hoje mais vívidas contribuições à filosofia da educação não tratem a
educação de forma isolada, mas em seu contexto político, social e ético. A real contribuição
da história da educação é introduzir o estudante à apreciação da relatividade da educação
quanto à multiplicidade de forças em seu contexto contemporâneo [...] Educação comparada,
o estudo de teorias e práticas educacionais atuais como sendo influenciada por diferentes
contextos, não é mais do que o prolongamento da história da educação para o momento
presente (KANDEL, s/d, p. 164-165).
E novamente:
O estudo da educação comparada como método de esclarecimento e interpretação de
questões educacionais tem seu lugar próprio e de direito ao lado do estudo da história da
educação; ignorar esses dois métodos de abordagem é deixar de reconhecer seu valor para a
construção de uma filosofia da educação e, consequentemente, correr o risco de tecer as teias
educacionais de Penélope (KANDEL, s/d, p. 185).
A tradição qualitativa não apenas se orienta para totalidades de casos como configurações, mas
também tende a ser historicamente interpretativa; o trabalho interpretativo orientado
historicamente tenta explicar desenlaces históricos específicos, ou conjuntos de desenlaces, ou
processos comparáveis, escolhidos para o estudo devido à sua importância para os arranjos
institucionais atuais ou para a vida social em geral. Tipicamente, esse trabalho procura extrair
sentido de casos diferentes, reunindo evidências de uma forma que respeita a cronologia, e
oferecendo generalizações históricas limitadas que, ao mesmo tempo, são objetivamente possíveis
e reconhecem as condições que viabilizam o contexto e os meios que limitam (RAGIN, 1987).
O último ponto formulado acima por Ragin indica mais um e último elemento
para nossos propósitos aqui: o elemento quintessencial dos estudos educacionais
históricos comparativos. Em nossa perspectiva, o historiador comparativista
interessa-se pela interpretação e pelo esclarecimento de experiências e trajetórias
específicas – isto é, pelos próprios casos particulares. Também nesse aspecto a
abordagem histórica comparativa à educação difere das variantes científicas
apresentadas acima, especialmente das empírico-metodológicas e da abordagem de
sistemas-mundo.
Os estudos históricos comparativos citados acima são exemplos de pesquisa
histórica comparativa desenvolvida principalmente no nível macro de análise
sociocultural. Eu gostaria de acrescentar aqui que há outros estudos históricos
comparativos dignos de nota, que examinam sincronicamente problemas e questões
educacionais no nível micro e, diacronicamente, aspectos e problemas da educação
na mesma sociedade. Há também estudos que focalizam uma sociedade, um tipo
de educação histórica comparativa, como é ilustrado pelos estudos de A. Sweeting
sobre Hong Kong (SWEETING, 1999).
Considerações finais
Recentemente, alguns comparativistas de nível sênior, como Rolland Paulston,
Max Eckstein, Robert Cowen, Joe Farrell, Wolfgang Mitter, Jurgen Schriewer, Val
Rust, Robert Arnove e Andreas Kazamias, e outros mais novos, como Patricia
Broadfoot, Vandra Masemann, Nelly Stromquist, Anthony Welch, Francisco
Ramirez e Carlos Torres, para nomear apenas alguns, assumiram o desafio do
ingresso no novo milênio e da reviravolta pós-moderna na teorização e/ou no
pensamento sociocultural e político-educacional, como uma oportunidade para
refletir sobre a tradição intelectual da educação comparada e, ao mesmo tempo,
engajar-se ativamente no mapeamento de novas trajetórias ou novos paradigmas
epistemológicos e metodológicos. Na nova era da modernidade tardia, e mesmo
da pós-modernidade, está criado o cenário para o desempenho de um novo ato
dramatúrgico na episteme mutável e multifacetada da educação comparada. No
Congresso da Comparative and International Education Society (Cies)1 de 2001, em
Washington DC, Marianne Larsen, uma jovem comparativista, dirigiu-se a nós e
à comunidade mais ampla de educadores que assumem esse enfoque nos seguintes
termos:
No Congresso de 2000 da Cies, Rolland Paulston encorajou-nos a usar a imaginação para visualizar
novas formas espaciais, visuais e discursivas de verdade, enquanto Andreas Kazamias proclamou a
necessidade de reinventarmos o histórico na educação comparada, para podermos compreender
melhor o mundo. Embora possamos concluir inicialmente que essas duas abordagens são
completamente divergentes, não é bem esse o caso. Nas discussões mais amplas sobre o futuro da
educação comparada, há múltiplas opções metodológicas e epistemológicas para todos os
pesquisadores comparativistas. Temos muito a ganhar com o desafio às barreiras que limitam o
debate e o diálogo mais amplos. A educação comparada pode beneficiar-se da reinvenção de nossa
tradição passada de pesquisa histórica e, ao mesmo tempo, adotar de forma imaginativa uma postura
pluralista, estratégias multi-interpretativas e uma descrença geral quanto a metanarrativas
totalizadoras trazidas pelo pós-modernismo para a tradição do social científico (LARSEN, 2001).
