You are on page 1of 193

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/342747825

Miolo Tapuias e Taperas (9)

Book · July 2020

CITATIONS READS

0 183

5 authors, including:

Bartira Ferraz Barbosa Natalia Moragas Segura


Federal University of Pernambuco University of Barcelona
5 PUBLICATIONS   1 CITATION    91 PUBLICATIONS   63 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

jose luis Ruiz-Peinado Alonso Scott Joseph Allen


University of Barcelona Federal University of Pernambuco
14 PUBLICATIONS   18 CITATIONS    13 PUBLICATIONS   45 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Misioneros en el Congo siglo XVII View project

CULTURA MATERIAL, COLONIALISMO Y GENERO EN EL PACIFICO. UNA APROXIMACION DESDE LA ARQUEOLOGIA HISTORICA View project

All content following this page was uploaded by Bartira Ferraz Barbosa on 07 July 2020.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


em mapas de
Georg Marcgraf

TAPUIAS and TAPERAS


on maps by Georg Marcgraf
Organizado por
Bartira Ferraz Barbosa

em mapas de
Georg Marcgraf

TAPUIAS and TAPERAS


on maps by Georg Marcgraf

Recife | 2019
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial,
por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, micro-
fílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos. Vedadas
a memorização e/ou a recuperação total ou parcial em qualquer sistema de
processamento de dados e a inclusão de qualquer parte da obra em qualquer
programa juscibernético. Essas proibições aplicam-se também às característi-
cas gráficas da obra e à sua editoração.

Catalogação na fonte:
Bibliotecária Kalina Ligia França da Silva, CRB4-1408

T175 Tapuias e Taperas em mapas de Georg Marcgraf = Tapuias and


Taperas on maps by Georg Marcgraf / Bartira Ferraz Barbosa
(Org.) ; tradução Scott Allen. – Recife : Ed. UFPE, 2019. [192] p. :
il., mapas
Texto bilíngue
Inclui referências.
ISBN 978-85-415-1154-4 (broch.)
1. Marcgraf, Georg, 1610-1644. 2. Índios Tapuias – Brasil
– História – Período colonial, 1500-1822. 3. Índios Tapuias –
Cartografia. 4. Negros – Brasil – História – Período colonial,
1500- 1822. 5. Brasil – História – Domínio holandês, 1624-1654.
6. Brasil – Mapas topográficos – Obras anteriores a 1800.
I. Barbosa, Bartira Ferraz (Org.). II. Allen, Scott Joseph (Trad.).
981.03016 CDD (23.ed.) UFPE (BC2019-085)

Rua Acadêmico Hélio Ramos, 20, Várzea


Recife, PE | CEP: 50.740-530
Fone: (81) 2126.8397 | Fax: (81) 2126.8395
www.ufpe.br/edufpe | livraria@edufpe.com.br
SUMÁRIO
CONTENTS

Agradecimentos 7
Acknowledgments
Abertura 13
Aperture
Introdução 23
Introduction

1  A Escolha do Mapa Mural  35


The Wall Map
Bartira Ferraz Barbosa

2 Notularum Explicatio 53
Notularum Explicatio
Ricardo Piqueras, Scott Allen e Bartira Ferraz Barbosa

3   As Diferentes Visões no Mapa Mural  67


Different landscapes and visions
Bartira Ferraz Barbosa e José Luiz Ruiz-Peinado Alonso
4 Paisagens Socioeconômicas 83
Socioeconomic Landscapes
Bartira Ferraz Barbosa

5  Bárbaros e Canibais  101


Barbarians and Cannibals
Ricardo Piqueras

6 Espaços Afro-indígenas 115
 Afroindigenous Spaces
Bartira Ferraz Barbosa e José Luiz Ruiz-Peinado Alonso

7 Os Intermediários 131
 The Intermediaries
Bartira Ferraz Barbosa e José Luiz Ruiz-Peinado Alonso

8  Tapuias e Taperas  141


 tapuias and Taperas
Bartira Ferraz Barbosa, Natalia Moragas
e José Luiz Ruiz-Peinado Alonso

Notas 175
Notes
Fontes Primárias | Referências Cartográficas  183
Primary Sources | Cartographic References
Referências Bibliográficas  185
Bibliographic References
AGRADECIMENTOS
acknowledgementS

Agradecemos a Universidade Federal de Pernambuco e seus


cursos de Pós-Graduação em História e de Pós-Graduação
em Arqueologia, aos apoios institucionais do Grupo de In-
vestigación sobre Culturas Indígenas y Afroamericanas – CINAF, a
Universidade de Barcelona e seu departamento de História
e Arqueologia. Agradecemos a AECI – Agencia Espanola de
Coperación Internacional para el Desarrollo pelo financia-
mento de parte das pesquisas para este livro e aos professo-
res pesquisadores Natália Moragas, José Luís Ruiz-Peinado
Alonso, Ricardo Piqueras, com os quais viajamos para os
sertões de Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe. Um agra-
decimento especial ao professor José Luiz Ruiz-Peinado
Alonso pela pesquisa e localização que realizamos juntos

AGRADECIMENTOS 7
8 acknowledgementS

We thank the Federal University of Pernambuco and its gradu-


ate and pós-graduate courses in History and in Archaeology and
the institutional support of the Research Group on Indigenous
and African American Cultures – CINAF, the University of Barce-
lona and its Department of History and Arqueology. Credit also
to AECI – Agencia Espanola de Coperación Internacional para el
Desarrollo for funding part of the research for this book and re-
search professors Natália Moragas, José Luís Ruiz-Peinado Alon-
so, Ricardo Piqueras, with whom we traveled to the backlands
of Pernambuco, Alagoas, Bahia and Sergipe. Special thanks to
Professor José Luiz Ruiz-Peinado Alonso for the research and
location that we conducted together in laboratory and field work
on the exact location of Quilombo dos Palmares. The research
on the location of Quilombo de Palmares is unprecedented for
studies on the largest quilombo in the Americas and its location
on the map was one of the highlights of the research we owe to
Prof. José Luiz Ruiz-Peinado Alonso.
The aforementioned group of researchers was enriched by the
efforts made by other colleagues and students to whom we espe-
cially thank: Rafael Chamboleyron (UFPA), Rafael Valladares (CSIC),
Oscár de La Torre (UNC Charlotte) and Marc Hofnagel (UFPE) for
the readings, suggestions , trust and reviews; to our students
Kevin Pometti (UB) and João Paulo Moraes de Andrade (UFPE), we
thank for their support in researching and digitizing documents.
We are grateful to Professor Maria José Luna, then director of the
UFPE University Press, for her support in publishing the edition of
the book Afroindigenous Spaces on the map Brasilia Qua Parte Paret
em trabalho de laboratório e de campo sobre o local exato
do Quilombo dos Palmares. A pesquisa sobre a localização
do Quilombo de Palmares é inédita para os estudos sobre o
maior Quilombo da Américas e sua localização no mapa foi
um dos pontos altos da pesquisa que devemos ao Prof. José
Luiz Ruiz-Peinado Alonso.
O citado grupo de pesquisadores foi enriquecido pelos
esforços tecidos por outros colegas e alunos a quem agra-
decemos especialmente: Rafael Chamboleyron (UFPA), Ra-
fael Valladares (CSIC), Oscár de La Torre (UNC Charlotte) e
Marc Hofnagel (UFPE) pelas leituras, sugestões, confiança e
revisões; aos alunos Kevin Pometti (UB) e João Paulo Mo-
raes de Andrade (UFPE) nosso agradecimento pelo suporte
na pesquisa e digitalização de documentos. A Profa. Maria
José Luna, então diretora da Editora Universitária da UFPE,
agradecemos pelo apoio na publicação da edição do livro
Afroindigenous space on the map Brasilia qua parte paret Belgic,
lançado em 2013; ao amigo Álvaro Moreira da CHESF pelo
apoio na construção do roteiro da viagem pelos sertões de
Pernambuco, Sergipe, Bahia e Alagoas, assim como, pela
hospitalidade em Piranhas. Um agradecimento a Martijn
Storms da Universidade de Leiden, na Holanda, pela orien-
tação na pesquisa de mapas existentes na Biblioteca e Mapo-
teca da mesma Universidade.
A pesquisa, a escrita, a tradução e as revisões para a publi-
cação do livro Tapuias e Taperas no mapa de Georg Marcgraf foi
uma janela que se abriu para todos sobre um novo tema: os

AGRADECIMENTOS 9
10 acknowledgementS

Belgis, released in 2013; to our friend Álvaro Moreira from CHESF


for his support in organizing the itinerary of the trip through the
interior of Pernambuco, Sergipe, Bahia and Alagoas, as well as for
his hospitality in Piranhas. Credit to Martijn Storms of the Uni-
versity of Leiden, the Netherlands, for guidance in researching
existing maps at the University Library and Map Library.
The research, writing, translation and revisions for the publi-
cation of the book Tapuias e Taperas on Georg Marcgraf ’s Map was
a window that opened a new theme for everyone involved: the
Afro-Indigenous spaces of the colonial period represented on
the Brasilia Qua Parte Paret Belgic map. Above all, we would like to
thank the Pankararu, Xocó and Potiguar indigenous peoples of
the village of São Miguel da Bahia da Traição, the guides of the
Catimbau National Park, all the interviewees in the communities
visited during the survey. We also thank the three generations of
sailors who commanded the Bossa Nova boat on an exploratory
trip along the São Francisco River, taking Brazilian and Spanish
researchers from its mouth to the Piranhas backlands.
We owe special thanks to Professor José Luiz Mota Menezes
for the elegant presentation. We also had the special participa-
tion of Elizabeth Cunha Pimentel for this edition who ensured
us a meticulous orthographic review.We also thank the team
of the Serra da Barriga National Park and Palmares Founda-
tion, where we were welcomed during 2010 and we thank to
the MEC/SECADI/Edital Abdias Nascimento for their support in
researching and digitizing documents. We thank Mr. Walt So-
brinho and the entire ITC-BIO team.
espaços afros e indígenas do período colonial representados
no mapa Brasilia qua parte paret Belgic, por isso, e, sobretudo
queremos agradecer aos povos indígenas Pankararu, Xocó e
aos Potiguar da aldeia de São Miguel da Bahia da Traição,
aos guias do Parque Nacional do Catimbau, a todos os en-
trevistados nas comunidades visitadas durante a pesquisa.
Agradecemos ainda às três gerações de marinheiros que co-
mandaram o barco Bossa Nova em uma viagem exploratória
pelo rio São Francisco levando os pesquisadores brasileiros e
espanhóis da sua foz até o sertão de Piranhas.
Devemos um agradecimento especial ao professor José
Luiz Mota Menezes pela elegante apresentação. Também ti-
vemos uma participação especial para esta edição de Elizabe-
th Cunha Pimentel que nos garantiu uma leitura com revisão
ortográfica meticulosa. Agradecemos ainda à equipe do Par-
que Nacional da Serra da Barriga- Fundação Palmares, onde
fomos recebidos em visita durante o ano de 2010 e agradece-
mos ao MEC/SECADI/Edital Abdias Nascimento pelo suporte
na pesquisa e na digitalização de documentos. Nós agradece-
mos ao Senhor Walt Sobrinho e toda equipe do IcmBIO.

AGRADECIMENTOS 11
Abertura
Aperture

Georg Marcgraf (1610-1644) esteve no Brasil contratado por


Maurício de Nassau para trabalhar na sede do governo ho-
landês no Recife. Neste período, serviu aos interesses da
Companhia das Índias Ocidentais (WIC) realizando trabalhos
de classificação e descrição de habitantes, plantas, animais
e de estrelas do hemisfério sul ao lado do medico Willem
Piso (1611-1678). Durante sua vida no Brasil produziu obra
cartográfica meticulosa, desenhos e um diário. Expedições
exploratórias e entradas para apresamento de índios, reali-
zadas entre 1639 e 1642, foram alguns dos meios usados por
ele para realizar estudos geográficos. Em sua primeira via-
gem acompanhando uma expedição exploratória e de apre-
samento de índios pelo interior do Ceará, composta por 250

ABERTURA 13
14 APERTURE

Georg Marcgraf (1610-1644) was hired by Maurício de Nassau


to work at the Dutch government headquarters in Recife, Bra-
zil. During this period, he served the interests of the West India
Company (WIC) by classifying and describing the inhabitants,
plants, animals and stars of the southern hemisphere along-
side physician Willem Piso (1611-1678). During his time in Brazil,
Marcgraf produced meticulous cartographic works, drawings
and a diary. Exploratory expeditions and campaigns to capture
Indians, carried out between 1639 and 1642, were some of the
means he used to carry out these geographical studies. During
his first voyage, Marcgraf traveled 750 km between June and Au-
gust of 1639 accompanying an expedition made up of 250 Brazil-
ians, 150 Tapuias and 15 white Europeans, to capture indigenous
peoples in the interior of Ceará (Boogaart and Parker, 2002: 7).
In Brazil between 1638 and 1643, Marcgraf was tasked to
provide detailed topographic surveys during seven expeditions
in which he traveled 800 km along the coast and 80 km inland
(Storms, 2011: 37-39). Willem Piso and Marcgraf were very in-
terested in botany and cartography; during his travels in the
Northeast, Marcgraf also described a significant part of Brazil’s
fauna and flora at the service of the then New Holland Gov-
ernor-General, João Maurício Nassau-Siegen (Barleus, 2005).
As a cartographer, he surveyed and indicated Portuguese top-
onyms involving mills, villages, farms, indigenous missions,
taperas, corrals, salt marshes, Indian villages, paths, waterfalls
and springs. Among the special points is also the location of
an abandoned village of the Quilombos de Palmares, which
brasileiros, 150 tapuias e 15 europeos, ele percorreu 750 km
entre junho e agosto de 1639 (Boogaart e Parker, 2002: 7).
No Brasil entre 1638 e 1643, coube a ele um levantamen-
to topográfico detalhado realizado em sete expedições nas
quais percorreu 800 km pela costa e 80 km pelo interior
(Storms, 2011: 37-39). Willem Piso e Marcgraf tiveram mui-
to interesse por botânica e cartografia; nas suas viagens pelo
Nordeste Marcgraf descreveu também parte significativa da
fauna e da flora do Brasil a serviço do então governador-ge-
ral da Nova Holanda, João Maurício Nassau-Siegen (Barleus,
2005). Como cartógrafo, realizou levantamento e localização
de topônimos portugueses, indígenas e afro-brasileiros en-
volvendo engenhos, vilas, fazendas, missões indígenas, tape-
ras, quilombos, currais, salinas, aldeias de índios, caminhos,
cacimbas e fontes de água. Entre os pontos especiais conta-
mos ainda com a localização do Quilombo de Palmares, que
acreditamos corresponder ao local registrado por ele como
Tapera de Angola. Os mapas de Marcgraf então reunidos no
famoso mapa Brasilia Qua Parte Paret Belgis podem ser dos
mais antigos em registrar o Quilombo dos Palmares e segun-
do pesquisas de geo-referenciamento, o quilombo Tapera de
Angola ou de Palmares está localizado no município de Mu-
rici no Estado de Alagoas, próximo ao atual Parque Nacional
Serra da Barriga.
Os estudos desenvolvidos a partir do mapa citado de-
monstram que Marcgraf tinha um olhar mais detalhado so-
bre as populaçoes das regiões pesquisadas por ele. As obras

ABERTURA 15
16 APERTURE

corresponds to the place noted by Marcgraf as Tapera de Angola.


The Marcgraf maps were assembled on the famous Brasilia Qua
Parte Paret Belgis map, which may be one of the oldest indica-
tions of Palmares. According to geo-referencing research, the
Tapera de Angola quilombo was located in the municipality of
Murici in the state of Alagoas, less than 40km from the Serra da
Barriga National Park.
Studies of the map show that Marcgraf had a detailed per-
spective of the populations in the regions he surveyed. Works
published after his death as a collection of separate drawings as-
sembled in four volumes in the Libri Principis or Libri Pictuari A32-
35, sent in 1652 by Mauricio de Nassau to Frederico Guilherme
de Branderburgo, attest to his versatility as a researcher and
scientist. During this same period, drawings attributed to Albert
Eckhout were then compiled for a publication, called Theatrum
Rerum Naturalium Brasiliaes, as referenced in Barleus´s book
covering Nassau’s accomplishments in Dutch Brazil (Petronella,
1985: 251). We know also that some of Marcgraf’s cartographic
works in Nassau’s possession were given to Johannes de Laet,
one of the directors of the West India Company. Joan Blaeu was
tasked with coordinating the first edition of the Brasilia qua paret
Belgis mural for the great exhibition organized in Amsterdam
displaying WIC-controlled parts of the world in 1647.
It was a long journey for Tapuias and Taperas in the Maps of
Georg Marcgraf to be published in Brazil. It grew out of studies
for my postdoctoral internship between 2012 and 2013 with the
support of the Department of History of the Federal University
divulgadas após sua morte como a coleção de desenhos avul-
sos reunidos em quatro volumes no Libri Principis ou Libri
Pictuari A32-35, enviada em 1652 por Mauricio de Nassau a
Frederico Guilherme de Branderburgo, podem comprovar
sua versatilidade como pesquisador e cientista. Neste mes-
mo período, desenhos atribuídos a Albert Eckhout e pesqui-
sas de Marcgraf foram então compilados para uma publi-
cação, que recebeu o nome de Theatrum Rerum Naturalium
Brasiliaes, como consta registrado no Livro de Barleus entre
os feitos de Nassau no Brasil holandês (Petronella, 1985: 251).
Podemos ainda afirmar que parte dos trabalhos cartográficos
de Marcgraf em posse de Nassau foi entregue a Johannes de
Laet, um dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais,
e coube a Joan Blaeu cordenar a primeira edição do mapa
mural Brasilia qua parte paret Belgis para a grande exposição
montada em Amsterdam sobre as partes do mundo contro-
ladas pela WIC, em 1647.
O livro Tapuias e Taperas em Mapas de Georg Marcgraf per-
correu uma longa trajetória para ser editado no Brasil. Nas-
ceu de trabalhos desenvolvidos para meu estágio pós-dou-
toral realizado entre o ano de 2012 e o de 2013 com apoio
do Departamento de História da Universidade Federal de
Pernambuco, do Departamento de História da Universidade
de Salamanca (USAL) e de laços acadêmicos com o Centro de
Estudos Brasileiros com sede em Salamanca.
Conheci a Universidade de Salamanca (USAL) no ano de
2002 ao ministrar curso sobre História do Brasil Colônia

ABERTURA 17
18 APERTURE

of Pernambuco, the Department of History of the University of


Salamanca (USAL) and academic ties with the Center of Brazil-
ian Studies based in Salamanca.
I first went to the University of Salamanca (USAL) in 2002
while teaching a course on Brazilian Colony History focusing on
indigenous cultures of the Northeast. During this period, I had
as academic exchange colleagues the professors Carlos Guil-
herme Mota, Socorro Ferraz, Jose Manuel Santos, Julio Sanches
and Izascum Álvarez Cuartero. In 2007, we presented histori-
cal research accompanied by a photo exhibition at USAL titled
Opara – Uma Paisagem de Identidade Cultural no Rio São Francisco.
Since then I thought about working in the historical archives of
Simancas, Seville and Madrid to broaden my research on the
first contacts between Europeans, Indians and Afro descendants
in lands of the Sertão that came to mold Brazil.
During my postdoctoral studies in History at USAL (2011-
2012), I engaged with new research groups in Spain such as the
Escrituras Silenciadas of the Universidade de Alcalá de Henares
and the Indigenous and African American Cultures (CINAF)
group of the Universidade de Barcelona. These interactions let
to my invitation to invite colleagues, historians and archaeol-
ogists, to participate in this publication about Marcgraf’s car-
tography concerning the engravings and drawings attributed
to Frans Post published in the Netherlands in 1647. I believe
these were very valuable times for studies of Afro-Brazilian
and indigenous populations by the backlands of Brazil and the
northeastern coast with a focus on old indigenous roads and
com foco sobre culturas indígenas do Nordeste. Neste pe-
ríodo, tive como companheiros de intercambio acadêmi-
co os professores Carlos Guilherme Mota, Socorro Ferraz,
José Manuel Santos, Júlio Sanches e Izascum Álvarez Cuar-
tero. Em 2007, apresentamos pesquisa histórica acompa-
nhada de uma exposição de fotografias na USAL intitulada
Opara – Uma Paisagem de Identidade Cultural no rio São
Francisco. Desde então, pensava em trabalhar nos arquivos
históricos de Simancas, Sevilha e Madri para aprofundar mi-
nhas pesquisas sobre os primeiros contatos entre europeus,
indígenas e afrodescendentes em terras do Sertão que vie-
ram a formar o Brasil.
Durante os estudos de pós-doutorado em História na
USAL (2011-2012) passei a conviver com novos grupos de pes-
quisas na Espanha como o das Escrituras Silenciadas da Uni-
versidade de Alcalá de Henares e o grupo Culturas Indígenas
e Afro-americanas (CINAF) da Universidade de Barcelona.
Destes contatos convidei alguns Historiadores e arqueólogos
para participar desta publicação sobre a cartografia de Mar-
cgraf envolvendo gravuras com desenhos atribuídos a Frans
Post editada na Holanda em 1647. Acredito que foram tempos
de grande valia para os estudos sobre populações afro-brasi-
leiras e indígenas pelos sertões do Brasil e litoral do Nordeste
com foco nos velhos caminhos indígenas e na busca por no-
vas formas de organização social em aldeias, quilombos, vilas,
engenhos, fazendas e seus infinitos caminhos como os trilha-
dos por Marcgraf para produção de seus mapas.

ABERTURA 19
20 APERTURE

the search for new forms of social organization in villages, qui-


lombos, villages, mills, farms and their infinite paths like those
followed by Marcgraf to produce his maps.
More than a book, this publication represents a new look
at African and Indigenous peoples in Brazil from the colonial
period. The book, Tapuias and Taperas on Maps by Georg Marc-
graf, brings together eight chapters with different studies of the
map, Brasilia Qua Parte Paret Belgis and the drawings of Frans
Post and cartography of Georg Marcgraf. It is a publication that
broadens the works published in Afroindigenous Spaces on the
Map Brasilia Qua Paret Belgis, published in Barcelona in 2013. An
interdisciplinary approach combining paleographic, geograph-
ic and iconographic readings was applied to study the cartogra-
phy produced by Marcgraf aside Post´s drawings that formed
the Brasilia Qua Parte Paret Belgis mural map; a kaleidoscopic
map from which further research may emerge involving the
historical cartography, iconography, and geography of seven-
teenth-century Brazil.

Bartira Ferraz Barbosa


Aldeia dos Camaras, April 2019.
Mais que um livro, esta publicação significa um novo
olhar sobre o Brasil de afros e indígenas do período colonial.
O livro Tapuias e Taperas em mapas de Georg Marcgraf reúne
oito capítulos com diferentes estudos sobre o mapa Brasi-
lia Qua Parte Paret Belgis envolvendo a cartografia de Georg
Marcgraf e os desenhos de Frans Post; uma publicação que
vem ampliar os trabalhos publicados em Afroindigenous Space
on the Map Brasilia Qua Parte Paret Belgis, impresso em Barce-
lona em 2013. A interdisciplinaridade aplicada às leituras pa-
leográficas, geográficas e iconográficas foi um dos métodos
utilizados para o estudo da cartografia produzida por Mar-
cgraf que junto aos desenhos atribuídos a Frans Post passa-
ram a formar o mapa mural intitulado Brasilia Qua Parte Paret
Belgis. Um mapa caleidoscópio de cujos resultados podem
surgir ainda novas pesquisas envolvendo a cartografia histó-
rica, a iconografia e a geopolítica do Brasil do século XVII.

Bartira Ferraz Barbosa


Aldeia dos Camaras, abril de 2019.

ABERTURA 21
introdução
introduction

Georg Marcgraf
Um homem ancorado no tempo de Maurício

O astrônomo Oscar Toshiaki Matsuura, pesquisador do


MAST/MCT e da UFRJ, necessitava das medidas exatas com
relação à Casa de Su Excelencia, onde viveu, durante a maior
parte de seu tempo no governo do Recife, o alemão João
Mauricio de Nassau-Siegen, contratado nessa época pela
Companhia das Índias Ocidentais (WIC). No telhado de dita
casa foi instalado um observatório astronômico. O criador
de tal observatório era um membro da comitiva nassoviana,
o cientista Georg Marcgraf. No momento em que ouvíamos
a conferência do cientista Matsuura, em uma reunião na

introdução 23
24 introduction

Georg Marcgraf
An Anchorman in the Time of Maurice

Oscar Tosjiaki Matsuura, astronomer and researcher of MAST/


MCT and of UFRJ, needed the exact measurements in relation
to the location of the “House of His Excellency”, where, during
most of his stay while governing Recife, lived the German born,
John Maurice of Nassau-Siegen, contracted by the West Indies
Company. An observatory was installed on the roof of the house.
The planner of the observatory was Georg Marcgraf, a scientist
and member of the Nassovian expedition. At the time of Mat-
suura’s conference at the Joaquim Nabuco Foundation in Reci-
fe, we informed him that we could find the place he sought. It is
just what we did and later sent our findings to São Paulo.
The location of the house, where Marcgraf lived in some
of its annexes, had already been identified by the historian José
Antônio de Melo, heaving used for this search a manuscript he
discovered while researching in the Netherlands. Nonetheles,
defining exactly which buildings the house occupied on the
corner of the streets Rua do Imperador and 1º de Março, hás
not yet been determined.
In a project tha we conducted called the Inventério do Mes-
quita, a notary document that identified in 1654 the constructed
houses in the Dutch settlement, Santo Antônio, together with
the few existing buildings prior to 1630, we had to examine
each block of the old Ilha de Antônio Vaz. To accomplish this
task, we used precisely elaborated maps, from diverse periods,
Fundação Joaquim Nabuco no Recife, o informamos que po-
díamos localizar precisamente o lugar que buscava. O que
fizemos e enviamos a dita informação a São Paulo.
O sitio da casa, em cujas dependências viveu Marcgraf
havia sido já identificado pelo historiador José Antônio Gon-
salves de Melo, utilizando para isso a documentação manus-
crita obtida em pesquisas realizadas na Holanda. Sem em-
bargo, a localização de qual imóvel havia sido ocupado pela
casa na Rua do Imperador, esquina com a rua 1º de março,
ainda não se sabia.
Na pesquisa que realizamos sobre o Inventário do Misqui-
ta, registro que identificou em 1654, as casas edificadas no
bairro de Santo Antônio pelos holandeses, juntamente com
as poucas então existentes no local antes de 1630, tivemos
que trabalhar cada pedaço da antiga ilha de Antônio Vaz e
usamos para isso mapas elaborados, em diversos momentos,
por cartógrafos e engenheiros militares chegados com os di-
rigentes daquela Companhia.
A quantidade de informação sobre o Recife e o resto da
região do Nordeste, então ocupada pela empresa holandesa
é muito grande. São peças cartográficas notáveis pela exati-
dão requerida por tal companhia mercantil e que até aquele
momento não se havia realizado nas novas terras lusitanas.
Detalhes que nos chamam atenção quando ainda se pode per-
correr, da mesma maneira como se fazia no século XVII, cami-
nhos delineados pelos cartógrafos e engenheiros militares a
serviço da WIC. Tivemos a oportunidade de poder comprovar

introdução 25
26 introduction

produced by cartographers and military engineers who arrived


with the WIC in the 17th century.
The quantity of information on Recife and the rest of the
northeastern region occupied by the Dutch enterprise is very
extensive. They are cartographic works made notable by the
preciseness demanded by the mercantilist enterprise that, until
that moment, had not been attempted in any other new Lu-
sitanian lands. Details that call our attention when they are still
observable as in the 17th century are the paths delineated by the
cartographers and engineers. We had the opportunity to locate
and confim these trails that ran between Recife and Goiana at
the time, and cited with remarkable precision by the English
traveler, Henry Koster.
Georg Marcgraf was one of those responsible for the elab-
oration of maps of this type. Naturally, he did not work alone.
The Marcgraf myth has left this scientist at the interface of
myth. By comparison, when one speaks of the survey of Reci-
fe done by the offices of the engineer Douglas Fox, one hears
from him of the immense work involved, for example in the
well-known 1906 map. Interestingly, this engineer never came
to realice such a Project as did his associate, Whitmann, Who,
in recife, took advantage of many works made by those living
in Brazil.We do not want to diminish the greatness of Marcgraf,
but only to portray the notable scientist as also human.
Georg Marcgraf, Jorge Marcgraf (1610-1644), was a German
born in Liebstadt and came to Dutch Brazil in 1638 on a WIC
ship. He participated in the so-called Court of the governo João
quando elaboramos um texto sobre os caminhos que se se-
guiam naquela época, de Recife até Goiana. Caminhos citados
pelo inglês Henry Koster com surpreendentes detalhes.
Georg Marcgraf foi um dos responsáveis pela elaboração
de alguns mapas do gênero. Naturalmente não os fez sozinho.
Quando se fala de levantamento, por exemplo, do Recife re-
alizado pelas oficinas do engenheiro Douglas Fox, se fala de
seu imenso e extraordinário trabalho. O mapa de 1906 é co-
nhecido como de Douglas Fox. No entanto, esse engenheiro
nunca veio a realiza-lo e sim seu associado Whitmann. Este
aproveitou em Recife muitas das informações procedentes
da população local. Não queremos com isto diminuir a gran-
deza de Marcgraf, mas deixar uma aproximação mais huma-
na do notável cientista.
Georg Marcgraf, Jorge Marcgraf (1610-1644), era um ale-
mão nascido em Liebstadt e que veio ao Brasil Holandês
em 1638, em um navio da WIC. Participou da corte do go-
vernador João Mauricio de Nassau – Siegen, na qualidade de
naturalista, geógrafo, cartógrafo e astrônomo. Sua condição
de homem interessado nas ciências da terra o fez também
um homem dos astros. A astrologia e a astronomia estavam
unificando-se em uma ciência mais aproximada aos novos
tempos em que a explicação da existência separava-se da for-
ma clássica da igreja. Tempo escuro em relação a essa igreja
que martirizou Galileu com o silencio. Em tempos recentes
o teólogo e filósofo brasileiro Leonardo Boff sofreu um cas-
tigo similar.

introdução 27
28 introduction

Mauricio de Nassau-Siegen, in the role of naturalist, geogra-


pher, cartographer and astronomer. His Interest in earth sci-
ences also made him a man of the cosmological. Astrology and
astronomy were coming together in tese new times in a man-
ner in which the explanation of what it is to exist differed from
the classic thinking of the Church. A dark time for this Church
that martyred Galileo in silence. In recent times, Leonardo Boff
suffered similar punishment.
Marcgraf counted on the distance of the Lutheran Church
in relation to that of the Roman. Maybe this distance signaled
the liberty to action and expression thus motivating his choice
to come to the New World, where he could realize from that
curious and magical box situated on a roof, the first ‘free’ ob-
servations in the Americas.
The science of measuring the earth and registering all that
sat upon her as well as measuring stellar bodies stimulated him
to make maps, aided by information obtained by him or with
the help of excellent engineers and cartographers who were on
and around the land making detailed annotations. Marcgraf’s
wall map was a high point in this work of collecting information
and it had an important place in the decoration of houses in
the Netherlands. Naturally true to the joining together of the
diverse aspects of New Holland in the interest of the people of
the Low Countries, one said that the wall map’s aim was to gring
the world into the each home.
As noted, his observatory was installed in a place that survives
to this day, the corner of the streets, Imperador Pedro II and the 1º
Marcgraf contava com a distancia da igreja luterana em
relação à de Roma. Talvez essa distância pudesse proporcio-
nar liberdade de fazer e dizer, sendo esta uma forte motiva-
ção para levá-lo ao Novo Mundo, onde poderia realizar da-
quele espaço singular e mágico situado sobre um telhado, as
primeiras observações “livres” das Américas.
A ciência de medir a terra e informar de tudo quanto
existia em cima dela e ainda medir os astros era um estímulo
à realização de mapas, auxiliado por informações obtidas
pelo mesmo ou com a ajuda dos excelentes engenheiros e
cartógrafos que estavam em terra ou na costa, registrando
inúmeras anotações. O mapa mural de Marcgraf é um ponto
alto em seu trabalho de recolhida de informações e teve um
papel importante no campo da decoração de casas na Holanda.
Como dissemos, seu observatório estava instalado em
um local que chegou a nossos dias, a esquina das Ruas do
Imperador Pedro II e 1º de Março, a antiga Rua do Crespo, e
referido no desenho urbano da velha Maurícia como um edi-
fício hoje remodelado, marco tangível da herança da primei-
ra residência do Conde João Mauricio de Nassau, no Brasil
Holandês. Nessa casa, sobre seu telhado, funcionou de 1638 a
1643 aquele observatório astronômico edificado, equipado e
operado por Georg Marcgraf.I
A casa de Pedro Álvares, Cristão Novo, confiscada pela
WIC, foi entregue a Nassau e ela ocupava o local de quatro
edifícios hoje identificados. Esperamos que neles se insta-
le no futuro o Museu de Marcgraf. Foi quando Marcgraf e

introdução 29
30 introduction

de Março, having been the old Rua do Crespo referred to in the ur-
ban map of Old Maurícia. Its location is in a remodeled building
at this corner, a tangible landmark of the first residency of Count
João Mauricio de Nassau, in Dutch Brazil. On the roof of this
house was built the astronomical observatory that functioned be-
tween 1638 and 1643, equipped and operated by Georg Marcgraf.
The house of Pedro Alves, a New Christian, confiscated by
the WIC was handed over to Nassau and it occupied the location
of four the townhouses located today. We hope to install the
Marcgraf Museum in these buildings. While Marcgraf and oth-
er members of the Nassau Court lived in this residence, other
projects were accomplished. Besides the observatory, there was
a botanical and zoological garden built in the Palácio de Tor-
res of Friburgo. From here the scientists and engineers would
make metereological observations and set out on a number of
expeditions to collect species, to collect topographical data and
observe the fauna end the flora of the northeast.
Marcgraf’s indisputable scientific leadership was essential
in all of these tasks. But the aspect most important of his lead-
ership, which formed the foundation for the primacy of Marc-
graf’s moder science in the New World was his posture that was
as innovative as the era, shown through the investigation of
nature based on not more observations, or on propositions of
classic authorities, but on systematic observations and precise
measurement. He held this same posture in the study of flora,
fauna, the land, the climate, the Native Americans and of the
stellar bodies in the souther Sky.
outros membros da corte de Nassau viviam nessa residência
que se construiu além daquele observatório astronômico, no
Palácio das Torres ou de Friburgo, um jardim botânico e zoo-
lógico, e se fizeram observações meteorológicas e diversas en-
tradas para o recolhimento de espécimes, levantamentos car-
tográficos e conhecimentos da fauna e da flora do Nordeste.
Em todas essas tarefas, Marcgraf teve uma indiscutível
liderança científica. Mas, o aspecto mais importante dessa
liderança, que fundamenta a primazia da modernidade cien-
tífica de nosso personagem no Novo Mundo é que, apesar de
tratar-se ainda de uma época fecunda de formação da ciência
moderna, ele já estava imbuído de uma postura então ino-
vadora na investigação da natureza baseada, não em meras
especulações, nem em proposições estabelecidas ou de au-
toridades clássicas, si não em observações sistemáticas e em
medidas precisas. Essa mesma postura foi a que utilizou no
estudo da flora, da fauna, do território, do clima, dos nativos
e dos astros do céu austral.
Parece-nos que o nome de Marcgraf deve perder seu
significado simbólico e singular, que sempre ajudou a cons-
truir mitos, ele somente se alcança com estudos como os que
agora estão neste livro editado e que podem deixar o notável
cientista igual a qualquer mortal e assim mais digno de suas
conquistas no campo da ciência.

José Luiz M. Menezes

introdução 31
32 introduction

It appears to us that the name Marcgraf must lose its par-


ticular and symbolic meaning tha always aided to construct the
myth. Such a feat only becomes possible through studies such
as the present book, which helps to portray this noteworthy sci-
entist as humane and equal to any other mortal and, thus, more
deserving of his accomplishments in the Field of science.

José Luiz M. Menezes


A Escolha do Mapa Mural
the wall map 1
Bartira Ferraz Barbosa
O mapa muralII Brasilia qua parte paret Belgis vem sendo es-
tudado por especialistas de vários campos da história e da
geografia como uma das obras financiadas pela Companhia
das Índias Ocidentais (WIC) das mais avançadas para sua épo-
ca. Comemorando, em 2012, os 365 anos da sua primeira pu-
blicação, realizada em 1647, pesquisadores da Universidade
Federal de Pernambuco e da Universitat de Barcelona reuni-
ram-se para uma investigação sobre os espaços com presença
de indígenas, de africanos e de mestiços nele representados.
Neste trabalho, os textos e os desenhos contidos no mapa
serviram como base para a realização das interpretações his-
tóricas sobre os territórios colonizados e os não colonizados,
isto é, os contíguos aos já dominados pelos europeus, apre-
sentados como espaços indígenas com presença de africanos
e de mestiços colocados fora do controle português.
Utilizando um conjunto de documentos históricos cons-
tituídos por mapas, informes e cartas indígenas produzi-
dos no período colonial, foi possível dialogar com o mapa
como uma ‘linguagem’ viva, base para a pesquisa histórica
e social sobre o contato entre natureza, europeus, indígenas

A escolha do mapa mural 37


38 The wall map

The mural, or wall, map Brasilia qua parte paret Belgis, has been
studied by experts from various fields of history and geogra-
phy as one of the most advanced works of its period funded
by the West India Company.1 Commemorating 365 years after
the map’s first publication in 1647, researchers at the Univer-
sidade Federal de Pernambuco and Universitat de Barcelona
came together in 2013 to investigate Native American, African
and descendent spaces represented in this work. The texts and
drawings contained in the map served as the basis for the re-
alization of historical interpretations about the territories oc-
cupied by Europeans, Indians, Africans and mestizos. Included
were colonial e non-colonized spaces, for example areas con-
tiguous to those already dominated by Europeans depicted as
regions with the presence of indigenous Africans and African
descendants placed outside colonial rule.
In this book, we present the idea of using maps, military
reports and letters as a ‘language’ with the aim of serving as a
source for a social history of changes and continuities in Bra-
zilian colonial society and landscape.2 The idea is to understand
better the history and nature of contact between Europeans,
Native Americans and Africans, which occurred during the
conquest and occupation of Brazil. Thus, in this example on
the mapping of Dutch colonial achievements, different events
that took place in the diverse regions can be perceived and fol-
lowed. Slavery, agriculture, expeditions and conquests figured
as important themes in this period considered a Golden Age
for Dutch cartography (Matsura, 2011). As testament to this
e africanos ocorrido durante a conquista e a ocupação ho-
landesa do Brasil no século XVII. O mapa registra mudan-
ças e continuidades na cartografia holandesa e na paisagem
colonial brasileira, onde diferentes ações ocorridas nos es-
paços coloniais podem ser acompanhadas. Temas novos en-
volvendo colonização, escravidão, monoculturas, expedições
e conquista foram inseridos por Margraf em seus registros
cartográficos durante essa época de ouro para as ciências e as
artes desenvolvidas nos Países Baixos (Matsura, 2011: 330). O
Brasilia qua parte paret Belgis confirma esta afirmação por ser
um documento cartográfico importante no que ele apresen-
ta como espaços nativos e de escravos fugitivos do sistema
colonial. A localização desses espaços, nas diferentes áreas
do litoral ao Sertão, pode ser a mais representativa e, talvez,
única da costa do Nordeste do Brasil, do século XVII, quanto
à localização da área do quilombo dos Palmares e de aldeias
espalhadas pelo sertão.
Durante o período colonial, os interesses por mapas geo-
políticos e planos urbanos sobre diferentes regiões da Amé-
rica estavam, sobretudo, relacionados a aspectos políticos
enredados às fronteiras econômicas estabelecidas a partir da
expansão marítima de estados e reinos europeus modernos.
Portanto, rotas de navegação, mercadorias, contatos entre di-
ferentes regiões e assentamentos populacionais são alguns
dos temas encontrados na cartografia do período.
A costa Nordeste do Brasil foi a primeira região das Amé-
ricas a receber um grupo de cientistas financiado pela WIC,

A escolha do mapa mural 39


40 The wall map

caricature and importance, the Marcgraf map represents Na-


tive American and runaway slave spaces. Indeed, it is a valuable
source in its representation of the sertão (backlands, or country-
side) and coast that might prove fundamental in the location of
diverse historic-period non-colonial spaces, such as the several
quilombos of Palmares.
During the colonial period, interest in geopolitical maps
and urban plans of different regions in the Americas were,
above all, related to political factors located at the economic
frontiers established by the maritime expansion of modern Eu-
ropean states and monarchies. This being the case, navigation
routes, merchandise, contact between regions and population
settlements are some of the themes found in historical cartog-
raphy of the period.3
The northeastern coast of Brazil was one of the first regions
in the Americas to be represented on maps of the colonial pe-
riod and to receive a group of scientists, funded by the WIC, to
carry out research in different fields: geography, cartography,
botany, astronomy, drawing, painting, medicine, and others.
The activities that took place during this period were supported
by the Atlantic trade and the work of scientists, which enabled
Johannes de Laet, geographer and director of WIC, to edit re-
search results and texts, such as Willem Piso and Georg Marc-
graf’s work, Historia Rerum Naturalius Brasiliae (Natural History
of Brazil), dated 1648.
Under the dual focus of the WIC’s commercial and scientific
endeavors, Cabral de Mello (2010) writes that the Dutch had
para desenvolver pesquisas em diferentes campos da geogra-
fia, da cartografia, da botânica, da astronomia, do desenho,
da pintura, da medicina, dentre outros. As atividades ocor-
ridas nesse período tiveram apoio no comércio atlântico, o
que permitiu a Johanes de Laet, geógrafo e diretor da WIC,
a edição de alguns estudos como os de Willen Piso e Georg
Marcgraf na obra Historia Rerum Naturalius Brasiliae (Histo-
ria Natural do Brasil), datada de 1648.
O duplo enfoque comercial e científico desenvolvido e fi-
nanciado pela WIC resultou na ocupação do Nordeste do Bra-
sil e no financiamento de importante desenvolvimento carto-
gráfico, iniciado no século XVI, tendo em vista as conquistas
comerciais e econômicas almejadas pelos Países Baixos.
Textos, mapas, descrições pormenorizadas da costa, estudos
econômicos das plantações de açúcar e as invasões milita-
res, foram alguns dos aspectos custeados que passaram a ser
enfocados por uma ampla e variada documentação histórica
produzida no século XVII (Cabral de Mello, 2010). Incluem-se
entre estes documentos as cartas e os relatos de indígenas
escritos em tupinambá, holandês e português assim como
documentos assinados por mestiços e afrodescendentes.III
Em Portugal, desde o início do século XVI, documentação e
cartografia vieram a ser produzidas, mas foi na Holanda, a par-
tir de 1580, que uma cartografia mais detalhada sobre a Amé-
rica passou a ser confeccionada para confirmar as conquistas
territoriais realizadas. No final do século XVI, Willem Jans-
zoon Blaeu (1571-1638) cria, com base na projeção de Mercator,

A escolha do mapa mural 41


42 The wall map

the financial resources for both the occupation of northeastern


Brazil as well as the funding of important cartographic develop-
ments begun in the sixteenth century. Dutch and Portuguese
texts, maps and detailed descriptions of the coast, economic
studies of the sugar plantations and the cost of invasions were
some of the aspects emphasized, leaving a broad and varied
historical documentation produced in the period.
Since the beginning of the sixteenth century, texts and
maps were being produced in Portugal, but it was the Neth-
erlands, from 1580, that more detailed mapping of the Ameri-
cas began.4 Willem Janszoon Blaeu established a standard that
would be followed in map making of the West Indies at the
time, based on the Mercator projection, and later also used by
Georg Marcgraf, Johan de Laet and Joan Blaeu, among others.
The demand for this type of image shifted the leadership from
the city of Antwerp to Amsterdam in the publication of maps,
travel accounts and scientific texts. Even as the great cartog-
raphers and cosmographers of the Iberian monarchies met in
Lisbon, Seville and, after independence of the Netherlands, in
Amsterdam and Antwerp, the new cartographic knowledge also
began to be copied in other parts of the world.5 A fine exam-
ple is the Universal Atlas by Fernão Vaz Dourado, made in Goa.
Fernão, author of 17 nautical charts included in this atlas, is con-
sidered today as one of the best Renaissance cosmographers
(Gruzinski, 2010: 214-215).
The maps and texts produced concerning interethnic rela-
tions focused mainly on controlled colonial areas though also
um padrão que será seguido por outros cartógrafos da épo-
ca, como Georg Marcgraf, Johan de Laet e Joan Blaeu, entre
outros. A demanda por esse gênero de imagem leva da cida-
de de Antuérpia para Amsterdam a liderança das publicações
de mapas, relatos de viagens e textos científicos. Ainda que os
grandes cartógrafos e cosmógrafos das monarquias ibéricas se
encontrassem em Lisboa, Sevilla e, depois da independência
dos Países Baixos, em Antuérpia e Amsterdam, os novos co-
nhecimentos cartográficos também passaram a ser impressos
em outras partes do mundo incorporando conhecimentos de
culturas e indivíduos em contato.IV Um exemplo é o Atlas Uni-
versal de Fernão Vaz Dourado, feito em Goa. Fernão, um mes-
tiço de português com uma indiana, autor das 17 cartas náuti-
cas reunidas neste atlas, é considerado, hoje, um dos melhores
cosmógrafos do Renascimento. (Gruzinski, 2010: 214-215).
Os mapas e os textos que se fizeram sobre essas relações
interétnicas focavam principalmente as áreas coloniais con-
quistadas e seus contornos, onde viviam populações nativas
ainda em liberdade. Sobre esta periferia dos espaços colo-
niais, portugueses, castelhanos e holandeses aproveitaram
dos saberes nativos recolhidos por informações orais e por
imagens, nas quais eram representados os espaços sociocul-
turais e as toponímias de maneira própria e suscetível a se-
rem compreendidas por públicos europeus. Sem os lançados,
pombeiros ou tangomaus,V com vivências na costa da África,
ou sem os chamados ‘lenguas ou línguas’, nativos conhece-
dores de vários idiomas existentes na América espanhola e na

A escolha do mapa mural 43


44 The wall map

on the outskirts where native populations still lived in freedom.


In representing the peripheries of these colonial spaces, the
Portuguese, Spaniards and Dutch took advantage of native
knowledge collected by oral information and images, which
represented sociocultural areas and place names in a man-
ner likely to be understood by Europeans. Without Lançados,
Pombeiros or Tangomaus,6 with their experience on the coast of
Africa, or without so called ‘lenguas’ or ‘linguas’, native peoples
fluent in the many languages existing in Spanish and Portu-
guese America, any attempt inquiry would have failed (Gruzins-
ki, 2010: 241). The details of the information points to the fun-
damental participation of Native Americans, cafuzos, caboclos
and Africans as interpreters, intermediaries, employees, local
informants and eyewitnesses.
Despite using general features found on maps of the time,
Brasilia qua parte paret Belgis brings together in an original way
and with more complexity and amount of information the is-
sues involving different cultures both within colonial borders
as well as the regions not yet colonized located in northeast-
ern Brazil in the seventeenth century. Its power of communi-
cation draws attention to the representation of landscapes and
the use of symbols that follow ideals of order, wealth, beauty
and feelings. Many ideas seem purposely to follow an order of
importance. Translating the title, one has an initial explanation
about what the map was meant to communicate, specifically,
the part of Brazil that belonged to the Netherlands. By extension, we
understand that the map brings together various groups and
portuguesa, qualquer indagação teria fracassado (Gruzinski,
2010: 241). Os detalhes das informações contidas no mapa
mural de Marcgraf apontam para uma fundamental parti-
cipação de indígenas, cafuzos, caboclos e africanos como in-
térpretes, intermediários, colaboradores, informantes locais
e testemunhas oculares.
Apesar de utilizar aspectos gerais encontrados na carto-
grafia europeia da época, o mapa Brasilia qua parte paret Belgis
reúne, de maneira original e com mais complexidade e quan-
tidade de informações, temas envolvendo distintas culturas
em espaços do mundo colonial e o ainda não colonizado, lo-
calizados no Nordeste do Brasil, no século XVII. Seu poder
de comunicação chama atenção quanto ao uso de símbolos e
paisagens que seguem ideais de ordem, riqueza, beleza e sen-
timentos. Ideias que parecem seguir propositalmente uma
ordem de importância. Traduzindo seu título colocado em
latim temos uma primeira explicação sobre o que mais im-
porta comunicar neste mapa mural, ou seja: a parte do Brasil
que cabia aos Países Baixos. Título que, portanto, nos dá a en-
tender tratar-se de mapa que reúne vários interesses envol-
vendo grupos do e no Brasil e nos Países Baixos.
Uma segunda questão recai sobre o possível ano em que
o mapa foi gravado (1646) e o ano de sua publicação em 1647,
por Joan Blaeu, envolvendo a inclusão de um número sig-
nificativo de ilustrações atribuídas a Frans Post e a Albert
Ekhout. As datas coincidem com o final do período do gover-
no de João Maurício de Nassau no Brasil e com a publicação

A escolha do mapa mural 45


46 The wall map

interests both in Brazil and the Netherlands. A second issue


concerns the year in which the map was recorded (1646) and
the year of its publication (1647) by Joan Blaeu. The dates relate
to the end of the government of John Maurice of Nassau-Sie-
gen, in Brazil, and the publication of two other works: the
Caspar van Baerle (1584-1648), or Gaspar Barleus as he came
to be known in Brazil, entitled O Brasil Holandês sob o Conde
João Maurício de Nassau, with the first edition in the year 1647
(Barleus, 2005) and the work Historia Rerum Naturalius Brasiliae
by Piso and Marcgraf, published in 1648, an edition subsidized
by Nassau. The Marcgraf map includes a significant number of
illustrations attributed to Frans Post and Albert Eckhout.7 These
three works are distinguished by unprecedented iconography
on the Brazilian northeast produced in the seventeenth century.
The importance of artistic and scientific information contained
in the set put together by Barleus, Piso and Marcgraf and on
the wealth of fauna and flora of a Brazil then known by the
Netherlands seems to justify colonial investments.
The Marcgraf wall map does not appear to go beyond
general standards in seventeenth-century mapmaking, as pre-
senting diverse cartographic, landscapes, coats of arms, ethno-
graphic, flora, fauna, geopolitical and textual elements in a sin-
gle document as was typical for the time. What differs from the
others is the effort of juxtaposition or collage of several images
with detailed landscapes and rich ethnographic elements and
the location of Indian villages, sugar mills, roads, ports, corrals,
salt sources, missions among other details. Extraordinary for
de outras duas obras: a de Gaspar van Baerle (1584-1648), ou
Gaspar Barleus, como veio a ser conhecido no Brasil, inti-
tulada O Brasil Holandês sob o Conde João Maurício de Nassau,
com primeira edição no ano de 1647 (Barleus, 2005); e a obra
Historia Rerum Naturalius Brasiliae de Piso e Marcgraf, publi-
cada em 1648, cuja edição foi subvencionada por Nassau. As
três obras citadas merecem destaque pelas informações iné-
ditas sobre o Nordeste brasileiro produzidas no século XVII
e pelos conteúdos artísticos e científicos nelas registrados. O
conjunto de informações sobre a fauna, a flora e os nativos
de um Brasil até então pouco divulgado e conhecido pelos
Países Baixos ainda causa impacto quando comparado a ou-
tros registros do período colonial e parecem acompanhar de
forma especial os interesses dos investimentos coloniais.
Quanto ao sentido geral encontrado em mapas do sécu-
lo XVII, o mapa mural de Marcgraf inclui, como de costume
para a época, elementos cartográficos, paisagísticos, heráldi-
cos, etnográficos, zoos-botânicos, geopolíticos e textuais da-
dos em um mesmo documento. O que o difere dos demais
é o esforço da justaposição ou colagem de diversas imagens
com paisagens mais detalhadas e ricas em elementos etno-
gráficos nativos em relação à localização de aldeias indígenas,
engenhos, caminhos, portos, currais, salinas e missões, entre
outros elementos. Trata-se de um mapa mural extraordiná-
rio pelo conjunto de detalhes inseridos em nove pranchas
com um pequeno mapa de Joan Bleau na parte inferior com
o título Maritima Brasiliae Universae e o mapa de Marcgraf