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79
Robert Cowen
Introdução
Na educação comparada, nunca desenvolvemos seriamente interpretações
comparativas de processos educacionais em contextos de tirania, guerra ou
revolução. Por que não? Não temos uma educação comparada que ofereça uma
compreensão comparativa dos processos educacionais em cidades-Estado (italianas
ou gregas). Por que não? Temos inúmeras narrativas sobre educação em países
pequenos. Alguma vez já aspiramos a uma educação comparativa de grandes
Estados? Temos algumas análises sobre o colonialismo e seus padrões educacionais.
Não temos trabalho comparativo sério sobre impérios. Por que não?
Em outras palavras, só temos examinado alguns espaços sociais, alguns tempos
sociais e apenas alguns processos políticos. Há como compreender por que isso
ocorre? Quais têm sido nossas regras de ordem epistêmica, e quais processos sociais
contribuíram para moldá-las e moldar nossas agendas mutáveis de atenção
acadêmica? E agora – com que devemos nos preocupar, senão com o fato de que
simplesmente não há um número suficiente de pessoas para realizar o trabalho que
precisa ser feito?
Antes e agora
Houve um tempo em que tínhamos algumas estabilidades simples, algumas
certezas reconfortantes na educação comparada: havia metodologias. Para um
estudante de mestrado em Londres, era estratégico saber diferenciar sua ciência
positivista (má) de sua ciência hipotético-dedutiva (boa). De modo geral, as
metodologias funcionavam como um princípio vital de exclusão: o conhecimento
dessa literatura diferenciava os pesquisadores de educação comparada de outras
tribos acadêmicas (como os sociólogos).
Em meados da década de 1960, havia uma segunda certeza em educação
comparada: todos os educadores comparativistas deveriam adquirir um
conhecimento sólido específico de regiões onde não viviam. Olhariam para outros
lugares – por exemplo, para a Europa Oriental e a União Soviética, ou para a França
e a Alemanha, ou para o Japão, ou para a China. Idealmente, isso significava morar
749
750 Cowen
1. NT: As expressões loose fish e, mais adiante, fast fish (literalmente, “peixe solto” e “peixe rápido”) são
emprestadas do artigo de Noah (1974) “‘Loose fish’ and ‘fast fish’ in comparative education”, no qual esse
autor remete a um capítulo de “Moby Dick”, de Herman Melville, para fazer uma analogia entre esses termos,
tal como empregados por Melville, e a situação da educação comparada. Em Melville, as expressões referem-
se a duas regras de posse de peixes (na verdade, baleias) nas disputas entre caçadores de baleias: loose fish é de
quem o pegar mais cedo; fast fish é de quem estiver com o peixe. Na analogia de Noah, a educação comparada
como área de estudo é ao mesmo tempo um fast fish, no sentido de que seus pesquisadores tornaram o estudo
comparativo e internacional da educação sua própria área de especialização; e um loose fish, porque
pesquisadores de outras disciplinas têm interesse nos fenômenos de educação e escolarização, e também
utilizam análises comparativas para o avanço de seus próprios campos de estudo. Noah pergunta então quais
são os fast fish da educação comparada – sobre o quê esse campo tem um domínio seguro? E, inversamente,
quais são seus loose fish – o que está disponível lá fora e que os pesquisadores da área têm capacidade e energia
para captar?
Antes e agora: ideias-unidade e educação comparada 753
Agora e antes
De modo geral, pode-se sugerir que isso acontece na educação comparada – agora
e antes. Naturalmente, levanta-se a questão de quando e por que ocorrem situações
do tipo “de vez em quando”. Levanta-se ainda mais um problema: esses saltos, ou
irregularidades, parecem, inicialmente, ter esfacelado o campo; devem ser anormais,
porque esses momentos são aqueles em que ocorrem nossas “descontinuidades
lamentáveis” e, evidentemente, descontinuidades são ruins (não são?).