A escolha do mapa mural 47


48 The wall map

its detailed descriptions, the map is composed of nine plates


joining two maps: one by Joan Bleau, smaller, which appears
at the bottom with the title Maritima Brasiliae Universae and a
large map by Marcgraf that occupies most of the nine plates.
Bleau was entrusted with the first edition (1647) of the mural
map, Brasilia qua parte paret Belgis. That the number of editions
with Marcgraf’s map in the foreground and Bleau’s in the
background increased after 1647 indicates that this was a work
of relevance for its time. Moreover, the that there were many
different engravers leads one to ponder just how the field of
cartography grew along with professionalization in mapmakers’
workshops in the Netherlands. One possible engraver of the
mural-map was Jan Brosterhuitzen, responsible for engraving
the works of Frans Post to be included in Barleus’ book (Corrêa
do Lago, 2009: 413-415).8 All of the editions of Brasilia qua parte
paret Belgis used Frans Post’s vignettes. They are drawings of
scenery of northeastern Brazil, on which there is no signature
of its author, unlike those in Barleus’ work, previously cited.
Therefore, the map was innovative for including artistic works
supported by Nassau and the WIC that initiated the propagation
of the first artistic representations of the Brazilian landscape.
The diverse editions exhibit small differences regarding ad-
aptations and the joining of Frans Post’s illustrations. For n the
1664 edition, edited by Clemendt de Jonghe, for example, the
format follows the composition made up of nine plates mea-
suring 121 x 160 cm each (Bibliothèque Nationale de France); in
the edition of 1659, the format employs the same plates, though
ocupando a maior parte das pranchas que o compõe. A Joan
Bleau foi confiada a primeira edição do mapa mural Brasilia
qua parte paret Belgis impressa em 1647. O número de edições
posteriores impressas no século XVII demonstra ter sido esta
uma obra de relevância também para a sua época. Por outro
lado, seus diferentes gravadores nos fazem pensar em como o
campo da cartografia crescera junto com a profissionalização
das oficinas de impressões existentes nos Países Baixos. Um
dos gravadores do mapa mural pode ter sido Jan Brosterhuit-
zen, responsável pelas gravuras dos trabalhos de Frans Post
para o livro de Barleus (Corrêa do Lago, 2009: 413- 415). Nas
diferentes edições do Brasilia qua parte paret Belgis os desenhos
das vinhetas foram atribuídos a Frans Post tendo em vista a se-
melhança aos assinados por ele na obra de Barleus. Um mapa,
portanto, que inovava pelo conteúdo e inclusão de trabalhos
artísticos apoiados por Nassau e pela WIC e que dava início à
divulgação das primeiras experiências artísticas no Brasil.
As várias edições do mapa apresentam pequenas diferen-
ças quanto às adaptações, ao tamanho e às costuras dos de-
senhos de Frans Post. Na edição de 1659, o formato segue o
mesmo conjunto de nove pranchas apenas mudando o tama-
nho da prancha para 159 x 115 cm, somando no total 5,10 me-
tros de largura por 3,95 metros de altura e na versão de 1664,
editada por Clemendt de Jonghe, por exemplo, as pranchas
mediam 160 x 121 cm cada uma (Bibliothèque Nationale de
France). Todas as edições exibem título, Notularum Explicatio,
guirlandas e escudos iguais. O que há de diferente entre elas

A escolha do mapa mural 49


50 The wall map

in this case measuring 159 x 115 cm each, totaling 5.10 meters


wide and 3.95 meters in height. The editions have the same ti-
tle, Notularum Explicatio, garlands and heraldic shields, but do
present some differences in the engravings, such as modifi-
cations of the landscape and even the complete omission of
some details. These differences appear to indicate that the en-
gravers were not too careful or concerned with copying exactly
the original, perhaps owing to disinterest in certain elements
or needing to emphasize others according to economic and
political exigencies. The drawings with landscapes attributed to
Frans Post include six scenes, all of them referring to the so-
cio-cultural colonial world involving enslaved Africans and free
Native Americans in different situations, enslaved laborers in
the mills, the preparation of manioc (manihot esculenta; cassava)
flour, Indians going to war and practicing cannibalism, black
fishermen and animals amid the flora.
The map is packed with text in more than four languages:
Latin, Portuguese, Tupinambá, and Dutch. The terms used in
other indigenous languages require further study to ascertain
their origin and meaning. This mixture of languages reflects
the complexity of cultural spaces and communicates firsthand
vivid descriptions from expeditions. These experiences were
transformed into documents and images related to the poli-
cies advocated by strategists of the Republic of the Seven United
Provinces, mainly on the results of the expansion of the Batavian
Empire to the Atlantic, featuring ports, trade routes and lands
that allowed the construction of colonial spaces.
são algumas modificações nos detalhes existentes nas gra-
vuras das paisagens e a subtração de detalhes completos em
outras, o que aponta para hipóteses como a de que os grava-
dores foram pouco cuidadosos em copiar o original, a de que
foram subtraídos detalhes etnográficos nas ilustrações por
falta de interesse em divulgar estas informações, ou mesmo
a de que sua missão era a de divulgar os espaços geográfi-
cos controlados. Os desenhos com paisagens atribuídos a
Frans Post compuseram cinco cenas, todas elas referindo-se
ao mundo sócio cultural colonial envolvendo população es-
crava africana, índios livres em diferentes situações, trabalho
escravo em engenho de açúcar e na casa de produção de fari-
nha de mandioca. As cenas incluem ainda índios saindo para
guerra, indígenas tapuias praticando o canibalismo, pesca-
dores afrodescendentes e animais em meio à flora.
O mapa está recheado de termos e textos explicativos em
mais de quatro línguas como: latim, português, tupinambá e
holandês. Os termos das línguas indígenas carecem de estu-
do mais aprofundados para verificar sua origem, adaptação
e entendimento. Embora a mistura das línguas no primeiro
momento nos leve a refletir sobre a complexidade dos es-
paços culturais tratados, a escrita no mapa espelha as polí-
ticas defendidas por estrategistas da República das Provín-
cias Unidas dos Países Baixos. Principalmente, quanto aos
resultados da expansão do império marítimo batavo para o
Atlântico, apresentando portos, rotas comerciais e terras que
possibilitaram a construção de espaços coloniais.

A escolha do mapa mural 51


Notularum Explicatio
notularum explicatio 2
Ricardo Piqueras, Scott Allen e Bartira Ferraz Barbosa
No quadro da legenda geral chamado “Notularum Expli-
catio”, situado na parte central inferior do mapa, Marcgraf
incorpora toda uma série de itens que nos permitem uma
leitura do mapa em sua parte terrestre, dada em função dos
diversos interesses geoeconômicos que se refletem no con-
texto das rotas marítimas. O quadro oferece nomenclaturas
escritas em português e em tupi, com sua respectiva corres-
pondência em latim, língua culta e de prestígio utilizada na
cartografia europeia moderna. A leitura em três idiomas, in-
cluindo uma língua nativa do Brasil, indica que o público ao
qual se dirigia este mapa, que por suas características murais
a ser exposto em ocasiões especiais, deveria ser curioso e eru-
dito por dominar o latim. A possível razão da utilização do
português e não do holandês no quadro geral seria a vincu-
lação da WIC e de Maurício de Nassau com os interesses eco-
nômicos portugueses durante etapa na qual se tenta atrair os
luso-brasileiros de Pernambuco para consolidar e rentabili-
zar o território ocupado.
Um total de 16 itens com seus respectivos símbolos
gráficos, exceto o termo “caminho”, que não tem símbolo,

Notularum explicatio 55
56 Notularum explicatio

In the legend, or “Notularum Explicatio”, located on the bottom


center of the map, Marcgraf incorporates a number of items
that allow for the reading and location of various geo-eco-
nomic interests that the makers wanted to reflect, both in
the context of land and maritime routes. The legend includes
nomenclatures written in Portuguese with their respective
translation in Latin, the prestigious cultural language used
in modern European cartography. The audience these carto-
graphic works targeted was erudite and this map, in virtue of
its size, would have been displayed for special occasions to be
contemplated and discussed. One possible reason for the use
of Portuguese and not Dutch in the legend is the direct link
between Maurice von Nassau, General Governor of the Dutch
Provinces of Brazil, to Portuguese economic interests during
his administration, a stage when he attempted to attract Por-
tuguese inhabitants of Pernambuco to consolidate the territo-
ry and turn it profitable.
Given this context, what were the interests to be reflected
in the map? What was interesting to note about what was or
was not present in the territories of Dutch Brazil?
There are 16 items with their respective graphic symbols (ex-
cept for the term “caminho” – path or road) that can be framed in
relation to two main themes concerning the territory occupied
by the Dutch: cultural geography and economic geography.
Regarding cultural geography on the settlements and hu-
man presence (European, African or indigenous) there are the
following terms:
foi relacionado a dois temas principais: a geografia huma-
na e a geografia econômica dos territórios ocupados pelos
holandeses.
Em relação à geografia humana, primeiro tema, se pre-
tende mostrar a ocupação do espaço colonial europeu com
presença africana e indígena relacionando estes locais aos
com povoações indígenas existentes nas aldea das Indias e al-
dea das Tapijya. Chama atenção a utilização do termo genéri-
co Indiarum como conceito aplicado aos grupos Tupinambás
das zonas colonizadas em contraposição às Aldeas das Tapijya
como espaços povoados fora do marco colonial. A diferença
deve-se ao uso de distintos termos em latim: Domus Indiarum,
em quanto a casa ou fogo fixo dos índios do tronco Tupi já
integrados no mundo colonial e Domicilium Tapijyurum como
sede/domicílio de indígenas do tronco Macro-Jê, Cariri e ou-
tras línguas não classificadas, localizados no interior e mais
distanciados do controle colonial. A informação Lugar des po-
voado ou Domicilia deserta indica aldeias anteriormente ocu-
padas por grupos que podem ter sido reduzidos às missões,
podem ter sido escravizados, podem ter sido deslocados por
descimentos ou que, ante a pressão portuguesa ou holandesa,
abandonaram suas aldeias por zonas de refúgio no interior.
Por outro lado, os estragos que causariam as epidemias que
assolaram os territórios indígenas nos sertões poderiam ex-
plicar alguns despovoamentos nestas e noutras áreas.
Assim, sobre a geografia envolvendo povoamento e pre-
senças humanas aparecem os seguintes termos:

Notularum explicatio 57
58 Notularum explicatio

Portuguese Latin English


Villa ou cidade Urbs vel civitas Town or village
Povaçáo Pagus vel vicus Settlement
Fortaleza Fortalittum Fort
Aldea das Indias Domus Indiarum ‘Indian’ Village
Aldea das Tapijya Domicilium Tapijyurum ‘Tapuya’ Village
Igreia Ecclesia Church or chapel
Caza Domus House
Lugar des povoado Domicilia deserta Abandoned

This first section discusses the use of space both on the Europe-
an side with African presence (town, settlement, fort or church)
as well as indigenous (‘Indian’ and ‘Tapuya’ villages). Particularly
striking is the use of the generic “Indiarum” concept applied to
Tupinambá groups within the colonized zone, as opposed to the
Tapuya villages – spaces out of direct colonial domination. The
difference is the use of different terms in Latin: “Domus Indi-
arum” for a permanent or sedentary and missionized and “Domi-
cilium Tapijyurum” as base/home of itinerant Indians, particularly
Tapuias.9 The labels, “Lugar des povoado” or “Domicilia deserta” in-
dicate areas or villages formerly occupied by groups that either
were eventually reduced to mission villages or groups that, ow-
ing to pressure from the Portuguese or Dutch, fled to refuge
areas in the interior (Allen, 2013), without underestimating the
damage caused by epidemics that ravaged the territories and
that could explain some abandoned settlements.
Português Latim
Villa ou cidade Urbs vel civitas
Povaçáo Pagus vel vicus
Fortaleza Fortalittum
Aldea das Indias Domus Indiarum
Aldea das Tapijya Domicilium Tapijyurum
Igreia Ecclesia
Caza… Domus
Lugar des povoado Domicilia deserta

Sobre a perspectiva da geografia econômica, o mapa apresen-


ta os espaços dos engenhos açucareiros, os espaços com reba-
nhos em currais e outros recursos como o da água das fontes,
das salinas para a indústria do sal holandesa, e o das rotas de
comunicação por vias terrestres e por vias fluviais. Rotas que
ligavam vários pontos geográficos e, por isso, fundamentais
para a rentabilidade econômica dos ditos espaços produtivos
que aparecem nos termos seguintes:

Português Latim
Curral Stabula diversarum bestiarum
Caminho Via
Engº dagoa cum Igreia Ingenio, vel Mola - Sacchari quoe vi aquaru rotatur
Engº dagoa sem Igreia Idem sine ecclesia

Notularum explicatio 59
60 Notularum explicatio

From the perspective of economic geography, the map iden-


tifies basic resources like water (springs), as well as economi-
cally viable places such as agriculture (sugar mills), husbandry
(corrals) and salt works, which are few, but were fundamental
for the Dutch salt industry. Together, these places and the
corresponding routes between them facilitated communica-
tion, which was vital to the economic viability of the region.
Thus, on the economic spaces the legend includes the fol-
lowing terms:

Portuguese Latin English


Curral Stabula diversarum Corral
bestiarum
Caminho Via Road, path
Engº dagoa cum Ingenio, vel Mola - Water-powered sugar
Igreia Sacchari quoe vi mill with Church
aquaru rotatur
Engº dagoa sem Idem sine ecclesia Water-powered sugar
Igreia mill without Church
Engº d bois cum Ingenio, Seu Mola Animal-powered sugar
Igreia Sacchari quoe vi ani- mill with/without
maliu circumagitur Church
Engº d bois sem Idem sine ecclesia Animal-powered sugar
Igreia mill without Church
Salinas Salinae Saltworks
Fonte, olhe dagoa/ Fons Spring
Canzaba
Engº d bois cum Igreia Ingenio, Seu Mola Sacchari quoe vi animaliu
circumagitur
Engº d bois sem Igreia Idem sine ecclesia
Salinas Salinae
Fonte, olhe dagoa/Canzaba Fons

Entre os espaços de produção de açúcar mencionados no


mapa, foram diferenciados os engenhos com igreja dos sem
igreja indicando, portanto, construções arquitetônicas volta-
das para cultos e para a representação do poder religioso. Há
ainda um claro interesse em diferenciar os engenhos açuca-
reiros movidos por água (hidráulicos), chamados Reais, com
tecnologia mais avançada e que davam maior rentabilidade,
dos que utilizavam ainda força animal (bois).
O termo curral usado na legenda está relacionado a dife-
rentes espaços com a exploração e utilização estratégica do
gado para os objetivos colonizadores como: fonte de alimen-
tação, indústria do couro, transporte de cargas e como força
animal nos engenhos. O curral representava também um du-
plo avanço da colonização, pois ao ocupar espaços interiores
fronteiriços através dos estábulos abertos, ao mesmo tempo,
exercia uma constante pressão sobre as populações indíge-
nas localizadas nos sertões. Ainda encontra-se neste quadro
geral dois termos que fazem referência a diferentes tipos de
paisagens com maior ou menor densidade de vegetação re-
presentando no mapa distintas zonas: a campina e o mato.

Notularum explicatio 61
62 Notularum explicatio

There is a clear interest in distinguishing sugar mills powered


by water from mills based on animal traction. The former,
called Royal Mills, had advanced technology and therefore
were more profitable.
The term “curral” relates to the strategic exploitation and
utilization of livestock in the context of colonization. Used not
only as a food supply, leather industry, transport or animal pow-
er in the mills, but also represents the clear advance of settle-
ments, occupying borderlands and exercising, at the same time,
constant pressure (via ranging) on the indigenous peoples, the
‘Tapuias’ on the map.
Finally there are two terms that refer to the different land-
scapes, described in terms of greater or lesser density of vege-
tation/forest of different areas:

Portuguese Latin English


Campina Campi Meadow, grasslands
Mato Silvae Forest, woods

The campina are the plains with few trees near the coast or major
rivers, factoring as important spaces for settlement and com-
munication, while the mato or silvae represent the Atlantic For-
est, zones thick and impenetrable which served as refuge areas
for displaced natives and maroons (cimarrones).
To summarize, the legend expresses the human and eco-
nomic realities that interacted in Dutch Brazil at this time. It
transmits successfully the notion of a geographical space of
Portugués Latim
Campina Campi
Mato Silvae

No mapa, as áreas com campina correspondem às planícies


com poucas árvores localizadas próximas ao litoral ou aos
rios principais, onde existem zonas de assentamento e de
comunicação entre elas por caminhos e rios. Já o mato ou sil-
vae representa a mata atlântica, mais espessa e localizada em
zonas litorâneas, muitas vezes impenetráveis, que serviram
como áreas de reservas florestais e também como áreas de
refúgio para indígenas e africanos escravos em fuga.
Quais são os interesses refletidos no mapa? A quem
interessa fazer constar sobre o que há ou não há nos terri-
tórios do Brasil holandês? Definitivamente, o quadro ter-
minológico expressa as realidades humanas e econômicas
que interagiam no espaço do Brasil holandês nessa época.
O mapa serve como documento para confirmar espaços de
ocupação política, econômica e territorial, onde o controle
europeu sobre populações indígenas colonizadas ou hostis
(Tupinambá/Tapuias) e os espaços econômicos ocidentais
(engenhos/fazendas) acabam por configurar a realidade colo-
nial do Brasilia Qua Pare Paret Belgis que os holandeses que-
rem mostrar ao mundo.
Além de suas qualidades técnicas e suas dimensões, ele
difere dos mapas do seu tempo pelas informações precisas

Notularum explicatio 63
64 Notularum explicatio

political, economic and territorial occupation, where European


control, colonized or hostile indigenous villages (Tupinambá/
Tapuias) and Western economic places (mills/farms) merged
to shape the colonial reality that Brasilia Qua Pare Paret Belgis
aimed to show the world. It is, however, remarkable the ab-
sence of references in the legend concerning the presence of
African-American population, given the region’s history.
Therefore, besides its technical qualities and dimensions,
the wall map differs from the maps of its time in that precise
information appears to provide insights about the participation
of Africans, Native Americans and mestizos in colonial political
and military strategies aimed at territorial control and commu-
nication. Among the traditional indigenous paths that connect
villages and missions, the paths between mills, corrals, ponds
and paths along the rivers, the one that stands out the most was
that used by the troops of Felipe Camarão and Henrique Dias
to attack the Dutch and defend territories of northeastern Brazil.
While the map’s use as an indicator of colonial strategies is
apparent, what drives this present study is the question of what
appears on the map mural Brasilia qua parte paret Belgis indicat-
ing or involving Africans and Native Americans entangled in
these European routes and his colonial spaces.
que sugerem refletir detalhes sobre a presença de nativos,
mestiços e africanos nas estratégias econômicas, políticas e
militares desenvolvidas no período colonial e nas ações de
pesquisas científicas voltadas ao controle do território colo-
nial e suas comunicações. Sobre a presença desses grupos in-
cluem-se as aldeias e suas comunicações por via de caminhos
indígenas entre missões, engenhos, currais e cacimbas, com
destaque para os caminhos usados pelos terços de Felipe Ca-
marão e o terço de Henrique Dias em defesas dos territórios
portugueses do Nordeste do Brasil e os caminhos usados pe-
las expedições científicas realizadas pelo próprio Marcgraf.

Notularum explicatio 65
As diferentes visões no mapa mural
Different landscapes and visions
3
Bartira Ferraz Barbosa e José Luiz Ruiz-Peinado Alonso
A cartografia de Marcgraf pode ser interpretada por várias
aproximações em relação a sua visão sobre o mundo colonial
atlântico luso-holandês. Sobre os territórios conquistados
pelos neerlandeses no Nordeste do Brasil, o mapa apresenta
duas concepções distintas no sentido do litoral para o inte-
rior. Esta bipolaridade permite ver o litoral com um olhar
de cima apontando para combates navais ocorridos ao longo
da costa, topônimos referentes aos acidentes geográficos e às
construções coloniais distribuídas na costa e regiões da Mata
Atlântica; na perspectiva em voo de pássaro o mapa apresenta
vinhetas colocadas em espaços deixados em branco que cor-
respondem ao interior e regiões que compreendem, hoje, o
Agreste e o Sertão nordestino.
As vinhetas de Frans Post sobre os espaços socioeconô-
micos, representados por Marcgraf, formam várias cenas,
cinco delas enfocam aspectos da vida entre os nativos, sendo
quatro sobre usos e costumes de tapuias e uma referente a
um terço de índios saindo para guerra. Uma única cena é
dedicada a um grupo de afrodescendentes pescando. Outras
três vinhetas tratam sobre um engenho real, um engenho
de farinha e uma missão de índios, incluindo aspectos de
arquitetura e de ações desenvolvidas na produção do açúcar,

As diferentes visões no mapa mural 69


70 Different landscapes and visions

Looking at the map in the direction coast to countryside, one


finds that it presents two distinct concepts to represent the
area. This bipolarity allows one see the coast from a bird’s eye
perspective, pointing to geographical features and man-made
constructs. From another perspective, the map shows vignettes
placed in empty spaces in the backlands, called the Agreste and
further west, the Sertão.
Frans Post’s vignettes portrayed landscapes in a way that
permits one to infer a close relationship his illustrations and
Marcgraf’s cartography in general.
The urban spaces marked by symbols received no special
designs. The engravings of Posts drawings used in the map
represent a ‘Royal Sugar Plantation’, a flour mill and an Indian
mission. Therefore, it illustrates aspects of architecture orient-
ed to sugar production, manioc flour and religious instruction
offered to Native Brazilians. The sum of coastal towns, sugar
plantations and ports is fewer than the sum of Indian villages,
either represented as missions, hinterland Tapuia villages or
coastal Tupinambá settlements. These places also appear in
greater quantity than resident dwellings scattered along the
coast and the banks of rivers and streams in the countryside.
Marcgraf notes several expeditions that can be seen on his
wall map, especially Felipe Camarão’s, a Potiguar leader and
ally of the Portuguese who commanded a troop of armed In-
dians against the Dutch. Additionally, one can see the routes
and movements of Henrique Dias and his troop of Africans
and African-Brazilians in their flight to Bahia after the fall of
da farinha e dos espaços para trabalhos religiosos nas mis-
sões, de onde sai o terço de índios anteriormente citado.
Os espaços urbanos assinalados por símbolos no mapa não
receberam vinhetas nem desenhos especiais como os realiza-
dos por Frans Post para o livro de Barleus. As vilas do litoral, os
engenhos e os portos aparecem em número menor que a soma
de aldeias com missões, aldeias tapuias e aldeias da costa. As al-
deias da costa aparecem também em maior número que as ca-
sas de moradores espalhadas pelo litoral e ribeiras de rios e ria-
chos pelo interior, o que denota uma importância maior dada
ao mundo agrícola, rural, nativo ou de populações mestiças.
Em seu mapa mural, Marcgraf assinala também várias ex-
pedições científicas e militares; uma delas se destaca, por se
tratar de uma expedição militar comandada por Felipe Cama-
rão e Henrique Dias. Camarão, um nativo potiguar com pa-
tente de Governador dos Índios de Pernambuco, liderava um ter-
ço armado de índios; e o liberto Henrique Dias liderava um
terço de afrodescendentes, ambos envolvidos na luta contra
os holandeses e quilombolas. Nessa expedição, eles voltavam
para Bahia após a perda de Pernambuco para os holandeses,
partindo com eles pelas mesmas trilhas o resto das tropas lu-
so-brasileiras. Os espaços do interior das capitanias de Ser-
gipe, Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e a do Rio Grande do
Norte, apresentados no mapa, aparecem controlados por gru-
pos armados de tapuias assinalados pelas vinhetas de Post.
Espaços de africanos e afrodescendentes em liberdade po-
dem ser associados a uma tapera, assinalada pelo termo “Tapera

As diferentes visões no mapa mural 71


72 Different landscapes and visions

Pernambuco, employing the same trails and at the same time


as with Felipe Camarão and the rest of the Luso-Brazilian
troops. The hinterland regions of the Captaincies of Sergipe,
Pernambuco, Itamaracá, Paraiba and Rio Grande do Norte
appear to be controlled by armed groups of indigenous Bra-
zilians. An Afro-Indian reference is noted by the place called,
“Tapera de Angola” (‘tapera’ is a Tupi word that describes an
abandoned dwelling or village), possibly related to the Pal-
mares Maroons and reflecting the close relations between di-
verse native Brazilian and sub-Saharan African cultural groups.
Blacks also appear fishing in ponds and working on the coast-
al mills and, though the map makes no direct reference, one
might expect their presence on coastal and countryside corrals
(Barbosa, 2007).
The spaces between the border areas of colonial exploita-
tion and production and Native Brazilian territories featured
hybrid cultural elements, as can be seen in the scene of the
hunting of free-range cattle left untended by Luso-Brazilian
ranch hands. Also, one can observe indigenous Brazilian wa-
tercraft on the coast as well as used by Africans for fishing
in the rivers. In indigenous areas still free of direct colonial
control there appear battle scenes between Tapuias, com-
memorations involving cannibalism and individuals resting in
woven hammocks. Interestingly, Native Brazilian children ap-
pear in small numbers and no Black children are to be found,
the latter perhaps reflecting no interest in the reproduction
of enslaved laborers at that time. What might be considered
de Angola”. Certamente um espaço baseado em alianças com
diferentes grupos indígenas instalados em aldeias fora do con-
trole colonial. Africanos, também, foram registrados em vinhe-
tas pescando, festejando e trabalhando em engenho de açúcar
e em outro de farinha como bem ilustrado por Post para nos
aproximar dos detalhes que incluem gestos, usos e vestimen-
tas. Possivelmente, afrodescendentes estariam trabalhando
também nos currais do litoral e interior do Agreste e do Sertão
como aponta a crônica do padre Martinho de Nantes, um mis-
sionário franciscano que teve índios de suas aldeias envolvidos
em conflitos localizadas no médio rio São Francisco com va-
queiros africanos e mestiços dos senhores da Casa da Torre.
Os espaços nas fronteiras entre as áreas de produção
colonial e as áreas tapuias apresentam elementos culturais
híbridos, veja-se a cena de caça ao gado nos sertões, represen-
tando o aproveitamento da criação solta sem os cuidados do
vaqueiro pelos nativos. Também, observam-se embarcações
indígenas utilizadas por africanos em atividades de pesca no
interior e embarcações nativas colocadas no litoral como si-
nais de trocas de tecnologia e conhecimentos.
Nas vinhetas sobre os espaços indígenas, ainda sem o con-
trole colonial, localizados pelos sertões aparecem cenas de
lutas, rituais com canibalismo e redes em campina para o des-
canso de um grupo de homens e mulheres tapuias. Crianças
indígenas foram registradas em número pequeno e as crian-
ças de escravos africanos não constam nas ilustrações de Frans
Post para o mapa, certamente, pelo não interesse no tema

As diferentes visões no mapa mural 73


74 Different landscapes and visions

a ‘typical’ familiar scene involving Christianity was also not


provided any importance. Food and beverages are carried in
baskets, pots and gourds as evidenced by scenes depicting In-
dians in the backlands.
The indigenous weapons seem of little menace and no real
emphasis was given to the world of defense or attacks by Ta-
puias on colonial interests on the coast, as if these problems
were at a comfortable distance and thus not a threat. Hostili-
ties between the Portuguese and the Dutch are limited to sea
skirmishes along the coast. In the war between these European
powers for dominance in the region under study, the indige-
nous trails indicate that the “Caminho de Camarão” formed an
important route linking indigenous settlements, sugar planta-
tions, water sources, missions and corrals.
Another possible network of information and commercial
exchange that accompanied internal domestic routes between
different settlements including, on this map, a probable area of
free Blacks and Indians living at a place called “Tapera de An-
gola”. As previously mentioned, this would have been a point of
interest for both the Portuguese colonial system as well as the
Dutch. The map emphasized an area to where enslaved Africans
and Native Brazilians escaped and the spaces just beyond the
colonial production areas configure as refuge zones where con-
solidated mocambos and scattered dwellings were implanted.
Recent archaeological research has begun to reveal these move-
ments (Allen, 2013) and the identification of these places are fun-
damental to understanding cultural dynamics in the region.
sobre reprodução da mão de obra escrava nas Américas. Por-
tanto, à típica cena da família cristã não foi dada importância.
Comidas e bebidas são levadas em cestos, panelas e cabaças
como demonstram as cenas sobre os nativos pelos sertões.
As armas indígenas parecem pouco amedrontadoras, ne-
nhum destaque foi dado ao mundo da defesa ou sobre os
ataques de tapuias ao mundo colonial do litoral, como se
eles estivessem nas fronteiras coloniais sem representar uma
ameaça. A luta entre os portugueses e holandeses só aparece
no mar e em pontos ao longo do litoral. Nas guerras pelo do-
mínio da região em destaque, os caminhos indígenas assina-
lados indicam ter sido detalhe importante a ser conhecido. O
citado “Caminho de Camarão”, por exemplo, forma uma rota
entre pontos de povoamento indígena, engenhos, fontes de
água, missões e currais.
As vinhetas e o mapa indicam diferentes grupos sociais
formando redes ligadas por rotas internas entre os diferentes
assentamentos populacionais incluindo uma área de afrodes-
cendentes e índios livres vivendo no interior indicado pelo
local chamado de “Tapera de Angola”. Como mencionado ante-
riormente, seria este um dos pontos da rede de grande interes-
se para o sistema colonial tanto português quanto holandês.
Ressaltado, portanto, como uma área de fuga de escravos afri-
canos e indígenas para os territórios pertencentes aos sertões
da capitania de Pernambuco.VI Buscando explicação sobre a
utilização e localização do termo “Tapera de Angola”, chegamos
à conclusão de que sua localização no mapa indica lugar que

As diferentes visões no mapa mural 75


76 Different landscapes and visions

On the use of the word Angola to describe the site, a ref-


erence in a Portuguese document is intriguing. Slave revolts in
São Tomé and Príncipe, led to the formation of an important
quilombo called Pico de Angola. It is noteworthy that these is-
lands were the first experiments with sugar mills and Atlantic
African slave labor, and, consequently, revolts and escapes. Ac-
cording to some of the passages in this document,
“... most of the aforementioned slaves escaped, and made their
village to Pico. And they multiplied in such a way that, without
fear, with arrows, destroyed many mills, and in the same year
[1574]….defeating them, the soldiers gave the victory a name,
which discouraged the Blacks of Pico de Angola.”

Later, in 1599, the maroons reappear in the documents. ‘As if


the fires were not enough, there were also the revolts of the Angolas do
Pico,’ in this case Angola being used to identify runaway slaves
(Pinto, 2006: 71-78).
Perhaps, in Pernambuco the term “Tapera de Angola” was
used in reference to the merger of former enslaved Africans
with Tupi Indians in their settlement. It is notable that the prin-
cipal village de Palmares was called Angola Janga, or Little An-
gola, located near the Serra da Barriga. The locale could refer
to an abandoned quilombo (“Palmares Velho”) recorded by the
Dutch during Captain Blaer’s expedition in 1645.
we arrived at Old Palmares, which the Blacks had abandoned
three years ago because it had been a very unhealthy place where
many of them had died; this Palmares was a half a mile long
corresponde a uma área de fronteira registrada verticalmen-
te. Como hipótese, a leitura sugere que a área seria utilizada
como espaço controlado por afrodescendentes e indígenas,
neste caso o velho Palmares descrito pelos holandeses.
Sobre o termo Angola encontramos uma referência na
documentação portuguesa do século XVII, na qual, em São
Tomé e Príncipe, aparecem revoltas de escravos e formação
de um importante quilombo chamado de “Angola do Pico”.
Vale salientar que nestas ilhas ocorreram as primeiras expe-
riências com engenhos de açúcar e trabalho escravo africano
do Atlântico, associado a eles as primeiras fugas e revoltas de
escravos. Citando parte do texto do documento:
“...escaparam a maior parte dos ditos escravos, e fizeram a sua
aldeia num Pico. E foram-se multiplicando de tal sorte, que,
sem receio, com armas de flechas, destruíram muitos engenhos,
e no mesmo ano [1574] [...]. Desbaratando-os os soldados e
apelidando a vitória, desanimaram os negros Angola do Pico”.

Mais tarde, em 1599, o termo volta a aparecer em outro do-


cumento: “Não bastando, para emenda, os incêndios passados
como também não só o levantamento dos Angolas do Pico” (Pinto,
2006: 71-78).
Em terras pernambucanas o termo “Tapera de Angola”
pode ter sido usado para relacionar escravos africanos refu-
giados em antigo assentamento indígena denominado Tapera.
A localização desse termo no mapa corresponde à indicação
da área do quilombo abandonado do Palmares Velho que foi
encontrado e descrito pelo capitão holandês Blaer, em 1645.

As diferentes visões no mapa mural 77


78 Different landscapes and visions

and had two entrances; the street was about six feet wide, and
there were two wells at the center; a patio where the king’s
house stood was currently a wide open area where the king ex-
ercised his men; the gates of this Palmares were surrounded by
two rows of palisades connected in the middle by braces, but
they were so full of brush that we spent much effort to open a
passage (Diário 3/18/1645, in Carneiro 1958, 255; transla-
tion by the authors)

In Portuguese documents written during the - second half of


the century XVII, the term “Angola Janga”, which means little
Angola, in reference to the quilombo of Palmares. No vignette
was represented quilombo or Palmares Velho, but there is one
where Frans Post depicts a village with a mission.
Another vignette shows the houses and chapel of a Jesuit
mission. In this image, Indians are organized as a military unit
marching to battle. Interesting elements include the presence
of women and children carrying utensils and an Indian man
among the warriors carrying the tricolor flag with the insignia
of the WIC. The WIC was interested in publicizing the alliances
achieved with the natives and their participation in the strug-
gles against the Dutch occupation.
The scene is complemented with the representation of an
extensive body of water, where some enslaved workers of Afri-
can descent appear to be fishing (Vieira, 2011: 13-14). This rep-
resentation has been linked to famous Quilombo dos Palmares
pointing to fishing practices necessary for their survival, and
there appears a watchtower as a defensive element of a possible
“Nós chegamos em Palmares Velho, o qual fora abandonado pe-
los negros três anos antes por se tratar de um lugar muito insa-
lubre no qual muitos deles morreram; Palmares tinha meia mi-
lha de extensão e duas entradas; a rua tinha seis pés de largura
e dois poços no centro; um pátio, no qual se encontrava a casa
do rei, era uma área bastante aberta onde o rei exercitava seus
homens; os portões de Palmares eram cercados por duas fileiras
de paliçadas, conectadas no meio por braçadeiras. As paliçadas
eram tão cheias de estacas que nós tivemos muito trabalho para
abrir passagem.” (Diário 3/18/1645, in Carneiro 1958, 255)

Em documentos portugueses escritos durante a segunda me-


tade do século XVII, utilizou-se o termo “Angola Janga”, que
significa pequena Angola, em referência ao quilombo de Pal-
mares. Em nenhuma vinheta foi representado um quilombo
ou o de Palmares Velho, mas há uma em que Frans Post retra-
ta uma aldeia com missão.
Na vinheta referente à aldeia indígena com casas e capela
de uma missão, a exemplo das jesuíticas existentes nessa época,
um terço indígena marcha armado para a guerra. Destaca-se
nesta saída em marcha a presença de mulheres e crianças carre-
gando utensílios e mantimentos. A cena inclui um índio entre
os guerreiros levando a bandeira com as insígnias da WIC. Inte-
ressava divulgar as alianças logradas com nativos e a participa-
ção deles em lutas em defesa da ocupação neerlandesa.
Na parte superior do mapa referente à capitania de Pernam-
buco também é mostrada cena de um extenso espelho d’água,
onde homens africanos aparecem pescando. Esta representa-
ção tem sido associada por diversos historiadores ao famoso

As diferentes visões no mapa mural 79


80 Different landscapes and visions

enemy attack. On the other hand, it seems more likely that this
activity is related to the colonial system, given the context of the
vignette and it is known that the Dutch acquired food through
the labor of both free and enslaved fishermen. Following the
tradition of salted fish factories, these fishermen supplied the
market of Recife while it was besieged by Luso-Brazilians. In
Dutch historical documents, Verdonch writes of the large pro-
duction of dried fish, asserting, “that all is brought to Recife.”
Later, in 1674, Pedro de Almeida informed the officers of the
Court that he intended to make an attack on Palmares and for
the expedition he needed supplies, including 300 bushels of
flour and all the dried fish on hand in order to assist in the in-
vestment against the quilombo (Curvelo, 2012: 54).
A watchtower also appears in a painting by Eckhout, rep-
resenting an enslaved African woman. The work is a mixture
of African and native Brazilian elements such as plants, food,
clothing and with the watchtower in the background, though
this time placed on the seashore. The woman is referred to
as a “Woman of the Congo” or “Slave Woman” and in the art-
ist’s sketch she is shown with the brand `N` on her left breast,
which meant she was the property of Maurício de Nassau
(Parker, 2010: 158-159).
quilombo dos Palmares com as práticas de pesca para a sua so-
brevivência e atalaia como elemento defensivo de um possível
ataque inimigo. A cena, também, pode ser vista como uma das
alternativas que tiveram os holandeses para conseguir comida
através da utilização de pescadores escravos ou livres no sul
da capitania de Pernambuco. Seguindo a tradição de feitorias
de peixe salgado, estes pescadores abasteciam o mercado do
Recife sitiado por luso-brasileiros. Nos documentos holande-
ses, Verdonch fala da grande produção de peixe seco “que todo
é trazido para Recife”. Mais tarde, em 1674, Pedro de Almeida
informou aos oficias da Câmara que pretendia fazer um ata-
que a Palmares e, para isso, necessitava de mantimentos, 300
alqueires de farinha e todo o peixe que se fizesse com o fim de
ajudar na entrada ao quilombo (Curvelo, 2012: 54). Para nós, a
vinheta da cena com homens pescando não tem, necessaria-
mente, uma relação com o quilombo por nela estarem apenas
africanos pescando ou usando uma atalaia.
Outra imagem incluindo uma atalaia também foi pin-
tada por Albert Ekhout no quadro com escrava africana em
primeiro plano. Trata-se de uma obra sobre aculturação e
escravidão no Atlântico, em que figuram plantas, comidas,
vestimentas africanas e americanas e ao fundo do quadro
aparece uma atalaia colocada à beira-mar sendo usada por
homens africanos. A escrava está referida como mulher do
Congo e no esboço desenhado pelo pintor ele a representa
com a marca N no peito esquerdo, dando a significar que era
uma escrava de Mauricio de Nassau (Parker, 2010: 158-159).

As diferentes visões no mapa mural 81


Paisagens Socioeconômicas
Socioeconomic Landscapes
4
Bartira Ferraz Barbosa
A franja costeira do Nordeste do Brasil havia sucedido São
Tomé e Príncipe como principal centro exportador de açúcar
e a espetacular decolagem da produção de cana no Brasil pode
ser considerada como o início da revolução açucareira das
Américas. Durante os séculos XVI e XVII, o Nordeste baseou
sua economia na produção e exportação de açúcar e o fenôme-
no açucareiro foi o principal responsável pelo desenvolvimen-
to do comércio escravista em grande escala. (Klein, 1986: 43).
A produção do açúcar controlada pelos portugueses nas
ilhas do Atlântico, da Madeira até São Tome e Príncipe, che-
ga a Pernambuco e a Paraíba no século XVI. Aperfeiçoada
pelos holandeses, torna-se o principal tema utilizado por
Frans Post na sua pintura para representar a colonização
neerlandesa no Brasil. Uma tecnologia que, no mapa mural
de Marcgaf, situa e destaca o engenho próximo à área que
correspondia à maior produção açucareira e leva a concluir
que a paisagem de Post funcionava como uma inclusão de
marco visual na construção imagético-discursiva do espa-
ço geográfico. Nessa paisagem é possível ver o engenho em
toda sua força produtiva: a moagem da cana, o carro de boi

Paisagens Socioeconômicas 85
86 Socioeconomic Landscapes

The coastal region of northeastern Brazil followed São Tomé


and Príncipe as the main export center for sugar and the spec-
tacular surge in cane production in Brazil can be considered as
the beginning of the sugar revolution in the Americas. During
the sixteenth and seventeenth centuries, the Northeast based
its economy on the production and export of sugar and sugar
was the main phenomenon responsible for the development of
the slave trade on a large scale (Klein, 1986: 43).
The fact, the paintings (oils) by Frans Post depicting mills
powered by water does not seem to be happenstance. There
was a clear differentiation between the mills powered by water
(hydraulic) called ‘Real’, with more advanced technology and
thus more profitable, to those moved by animal traction (oxen).
Larger or smaller, richer or poorer, he painted water-powered
mills showing through these examples the technological alter-
natives for this type of mill.
Formerly known on the Atlantic islands of Madeira to São
Tome and Príncipe, water-mill technology arrived in Pernambu-
co and Paraiba, later to be perfected by the Dutch, and subse-
quently was brought to the Caribbean, becoming a benchmark
in sugar technology.
The placement of the sugar mill near the region that cor-
responded to most sugar production, for example, leads us to
conclude that the Post’s landscapes functioned as a visual land-
mark in the construction of image discourse of geographical
space. In one of the landscapes, one can see the mill in all its
productive force: grinding the cane, the ox-drawn cart being
sendo descarregado por escravos e as fornalhas depurando o
caldo para preparação do açúcar. Nas vinhetas, as cenas nos
informam detalhes sobre a moenda de três cilindros movida
à roda d’água e, a sua esquerda, mais detalhes sobre a cons-
trução da casa-grande e da senzala.
O fato das pinturas a óleo de Frans Post sobre engenhos
serem de engenhos movidos à água não parece ser uma ca-
sualidade. Existe uma clara diferenciação entre os engenhos
movidos por água (hidráulicos) chamados Reais, com tecno-
logia mais avançada para serem mais rentáveis, e os movidos
por tração animal (bois). Maiores ou menores, mais ricos ou
mais pobres, ele pintou engenhos movidos à água, mostran-
do nos exemplos pintados as alternativas tecnológicas da
época para este tipo de engenho.
Nos desenhos e pinturas de Post sobre os engenhos no
Brasil, índios e escravos negros não só aparecem trabalhando,
mas também em grupos conversando, trocando mercadorias
e dançando. Certamente, trocas e relações que se davam em
caminhos, veredas e encruzilhadas onde eles geraram espaços
afro-indígenas. Por outro lado, na obra de Post, os índios não
foram retratados trabalhando na produção do açúcar, mas fi-
guram nos seus desenhos e quadros frequentando estradas e
caminhos que levavam aos engenhos, indicando que o artista
deve tê-los visto enquanto eles se deslocavam entre as áreas
açucareiras levando cestos, mantimentos, produtos manufa-
turados e crianças (Soares, 2009: 7). Caminhadas de um en-
genho a outro também devem ter sido feitas pelo artista que

Paisagens Socioeconômicas 87
88 Socioeconomic Landscapes

unloaded by enslaved workers and furnaces boiling down cane


in preparation for making sugar, having as a backdrop the
“Great House” of the plantation owner.
In the vignettes that depict landscapes, one can see a sugar
mill with three cylinders powered by a water wheel, with the
Great House and slave quarters to the left.
In the drawings and paintings by Post of the mills in Brazil,
enslaved Indians and Blacks shown at rest are rare, but they do
appear in leisure activities such as chatting, exchanging goods
and dancing. On the other hand, Native American Indians were
not portrayed working at sugar production, but rather depicted
frequently on the roads and paths leading to the mills carrying
baskets and children (Smith, 2009: 7). Post would have encoun-
tered these individuals as he also travelled from mill to mill
to paint native Brazilian men and women, usually in groups,
dressed in cotton clothes. Interesting is the contrast of the In-
dian attire to that of Blacks portrayed by the artist. According to
Parker, to have attracted the attention of the artist, the native
Brazilian populations should have been considerable during
the time he was active (Parker, 2010: 151-167).
Despite the fact that the exploitation of enslaved indige-
nous labor does not appear in his work, enslaved workers of
African descent were portrayed in almost every panel with mills
and sugar production as its theme. In these pictures, as well as
the designs chosen for Marcgraf’s wall map, enslaved Blacks
are depicted working free of threats and punishment. Mis-
treatment and miserable working conditions as well as tenuous
pintou índios e índias, geralmente em grupos, vestidos com
panos de algodão em modelos diferente aos usados pelos ne-
gros por ele retratados. Segundo Parker, para atrair a atenção
do artista, os índios deviam existir em grande número no
período em que ele esteve pintando em Pernambuco (Parker,
2010: 151-167). No entanto, o que a pintura pode indicar é que
existiam mais índios livres que escravizados na produção açu-
careira, ou que os holandeses haviam tomado o poder com
ajuda dos nativos em troca de sua liberdade e apoio.
Apesar da exploração do trabalho escravo indígena não
aparecer em sua obra, a do escravo africano foi retratada em
quase todos os quadros com engenho e produção de açúcar
como temática. Nestes quadros, assim como no desenho es-
colhido para o mapa mural de Marcgraf, os negros escraviza-
dos estão trabalhando sem a sombra de ameaças e de castigos.
Os maus tratos existentes nas condições de trabalho e as re-
lações com os administradores dos engenhos, se retratados,
dariam uma imagem negativa do trabalho e iria de encontro
ao pensamento calvinista.
Em uma exposição oferecida a Luis XIV da França, 34
pinturas de Post e 8 de Eckhout foram levadas pelo pintor
Paul de Mily, encarregado da entrega das pinturas e de um
catálogo que as descreviam. Um dos quadros sem título es-
tava marcado com as letras ‘GG’ mas, levava o texto escrito
por Maurício de Nassau: “Um engenho de açúcar pela levada,
com os seus fornos onde se cozinha o sumo da cana de que
é feito o açúcar. À beira do forno, o fogo é tão ardente que

Paisagens Socioeconômicas 89
90 Socioeconomic Landscapes

relationships with managers of the mills would have been seen


as quite negative for a Calvinist, as can be observed in a text by
Maurício de Nassau written for an exhibition offered to Louis
XIV of France. The description was accompanied by 34 paint-
ings by Post and eight by Eckhout, which comprised the display
brought by the painter Paul de Mily, in charge of the delivery
of the paintings accompanied by a printed guide penned by
Nassau. One of the pictures described by Nassau in this guide
had no title but was marked with the letters ‘GG’: a sugar mill,
“…with its ovens where the cane juice is cooked and made into
sugar. On the edge of the furnace, the fire is so hot that the
Black slaves prefer to die, poisoning themselves rather than en-
dure this heat. The Portuguese, to prevent them from fleeing,
cut their tendon” (Cabral de Mello, 2010: 325-326). Through this
note about the picture, there is no doubt that this was one of
the violent practices wrought by the Portuguese and that vio-
lence must have been common among slave-holding colonists.
By extension, it also could be that the violence attributed to In-
dians by way of anthropophagic scenes was also an ideological
strategy to portray them in a less favorable light.
In another landscape drawn by Post and printed on Marc-
graf’s wall map a manioc flour mill gained prominence, as
this product was consumed by all native Brazilians and also
served as a principle staple food for the inhabitants of colonial
Dutch Brazil, as is mentioned in the accounts of Hamel, Bas
and Bullestraste, all administrators of WIC in Recife. The same
report noted that manioc was also much appreciated by the
os escravos negros preferem morrer, envenenando-se, que
suportar este calor. Os portugueses, para impedi-los de fugi-
rem, cortam-lhes o tendão.” (Cabral de Mello, 2010: 325-326).
Através desta observação sobre o quadro, não há dúvidas que
esta foi uma das práticas de violência usadas por coloniza-
dores. No entanto, a violência no mapa mural de Marcgraf
apenas está atribuída aos índios nas cenas de antropofagia,
como uma estratégia ideológica para oferecer a boa imagem
do colonizador em detrimento da imagem sobre os autócto-
nes neste período.
Noutra paisagem desenhada por Post e impressa no
mapa mural de Marcgraf, a farinha de mandioca ganha des-
taque, e como o produto nativo mais difundido por todos os
índios da costa servia também de sustento para quase todos
os habitantes do Brasil colonial holandês. Como menciona-
do nos escritos de Hamel, Bas e Bullestraste, administrado-
res da WIC, o alimento também era muito apreciado pelos
portugueses, escravos africanos e mestiços, que os holande-
ses chamavam brasilianos. Durante a guerra entre portugue-
ses e holandeses, a produção de farinha diminui implicando
em um forte aumento de seu preço no mercado do Recife.
Nos territórios do Brasil holandês senhores de engenhos,
administradores e mercadores não conseguiam a farinha
necessária para alimentar escravos, tropas holandesas e po-
pulação livre em geral. Todos os problemas pela falta da fari-
nha de mandioca e do trigo, provocados pelo abastecimento
irregular dos mercados existentes nesse território, levou aos

Paisagens Socioeconômicas 91
92 Socioeconomic Landscapes

Portuguese, Native Indians and Mestizos called Brasilianos by


the Dutch, Blacks and other Europeans who lived in the coun-
tryside. During the war between the Portuguese and Dutch the
production of flour began to dwindle resulting in a strong in-
crease in its market price in Recife. In the territories of Dutch
Brazil, plantation owners, merchants and administrators could
not obtain the flour needed to feed workers, Dutch troops and
the free population in general. Problems due to the lack of
both manioc and wheat flour, which did not arrive regularly to
supply the whole market, forced landowners to set aside part
of their annual crops for manioc in order to supply the mar-
ket. According to this report, the obligation of planting manioc
was implanted and was subject to inspection by agents of the
Dutch colony. The requirement sought to supply Recife and
the countryside, as well as lessen dependence on the uncertain
import of wheat flour from the metropolis (Cabral de Mello,
2010: 294-295).
Nassau laid down a series of rules for the distribution of
manioc flour. In the first, in each county, one needed to declare
the extent of land which he possessed in order to determine
correctly the proportion of land on which the owner was re-
quired to plant manioc (Barleus, 2005: 188). Given the growing
importance of this staple crop, manioc became a well-tended
topic of survival as it also fed the appetite of artists and sci-
entists on their journeys along the coast and inland, such as
those conducted by Frans Post and Marcgraf. For this reason a
flour mill appears on the map, showing a stark difference when
proprietários de terras a destinar parte de seus cultivos anu-
ais ao plantio de mandioca. Os senhores de engenhos chega-
ram a ser obrigados a manter plantios de mandioca sujeitos
a inspeções por parte dos agentes holandeses da colônia (Ca-
bral de Mello, 2010: 294-295).
Nassau ditava uma série de determinações sobre a dis-
tribuição da farinha. Na primeira delas, em cada comarca, se
deveria declarar a extensão de terra que cada um possuía com
a finalidade de cobrar do proprietário a obrigação do plan-
tio, proporcionalmente a essa extensão (Barleus, 2005: 188).
Dada a importância da alimentação, a farinha de mandioca
passou a ser um tema de sobrevivência a ser cuidado. Dela se
beneficiaram também artistas e cientistas nas diferentes via-
gens realizadas pelo litoral e interior, como as realizadas por
Marcgaf e Frans Post. Talvez seja a razão de aparecer um en-
genho de farinha no mapa, que pode ser visualizado com cla-
ra diferença quando comparado ao engenho de açúcar, e que
permite a visão na direção oeste sobre o vasto sertão do terri-
tório. A casa de farinha pode ser vista ao lado da plantação de
mandioca, e o trabalho é realizado por escravos negros, com
tecnologia indígena e europeia. Não se utilizam raspadores
manuais feitos da cortiça de palmeiras, mas sim, a partir de
uma roda dentada que permite aumentar consideravelmente
a produção, mesmo que esta resulte mais perigosa para o es-
cravo, que nesta vinheta é representado por negros.
Na vinheta sobre a casa de farinha tão pouco aparece o
tipiti indígena para espremer o caldo venenoso da mandioca;

Paisagens Socioeconômicas 93
94 Socioeconomic Landscapes

compared to the sugar mill, being simpler in its construction. It


is important to note that processing of manioc to make flour in
this illustration does not follow Native Brazilian tradition. They
did not use scrapers made of palm tree bark, but rather one
made from a sprocket grinder that allowed a considerable in-
crease production, even if this implied more dangerous work
for enslaved workers.
Also not employed was the native tipiti to squeeze out the
poisonous manioc liquid, opting instead for a hydraulic press
that also served to increase production. Finally, the clay oven
is of a dimension that would have permitted the baking of
flour in very large quantities suitable for storage and distribu-
tion. These types of large-scale production mills required that
manioc plantations be located close by and the collection and
transport of manioc roots followed a different system from the
indigenous one as the latter produced for local subsistence
only. Thus, part of the land used for planting sugarcane be-
came destined for manioc, a task also performed by enslaved
workers and not only by Indians as before. Africans and Euro-
peans adapted to manioc flour as it was unknown in Africa and
Europe prior to exploration of the Americas, and the require-
ments for a large-scale production system forced changes in
the indigenous Brazilian process of manioc procurement and
processing. From a subsistence crop geared to native Brazilian
technological knowledge, manioc flour became a global prod-
uct to be marketed and exported to Europe and beyond. The
map highlights the policies Nassau implemented to meet the
em lugar dele é utilizada uma prensa hidráulica que permite
obter uma produção maior. Por último, o forno de barro é
de uma dimensão importante para permitir tostar a farinha
em grandes quantidades a ser armazenada e distribuída.
Este tipo de engenhos exigia que as plantações de mandioca
estivessem ao redor deles e que a coleta e o transporte dos
bulbos de mandioca correspondessem a um sistema diferente
do praticado nas aldeias indígenas que a produziam apenas
para o sustento de seus moradores.
Escravos africanos e europeus adaptam seu paladar no
Brasil para a farinha de mandioca, um alimento indígena
desconhecido na África e na Europa até o século XVI. De pro-
duto de subsistência de base tecnológica indígena, passou a
ser um produto comercializado e exportado. O mapa ressalta
a política implementada por Nassau para suprir as necessida-
des alimentares do Brasil Holandês, mas também podemos
imaginar como o alimento vinha a ser transportado por bar-
cos negreiros em direção aos portos africanos, onde ali esta
farinha elaborada pela mão escrava serviria para alimentar os
africanos capturados e embarcados rumo a América (Alen-
castro, 2000). As culturas da cana e da mandioca coexistiram
muitas vezes na mesma propriedade. A produção do açúcar
dependeu da produção de farinha para alimentar escravos e
toda a população dos engenhos, vilas, aldeia e missões. Por-
tanto, parte do terreno produtor de cana de açúcar passou
a ser revertido para a plantação de mandioca realizada por
escravos negros e não só por indígenas como antes.