Em termos analíticos pode ser mais útil sugerir que descontinuidades são
produtivas e necessárias. Não apenas acontecem inevitavelmente (o mundo social
muda mais rapidamente do que nossas teorizações a seu respeito), mas são também
muito estimulantes, como acabamos de argumentar. As descontinuidades
assinalam uma dupla mudança: uma mudança de episteme, que é a nossa
preocupação usual, aquilo que discutimos normalmente; e uma mudança nas
políticas internacionais, sobre as quais também falamos profissionalmente, mas
756 Cowen
E então?
E então – aparentemente em 2007 – estamos mais uma vez em uma
descontinuidade. Não temos apenas uma dupla mudança – alegações epistêmicas
claras (NINNES; BURNETT, 2003) e uma mudança na economia política
internacional e na forma como é lida (COULBY; COWEN; JONES, 2000; DALE;
ROBERTSON, 2005). Temos ainda indicadores de que há algo errado: têm sido
observadas estranhas lacunae (COOK; HITE; EPSTEIN , 2004), e pelo menos um
cri de coeur muito claro foi ouvido (EPSTEIN; CARROLL, 2005). Em outras
palavras, temos um momento que lembra aquele mencionado anteriormente,
quando Harold Noah expôs sua teoria de fast fish and loose fish, e um outro momento
ainda não mencionado, quando Psacharopoulos (1990) assinalou a futilidade e a
irresponsabilidade de pensamentos vagos quando a educação comparada poderia
estar enraizada no mundo real – isto é, no mundo real dele.
De minha parte, penso que estamos em um momento do que estou chamando
de descontinuidade (embora obviamente as evidências ainda estejam surgindo,
principalmente na literatura publicada em periódicos). No entanto acredito que
essa descontinuidade atual contém uma reversão interessante em nossa
autopercepção (e em nosso desapontamento em relação a ela).
Pode valer a pena, neste momento, enfatizar que a educação comparada está
confiante como ciência aplicada – embora não devesse estar (COWEN, 2006) –,
Antes e agora: ideias-unidade e educação comparada 759
• Sistema educacional
• Identidade educada
• Contexto social
• Transferência
• Práxis
O que acontece em cada momento particular é que uma ou algumas dessas
ideias-unidade tornam-se quase invisíveis.
Por exemplo, no início da década de 1980, quando escrevi sobre tempo na
educação comparada (COWEN, 1982) o conceito de tempo estava quase invisível,
exceto pelo pensamento notável de alguns sociólogos (MARTINS, 1974). Os
educadores comparativistas não tratavam do tempo (tratavam do espaço). Os
historiadores tratavam do tempo (para tomar emprestada uma frase): o tempo era
parte de sua agenda de trabalho. Agora se tornou muito fácil encontrar conceitos
de tempo na literatura (COWEN, 1998, 2002), e houve uma explosão de interesse
por tempo e espaço como uma problemática teórica importante na educação
comparada. A título de ilustração, ver Sobe e Fisher (e a literatura que citam) sobre
espaço-tempo, nesse trabalho.
É possível examinar cada uma dessas ideias-unidade mostrando como cada um
dos conceitos foi definido no passado e como a utilização que fazemos dos conceitos
nos aprisionou em certos tipos de trabalhos, ou certas perspectivas – embora as
coisas venham-se tornando mais flexíveis rapidamente. Por exemplo, o conceito de
“o Estado” na educação comparada, em seu tratamento ingênuo na literatura do
período entre as guerras e pós-1945, foi abalado pelas perspectivas pós-
estruturalistas – e pelo fato óbvio do crescimento de formas regionais de
governança. O tema do império (como formação política) vem adquirindo nova
visibilidade nas ciências históricas e sociais – e recentemente deu-se atenção a
formas globais de governança (JONES, 2007). O tema de um Estado mercado
certamente também é digno de uma exploração mais completa (BOBBITT, 2003).
Da mesma forma, sugeri anteriormente (em um dos editoriais curtos neste
trabalho) que o conceito de sistema educacional contribuiu para nos aprisionar em
uma educação comparada modernista, que excluía implicitamente a exploração da
educação das cidades-Estado da Itália; ou da educação do cortesão na França do século
XVIII, ou no Japão Tokugawa; ou a análise comparativa de Atenas e Esparta, e do que
eu chamaria de suas “Rosettas3 educacionais”; ou a educação das elites e o uso social
do que, com excessiva informalidade, é chamado de língua franca – o latim – no
Império romano e em épocas posteriores (HEATHER, 2005; WAQUET, 2001).