Paisagens Socioeconômicas 95
96 Socioeconomic Landscapes

food requirements of Dutch Brazil, but one can also imagine


how the food came to be transported by slave trafficking ships
toward African ports. As such, this flour, prepared by enslaved
Africans in Brazil, would be used to feed captured Africans on
this crossing to the Americas (Alencastro, 2000).
Subsistence during this period also included cattle and pigs.
The term “corral” is related to the strategic exportation and use
of cattle for the goals of Dutch colonization. Not only was cattle
an important source for subsistence, the leather industry, cargo
and animal traction for the mills, but also represented a col-
onizing front, occupying effectively the known and controlled
countryside while exerting pressure, by way of open ranges, on
Native Brazilian territories. One can see on the map the lands
set for future occupation, where cattle were hunted by Indians
still free from slavery and missions.
The establishment of cattle ranches on the coast and the
massive reproduction of cattle, shown on the map as corrals
and appearing extensively in the backcountry, opened the doors
for the extermination of the Indians who lived on the margins
and beyond the northeastern agricultural and livestock fron-
tiers. The introduction of enslaved Africans did not supplant the
use of indigenous slave labor in these corrals, serving also as a
labor force in the manufacturing of fibers, ropes, fishing lines
and pottery as well as for military services from the coast to the
Tapuya backlands.
In the territories furthest from the coast the map indicates
an Indian encampment, among and between the forest and
A alimentação deste período também contava com as car-
nes como a de gado e de porco. O termo “curral” se relaciona
com a exportação e utilização estratégica do gado para os ob-
jetivos dos colonizadores. Não só foi importante como fonte
de alimentação, indústria do couro, transporte de carga e for-
ça animal nos engenhos, também representava uma frente
da colonização, ocupando espaços interiores fronteiriços e
exercendo, ao mesmo tempo, uma constante pressão (está-
bulos abertos) sobre as populações indígenas. Vejam-se no
mapa mural os futuros espaços a ocupar, onde em uma cena
o gado é caçado por nativos ainda livres da escravidão e das
missões, localizados no interior. A implantação das fazendas
de gado e sua reprodução pelo interior, no mapa marcado
como currais, abriram as portas para o extermínio de cultu-
ras nativas que viviam dentro e fora das fronteiras agropecuá-
rias do Nordeste. Pois, a introdução de escravos africanos nos
currais, assim como, de indígenas nas missões ampliava as
áreas de ocupação colonial e as formas de trabalho, como foi
o caso do trabalho indígena nas áreas das missões voltadas
para a fabricação de fibras, cordas, linhas de pesca, cerâmica,
criação de gado ou para os serviços militares prestados ao
sistema colonial pelos sertões dos tapuias.
Nos territórios mais distantes do litoral, uma cena tam-
bém importante aparece ilustrando o mapa mural com um
acampamento de indígenas desenhado por entre a mata
com altas colinas no fundo. A cena representa uma das paisa-
gens ‘selvagens’: onde a vegetação predomina e a arquitetura

Paisagens Socioeconômicas 97
98 Socioeconomic Landscapes

highlands in the background. These scenes seem to occupy


and convey ‘wild’ landscapes where vegetation predominates,
the architecture disappears, and the only signs of human pres-
ence are scenes of war between different indigenous groups,
the hunting of emus and cannibalistic feasts. These images cre-
ated a hierarchy of ethnic groups that formed Dutch colonial
society in Brazil, thus presenting in a Dutch perspective of that
society where graduated rankings moved from ‘civilization’ to
‘savagery’, passing through ‘barbarianism’, with accouterments
employed as attribute for (in)civility for each ethnic group (Vie-
ira, 2011: 14).
desaparece. Os únicos sinais de presença humana sugerem
cenas de guerra entre diferentes grupos indígenas, a caça
às emas e o festim canibalesco. Imagens que criaram uma
hierarquização dos grupos étnicos que compunham a socie-
dade colonial no Brasil holandês e evidenciaram uma visão
neerlandesa a partir de um ranking de gradações que iam da
civilização à selvageria, passando pela barbárie, tendo a in-
dumentária como atributo de (in) civilidade para cada tipo
étnico (Vieira, 2011: 14).

Paisagens Socioeconômicas 99
Bárbaros e Canibais
Barbarians and Cannibals
5
Ricardo Piqueras
A produção de imagens sobre antropófagos durante o perío-
do colonial serviu como etiquetas para captar a atenção de um
público europeu ávido por notícias e descrições sobre as terras
americanas. Em todo caso, foram imagens que justificavam e
facilitavam as tarefas da conquista e colonização que levaram
a cabo, portugueses, franceses ou neerlandeses ao Brasil. Nus,
bárbaros, selvagens e antropófagos, foram argumentos para a
conversão, a escravidão e o extermínio de indígenas apoiados
por políticas colonialistas. A terra fértil para as novas planta-
ções e para pasto de rebanhos foi tirada dos nativos por “guer-
ras justas” fazendo justiça aos colonizadores ‘civilizados’ que
arriscavam suas vidas para construção de fortunas.
Quando, em 1549, o mercenário alemão Hans Staden foi
capturado por nativos tupinambá, na fortificação portuguesa
de São Felipe, não imaginava ele que, oito anos mais tarde, o
relato de suas vivências, durante os nove meses de cativeiro,
se converteria em um êxito de vendas que veio a modelar a
opinião europeia sobre os indígenas brasileiros.
A partir dessa obra, gravuras e pinturas reinterpretan-
do livremente a odisseia de Staden de maneira exagerada

Bárbaros e Canibais 103


104 Barbarians and Cannibals

Regarding native Brazilians, an image of naked men, cannibals


and savages was published and fostered, becoming used as
arguments to defend methods for the conversion of the na-
tive population and the colonial policies adopted both on the
coast and the backlands. Additionally, the image reinforced the
use of natives as enslaved labor, in ‘just’ wars, or expeditions to
capture individuals to use as a work force on the plantations
and in the villages. The depiction of men engaged in anthro-
pophagy was not new for the European public. ‘Wild’, ‘naked’,
‘hostile’ and ‘cannibal’, were some of the labels used to present
the images, intending to capture the attention of a European
audience eager for news and descriptions of the new American
lands; images that fixed the European imagination, a vision far
from positive about indigenous Brazilians. In any case, that im-
age would justify and facilitate the tasks of conquest and colo-
nization undertaken by the Portuguese, French or Dutch.
When, in 1549, the German mercenary Hans Staden was
captured by Tupinambá Indians while defending the Portu-
guese fort of São Felipe, he never imagined that eight years
later the story of his experiences during the nine and a half
months he lived with the Indians of the Brazilian coast would
become a bestseller that would shape European opinion on
Brazilian Indians and by extension America.
From the time work was produced, the engravings and
paintings where Staden’s odyssey was exaggerated or freely
reinterpreted, were becoming common in other works, also
known in his day, such as the story of Jean de Lery’s trip to Brazil
tornaram-se comuns. Outras novas surgiram em forma de
textos ilustrados como as tão conhecidas narrativas das via-
gens ao Brasil de Jean de Léry, onde são descritos os costu-
mes dos tupinambás, ou as de Theodoro de Bry que repre-
sentam a visão gráfica tupinambá mais difundida do final do
século XVI até o final do XVII. A obra do franciscano André
Thevet intitulada As singularidades da França Antártica, 1557,
com suas 41 gravuras ajudou também a definir a imagem e a
visão do selvagem canibal da América. Nessas obras se repre-
senta e visualiza sempre o lado mais selvagem e mórbido da
antropofagia com cenas do banquete apenas como um ato
canibal, ocultadas as explicações rituais e religiosas presentes
na própria narração de Hans Staden.
O título da obra do alemão Hans Staden não poderia ser
mais eloquente nem tendencioso na hora de apresentar os
seus carrascos (captores) nativos: Verdadeira história e descrição
de uma paisagem de selvagens, nus e ferozes comedores de gente no
Novo Mundo da América (Warhaftige Historia und beschreibung
eyner landtschafft der Wilnen Nacketen Grimmigen Menschfresser
Leuthen in der Newenwelt America [1557].(Staden, 1983).
Canibalismo e ferocidade implicam resistência e justifi-
cam a aplicação do conceito de “guerra justa” que tão bons
resultados haviam dado já na América espanhola durante a
conquista. Conceito que suscitou a intervenção de teólogos
e juristas do nível de Francisco de Vitoria, de Francisco Suá-
rez ou de Domingo de Soto, vinculados à famosa Escuela de
Salamanca. Da aplicação da “guerra justa” deriva a escravidão

Bárbaros e Canibais 105


106 Barbarians and Cannibals

that describes the customs of the Tupinambá and those of The-


odore de Bry, which represents the most widely disseminated
view by the end of the sixteenth and seventeenth centuries. The
work of the Franciscan, André Thevet, Las singularidades de la
Francia Antártica, 1557, with its 41 engravings helped to define
the imagery and vision of the savage cannibal in America. In
all of them, the most savage and morbid side of cannibalism is
represented, with scenes only of the culmination of the canni-
bal ritual, thus hiding rituals and religious explanations present
in the Hans Staden’s narrative.
The title of Staden’s work in Portuguese and German can be
neither more eloquent nor biased when presenting his native
captors, though in English it loses some of this bias: Hans Sta-
den: the true history of his captivity (Staden, 1928[1557]).10
Cannibalism and ferocity imply Indian resistance and justi-
fied the application of the concept of “just war” that had provid-
ed such good results in Spanish America during the conquest,
prompting the intervention of important theologians and jurists
such as Francisco de Vitoria, Francisco Suárez and Domingo de
Soto, docents of the famous “School of Salamanca.” Applica-
tion of the just war concept stems from Indian slavery, a le-
gal consequence deemed necessary for the implementation of
economic strategies that the Portuguese and Dutch developed
in northeastern Brazil that would require a constant supply of
labor. The implementation of the sugar plantations, farms and
cattle ranches and corrals could not be accomplished without
the control of labor and the use of slave labor.
indígena, consequência jurídica tão necessária para pôr em
marcha os espaços econômicos que portugueses e holande-
ses desenvolveram no Nordeste do Brasil com constante ne-
cessidade de mão de obra. A implantação dos engenhos de
açúcar ou das fazendas agropecuárias não se explica sem o
controle da mão de obra e da utilização do trabalho escravo.
Um século depois o Padre Cadornega, em sua História Geral
das Guerras Angolanas (1680), justificará o resgate de cativos
das práticas canibais dos “bárbaros” africanos e o tráfico de
escravos até o Brasil. Segundo ele: “e com estes resgates se evi-
tam não haver tantos açougues de carne humana, e instruídos da
Fé de Nosso Senhor Jesus Cristo indo batizados e catequizados se
embarcam para as partes do Brasil ou para outras que têm uso
católico” (Cadornega, 1972: 13-14).
É curioso observar como a ocupação territorial de grupos
Tupi do litoral haviam expulsado para o interior diferentes
povos que denominaram de Tapuyas/Tapuias, isto é, termo
que os generalizaram como inimigos, em um claro discurso
de superioridade em relação a esses povos. O que parece ter
sido semelhante, no século XVI, quando portugueses conta-
taram com nativos Tupinambás, Caeté ou Potiguar do litoral
e os classificaram todos como índios, e neste caso como os
índios da costa falantes da “língua geral”, bárbaros e selvagens,
portanto, inimigos dos que dão início ao domínio colonial.
Sobre os Caetés, por exemplo, foi decretado por parte da
coroa portuguesa, escravidão perpétua em 1562. Os motivos?
Sua rebeldia ao contato e à submissão colonial, além de uma

Bárbaros e Canibais 107


108 Barbarians and Cannibals

A century later, Father Cadornega, in his História Geral das


Guerras Angolanas (1680), would justify the protection of captives
from barbaric African cannibalistic practices by way of the slave
trade to Brazil. According to him: “and with these redemptions
so many butcher shops of human flesh are avoided, and they
are instructed the in the Faith of Our Lord Jesus Christ getting
baptized and catechized to embark to all parts of Brazil or other
places who have use of Catholics” (Cadornega, 1972 : 13-14).
It is curious to observe how, in its historical evolution and
territorial occupation, Tupi-Guarani groups on the coast were
expelled and driven toward the lands of the peoples they re-
ferred to collectively as Tapuyas/Tapuias, or barbarians and en-
emies, in a clear relation to a discourse of superiority. The colo-
nial-indigenous political scene was complex from the sixteenth
century, as the Portuguese contacted Tupinambá groups such
as the Potiguar and Caeté, who were at that time the ‘savage
barbarians’ to be confronted and controlled before colonization.
About the Caetés for example, perpetual slavery of this
group was decreed by the Portuguese crown in 1562. The
justification for this was their rebellious nature to cultural
contact and colonial submission and the ‘constant’ practice
of cannibalism that had to be expunged. The same reasons
that led the Spaniards to accuse the Caribs of the Lesser An-
tilles as hostile and cannibals had the same immediate con-
sequences, slavery. Luckily for Staden, he was not seen by his
captors as an individual of sufficient strength and “spirit” to
be ritually killed and consumed and his “naked savages and
constante prática canibal que havia de ser extirpada. Os mes-
mos motivos que levaram os castelhanos a acusar de hostis e
antropófagos aos caribes das Antilhas Menores com as mes-
mas consequências imediatas, a escravidão. Por sorte de Sta-
den, este não foi visto por seus carrascos como um indivíduo
de energia suficiente e “espírito” para ser sacrificado e con-
sumido ritualmente, assim seus “selvagens, nus, ferozes e ca-
nibais” acabaram por livrarem-se do hospede inconveniente.
Quando os europeus conseguem estabelecer alianças e
pactos com grupos da costa utilizando-os como mão de obra
em engenhos, fazendas e cidades, a fronteira do espaço dito
de nativos antropófagos e selvagens se traslada até o interior
dos tapuias.
O Tapuia do século XVII holandês era o Caeté do XVI
português. A ocupação colonial utilizou sempre elementos
das culturas indígenas que, reais ou não, pois não se tem
confirmação de que os Tapuias praticassem o canibalismo,
facilitavam as estratégias de dominação e de conquista de
territórios a “civilizar”. Observamos no mapa de Marcgraf
que os grupos Tupis do XVII, das zonas de ocupação holan-
desa, já não são tidos como selvagens, mas são englobados
na categoria de índios (Aldea das Indias). Na parte do mapa
reservada aos sertões, estão os Tapuias livres e donos do ser-
tão sem o controle colonial, que mantinham uma identida-
de própria, definida pelos europeus pela confrontação, au-
sência de vestimentas, de ordem, de vontade de ceder e pelos
vícios que vão justificar as ‘guerras justas’ e controle sobre

Bárbaros e Canibais 109


110 Barbarians and Cannibals

ferocious cannibals” eventually managed to get rid of their


annoying guest.
When Europeans managed to form alliances and pacts with
these native Brazilian groups and when they were effectively
“colonized”, in other words ready to serve as labor on plantations,
farms and cities, the frontiers of this ‘cannibal and savage space’
located beyond the hinterlands. This region, controlled and in-
habited by the despised Tapuias, came to represent the image of
the naked and savage barbarian, eater of human flesh in contin-
uous anthropophagic rituals in the seventeenth century.
The Tapuia for the seventeenth Dutch, were the sixteenth
century Caeté for the Portuguese. Colonial occupation has al-
ways used those elements of indigenous cultures that, real or
not, (there is no evidence that Tapuias practiced cannibalism for
non-ritual purposes) justified strategies of domination and con-
quest of territories to “civilize”. Therefore seventeenth-century
Tupi groups located in zones effectively under Dutch colonial
control fall into the category “Indians” (Aldea das Indias), while
Tapuias unchecked, free and inside the owners of the backlands,
maintained a distinctive identity, defined in part by European
confrontation, absences (of clothes, of order, of willingness to
compromise) and vices that, at one point, would allow defeat
and control by European political and economic interests. These
portrayals certainly did not represent the complexities and dy-
namism of these Native American groups during this period.
According to European imagination at the time, cannibal-
ism and the feasts served dietary purposes although it was clear
os territórios indígenas por parte dos interesses políticos e
econômicos europeus.
No mapa observamos como, apesar de suas atividades
de caça tanto de emas quanto do gado europeu que cobriam
de sobra suas necessidades de aportes proteicos, ao Tapuya
é atribuída a festa canibal, atributo pelo qual quase sempre
foram invocados no imaginário europeu do século XVII. Seu
mundo é o do “selvagem” e do enfrentamento constante em
lutas interétnicas, onde o arco e as flechas ou o tacape ser-
vem para atacar contrários e os preparar para o festim e o
prazer canibal. Seu espaço é o mato, a natureza indomada
onde transita com inteira liberdade para buscar seus recur-
sos alimentícios.
Os Tapuyas foram livres até seu espaço passar a ser ne-
cessário para o avanço colonial; o mesmo gado escapado dos
currais, objeto de caça coletiva dos nativos do sertão, foi a
ponta de lança de um mundo colonial que começava a pres-
sionar seus territórios. Esta imagem no mapa de Marcgraf
representa a interação entre o mundo selvagem do sertão e
o mundo ordenado da colônia. Em seu nomadismo, os “bár-
baros do sertão” resistem a ser índios, a ter domicílio fixo, o
Domus; quer dizer que não querem ser considerados como
parte de um mundo alheio a seus interesses que só enten-
de de trabalhos forçados, missões religiosas, produtividade
e aculturação.
Georg Marcgraf nos mostra definitivamente a formação
de um mundo colonial onde primam motivações econômicas

Bárbaros e Canibais 111


112 Barbarians and Cannibals

that the Indians hunted emu, cattle and fished which certainly
satisfied subsistence requirements for protein. The European
idea of the indigenous world was one of “savagery” and con-
stant confrontation and ethnic strife, where bow and arrows
or tacapes (a type of spear or club) serve to destroy opponents
and prepare for the feast and enjoyment of cannibalism rituals.
Their space was the forest, untamed nature where they moved
freely in search of food resources.
The Tapuia were free until colonial strategies required the
space to expand. The same cattle that escaped from the pens,
hunted collectively by the Tapuia, were the point of the spearhead
of a colonial world that began to pressure them. They represent
the interaction between the wild world of the sertão (backlands,
hinterlands) and the orderly world of the colony. These “barbar-
ians of the sertão”, representing diverse groups who lived various-
ly in villages, semi-sedentary communities and also in nomadic
groups, were considered by at the time as lacking any fixed village,
or “Domus”, which meant that they did not want to be considered
part of a world beyond their interests and one that only brought
hard labor, religious missions, productivity and acculturation.
Georg Marcgraf’s map shows ultimately the formation of a
colonial world driven by economic and political goals that had
nothing to do with the realities of native Brazilians. The vision
of a European world that led to, more often than not, the radi-
cal transformation of indigenous life and their forced entry into
the modern history of Europe through stereotypical images
and discourse of an obviously Eurocentric nature.
e políticas que nada tem a ver com as realidades nativas dos
territórios originais. A visão de um mundo europeu que exi-
ge na maioria das vezes a transformação radical das formas
de vida indígenas e sua entrada forçada na História Moderna
da Europa com discursos de marcado caráter eurocêntrico e
imagens estereotipadas.

Bárbaros e Canibais 113


Espaços afro-indígenas
Afroindigenous Spaces 6
Bartira Ferraz Barbosa e José Luiz Ruiz-Peinado Alonso
Mas, o que move fundamentalmente esta pesquisa é a per-
gunta sobre o que aparece no mapa mural Brasilia qua parte
paret Belgis indicando ou envolvendo espaços indígenas e
afro-indígenas, como o quilombo dos Palmares Velho cha-
mado de Tapera de Angola, dentro ou fora de rotas euro-
peias e seus espaços coloniais? Informações sobre indígenas
foram registrados desde o início do século XVI através de
mapas, manuscritos, iconografias e impressos que reuniam
ideias e imagens sobre aspectos da natureza e de populações
autóctones voltadas aos interesses políticos e econômicos
das metrópoles europeias. Distorcendo, combinando e re-
construindo elementos da paisagem e de culturas indígenas
existentes no Brasil, no século XVI e no XVII, justificava-se
o início da ocupação e posterior colonização. Alianças en-
tre chefes indígenas e donatários das capitanias hereditárias,
ataques aos índios não aliados e escravidão para os sobrevi-
ventes, assim como o auxílio de missões religiosas responsá-
veis pela redução e submissão de populações nativas aliadas,
muitas foram as formas de relações interétnicas existentes,
inclusive entre indígenas de grupos diferentes e escravos

Espaços afro-indígenas 117


118 Afroindigenous Spaces

Information on Brazilian Indians had been recorded since the


beginning of the sixteenth century through de maps, manu-
scripts, iconography and prints joining ideas about aspects of
nature and the Native American population. Political and eco-
nomic interests of the European cities as well as existent in-
digenous cultures, in the sixteenth and seventeenth centuries,
were represented by features on the landscape, the foundation
for the beginning of occupation and subsequent colonization.
Alliances between indigenous leaders and grantees of the he-
reditary captaincies, attacks on non-allied Indians and the en-
slavement of the survivors of battles, in addition to the role of
religious missions responsible for the reduction and submis-
sion of allied Native Americans, were among many of the forms
of interethnic relations, in addition to the interaction between
different groups of indigenous and enslaved Africans. Regard-
ing Indians, mestizos and Africans, the idea conveyed in this
map is of the existence of spaces and territories, where the con-
tact of cultures was significant.
Therefore, geopolitical spaces appear with overlapping in-
digenous, European and African American cultural elements,
such as language, knowledge and technology. Thus, included
in these spaces is the cultural entanglement between diverse
cultural groups from three broad areas of the Atlantic: one that
involved two European regions of the Iberian Peninsula and
the United Provinces of the Netherlands, another area repre-
sented by diverse indigenous populations of northeastern Bra-
zil and the third, the western and central Africa.
africanos. Sobre indígenas, mestiços e negros, a ideia dada
neste mapa é a de existir espaços e territórios onde o contato
de culturas foi relevante.
Portanto, aparecem espaços geopolíticos com superpo-
sição de elementos culturais indígenas, europeus e africa-
nos. Incluem-se nestes espaços os contatos entre culturas
estando em jogo distintos grupos étnicos de três áreas do
Atlântico: uma referente a duas regiões europeias, a da pe-
nínsula ibérica e a das províncias unidas dos países baixos,
outra área referente às populações indígenas do Nordeste
brasileiro e, a terceira, a da costa ocidental e a da área costei-
ra centro africana.
A introdução de escravos africanos, a partir de 1530, sig-
nificou contato entre culturas tanto durante o trabalho da
produção do açúcar quanto no dos currais que alcançaram
o interior dos sertões tapuias. Cada vez mais as fazendas,
os caminhos e as missões com a intervenção colonial, pos-
sibilitavam novas paisagens com afro-indígenas. Na área
representada no mapa, diferentes povos africanos e indí-
genas envolvidos na produção colonial foram forçados a
deslocamentos caracterizando diásporas fora e dentro do
Brasil. As diferentes experiências foram amalgamadas na
encruzilhada de múltiplas relações entre os diversos po-
vos africanos, povos indígenas e europeus que estiveram
em contato.
Alguns escravos se aliaram em lutas contra os portugue-
ses, aproveitando a chegada dos holandeses a Pernambuco,

Espaços afro-indígenas 119


120 Afroindigenous Spaces

The introduction of enslaved Africans (after about 1530)


meant contact between cultures on the sugar plantations as
well as on the rural corrals and ranges, for example in the “Ta-
puia hinterlands”. Increasingly, farms, paths, roads and mis-
sions changed with the colonial intervention that resulted in
new African-Indigenous landscapes. In the area represented
by the Marcgraf map, diverse African groups and indigenous
Brazilians peoples involved in colonial production were forced
to relocate within and outside Brazil. This contact at the cross-
roads of colonization created multiple relationships among the
various Africans, Native American and European cultures that
formed part of this new colonial world.
Enslaved Africans and Afro-Brazilians engaged in struggles
against the Portuguese, taking advantage of the arrival of the
Dutch in Pernambuco, offering their military services “with bows
and arrows, old Spanish swords, round shields and firearms, and
celebrated the victories over their former owners with drum-
ming and dancing” (Gregor Aldenburg, 2004: 363) and soon the
Portuguese offered freedom to the enslaved who served against
the Dutch. They were also part of this New World in construc-
tion, contributing words and terms used to designate places and
objects. They participated with their magical and religious, tech-
nological and artistic practices and expertise at the intersection
with indigenous peoples and Europeans in the colonial world.
The Portuguese Crown, land grantees, the indigenous
chiefs and their warriors, enslaved Africans, maroons, the
Dutch and French created from their conflicts a manner to
oferecendo seus serviços militares: “com arcos e flechas, an-
tigas espadas espanholas, escudos redondos e armas de fogo, e
celebravam as vitórias sobre seus antigos proprietários com ba-
tucada e dança”, logo os portugueses ofereciam a liberdade
aos escravos que servissem contra os holandeses (Gregor
Aldenburg, 2004: 363). Eles também fizeram parte do novo
mundo que estavam construindo, deixando palavras e ter-
mos linguísticos usados para designar sentimentos, lu-
gares e objetos. Participaram com suas práticas e seus co-
nhecimentos mágico-religiosos, tecnológicos e artísticos
na intersecção com povos indígenas e europeus no mun-
do colonial.
A coroa portuguesa, os donatários, os caciques e seus
guerreiros indígenas, negros escravos e quilombolas, ho-
landeses e franceses faziam das lutas um meio de controlar
os espaços políticos e geográficos. As missões com padres
jesuítas e, posteriormente, as de outras ordens religiosas
aceitavam a entrada de escravos africanos para abastecer de
mão de obra as suas fazendas e missões como alternativa
ao trabalho forçado dos indígenas. No Nordeste brasileiro,
também ocorreram missões de catequese calvinista, como
as ativadas com a ocupação holandesa a Pernambuco que
visavam manter alianças com indígenas, necessários na luta
contra os portugueses (Vainfas, 2008: 49). Índios e africa-
nos passaram a conviver também com a imposição do cris-
tianismo, com aulas de catecismo, de leitura e escrita, mas,
sobretudo, ensinava-se aos nativos a defender os territórios

Espaços afro-indígenas 121


122 Afroindigenous Spaces

control geo-political spaces. Jesuit missions and later other


religious orders also did so through the mission system. The
Jesuits also siphoned off enslaved Africans entering the ports
as a labor force for their farms and missions as well as strategy
to replace the Native Indians who had served the same capac-
ity. In northeastern Brazil, during the first two centuries of the
colonial period, there were also Calvinist catechism missions,
initiated with the Dutch occupation in Pernambuco and aimed
at maintaining alliances with indigenous groups necessary in
the fight against the Portuguese (Vainfas, 2008: 49). Indians and
Blacks also began to live among the native populations where
Christianity was imposed with classes for catechism, reading
and writing. Above all, the objective was to teach Indians and
Africans to defend the Portuguese territories from non-allied
indigenous groups and to capture their territories.
The reduced natives were used in battles and expeditions,
always led by an “Indian Captain”, who could also be the leader
of the operation. During this period, these subjugated Indians
fought against European invaders and free native peoples, as
well as against rebelling African slaves under the command
of the Portuguese or Dutch. Indigenous leaders, Africans and
African descendants were instrumental in the maintenance of
alliances. Their knowledge included various areas such as geog-
raphy, languages and other forms of communication in use at
the time, which facilitated the colonial objectives.
Blacks and Indians were subject to diverse forms of sub-
jugation. Africans, for example, received a Catholic “baptism”
portugueses de seus inimigos e a atacar os territórios indí-
genas e de quilombos a serem conquistados. Os nativos ca-
tequizados foram utilizados em lutas guiados por um capi-
tão de índios, que poderia ser o superior da missão. Líderes
indígenas, africanos e afrodescendentes foram fundamen-
tais para a manutenção das alianças. Seus conhecimentos
poderiam passar por vários campos como do geográfico ao
das línguas em uso na época.
Várias foram as formas de submissão de africanos e ín-
dios. Os africanos, por exemplo, recebiam o “batismo” ca-
tólico nas costas da África antes de partir para as Américas,
mas com a salvação de sua alma vinha a escravidão do corpo.
Também os holandeses utilizaram o calvinismo para atrair
a população africana e manter a servidão e submissão de es-
cravos no Brasil holandês, afiançando as alianças políticas e
econômicas com os reis africanos, mas, também, para contar
com eles nas guerras no Brasil e na África holandesa.
Saber como os índios e afrodescendes participaram nes-
te processo com seus conhecimentos e suas ações ou rea-
ções é imprescindível pra compreender melhor o mundo
colonial. Para os nativos não aliados e rebeldes estava desig-
nada a morte ou a escravidão e a tomada de seus territórios;
o mesmo ocorreu aos quilombolas que, por não se subju-
garem ao colonialismo, eram atacados por guerras justas nas
quais os quilombolas voltavam como escravos para enge-
nhos, fazendas e indústrias (Perrone-Moisés, 1992: 115-132).
Acreditamos que se tratava de quilombos afro-indígenas,

Espaços afro-indígenas 123


124 Afroindigenous Spaces

on the African coast before leaving for the Americas, but with
the salvation of the soul came enslavement of the body. Also
the Dutch employed Calvinism to indoctrinate Black people
in order to maintain the servitude and submission of slaves
in Dutch Brazil, to secure the political and economic alliances
with African kings, but also to count on their participation in the
wars in Brazil and Dutch Africa.
That Indians and Blacks participated in this colonization
process with their knowledge and by their actions or reactions
is not a novel idea, but it is essential to better understand the
colonial world. We know that death or slavery and the loss of
territory awaited non-allied Natives and rebels, as happened to
the Palmarino Maroons who, by not submitting to enslavement
and the European colonial project, were attacked with the cap-
tured enslaved and sent to sugar plantations, farms and other
local industries (Perrone-Moisés, 1992: 115-132). We believe that
these quilombos were African-Indian in composition, for the pur-
suit of liberty among Blacks and enslaved Indians led many to
form runaway communities throughout seventeenth-century
Brazil, in places where it was necessary to keep communication
strategies and alliances with all local groups.
Questioning the historiography about European elites and
returning the focus of analysis to historical documents pro-
duced by Indians, mestizos and Blacks, regarding the trans-
formation of their landscapes and territories, is a challenge.
Frontiers, indigenous villages, religious missions, maroon com-
munities, plantations, settlers, wars, slavery, were among many
pois a busca pela liberdade entre africanos e índios escravi-
zados e índios ‘livres’ das missões levaram muitos a forma-
rem quilombos pelo Brasil setecentista, em lugares onde era
necessário manter estratégias de comunicação e de alianças
com grupos nativos.
A historiografia sobre as elites europeias e o campo de
análise para documentos históricos produzidos por indí-
genas, mestiços e africanos, quando da transformação da
paisagem dos seus territórios, vem a ser um desafio. Fron-
teiras, aldeias indígenas, missões religiosas, mocambos,
plantações, colonos, guerras, escravidão, muitos foram os
elementos responsáveis por esta transformação nos anti-
gos territórios dos nativos cariri, potiguar, tabajara, caetés
entre outros indígenas do Nordeste do Brasil. Mas, temos
também que incluir os territórios quilombolas dos palma-
rinos e outros, com minas, guinés, entre outros africanos
que neles conviveram. Portanto, afro-indígenas extrapola-
ram os domínios coloniais criando e participando em mer-
cados informais, por exemplo, de alimentos, cerâmicas e
outros utensílios.
Por outro lado, ações diferentes ocorriam em espaços tra-
balhados por nativos e africanos no litoral do Brasil, onde
se vivia tempos de rotas mercantis e de produção para os
mercados internos e externos. No Brasil do século XVII, mais
precisamente no litoral do Nordeste, o porto do Recife fi-
gurava como o porto holandês mais importante para a saí-
da do açúcar em direção às refinarias localizadas nos Países

Espaços afro-indígenas 125


126 Afroindigenous Spaces

factors responsible the transformation of the former territories


of the native Cariri, Potiguar, Tabajara and Caeté among other
Indians of northeastern Brazil, including, saliently, the devel-
opment of quilombos with Guineans, Minas and other African
groups who lived in these places.
It is not viable to consider the history of these Indian, African
and African-Brazilian spaces and territories in the context of col-
onization where all served as only slaves or people in the process
of missionization as to do so is to erase a complex and dynamic
social setting. Relegating the historical African presence to plan-
tations and the destroyed quilombos is also to erase the black
resistance that vast territory. Afro-indigenous people challenged
colonial domination by creating and participating in informal
markets, for example of food, pottery and other items.
On the other hand, different activities took place in areas
worked by natives and Africans along the coast of Brazil, where
they lived during the period of merchant shipping and labored
for the production for internal and external markets. In seven-
teenth century Brazil, more precisely along the northeastern
coast, the port of Recife figured as the most important Dutch
harbor for the export of sugar headed to the refineries located in
the Netherlands. At the harbor, where raw sugar was stored for
export, there existed a society marked by relations of forced and
free labor on which port operations, colonial administration and
the local shops depended. As was well documented by Jean Blaeu
by an engraving made for WIC in 1643, the company with the
highest number of stocks aimed at the commercial Portuguese
Baixos. No porto, onde se armazenava o açúcar bruto para
exportação, estava uma sociedade composta pelas relações
geradas entre o trabalho escravo e o trabalho livre necessá-
rias ao funcionamento do porto, da administração colonial e
do comércio local. Como bem documentado por Joan Blaeu,
em gravura de 1643, feita para a WIC, a empresa com maior
número de ações comercias destinadas ao Atlântico portu-
guês, o Recife passou a ser o porto mais focado nos mapas e
portulanos detalhados do período por ser o porto de entrada
para a capital do Brasil holandês. Porto utilizado pelos por-
tugueses e anteriormente pelos indígenas caetés, o local está
carregado de histórias de sistemas de trocas, de rotas fluviais
e marítimas e de conquistas.
O Nordeste aparece no mapa mural de Marcgraf refle-
tindo os tempos de Nassau e de seus cientistas e artistas,
tempo no qual as obras, e esta em particular, parecem querer
resumir em quadros algumas das ações humanas em cenas
de convivências. Nas paisagens desenhadas para o mapa de
Marcgraf, as cenas de lutas estão restritas às batalhas navais
e às guerras tribais indígenas, estas últimas colocadas fora
das áreas produtoras de cana, nos espaços ainda não con-
quistados. Nestas cenas, os índios aparecem como selvagens
e como antropófagos, organizados quando ligados à área de
missões e saindo para guerra formando terços militares. O
mapa Brasilia qua parte paret Belgis quer nos contar muitas
histórias. Sua atração está na soma dos vários elementos
representados: nos desenhos figurativos, na cartografia da

Espaços afro-indígenas 127


128 Afroindigenous Spaces

Atlantic, Recife’s importance as the point of entry to Dutch Brazil


could be attested through its detailed representation on maps
and maritime charts of the period. As a port used by the Portu-
guese and the indigenous Caeté previously, the site is laden with
stories of trade systems, river and sea routes and conquests.
Recife appears on Marcgraf’s wall map reflecting the times
of Nassau and his scientists and artists; a time when these
works of art, this one in particular, aim to capture in panels
snapshots of peaceful daily life. In the landscapes designed for
Marcgraf’s, battle scenes appear only in among indigenous
peoples in conflicts taking place beyond the cane producing
areas in regions not yet conquered. In these scenes, the Indians
appear as savages and cannibals, organized only when connect-
ed to missions and going to war and in formation as military
troops. The map Brasilia qua parte peret Belgis tells its audience
many stories. Its attraction is to be found in the sum of the
various elements represented: the illustrations, the geopoliti-
cal cartography of the Dutch occupation and texts and single
words that form historical narratives.
geopolítica da ocupação holandesa e nos textos e palavras
soltas que integram subconjuntos.

Espaços afro-indígenas 129


Os intermediários
The Intermediaries
7
Bartira Ferraz Barbosa e José Luiz Ruiz-Peinado Alonso
O cartógrafo Hessel Gerritsz registra em sua coleção geográ-
fica que os apontamentos fornecidos a Kilian van Resenlaer,
no ano de 1628, em Amsterdam, pelos nativos Gaspar Parau-
paba do Ceará, 50 anos; André Francisco do Ceará, com 32
anos, potiguar da Bahia da Traição; Antonio Guirawassanay;
Antonio Francisco; e Luiz Gaspar, também da Bahia da Trai-
ção, foram utilizados para a realização de mapas referentes
ao Nordeste do Brasil (Souto Maior, 1912: 26-61). Também
acreditamos que Pedro Poty, aliado dos holandeses como
comandante das tropas indígenas da Paraíba e parente de
Felipe Camarão, o Capitão-Mor dos Índios do Brasil portu-
guês, estaria entre os nativos que dariam informações para a
invasão holandesa realizada em 1630. Ele estava na Bahia da
Traição quando da passagem dos holandeses, após a perda
da guerra em Salvador da Bahia, e teria viajado para Holanda
juntamente com outros nativos. Localizados em Amsterdam
e Leiden, ele e os outros indígenas citados aprendem a falar
e a escrever holandês, tornam-se informantes, calvinistas, lí-
deres nativos e estrategistas militares aliados aos holandeses,
quando da preparação e invasão à capitania de Pernambuco,

Os intermediários 133
134 The Intermediaries

The cartographer, Hessel Gerritsz, recorded in his geographical


collection that the notes provided to Kilian van Resenlaer in the
year 1628, in Amsterdam, by Gaspar Paraupaba, a 50 year old Indi-
an from the state of Ceará, Andrew Francis of Ceará, a 32 year old
Potiguar Indian from the Bahia da Traição and Antonio Guirawas-
sanay, Luiz Antonio and Francisco Gaspar, also from Bahia’s Be-
trayal, were used to make maps for the northeast of Brazil (Souto
Maior, 1912: 26-61). Further, it is possible that Pedor Poty, an ally
of the Dutch and commander of the Indian troops in Paraiba,
also cousin of Felipe Camarão, the Capitão-Mor of the Indians
in Portuguese Brazil, was among the native Indians who gave in-
formation vital for the Dutch invasion of Brazil in 1630. He was in
Bahia da Traição when the Dutch troops came through after hav-
ing lost Salvador da Bahia and travelled to Holland together with
the other natives. While in Amsterdam, they learned to read and
write Dutch, converted to Calvinism, became informants and mil-
itary strategists for the invasion of Pernambuco in 1630. Moreover,
they would convey an important vision of relations between indig-
enous peoples and the colonial world in which they participated.
In the seventeenth century many cartographers had access to
Native Indian topographical information that aided in locating in-
digenous areas, such as was the case with João Teixeira Albernaz of
the House of India and Guinea, active between 1602 to 1649, and
responsible for 400 nautical charts and 19 atlases, as well as Hessel
Gerritsz, Joan Blaeu, Joan Vingboons and Georg Marcgraf, these
last hired by WIC. It is certain that without that information ob-
tained in Brazil or in Europe these cartographers could not have
represented so many details to make the territorial conquests
em 1630. Além disso, eles passariam uma visão importante
das relações entre indígenas existentes no Nordeste e sobre o
mundo colonial no qual participavam.
Durante o século XVII, muitos cartógrafos, como João
Teixeira Albernaz, da Casa da Índia e da Guiné, atuante entre
1602 a 1649, responsável por 400 cartas náuticas e 19 atlas,
assim como Hessel Gerritsz, Joan Blaeu, Joan Vingboons e
Georg Marcgraf, os últimos contratados pela WIC, teriam
tido informações de nativos para composições de topografia
com localização de áreas indígenas. Certo é que sem essas in-
formações obtidas na África, Ásia, América e na Europa não
se poderia ter chegado a tantos detalhes para se fazer as con-
quistas. Para o desenho de mapas com a grande quantidade
de topônimos indígenas e afro-americanos, certamente fo-
ram utilizados cartas e relatos de indígenas potiguares, pro-
duzidos a partir da língua tupi e da escrita chamada “Língua
Geral da Costa do Brasil” que integram documentos deste
período. A participação nativa na produção documental e seu
conteúdo demonstram que houve uma importante captação
do conhecimento e poder de liderança indígena nas capita-
nias do Nordeste do Brasil.
O mapa de Marcgraf Brasilia qua parte paret Belgis faz refe-
rências aos topônimos indígenas dos territórios colonizados
com seus apoios e confirmam que o conhecimento nativo da
geografia foi importante para a construção de uma nova pai-
sagem e da cartografia histórica do período colonial. Mas, os
índios não foram os únicos, Domingos Fernandes Calabar,

Os intermediários 135
136 The Intermediaries

possible and including lots of indigenous and African American


toponyms and as presented in the documentation of the 17th cen-
tury. Letters and reports by indigenous Potiguars, produced in
the Tupi language and a text called the “General Language of the
Coast of Brazil” form part of the rich documents from this period.
Indigenous participation in the production of texts and the con-
tents of these valuable historical sources show that there was a
significant appropriation of Native American knowledge and the
force of leadership in the captaincies of Northeast Brazil.
Marcgraf’s Brasilia qua parte paret references indigenous top-
onyms of the territories colonized with the help of the Potiguar
and confirms that the indigenous knowledge of geography was
important to build a new landscape and historical cartography
of the colonial period (Barbosa, 2012). But the Indians were
not the only ones who participated in this process. Domingos
Fernandes Calabar, by most counts the son of Angela Alvares
(a Black or Indian woman) and an unknown Portuguese man,
participated in several expeditions with Portuguese troops in
the backlands of Pernambuco between 1625 and 1630. Francisco
Dias d’Avila, during a campaign into the countryside, in which
Calabar participated, obtained information on the trails and
pathways essential used by the Dutch in Brazil, as appears in
Walbeeck’s report to WIC in 1633 (Puntoni, 2000: 31).
Calabar’s geographical knowledge combined with his relations
with slaves engaged in tactics to fight against their former own-
ers. Calabar went from humble roots in the Portuguese colonial
world to being a “traitor” in the eyes of the Luso-Brazilians and
hero to the Dutch. Captured by the Portuguese after the surrender
filho de Ângela Álvares, indígena ou afrodescendente, com
português desconhecido, participou de várias expedições
pelo sertão pernambucano acompanhando tropas portugue-
sas, entre 1625 a 1630 (Cabral de Mello, 2010:138-141). Francisco
Dias d’Ávila, em uma entrada pelo sertão, na qual participou
Calabar, obteve informações sobre as trilhas e os caminhos
essenciais usados pelos holandeses no Brasil, como aparece
nas informações do relatório de Walbeeck dado a WIC, em
1633 (Puntoni, 2000: 31).
Portanto, Calabar somava seus conhecimentos geográ-
ficos aos das táticas de luta de escravos contra seus antigos
donos e com o mundo colonial português, para o qual se
tornou “traidor” quando se aliou aos holandeses. Captura-
do pelos portugueses, eles não o pouparam, o desmembra-
ram e penduraram depois da entrega de Porto Calvo pelas
tropas holandesas. As importantes informações dadas pelos
potiguares que viveram por conta da WIC na Holanda, pe-
los judeus sefarditas envolvidos no tráfico de escravos e nas
plantações de açúcar na África, no Nordeste do Brasil e nos
Países Baixos, pelos espiões e, posteriormente, pelos deser-
tores como o jesuíta Manuel de Moraes, deram a base para a
construção do mapa de Marcgraf. Toda informação foi, por
fim, reunida por estratégia da WIC e pelas mãos de um im-
portante geógrafo e diretor da mesma, Johan de Laet, editor
deste mapa mural. As redes de informações eram vitais para
a sobrevivência dos grupos nativos e afro-americanos, como
se constata no diário de viagem do capitão Blaer, chefe da

Os intermediários 137
138 The Intermediaries

of Porto Calvo by Dutch troops in 1635, he was not spared, sub-


sequently hung and his body dismembered. The important infor-
mation provided by the Potiguars who lived in the Netherlands
supported by the WIC, by Sephardic Jews involved in the slave trade
and the sugar plantations in Africa, by spies in northeastern Brazil
and the Netherlands and later by the military deserters such as
the Jesuit, Manuel de Moraes, supplied the basis for constructing
Marcgraf’s map. All information was finally strategically collected
by the WIC and the by hands of an important geographer and WIC
director, Johan de Laet, publisher of this wall map.
Information networks were vital to the survival of Native
groups and African-Americans, as noted in the travel diary of
Captain Blaer, head of the Dutch expedition against Palmares in
1645: “... two or three Blacks even killed our Brasilienses (Indians)
in the neighboring swamp; also, the captured Blacks told us that
their king knew of our coming, having been advised from Ala-
goas” (a colonial town) (Carneiro, 1988: 256).
Creating new networks, the research group, Diásporas, Con-
tatos e Enredos Culturais (Diasporas, Contacts and Cultural En-
tanglement), initiates with this text a series of publications for
historians, anthropologists and archaeologists, among others,
interested in exploring issues related to the coming together of
diverse groups in varied social and historical settings. Research
and writing of present text, Afroindigenous Spaces on the Wall Map,
Brasilia qua parte paret Belgis, aside from the interpretations pre-
sented, was fundamental in fortifying the collaboration between
researchers from the Universitat de Barcelona and the Universi-
dade Federal de Pernambuco.
expedição holandesa contra Palmares em 1645: “…ainda ma-
taram os nossos brasilienses dois ou três negros no pântano
vizinho; disseram ainda os negros pegados que o seu rei sa-
bia da nossa chegada por ter sido avisado das Alagoas” (Car-
neiro, 1988: 256).

Os intermediários 139
Tapuias e Taperas
tapuias and taperas 8
Bartira Ferraz Barbosa, Natalia Moragas
e José Luiz Ruiz-Peinado Alonso
A região do sertão nordestino, pouco divulgada ou visitada
por turistas brasileiros, ficou por muito tempo conhecida
como uma terra sem fronteiras e habitada por povos “vio-
lentos e selvagens” do interior do Brasil. Marcada pela quase
total ausência de chuvas e por populações indígenas das cha-
madas línguas ‘travadas’ diferentes do tupi da costa do Brasil,
a região dos sertões ficou conhecida como área de forte re-
sistência indígena quando das entradas de europeus a pro-
cura por terras férteis, ouro e recursos de água. As primeiras
notícias que temos sobre os rios que cortam os sertões foram
dadas quando da viagem de Américo Vespúcio, em 1501, ao
famoso estuário do grande rio São Francisco (Amado e Figue-
redo 2001). As riquezas desta vasta região dos sertões atraía a
atenção dos viajantes e colonizadores, sempre a procura de
oportunidade para enriquecer.
Em 1548, com a preocupação da colonização e da explo-
ração do vale do rio São Francisco, D. João III recomenda a
Tomé de Souza a ação desta conquista. A penetração do vale
coube ao patrocínio das capitanias de Pernambuco, da Bahia
e de São Vicente. Caio Prado Jr. refere-se a homens de Duarte

Tapuias e Taperas 143


144 tapuias and Taperas

The northeastern Sertão, little known or visited by Brazilian


tourists, was for a long time known as a land without frontiers,
inhabited by “violent and wild” peoples. Marked by an extreme
absence of rain and by indigenous groups speaking isolated
languages not related to the coastal Tupi, the Sertão region be-
came known as an area of strong indigenous resistance to the
encroaching Europeans looking for fertile land, gold and water.
The first information we have of the rivers that cut through the
Sertão is to the famous estuary of the big São Francisco, from
Americo Vespucci, in 1501 (Amado e Figueredo 2001). The rich-
es of this vast Sertão attracted the attention of travelers and
colonists, always looking for an opportunity to become wealthy.
In 1548, with the intention of exploring and colonizing the
São Francisco River valley, D. João III recommended to Tomé de
Souza the best manner to undertake this conquest. The pene-
tration of the valley would be sponsored by the captaincies of
Pernambuco, Bahia and São Vicente. Caio Prado Jr. refers to the
men of Duarte Coelho, governor of the Pernambuco captain-
cy, when he speaks of the first campaigns to the São Francisco
River, from 1543 to 1550, also noting that the village of Penedo
was a hub for the slave market of indigenous peoples (Prado
Jr. 1989: 43). It is noted on the map, Brasilia qua paret Belgis de
Marcgraf (1647), that Penedo was highlighted as one of the larg-
est villages on the banks of the São Francisco River. The empty
spaces portrayed on this map did not embody the reality of the
16th and 17th centuries. Nonetheless, military campaigns did
indeed promote depopulation first and foremost. In order to
Coelho, governador da capitania de Pernambuco, quando
fala das primeiras entradas pelo rio São Francisco, no perío-
do de 1543 a 1550, afirmando ser no vilarejo de Penedo o cen-
tro da convergência do mercado de índios escravos (Prado
Jr. 1989:43). Observa-se no mapa Brasilia qua parte paret Belgis
de Marcgraf (1647) que Penedo foi destacada como uma das
maiores vilas às margens do Rio São Francisco. Os espaços
vazios retratados neste mapa não conferia com a realidade
do século XVI e XVII, mas as entradas promoveram antes de
tudo um despovoamento, pois com o objetivo de apresamen-
to de índios, vendidos a dois cruzados por cabeça, há de ter
ocorrido muitas matanças durante as capturas chefiadas pe-
los conhecidos sertanistas Sebastião Álvares, Francisco Bar-
bosa da Silva, Francisco de Caldas, Gaspar de Ataíde e outros
desbravadores escravistas que atuaram no Brasil colonial. Sa-
bemos que as guerras e as alianças não mantiveram uma or-
dem e não ocorreram de maneira linear e sequenciada nem
no litoral nem no interior. A luta pela ocupação e controle
das terras do sertão, terras caracterizadas pelos grandes perí-
odos de seca registrados em 1606, 1692, 1710 a 1711, 1723 a 1727,
1736 a 1737, 1744 a 1745, 1777 a 1778 e 1791 a 1793, (Pires 1989: 12)
vai se arrastar por vários séculos.
Na disputa pelas fontes de águas e pelas riquezas naturais
necessárias à sobrevivência, a violência e a intolerância foram
fatores que marcam as relações sociais que levaram ainda a
processos de controle da liberdade dos nativos. Relatos e crô-
nicas do período colonial retratam estes primeiros contatos

Tapuias e Taperas 145


146 tapuias and Taperas

capture Indians, sold at two ‘cruzados’ per individual, there must


have been many massacres during the slaving missions headed
by the well-known sertanistas Sebastião Álvares, Francisco Bar-
bosa da Silva, Francisco de Caldas, Gaspar de Ataíde and other
slavers who operated in colonial Brazil. We know that wars and
alliances did not maintain order and did not occur linearly and
sequentially either on the coast or inland. The struggle for oc-
cupation and control of the hinterlands, regions characterized
by great periods of drought recorded in 1606, 1692, 1710 to 1711,
1723 to 1727, 1736 to 1737, 1744 to 1745, 1777 to 1778 and 1791 to 1793,
(Pires 1989: 12) would drag on for several centuries.
In the dispute over water sources and other natural re-
sources necessary for survival, violence and intolerance were
factors that modelled social relations, leading to mechanisms
for controlling the freedom of the natives. Reports and chron-
icles from the colonial period portray these early contacts as
framed by a Christian image in which native customs became
associated with harmful spells and demonic practices of wild
Indians. In the confines of the interior, intolerance and violence,
therefore, were also practiced in the missions in the seven-
teenth and eighteenth centuries and involving the priests.
The study of indigenous history of the Brazilian colonial
period, involving the northeastern Sertão, centers on diverse
aspects of daily life such as housing, hunting, fishing, gathering
or agriculture. Moreover, studies have been done on different
forms of resistance including wars and confrontations with co-
lonial populations. In general, cartographic and documentary
como marcados por uma imagem cristã na qual os costu-
mes dos nativos passam a ser associados a feitiços nocivos
e práticas demoníacas de índios selvagens. Nos confins dos
sertões a intolerância e a violência, portanto, também, foram
praticadas em missões nos séculos XVII e XVIII envolvendo
padres missionários.
O estudo da história indígena do período colonial brasi-
leiro sobre a região dos sertões nordestinos inclui diferentes
áreas de ocupação seja para moradia, caça, pesca, coleta ou
agricultura. Também sabemos que se fizeram estudos sobre
diferentes formas de resistência incluindo as guerras e os
enfrentamentos com as populações coloniais. Em geral, as
informações sobre os sertões apareceram em número mais
reduzido, tanto entre a documentação escrita quanto a carto-
gráfica do período colonial, se comparadas aos temas ligados
ao litoral. Nosso despertar para o tema sobre a construção
do sertão como um território com diferentes culturas indí-
genas ocorreu durante o trabalho de pesquisa realizado no
projeto “Itaparica de Salvamento Arqueológico e Histórico”,
desenvolvido por professores e alunos do Departamento de
História da Universidade Federal de Pernambuco. Iniciado
no ano de 1984, o projeto foi aplicado a uma área formada
por oito municípios pernambucanos – dos quais sete foram
atingidos pelas águas da barragem de Itaparica – localizados
no médio rio São Francisco. Os trabalhos concentraram-se
inicialmente no levantamento e estudo de sítios arqueoló-
gicos pré-históricos e, posteriormente, no levantamento e