Naturalmente, é necessário repensar o conceito de sistema educacional e o pressuposto
3. NT: Referência à Pedra de Rosetta, encontrada no século XVIII perto da cidade de Rosetta (Rashid), no
Delta do Nilo, e que continha inscrições em três idiomas – o que permitiu o deciframento da escrita
hieroglífica. “Rosettas educacionais” é um conceito que rotula uma construção teórica que está sendo
atualmente trabalhada por Robert Cowen, objetivando a “decodificação” de sistemas educacionais.
Antes e agora: ideias-unidade e educação comparada 761
de que nossa práxis é reformar esses sistemas. Dessa forma, por extensão, ampliamos
a variedade de Estados – formações políticas – que consideramos dignos de atenção.
Por exemplo, nossa educação comparada é peculiarmente limitada de outra forma
surpreendente: não desenvolvemos teorização que trate de tiranos e regimes
autoritários, e dos padrões educacionais associados – e isso em um século que conviveu
com Hitler, Stalin e Mao. Da mesma forma, não desenvolvemos (na educação
comparada) teorizações comparativas sobre processos educacionais construídos por
militares envolvidos em política – e isso em um século de intervenções na política das
forças armadas brasileiras, gregas, japonesas e turcas, embora as pistas estivessem
presentes na literatura das ciências sociais (VOIGT, 1939; LIPSET; SOLARI, 1967).
O ponto estratégico crucial, entretanto, é que todas as ideias-unidade precisam
agora ser repensadas. A questão é apenas em parte quais eram as temáticas anteriores
das ideias-unidade. A questão crucial é em que elas estão se transformando.
Todas as ideias-unidade são importantes para pensar sobre algo que está no
núcleo da educação comparada: as relações triádicas de transferência e seu problema
osmótico duplo; as raízes de aspectos da educação em uma cultura de origem e sua
inserção em um padrão social osmótico diferente, que tem suas próprias
imunologias ou permeabilidades. Não sabemos quais são essas imunologias ou
permeabilidades. Portanto, no momento não temos clareza sobre a tradução – de
que forma a antiga instituição se modifica em seu novo contexto. Por exemplo, de
que forma a universidade alemã vai-se modificar em seu novo contexto, os Estados
Unidos, a Grécia ou a Suécia. E assim também não temos clareza sobre o tema da
transformação – embora existam na literatura trabalhos sobre mudança de forma
(BEECH, nesta obra; ISHI, 2003; KIM, 2001; LARSEN, 2004; LAW, 1996;
POPKEWITZ, nesta obra; SHIBATA, 2005; TANAKA, 2005). Sem esse trabalho
– e as ideias-unidade são cruciais para realizá-lo –, um de nossos conceitos básicos
em educação comparada – mudança de forma – continuará mal identificado,
estacionado em uma fase narrativa de histórias densas ou pobres de mudanças de
forma de ideias e instituições educacionais, à medida que se deslocam para outros
lugares. Evidentemente, mudança de forma é uma ideia tola: nebulosa e de difícil
conceituação.
Infelizmente, é provável que seja necessário enfrentar a tarefa para que possamos
compreender as relações triádicas de transferência, tradução e transformação.
Felizmente, afirma-se que Albert Einstein sugeriu que “se uma ideia não parecer
absurda inicialmente, não há esperança para ela”. Assim, além de mudança de
forma, penso que há dois outros temas analíticos que podem ajudar-nos a repensar
a educação comparada atualmente.
Possibilidades e compressões
Uma delas é a ideia de transitologias. Uma transitologia pode ser pensada como
uma forma muito específica de revolução, mas evita algumas das ambiguidades
762 Cowen
desse termo. Assim, uma transitologia pode ser definida como “os processos, em
um período de aproximadamente dez anos, de destruição e reconstrução, mais ou
menos simultâneas, de visões políticas sobre o futuro, aparatos estatais (polícia,
forças armadas, burocracias, instituições políticas), sistemas de estratificação social
e econômica, e reforma e reestruturação deliberadas do sistema educacional, para
que possa ser utilizado como parte da construção da transitologia” (COWEN,
1999, 2000).
O ponto relevante desse conceito aparentemente desajeitado é que ele nos
permite ver algo a mais. A compressão tempo-espaço, que é uma transitologia, algo
como um relâmpago, ilumina as formas de expressão do poder social (econômico,
político, cultural) no sistema educacional e, ao mesmo tempo, evidencia, de forma
breve e brilhante, as mudanças nessas compressões do poder social sob forma
educacional, incluindo, naturalmente, mudanças na identidade educada. A Grã-
Bretanha de Thatcher, a Revolução Cultural de Mao, a Turquia de Atatürk, o
colapso da Alemanha Oriental (Polônia, Hungria e União Soviética) são – a
depender de uma revisão acadêmica crítica continuada – transitologias.
Assim, a questão teórica é: de que forma podemos decodificar essas mudanças
na compressão do poder social dando-lhes forma educacional? Como fazê-lo,
evitando descrever o sistema educacional nas categorias rotineiras da descrição
comparativa que – como foi argumentado anteriormente nesta obra – se sobrepõem
a categorias úteis na administração, no financiamento e na gestão da educação
primária, secundária e superior?
A questão provavelmente pode ser subdividida teoricamente se começarmos
por pensar sobre identidades educadas (seja em termos de classe, gênero, raça, ou
definidas por região ou religião) e sobre certos processos educacionais cruciais,
tendo em mente o problema levantado por Wright Mills: dar sentido a forças
históricas, estruturas sociais e biografias individuais.
Assim, uma das questões passa a ser: quais eram os “espaços sagrados” e as “rotas
santas” no sistema educacional soviético, e quais eram suas formas de “conhecimento
consagrado”?, e assim por diante. (Evidentemente, o modelo de uma Rosetta
educacional é bastante complexo e deve atender a diversos critérios, tais como
abranger e compreender processos não elitizados de educação.) Aqui, neste esboço
de possibilidades, a linguagem é escolhida deliberadamente, devido ao choque
comparativo que resulta de impor sobre secularidades soviéticas tão enfatizadas pelo
sistema social, econômico e político, um vocabulário de outro discurso.
De modo geral, acredito ser possível desenvolver uma teoria de Rosettas
educacionais, captando as codificações do poder social sob forma educacional.
Assim, quando ocorre mudança educacional (na Alemanha Oriental ou em Estados
direcionados para a economia do conhecimento pelo Banco Mundial), o que
potencialmente se revela são as regras da gramática dos sistemas educacionais, ou
a maneira pela qual esses sistemas absorvem osmoticamente o contexto e as
Antes e agora: ideias-unidade e educação comparada 763
Conclusão
Para ajudar-nos a repensar, provavelmente precisamos reconhecer três coisas.
Uma delas é que o momento metodológico da década de 1960 não foi sobre
metodologia, e sim sobre metanarrativas de educação comparada: metanarrativas
que definiriam a escolha de formas narrativas, a natureza das generalizações tentadas
e, em contrapartida, como discutiu certa vez Geogre Parkyn, as particularidades
que, embora sendo particularidades, podiam ser aceitas como educação comparada,
e as políticas de sua posição de emancipação. O quê e quem devia ser emancipado
por seu conhecimento?
O segundo tema foi subestimado em minha análise anterior neste capítulo e,
ao escrevê-lo, convenci-me de sua importância analítica central: a universidade e
seu ambiente de trabalho são um componente crucial da educação comparada
(COWEN, 1997).
Aqui um tema fascinante seria uma comparação completa entre pelo menos
duas educações comparadas da América do Norte. Não se trata apenas do fato de
764 Cowen
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80
CONCLUSÃO
771
772 Cowen e Kazamias
Porém, algumas das questões e dos temas deste livro provavelmente não
desaparecerão. Podem – e devem – reaparecer no futuro. Com que outras vozes
acadêmicas a educação comparada se sobrepõe e estabelece interseções? Quais
categorias de análise referenciam seu pensamento? Quais são, serão ou devem ser
os temas candentes da educação comparada, e por quê? Quem afirma que são
candentes? Com que autonomia e com quais outros agentes a educação comparada
atua no mundo?
O tema que unifica essas questões não é simplesmente a compreensão da
sociologia do conhecimento universitário, mas também o eterno problema das
políticas do conhecimento, o problema de decidir o que, atualmente, em nosso
momento político, constitui o potencial de emancipação da educação comparada.
A maioria das novas teorias sociais, todos os partidos políticos e algumas agências
internacionais proclamam seu potencial de emancipação. E nós? Conhecemos
nossas antigas respostas sobre nós mesmos como campo de estudo. O que
propomos agora?