Tapuias e Taperas 147


148 tapuias and Taperas

information about the colonial period in the hinterlands is con-


siderably scant when compared to coastal areas.
Our appreciation for the theme about the construction of the
Sertão as a territory with diverse indigenous cultures occurred
during research as part of the project “Itaparica de Salvamento
Arqueológico e Histórico”, conducted by professors and students
of the History Department of the Federal University of Pernam-
buco. Initiated in 1984, the project covered an area formed by
eight municipalities in the state of Pernambuco, seven of which
impacted by the construction of the Itaparica dam located in the
mid-São Francisco River. The study focused initially on the survey
and study of prehistoric archaeological sites, and later the survey
and cataloging of notary and ecclesiastical documents, result-
ing in measures to preserve and store historical and prehistoric
data on the indigenous areas flooded by Itaparica dam waters.
Among the many topics for study that emerged from the project
were those that involved aspects of colonial mission history and
relations between native groups and priests. These themes took
hold alongside archaeological research and excavations at the
17th century Sorobabel Mission, located on the island of the same
name, in the middle of the São Francisco River.
Historical research has shown that the military campaigns
motivated Indigenous riots against Portuguese colonists to
avenge massacres and enslavement. The ‘indigenous attacks’
were used by the new colonial society to accuse them of wild fe-
rocity and to gain ecclesiastical tolerance for the arrest of natives,
thus leaving entire communities destroyed and their homes
catalogação de documentos cartoriais e eclesiásticos, resul-
tando numa ação de preservação e guarda de dados históri-
cos e pré-históricos sobre as áreas indígenas inundadas pelas
águas da barragem de Itaparica. Entre vários assuntos para
estudo surgidos ao longo do projeto citado, alguns aspectos
da história das missões e dos grupos nativos com os quais os
padres missionários mantiveram contato em tempos colo-
niais foram sendo desenvolvidos juntamente com a pesqui-
sa arqueológica e escavações na área da Missão de Sorobabel.
Missão situada na ilha de mesmo nome, localizada no curso
médio do rio São Francisco no século XVII.
As pesquisas históricas comprovaram que as entradas
provocaram revoltas de nativos que para vingar as mortes
e a escravidão indígena atacavam colonos portugueses. Os
‘ataques indígenas’ eram usados pela nova sociedade colonial
para acusá-los de selvagens ferocíssimos e para obter tolerân-
cia dos padres para com o apresamento de nativos deixando
comunidades inteiras destruídas e suas casas abandonadas.
A oca ou a aldeia, como era chamado o habitat das comu-
nidades indígenas pelos portugueses, passava a ser chamada
de tapera pelos nativos tupis, quando abandonadas por eles.
A tapera também era chamada de morada em ruínas. Estes
locais abandonados vão fazer parte de poucos mapas do pe-
ríodo colonial. Conhecemos apenas dois mapas que os as-
sinalaram. Um de um padre baiano do século XVIII e o de
Marcgraf com a localização da Tapera de Angola no sertão
da então capitania de Pernambuco do século XVII. Sertão de

Tapuias e Taperas 149


150 tapuias and Taperas

abandoned. The Portuguese called the indigenous communities


‘ocas’ or villages, and, when abandoned, the Tupi referred to these
places as ‘Tapera’. The tapera also referred to abandoned homes.
These places would become elements of only a couple of colonial
period maps: one by an eighteenth-century Bahian priest and
the other by Marcgraf with the location of the Tapera de Angola
in the hinterland of the then 17th-century Captaincy of Pernam-
buco. This region was a hinterland of Indians, Africans and Afri-
can-Brazilians who sought to escape, hide and live in freedom,
the largest and most notable being the Quilombos de Palmares.
The first European settlers to arrive in the backlands of the
São Francisco River were from the Lins family of Porto Calvo
in Alagoas: Marinho Falcão, Rego Barros and Vanderlei. Their
agropastoral farms had been a factor in many wars and slavery
including different men and women of African, indigenous and
mestizo origin. From the Spanish Philippian period (1580-1640),
colonizers and missionaries received increasing incentive from
the Crown for the occupation of the Pernambuco hinterland
(Barbosa 1991: 24) and their conquest was marked early on by
the incursion of the settlers from East to West. It was an ac-
tion resulting from the policy of land donation and royal pat-
ents, supported by the Portuguese crown. One such example
was that of Custódio Álvares Martins, one of the greatest land
holders (sesmeiro) of the Rodelas backlands on the Pajeú River,
where he founded a chapel under the invocation of São Pedro
and a sugar mill of the same name. From the chapel of São
Pedro emerged the village of the same name that in 1833 had
índios e afrodescendentes que buscavam se esconder e viver
em liberdade como foi o caso das comunidades que viveram
nos acampamentos do mais famoso quilombo o de Palmares.
Os primeiros colonizadores europeus a se fixarem nos
sertões do rio São Francisco foram das famílias Lins de Porto
Calvo em Alagoas, Marinho Falcão, Rego Barros e Vanderlei.
Suas fazendas agropastoris foram fator de muitas guerras e
escravidão incluindo diferentes homens e mulheres de ori-
gem africana, indígena e mestiça. A partir do período filipi-
no (1580-1640), colonizadores e missionários passaram a ter
mais incentivo da coroa para a ocupação do sertão pernam-
bucano (Barbosa 1991:24) e sua conquista foi marcada, des-
de cedo, pelo adentramento dos colonizadores no sentido
Leste-Oeste. Uma ação resultante da política de doação de
terras e de patentes reais, apoiada pela coroa portuguesa. Um
desses exemplos pode ser o de Custódio Álvares Martins, um
dos maiores sesmeiros dos sertões de Rodelas no rio Pajeú,
onde ele fundou uma capela sob a invocação de São Pedro e
um engenho com o mesmo nome. Da capela de São Pedro
nasceu o povoado denominado São Pedro que em 1833 conta-
va com 147 fogos e população de 771 habitantes e 81 escravos.
O seu termo compreendia uma área de seis léguas de exten-
são sobre cinco de largura (Costa 1983: vol.4/483).
José Antônio Gonsalves de Mello baseado em viagem de
Gabriel Soares de Souza defende que, em 1639, se podia che-
gar ao “sertão dos índios Rodelas” (Mello 1966:8). Enquan-
to para Capistrano na segunda metade do século XVIII não

Tapuias e Taperas 151


152 tapuias and Taperas

147 hearths and population of 771 colonists and 81 slaves. Its


land comprised an area of six leagues long by five leagues wide
(Costa 1983: vol.4/483).
Based on the chronicle of a trip by Gabriel Soares de Souza,
José Antonio Gonsalves de Mello (1966: 8) argues that in 1639
the “sertão of the Rodelas Indians” could be reached. While
for Capistrano de Abreu in the second half of the eighteenth
century one could not venture in Pernambuco beyond Bezer-
ros (Capistrano 1930: 57),, for José Antonio Gonsalves de Mello
there were three routes from the coast to the backlands:

1st Route → “The Capibaribe route to the springs, which


skirts the Paraíba territory, reached the Pajeú stream, in the
current Pernambucan municipalities of Itapetim and São
José do Egipto, and through it, to the Brejo do Gama, where
it crossed in Cabrobó, on the banks of the São Francisco. ”

2nd Route → “Ipojuca route following the Ipojuca River Val-


ley and then reaching the Moxotó Valley, reaching the São
Francisco River in Boa Vista.”

3rd Route → “The route connecting Olinda Square with


the São Francisco hinterlands, which Azeredo Coutinho
had opened during his reign and which mirrors the route
through Ipojuca in 1738. In fact, the Governing Bishop order
examination of the distances, rest areas and water sources
for the convenience of cattle drives.” (Mello, 1966).
se penetrava em Pernambuco além de Bezerros (Capistrano
1930: 57), para José Antônio Gonsalves de Mello havia três ro-
teiros do litoral ao sertão:

1º Caminho → “Caminho do Capibaribe até as nascentes, que


contornando o território paraibano, atingia a ribeira do Pajeú,
nos atuais municípios pernambucanos de Itapetim e São José
do Egito, e por ela, seguia até o Brejo do Gama, de onde cruza-
va em direção a Cabrobó, à margem do São Francisco.”

2º Caminho → “Caminho do Ipojuca acompanhava o vale do


rio Ipojuca e alcançava em seguida o vale do Moxotó, atingin-
do o rio São Francisco na Boa Vista.”

3º Caminho → “O caminho comunicando a praça de Olinda


com os sertões do São Francisco, o qual Azeredo Coutinho tinha
mandado abrir durante o seu governo e que repete o traçado
do caminho passando por Ipojuca de 1738. Na verdade o Bis-
po Governador mandava examinar as distâncias, os pousos e
águas para a comodidade das boiadas.” (Mello, 1966).

Os três caminhos citados indicam algumas das possibilidades


de se atingir os sertões do rio São Francisco por rios e terras
que, apesar das distancias, levariam às aldeias de povos nati-
vos do sertão. Para Marcgraf o caminho por terra assinalado
por ele como o Caminho de Camarão foi um dos meios de se
chegar de Olinda a Penedo e ao Rio São Francisco passando

Tapuias e Taperas 153


154 tapuias and Taperas

The three routes mentioned indicate some of the possibilities


of reaching the São Francisco River backcountry by river and
land that, despite the distances, would lead to the villages of
native peoples of the Sertão. For Marcgraf, the overland trail
that he called the Caminho do Camarão was one way to get
from Olinda to Penedo and the São Francisco River, pass-
ing very close to an abandoned quilombo of Palmares that
he named, Tapera de Angola. Travelling to the Sertão included
visiting villages with native populations and traversing native
paths that ran by waterfalls, villages and bordered many rivers
such as Ipojuca, Capibaribe, Pajeú, Moxotó and São Francisco.
Marcgraf points out the importance of the trails, where settlers
and their descendants established most of the colonial farms,
salt pans, settlements and villages, contradicting Capistrano de
Abreu’s claim that the interior of Pernambuco had been impen-
etrable in the colonial period (Capistrano 1930: 57).
Springs and other fresh water sources provided key sup-
port points for travelers on their journeys to the backcountry
where it was possible to quench the thirst of both people and
animals carrying goods. The rivers, therefore, formed part of
these paths and were vital to farming activities and to new and
old indigenous settlements with the assistance of missionaries
organized in the backlands in the colonial period. Among the
itineraries used by priests of different religious orders who ven-
tured into the backlands, the one described by Father Martinho
de Nantes in 1671 reveals that he traveled from Recife to the
mouth of the São Francisco River and, going up the same river
muito próximo pela área das ruínas do quilombo de Palmares
ou como ele chamava Tapera de Angola. Ir aos sertões incluía
conhecer aldeias de população nativa, da hidrografia e de ca-
minhos nativos que passavam por cacimbas, aldeias e marge-
avam rios como o Ipojuca, Capibaribe, Pajeú, Moxotó e São
Francisco. Caminhos por onde colonos e seus descendentes
estabeleceram a maior parte das fazendas, salinas, povoados e
vilarejos coloniais como aponta Marcgraf desmentindo a afir-
mação de Capistrano de Abreu de que não se passava do agres-
te em Pernambuco no período colonial (Capistrano 1930: 57).
As cacimbas e as fontes de água formavam pontos funda-
mentais de apoio para viajantes em seus roteiros aos sertões
onde era possível saciar a sede de homens, de mulheres e
boiadas que transportavam mercadorias. Os rios, portanto,
formaram parte desses caminhos e foram vitais às atividades
agropecuárias e aos assentamentos indígenas novos e antigos
com assistência de missionários organizados pelos sertões
no período colonial. Entre os roteiros usados pelos padres
de diferentes ordens religiosas que se aventuravam pelos
sertões, o descrito pelo padre Martinho de Nantes, em 1671,
revela que ele viajou do Recife até a foz do rio São Francisco
e subindo pelo mesmo rio interiorizou-se passando pela vila
de Penedo para fixar suas ações missionárias no ‘Sertão dos
índios Rodelas’, assim como, nas ilhas de Aracapá e de Pam-
bu, ambas localizadas no Rio São Francisco. (Nantes 1979:9).
O processo de expansão, ocupação e defesa das áreas
coloniais portuguesas só foi possível graças à aliança com

Tapuias e Taperas 155


156 tapuias and Taperas

to the interior, passed by the village of Penedo to establish mis-


sionary activities in the ‘Sertão dos Rodelas Indians’, as well as
on the islands of Aracapá and Pambu, both located on the São
Francisco River. (Nantes 1979: 9).
The process of expansion, occupation and defense of Por-
tuguese colonial areas was only possible thanks alliances with
indigenous nations. The Catholic Church and its missions were
noteworthy in the conquest of souls along the coast and deep
into the Sertão. The first priests arrived in the 16th century for
the support of settlements, mills and farms, as well as to install
missions among indigenous peoples. In 1551, the first Jesuits, An-
tonio da Nobrega and Antonio Pires (Cartas do Brasil, 1549-1569:
118), arrived in Pernambuco. Later, Franciscans arrived in the vil-
lage of Olinda, where they founded a convent and established
a kind of seminary in the courtyard for catechizing Indians in
the year 1585 (Costa 1983: v.02/77). Catechization in the Francis-
can Convent was mainly provided to the younger Indians, the
children of black and indigenous Caeté slaves or of native allies
such as Tabajaras and Potiguares (Barbosa 2012: 225-236). From
the coast, the religious missions expanded inland throughout
the colonial period to the backlands and the middle of San Fran-
cisco was no exception, resulting in actions directed by different
religious orders. Owing to this expansion, many indigenous vil-
lages would be abandoned, and their ruins called taperas. These
were places abandoned by fleeing indigenous communities who
did not know they would be controlled by priests in reductions
or captured for forced labor on the sugar plantations and farms.
nações indígenas. A Igreja católica e suas missões se desta-
caram na conquista de almas pelo litoral e sertões. Chega-
ram no século XVI os primeiros padres para a os povoados,
engenhos, fazendas e para a instalação de missões entre in-
dígenas. Em Pernambuco no ano de 1551, aportaram os pri-
meiros jesuítas, Antônio da Nóbrega e Antônio Pires (Cartas
do Brasil 1549-1569:118), depois deles chegaram franciscanos
à vila de Olinda, onde fundaram um convento e estabelece-
ram no quintal uma espécie de seminário para catequização
de índios no ano de 1585 (Costa 1983: v.02/77). A catequização
no convento franciscano se deu principalmente aos nativos
menores, filhos de escravos negros e indígenas do grupo cae-
té ou de nativos aliados tabajaras e potiguares (Barbosa 2012:
225-236). Do litoral as missões religiosas foram se interiori-
zando ao longo do período colonial pelos sertões e no médio
São Francisco não foi diferente, resultaram em ações dirigi-
das por diferentes ordens religiosas. Destas entradas muitas
aldeias indígenas vão ser abandonadas e suas ruínas passam
a ser chamadas de taperas. Locais abandonados por fuga dos
indígenas que não sabiam que seriam controlados pelos pa-
dres em reduções ou capturados para trabalhos forçados nos
engenhos e fazendas.
As primeiras missões ao longo do rio São Francisco fo-
ram de padres jesuítas desenvolvidas em seis aldeias conhe-
cidas como Acará, Cana Brava, Sorobabel, Rodelas, Assunção
e Santa Maria da Boa Vista. Na ilha de Acará os jesuítas ins-
talam uma missão na aldeia que chamaram Nossa Senhora de

Tapuias e Taperas 157


158 tapuias and Taperas

The first missions along the São Francisco River were Jesuit,
who established six villages known as Acará, Cana Brava, So-
robabel, Rodelas, Asuncion and Santa Maria da Boa Vista. On
the island of Acará, the Jesuits set up a mission in 1699 in the
village they called Nossa Senhora de Belém among the Proca-
zes Indians, where the Brancararus Indians also gathered. Lat-
er, the village was run by Italian Capuchin missionaries, who
continued to reducing the Procazes and Brancararus Indians
(Costa 1983: v.5: 167).
The natives of the island of Acará received the same Jesuit
missionaries who worked in Cana Brava. The Jesuits directed
the natives to work the terrain on the island as well as the land
on the left bank of the São Francisco River. The campaigns of
capture and slavery against the Cana Brava Indians toward the
end of the seventeenth century (1670s) resulted in the with-
drawal of the Ignatians and the victory of the Dias d’Ávila family,
the owners of Casa da Torre, a property located 45 km from the
village of São Salvador in Bahia, where the lands of the largest
sesmaria in Brazil were begun. Later, the d’Ávila family also be-
gan to occupy territory in Pernambuco on the left bank of the
river, near the island of Acará, where they founded a farm called
Cana Brava, as recorded in the map, “Roteiro de viagem do Recife
ao Carinhanha, pelo Ipojuca de 1738”. (Inventário do Patrimônio
Cultural do Estado de Pernambuco: 147). From this farm grew
a village that, by state law, on June 13, 1902, was elevated to the
category of Village with the name of Belém and, in 1928 elevat-
ed to the level of City, with the name Belém de São Francisco.
Belém entre os índios Procazes. Nesta missão iniciada pelos
jesuítas em 1699, foram também reunidos índios Brancara-
rus. Por último, esta aldeia, foi dirigida por missionários ca-
puchinhos italianos, que continuaram aldeando índios Pro-
cazes e Brancararus (Costa 1983: v.5: 167).
Os nativos da ilha de Acará receberam os mesmos mis-
sionários jesuítas que atuaram em Cana Brava. Sob esta ação
jesuíta cabia aos nativos trabalhar a terra da ilha e terras da
margem esquerda do rio São Francisco. A guerra para captu-
ra e escravidão contra os índios da missão Cana Brava ocor-
rida durante o final da década de setenta do século XVII teve
como consequência a retirada dos inacianos e a vitória da
família Dias d’Ávila, os donos da Casa da Torre, propriedade
localizada a 45 km de vila de São Salvador na Bahia de onde
começavam as terras da maior sesmaria existente no Brasil
que se conhecia. Posteriormente, esta família passou tam-
bém a ocupar terras pernambucanas na margem esquerda
do rio, próximo à ilha de Acará, onde fundaram uma fazen-
da denominada por Cana Brava, como aparece registrada no
mapa “Roteiro de viagem do Recife ao Carinhanha, pelo Ipojuca de
1738” (Inventário do Patrimônio Cultural do Estado de Per-
nambuco: 147). Desta fazenda surgiu um povoado que por lei
estadual, em 13 de junho de 1902, foi elevado à categoria de
Vila com o nome de Belém e no ano de 1928 passou à Cidade
e ficou chamada Belém de São Francisco.
Outra missão jesuíta foi erguida na Ilha de Sorobabel e a
mesma encontramos em ruínas em visita realizada no ano de

Tapuias e Taperas 159


160 tapuias and Taperas

Another Jesuit mission was erected on the island of Soroba-


bel and we found it in ruins during a survey in 1986. The mission
of Sorobabel was on alluvial terrain like the other islands of the
São Francisco. According to Serafim Leite, as early as 1696 there
was a village on the island, with a chapel built by the missionar-
ies with the help of the Indians (Leite: 1945). Having as its patron
saint the Nossa Senhora do Ó, Sorobabel was later directed by
Franciscan missionaries from 1702 to 1761, to whom Friar Venân-
cio Willeke attributed the construction of a small church and
house for the priests (Willeke 1974). Researchers from the UFPE
History Department excavated the area from 1986 to 1988, as
part of an effort to salvage archaeological and historical heritage
that would be flooded by the Itaparica dam. Another Jesuit mis-
sion was set up among the ‘Rodelas’ Indians circa 1645 on the
right bank of San Francisco under the invocation of São Batista.
From this village the Indians were indoctrinated while continu-
ing to survive from hunting, fishing and cultivation of their lands.
For fear of revenge of the Portuguese who were at war against
the Potiguares and the Dutch, the “Rodeleiros” joined the fight
against the Dutch sending two hundred “Tapuyas” to help the
division of Felipe Camarão´s Indians. Some drawings attributed
to Frans Post on Marcgraf’s mural map illustrate the existence
of ‘Tapuya Villages’ in the backlands, the existence of warrior
groups living in missions, as well as in their own war camps.
In 1645, Francisco Rodelas, chief of the “Rodeleiros” of the
Sertão, received the rank of Captain of the Indians of the village
of Rodelas for his importance in the fight against the Dutch
1986. A missão de Sorobabel estava em um terreno de aluvião
como as demais ilhas do São Francisco. Segundo Serafim
Leite, já em 1696, existia na ilha de Sorobabel um aldeamen-
to com uma capela, que fora construída pelos missionários
com ajuda dos índios (Leite: 1945). Com a padroeira Nossa
Senhora do Ó, Sorobabel foi dirigida depois por missioná-
rios franciscanos, no período de 1702 a 1761, aos quais atribui
Frei Venâncio Willeke a construção de uma igrejinha e casa
para morada dos padres (Willeke 1974). Esta área foi escava-
da, durante o projeto de salvamento arqueológico e histórico
das áreas a serem inundadas pela barragem de Itaparica, por
pesquisadores do Departamento de História da UFPE entre
os anos de 1986 a 1988. Outra missão jesuítica se instalou
entre os índios ‘rodelas’ por volta de 1645, na margem direita
do São Francisco sob a invocação de São Batista. Nesse alde-
amento os índios foram doutrinados vivendo da caça, pes-
ca e agricultura das suas terras. Por medo da vingança dos
Portugueses que estavam em guerra contra os potiguares e
holandeses, os ‘rodeleiros’ incorporaram-se à luta contra os
holandeses enviando duzentos ‘tapuyas’ para ajudar o terço
de índios de Felipe Camarão. Alguns desenhos atribuídos a
Frans Post existentes no mapa mural de Marcgraf ilustram
a existência de ‘aldeias de tapuyas’ localizadas pelo cartógra-
fo nos sertões, a existência de grupos guerreiros vivendo em
missões, e em seus próprios acampamentos de guerra.
Em 1645 Francisco Rodelas, chefe dos ‘rodeleiros’ do
sertão, recebe a patente de Capitão dos Índios da aldeia de

Tapuias e Taperas 161


162 tapuias and Taperas

(Costa 1983: vol.4/80). Later, the bandeirantes wanted to use the


Rodelas natives in their campaigns, which led many Tapuias to
flee from Rodelas to Piauí, where they became known by the
name of Pimenteiras. This emigration occurred around 1685,
when the lands of the village of Rodelas were already being
occupied by cattle ranches and Portuguese settlers. The Bahian
city called Rodelas was born in the area, with its trade and its
exportation of leather and cattle to areas of Bahia and Minas
Gerais. The Rodeleiros Indians known as the Truká and Tuxá
peoples survived in this region on lands with Franciscan and
Capuchin missions located along the São Francisco River (Cos-
ta 1981: 79-96). In the city of Rodelas, descendants of the Tuxá
and the old village live still. The Truká and Tuxá or Rodelas In-
dians currently occupy some islands of the São Francisco River,
as is the case with the Truká Indians of Asunção Island and the
Tuxá of the island of Cavalos, pertaining to the municipality of
Cabrobó, in Pernambuco.
A mission of Jesuit priests also settled on the island of
Asunção, situated in front of the town of Cabrobó during the
17th century, when it was known as Pambu island. The French
Capuchin, Martinho de Nantes, directed a mission on Araca-
pa Island near Pambu in the second half of the 17th century
(Nantes 1979: 18). Today, this island is inhabited by descendants
of the Truká who, like the Tuxás, belonged to the group of In-
dians ‘Rodeleiros’ that Father Martinho de Nantes registered
as Kariris. According to Pereira da Costa, the mission of Nossa
Senhora de Assunção, located on the island of the same name
Rodelas pela sua importância na luta contra os holandeses
(Costa 1983: vol.4/80). Posteriormente, os bandeirantes qui-
seram se servir dos nativos de rodelas nas suas entradas e
nas suas bandeiras, o que causou a fuga de muitos tapuias de
Rodelas para o Piauí, onde ficaram conhecidos pelo nome
de Pimenteiras. Esta emigração ocorreu pelos anos de 1685,
quando as terras da aldeia de Rodelas já estavam sendo ocu-
padas por fazendas de gado e colonos portugueses. Nesta área
nasceu a cidade baiana chamada Rodelas, com seu comércio
e sua exportação de couro e de gado para áreas da Bahia e
das Minas Gerais. Os índios rodeleiros conhecidos como
do povo Truká e do povo Tuxá sobreviverem nesta região
também em terras com missões de padres franciscanos e de
capuchinhos localizadas ao longo do rio São Francisco (Cos-
ta 1981: 79-96). Na cidade de Rodelas habitam ainda hoje os
descendentes dos Tuxá remanescentes do antigo aldeamen-
to. Os índios Truká e Tuxá ou Rodelas ocupam atualmente
algumas ilhas do rio São Francisco, como é o caso dos índios
Truká da Ilha de Assunção e os Tuxá da Ilha dos Cavalos que
pertence ao município de Cabrobó, em Pernambuco.
Uma missão de padres jesuítas também se instala na ilha
de Assunção, situada em frente à cidade de Cabrobó durante
o século XVII, quando era conhecida como ilha do Pambu.
Nela serviu como religioso o capuchino francês Martinho
de Nantes quando da sua missão na ilha Aracapa, próxima a
do Pambu, na segunda metade do século XVII (Nantes 1979:
18). Hoje, habitam esta ilha os remanescentes da tribo Truká

Tapuias e Taperas 163


164 tapuias and Taperas

on the São Francisco River, was installed on September 23, 1761


and was directed primarily by Jesuits who built a large church
and convent there. The villages of the islands of Assunção and
Santa Maria prospered so much that they were the only ones
to receive, throughout the period of the Captaincy of Pernam-
buco, the designation of Vila and that of Assunção, Vila Real
(Costa 1983: v.5: 40). The church, Nossa Senhora da Conceição
was erected by the Jesuits and served as matrice until 1792 when
a great flood destroyed the island. The matrice was then trans-
ferred to the old church of Nossa Senhora da Conceição locat-
ed on the farm of Dias d’Ávila , today the city of Cabrobó (In-
ventário do Patrimônio Cultural do Estado de Pernambuco: 177).
The Jesuit mission on the island of Santa Maria, belonging
to the municipality of the same name, was inhabited by the
Tapuya Kariris Indians who built the mission chapel and worked
to maintain a population of 160 in the 19th century. Composed
of a population of hunters, fishermen and farmers, the mission
also managed the cotton spinning and weaving goods pro-
duced by Kariri women. Cotton was grown on the island and
both textile and pottery products were for Indian use and ex-
port. In 1852, the church of Santa Maria was in ruins and beside
it, equally decayed, the convent and stone pillar houses. In 1855,
few Indians remained there. Farmers seized the land and the
natives took refuge at Serra Negra located in the municipality
of Floresta. Santa Maria lost its village designation in 1838, be-
coming private property as it remains to this day (Costa 1983:
vol.10: 153).
que, como os Tuxás, pertenciam ao grupo de índios ‘Rodelei-
ros’ que o padre Martinho de Nantes registrou como kariris.
Consta na relação de Pereira da Costa que a missão de Nossa
Senhora de Assunção, localizada na ilha do mesmo nome no
rio São Francisco, foi instalada em vinte e três de setembro
de 1761 e dirigida primeiramente por jesuítas os quais nela
construíram grande igreja e convento. Os aldeamentos da
ilha de Assunção e Santa Maria prosperaram tanto que foram
únicos a receber, em toda a Capitania de Pernambuco, o tí-
tulo de Vila e a de Assunção o de Vila Real (Costa 1983: v.5:40).
Até 1792, a igreja de Nossa Senhora da Conceição erguida pe-
los jesuítas, funcionava como matriz, quando nesta data uma
grande cheia arrasou a ilha e a matriz foi transferida para a
antiga igreja de Nossa Senhora da Conceição situada na fa-
zenda dos Dias d’Ávila, hoje cidade de Cabrobó (Inventário
do Patrimônio Cultural do Estado de Pernambuco: 177).
A missão jesuíta na ilha de Santa Maria, pertencente ao
município do mesmo nome, era habitada por índios tapuyas
kariris os quais construíram a capela da missão e trabalha-
vam para manter uma população de 160 vizinhos no século
XIX. Composta por uma população de índios caçadores, pes-
cadores e agricultores, a missão administrava ainda o traba-
lho de fiação e de tecidos de algodão produzido pelas mulhe-
res kariri. O algodão era cultivado na ilha e os produtos de
tecido e da olaria serviam para o uso dos índios e para expor-
tação. Em 1852 a igreja de Santa Maria estava em ruínas e ao
seu lado, igualmente caídos, o convento e casas de colunas de

Tapuias e Taperas 165


166 tapuias and Taperas

The Kariris were organized in several villages located in the


backlands of Pernambuco, Paraíba and Rio Grande do Norte, as
well as on the islands of the São Francisco River. Such was the
case of the village of São Felix on the island of Cavalo where Fa-
ther Martinho de Nantes also provided his services. It was from
the year 1670, after the expulsion of the Dutch in 1654, that the
French Capuchins arrived in the mid São Francisco River area
for missionary work. They lived among the natives on the island
villages of Porcá, Araxá, Vargem, Pambu, Aracapá and Cava-
lo, besides the Rodelas Indian village. From 1698, due to the
rupture of the Portuguese Royal House from the French Royal
House, the Capuchins were forced to leave Brazil, handing over
their missions to the Order of the Discalced Carmelites. During
this time, the Italian Capuchins, who had embarked on a cam-
paign to Africa, traveled through Brazil, inheriting the Bahia
hospice in 1705 and, consequently, the villages of the São Fran-
cisco River from the French Capuchins, a process mediated by
the Carmelites (Hoornaert 1982: 65- 66).
Native indigenous groups of the hinterland, though socially
and culturally different from each other, were generically called
‘Tapuia’ until the 19th century. Among the Tapuias were the Kari-
ri, some with languages of the Macro-Jê stock, with other Kariri
groups speaking isolated languages. A large number of Kariri,
or Kiriri, Indians initially inhabited the northeastern coast from
the region of the Itapicuru River, in Maranhão, to the south of
Bahia. From there they were expelled by the Tupinikins and later
by the Tupinambás. They then reached the interior and divided
pedras. Em 1855, poucos índios restavam por lá. Apossadas as
terras por fazendeiros, os nativos se refugiaram na Serra Ne-
gra localizada no município de Floresta. Santa Maria perdeu
seu predicamento de Vila em 1838, passando a ser proprieda-
de particular até os dias de hoje (Costa 1983: vol.10:153).
Os kariris estavam organizados em diversas aldeias locali-
zadas pelos sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Gran-
de do Norte, assim como nas ilhas do rio São Francisco, como
é o caso da aldeia de São Felix na ilha do Cavalo na qual o pa-
dre Martinho de Nantes também prestou seus serviços. Foi a
partir do ano de 1670, depois da expulsão dos holandeses em
1654, que os capuchinhos franceses chegaram ao médio São
Francisco para trabalhos missionários. Lá viveram entre nati-
vos nos aldeamentos das ilhas Porcá, Araxá, Vargem, Pambu,
Aracapá e Cavalo além da aldeia dos índios Rodelas. A partir
de 1698, devido ao rompimento da Casa Real portuguesa com
a Casa Real francesa, os capuchinhos são obrigados a deixar
o Brasil passando suas missões para os carmelitas descalços.
Nesta época passavam pelo Brasil os capuchinhos italianos,
que viajavam em campanha para a África, os quais herdam
dos capuchinhos franceses, por intermédio dos carmelitas, o
hospício da Bahia em 1705 e por consequência as aldeias do
rio São Francisco (Hoornaert 1982 :65-66).
Os grupos indígenas nativos dos sertões, mesmo que
diferentes uns dos outros social e culturalmente, foram ge-
nericamente chamados até o século XIX como ‘tapuia’. En-
tre os tapuias faziam parte os kariri, os de línguas do tronco

Tapuias e Taperas 167


168 tapuias and Taperas

into several groups, where lived on agriculture, hunting, gath-


ering, and fishing. Though these cultures could neither write
nor represent numbers, they displayed their hair to signify mul-
titude (Nantes 1979: 9-17). Their marked presence throughout
the northeastern backlands led other groups to understand the
Kariri language, such as the native Tamaqueus whose village
was located on the island of the same name, known today as
Pontal Island on the São Francisco River.
With the expulsion of the Jesuits, the Oratorians assumed
control of three Ignatian missions in Pernambuco: Ararobá, the
current city of Pesqueira, Ipojuca and Limoeiro, then in the par-
ish of São Lourenço da Mata. After 1690, the Oratorians left to
found new villages due to the return of Jesuit administration
of their missions, provoking the interiorization of the first Or-
atorians in search of new villages for catechism activities. Still
in the seventeenth century, the Oratorians of the congregation
of São Felipe Neri directed a village called Brejo dos Padres
located today near the city of Tacaratu, in the municipality of
the same name. The Oratorians built a chapel under the invoca-
tion of Santo Antônio, which currently still house the religious
statuettes of Santo Antônio, São Francisco, Santa Rita, São
José, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora Aparecida, Nos-
sa Senhora da Conceição and two crucifixes. Today the chapel
belongs to the Pankararu Indian Reservation, descendants of
the first indigenous inhabitants of the 17th century village, living
mainly on cotton textile production, agriculture, hunting and
cattle raising (Hoornaert 1982: 69-98).
macro-jê e os de outras línguas isoladas. Um grande núme-
ro de índios kariris ou kiriris habita inicialmente o litoral
nordestino na região que compreendia desde o rio Itapicuru,
no Maranhão até o sul da Bahia. De lá foram expulsos pelos
tupinikins e, posteriormente, pelos tupinambás. Alcançaram
então o interior e dividiram-se em diversos grupos. Viviam
da agricultura, da caça, da coleta e da pesca, mas não sabiam
escrever nem representavam os números, mas mostravam os
cabelos da cabeça para significar multidão (Nantes 1979: 9-17).
Sua forte presença pelo interior dos sertões nordestinos fazia
com que outros grupos entendessem a língua kariri, como
os nativos tamaqueus cuja aldeia localizava-se na ilha de ta-
maqueus, hoje a ilha do Pontal no rio São Francisco.
Com a expulsão dos jesuítas, os oratorianos assumem
três das missões inacianas em Pernambuco: a de Ararobá,
atual cidade de Pesqueira, a de Ipojuca e a de Limoeiro então
na freguesia de São Lourenço da Mata. Após 1690, os orato-
rianos partem para fundar novas aldeias devido a volta dos
jesuítas à administração das suas missões, provocando a inte-
riorização dos primeiros na procura de novas aldeias para o
trabalho da catequese. Ainda no século XVII, os oratorianos
da congregação de São Felipe Neri dirigiram uma aldeia cha-
mada Brejo dos Padres localizada, hoje, próximo a cidade de
Tacaratu, no município de mesmo nome. Neste aldeamento
teriam eles construído durante o século XVII uma capela sob
a invocação de Santo Antônio, que atualmente ainda guarda
imagens antigas de Santo Antônio, São Francisco, Santa Rita,

Tapuias e Taperas 169


170 tapuias and Taperas

Therefore, religious missions were growing in number


along the coast and inland. In the first three centuries coloni-
zation policy effectively reduced indigenous allies and survivors
of wars and massacres to the Catholic faith, with the aim of
maintaining alliances with natives to defend the territory and
exploit the different indigenous groups inside and outside the
villages organized by Jesuit missionaries, Franciscans, Oratori-
ans and others. The priests were licensed by the provincial gov-
ernor, on behalf of the King, to found reductions in the unset-
tled indigenous territories, and these became the property of
the Crown. The reductions multiplied with the three necessary
elements: the priests, the royal troops, and the Indians. Initial-
ly, the indigenous communities where the priests settled were
called “reductions,” because in them the Indians were reduced
to faith and civilization. Later, the terms mission and gentile
missionary were adopted (Freitas 1982: 17). The reductions for
the natives were organized in strategic places, chosen after
small incursions aimed at the physical survey and familiarity
with the region and the amount of the indigenous population
per area. The missionary activities practiced by the priests were
planned and the physical area of mission influence consisted
of an urban-rural unit with an area of thirty to forty leagues in
a square or circle, according to the number of inhabitants and
quality of the land (Freitas 1982: 39).
Mission-reduced indigenous populations were forced into
a new cultural model organized by priests in villages, a polit-
ical-social stronghold of production mirrored on that of the
São José, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora Aparecida,
Nossa Senhora da Conceição e dois Crucifixos. Hoje, a capela
pertence à reserva dos índios Pankararus, descendentes dos
primeiros indígenas ali aldeados vivendo principalmente da
produção de tecidos de algodão, da agricultura, da caça e da
criação de gado (Hoornaert 1982: 69-98).
Portanto, as missões religiosas foram crescendo em nú-
mero pelo litoral e para o interior. Nos três primeiros sécu-
los a política de colonização consegue efetivamente reduzir
indígenas aliados e sobreviventes de guerras e massacres
à fé católica com objetivos de manter aliança com nativos
para defesa do território e de explorar aos diferentes grupos
indígenas dentro e fora das aldeias organizadas por missio-
nários jesuítas, franciscanos, oratorianos e outros. Os padres
recebiam licença do governador da província, em nome do
rei, para fundar reduções nos territórios indígenas ainda não
conquistados e estes passavam a ser propriedade da coroa.
As reduções se multiplicaram com os três elementos neces-
sários: os padres, as tropas reais e os índios. Inicialmente, as
comunidades indígenas onde os padres se estabeleceram
foram denominadas de “reduções”, porque nelas os índios
eram reduzidos à fé e à civilização. Generalizaram-se, depois,
os termos missão e gentílico missioneiro (Freitas 1982:17). As
reduções para os nativos foram organizadas em lugares es-
tratégicos, escolhidos após pequenas incursões que visavam
o reconhecimento físico da região e a quantidade da popu-
lação indígena por áreas. A ação missionária movida pelos

Tapuias e Taperas 171


172 tapuias and Taperas

expanding Portuguese world with church, school, hospice and


housing, and where state-supplied tools arrived so that natives
could produce under the close eye of the missionaries. In 1703
and 1704, the government of the Metropolis, seeking to please
the Church for its valuable external service, ordered the Ca-
puchin missionaries of the convents of Recife and Olinda to
receive six barrels of wine each, for the convent of Carmo de
Olinda eight barrels and as many as the prior deemed neces-
sary for those of Recife (Costa, 1983: v.5 p.5). As wine was not
made in the colony and was usually used both during mass
and to accompany meals, there was not enough to fulfill the
government´s arrangement. As such, and underscoring the
importance of the plan, each secular missionary was awarded a
pension 40$00 réis per year with 30$00 réis to the regulars. In
that same year the granting of casks of wine to the convents in-
creased and the government of the metropolis sent another 24
missionaries to existing missions as reinforcement to introduce
the teaching of crafts to the Indians (Costa 1983: v.5: 5).
padres era planejada e a área física da missão constituía-se
numa unidade urbano-rural de área de trinta a quarenta lé-
guas em quadra ou em círculo, segundo o número de habi-
tantes e qualidade da terra (Freitas 1982:39).
Populações indígenas reduzidas em missões foram for-
çadas a um novo modelo cultural organizado por padres em
aldeias, um reduto político-social de produção espelhado nos
existentes no mundo português em expansão com igreja, es-
cola, hospício e moradias, para onde chegavam ferramentas
com apoio do Estado para que nativos passassem a produ-
zir controlados por missionários.VII O governo da Metrópole
procurando agradar no que podia a igreja por seu tão valioso
serviço externo, manda em 1703 e em 1704 beneficiar os mis-
sionários capuchos dos conventos do Recife e de Olinda com
seis pipas de vinho para cada um, aos do convento do Carmo
de Olinda oito pipas e aos do Recife as que o prior jurasse
serem necessárias (Costa,1983: v.5 p.5). Uma vez que o produto
não era fabricado na colônia e que por costume era utilizado
tanto durante a missa quanto para acompanhar as refeições.
Fica clara a intenção do governo em manter este serviço nas
mãos da Igreja. Como o vinho não foi suficiente, em 1739,
foi estabelecido para cada missionário secular a côngrua de
40$00 réis anuais e aos regulares a de 30$00 réis anuais. Au-
mentava neste mesmo ano a concessão de pipas de vinho para
os conventos e mandava o governo da metrópole mais 24 mis-
sionários às missões existentes como reforço para introduzir
o ensino de ofícios aos índios (Costa 1983: v.5:5).

Tapuias e Taperas 173


NOTAS
NOTES

I No local, a instalação do Memorial Markgraf, vai recom-


por pela parte interna dos imóveis atuais a Casa em que
viveu Nassau, um projeto de nossa autoria solicitado
pela Secretaria de Ciência e Tecnologia da Prefeitura da
Cidade do Recife (PCR), seria a maior homenagem de
Pernambuco ao cientista alemão.
II O mapa mural Brasilia qua parte paret Belgis foi produ-
zido para ilustrar exposição organizada na Holanda, no
século XVII, quando da ocupação do Nordeste do Brasil
pela Companhia das Índias Ocidentais. Usa-se o termo
mapa mural pela sua dimensão e forma de exposição.
III Sobre o tema pode ser mencionada uma série de artigos
e textos produzidos desde o século XX, como o de Pedro
Souto Maior, o de Teodoro Sampaio, o de Hullswyck, de
Eduardo Navarro, de Obermayer e Cerno, e o de Bartira

NOTAS 175
176 NOTES

1  Founded in 1621, the WIC was organized similarly to the


Dutch East India Company (Dutch: Vereenigde Oost-In-
dische Compagnie, abbreviated as VOC). Like the VOC, the
company had five offices, called chambers (kamers). The
board consisted of 19 members, known as the Heeren XIX.
A Groot Desseyn (“grand design”) was devised to seize the
Portuguese colonies in Africa and the Americas, with the
objective of to dominating the sugar and slave trade.
2  The copy of the wall map Brasilia qua parte paret Belgis used
by our research group for projection and publication of
documents relating to the project, Rotas Afro-Indígenas
de Pernambuco, was the one housed in the Map Library
of the University of Leiden/Netherlands, dated 1659, and
filed under the reference, COLLBN 004-08-025/032. See oth-
er editions of this map in the Cartographic References at
the end of this text. Recent studies by Brazilian and Dutch
researchers, such as Teensma, Storms, Van der Boorgart,
Teixeira Leite, among others, and, more recently, Beatriz
Bueno and Daniel Viera, as cited in the references, offer in-
terpretations on the map Brasilia qua parte paret Belgis and
its chief cartographer Georg Marcgraf (1610-1644). The sev-
enteenth-century cartographers Gerritsz and Vingboons
gave us different viewpoints that allowed comparing data
to support the argument that the Marcgraf map was based
on very detailed information and observations.
3  In general, at the request of metropolitan and colonial
authorities eager for geographical descriptions, historical
Ferraz Barbosa. Os documentos citados que se encon-
tram arquivados no Arquivo Histórico Ultramarino em
Lisboa e no Arquivo da Companhia das Índias Ociden-
tais em Haia, Holanda.
IV A produção de mapas impressos em Amsterdam com
financiamento da Companhia das Índias Ocidentais in-
clui o de De Laet, a Novus Orbis publicada em Francês,
em 1640, que tinha a missão de colocar resumidamente
os espaços holandeses entre os continentes do globo; o
mapa mural gravado em 1646 por Joan Blaeu (embora
só publicado no ano seguinte), continha levantamen-
to e desenho cartográfico de Georg Marcgraf de 1643
com vinhetas de paisagens sobre o Brasil, atribuídas a
Frans Post; o primeiro mapa sobre o litoral brasileiro
publicado pela WIC em 1632, intitulado Caerte vande
Custe van Brasiijl é atribuido ao capitao Geleijn van
Stapels e trata sobre o litoral entre o rio Formoso e o
Rio Grande do Norte. Nele estão incluidos 4 desenhos
sobre parte da costa perfilada e aquarelada. Stapels com-
põe o mapa a partir de antigas informações e medições
próprias. Outros mapas foram posteriormente impres-
sos no livro publicado por Caspar Barleus. Estes e o
do Atlas de Vingboons (c. 1665), todos revelam avanços
técnicos representativos do domínio geopolítico sobre
a região do Nordeste do Brasil conquistada. Grande
parte da documentação original e de cópias guardadas
na Holanda passou a ser divulgada através do Atlas De

NOTAS 177
178 NOTES

accounts and supporting documentation on achievements


made American territories (Kantor, 2010: 302).
4  The most important core Occidenta cartography was in
the Provinces of the Netherlands were part of the Spanish
crown. Where it begins a new stage of cartography, with the
work of mapping anthologies by Flemish authors as Ortel-
ius, de Jode, Mercator and Blaeu. (Vicente, 2010: 161)
5  The production of maps printed in Amsterdam with fund-
ing from the West Indies Company. De Laet, the Novus Or-
bis published in French in 1640, had the goal of locating
briefly the Dutch holding on the continents of the globe.
The wall map engraved in 1646 by Joan Blaeu (although not
published until the following year), contained cartographic
surveys and illustrations from Georg Marcgraf of 1643 with
vignettes of Brazilian landscapes, attributed to Frans Post.
The first map of the Brazilian coast published by WIC in 1632,
was entitled Caerte vande Custe van Brasiijl and attributed to
Captain van Geleijn Stapels and portrays the coast between
the Formoso River and the Captaincy of Rio Grande do
Norte. This map also includes four profile representations
of the coast in watercolor. Stapels composes the map from
old information and his own measurements. Other maps
were later printed in the book published by Caspar Barle-
us, and the Vingboons Atlas (c. 1665), all showing the tech-
nical advances representative of geopolitical dominance
over Northeast Brazil. Much of the original documentation
and copies stored in Holland became available through
Oude WIC, 1621 – 1674, publicado, em 2011, na Holanda
(Storms, 2011).
V Lançados: inicialmente foram degredados portugueses
lançados pela borda dos barcos para entrar em contato
com os povos africanos da costa da Guiné. Os sobrevi-
ventes chegaram a criar redes comerciais entre os eu-
ropeus e os diferentes reinos africanos. Posteriormente
tratados como mestiços de portugueses com africanas
dedicados ao comercio no interior de continente. Pom-
beiro: termo da língua quimbundo que significa nego-
ciante ou emissário que atravessa o sertão comercian-
do. Também alude a uma classe muito importante de
comerciantes que controlavam o comércio de escravos
em Angola (Thomas 1997: 166 e Blackburn 1997: 176). Os
Tangomãos eram portugueses que falavam línguas afri-
canas, tinham contatos com os povos do interior e in-
termediavam entre comerciantes e chefes locais. Podiam
residir no interior e tinham certo prestígio na costa afri-
cana, centrando seus trabalhos na reunião de escravos
para a exportação. Foram acusados por religiosos católi-
cos e autoridades portuguesas de terem “origem judaica”
e de viver como os “negros” (Lobo 1991: 67).
VI Chama atenção a utilização do termo genérico “India-
rum” como conceito aplicado aos grupos Tupinambá da
costa colonizada, em contraposição as Aldeas das Tapu-
jas como espaços povoados fora ainda do marco colo-
nial. A diferença é levada aos termos em latino: “Domus

NOTAS 179
180 NOTES

the atlas De Oude WIC, 1621 - 1674, published in 2011 in the


Netherlands (Storms, 2011).
6  Lançados: Initially, banished Portuguese thrown overboard
from boats to make contact with the African peoples of
the Guinea coast. The survivors created trading networks
between the different European and African kingdoms.
Subsequently, Luso-Africans dedicated to trade within the
continent. Pombeiro: Kimbudo term meaning dealer or
emissary who would travel the backlands to trade. Alludes
also to a very important class of merchants who con-
trolled the slave trade in Angola (Thomas 1997: 166 and
Blackburn 1997: 176). The Tangomãos were Portuguese who
spoke spoke African languages, had contacts with people
in the countryside and intermediated realtions between
traders and local rulers. They could reside in the coun-
tryside and held prestige on the African coast, investing
most of their efforts on the capture of people enslave-
ment. Catholic religious leaders and Portuguese author-
ities them as having “Jewish origins” and living like the
“Negroes” (Lobo 1991: 67).
7  Also, the Flemish painter Albert Eckhout, would have ben-
efited from trips to Dutch Brazil to paint native Brazilians,
instruments and ethnographic objects. The “cycle of paint-
ings” that Albert Eckhout executed, of which João Maurício
made political use, by displaying them in the palace of Vri-
jburg, leaves us an idea of how the Indians, mestizos and
blacks of Brazil were seen by the Dutch.
Indiarum”, a casa/morada fixa dos índios Tupi reduzi-
dos e “Domicilium Tapijyurum” como sede/domicilio
dos itinerantes Tapuias do interior. A etiqueta de “Lu-
gar despovoado” ou “Domicilia deserta” indicaria zonas
com aldeias anteriormente ocupadas por grupos que,
ou acabaram sendo reduzidos em missões ou, grupos
que, ante a pressão portuguesa ou holandesa, teria fugi-
do para áreas de refúgio no interior, lembrando-nos dos
estragos das epidemias que assolaram o território e que
poderiam explicar alguns despovoamentos.
VII Carta régia de 11/01/1701 determina um auxílio de
300$000 reis anuais para compra de ferramentas e ou-
tros objetos necessários às aldeias, devendo essa quantia
ser aplicada pelo bispo diocesano”. Costa, A. F. Pereira.
Idem, V. 2, p. 80.

NOTAS 181
182 NOTES

8   The date that confirms the completion of the prints, marked
1646 in the text of the map, suggests that Frans Post worked
on the compositions of the vignettes at the same time (or
shortly thereafter) he executed the drawings, dated 1645,
which served as the basis for the engravings that illustrate
the issue of Rerum per octennium in Brasilia, by Gaspar Barlae-
us in 1647. In fact, Frans Post must have benefited from the
intense activity of cartographic sponsored by WIC, return-
ing to Recife, and to the palaces of João Maurício.
9  The term Tapuia referred to Native Brazilians who did not
belong to social and cultural groups that spoke dialects of
Tupi, spoken by most coastal inhabitants at the time of ex-
ploration and colonization. Although the historical reality
was much more complex, this dichotomy is maintained in
this text as it is fundamental to an adequate understanding
of the colonial mindset.
10  Verdadeira história e descrição de uma paisagem de selvagens, nus
e ferozes comedores de gente no Novo Mundo da América (The
true history and description of a land of savages, naked and fierce
eaters of human flesh in the New World of America) (Warhaftige
Historia und beschreibung eyner landtschafft der Wilnen
Nacketen Grimmigen Menschfresser Leuthen in der Ne-
wenwelt America [1557] (Staden, 1983).
Fontes Primárias
Referências Cartográficas
Primary Sources
Cartographic References

STAPELS, Geleijn van. Caerte van de Custe van Brasiijl – 1632.


GERRITSZ, Hessel. ‘Passcaert van de ghelegenheyt van Per-
nambuc’ – 1630, por H.C. Lonck. Biblioteca Universidade de
Leiden, (UBLCKA_COLLBN 004-08-001).
VINGBOONS, Joan, Atlas da Costa do Brasil, c. 1665. Coleção
Acervo do Instituto Histórico Arqueológico, Histórico e Ge-
ográfico de Pernambuco.
LAET, Johannes de. Novus Orbis publicada em Francês - 1640.
GROTE ATLAS VAN DE WEST-INDISCHE COMPAGNIE. I De
Oude WIC, 1621 – 1674, Bea Brommer & Henk den Heijer
(Ed.). Atlas Maior, Holanda, 2011.
Marcgraf, Georg. Mapa Brasilia qua parte paret Belgis:

Fontes Primárias | Referências Cartográficas 183


1ª a) Joan Blaeu, (1647)– 4 folhas in Barleus, ‘Rerum…..
1ª b) Joan Blaeu, (1647 – 1659) – Mapa mural em 9 folhas. Atlas
des Grossen Kurfursten, 1659, Fundo da Staatsbibliothek zu
Berlin.
2ª Joan Blaeu, (1662) – 4 folhas.
3ª Huych Allard, (1659) – 9 folhas. Universiteitsbibliotheek
Leiden (COLLBN 004-08-025/032)
4ª Clement de Jonghe, (1664) Mapa mural em 9 folhas. Minis-
tério das Relações Exteriores, Rio de Janeiro.
5ª Pieter Mortier, (1700) – 4 folhas. Coleção particular.
6ª Covens e Mortier, (1721)4folhas. Coleção particular. Biblio-
thèque Nationale De France, département Cartes et plans,
CPL GE DD-2987 (9505 B).

184 Fontes Primárias | Referências Cartográficas


Referências Bibliográficas
Bibliographic References

ALENCASTRO, Luiz Felipe de, O Trato dos Viventes: formação do


Brasil no Atlântico Sul. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
ALLEN, Scott “The Movement of People and Things in the
Capitania de Pernambuco: Challenges for Archaeological In-
terpretation.” IN M. Beaudry and T. Parno (eds.) Archaeologies
of Mobility and Movement. New York: Springer, 2013, 31-46.
AMADO, Janaina e FIGUEREDO, Luiz Carlos. Brasil 1500 – Qua-
renta Documentos. Editora BARBOSA, Bartira Ferraz. Paranam-
buco Poder e Herança Indígena. Ed. Universitária da UFPE, Re-
cife, 2007.
AMADO, Janaina e FIGUEREDO, Luiz Carlos. MISSIONAÇÃO NA
CAPITANIA DE PERNAMBUCO: O CONVENTO DE SÃO FRAN-
CISCO EM OLINDA. In: Roberto Guedes. (Org.). Dinâmica
imperial no antigo regime português: escravidão, governos,

Referências Bibliográficas 185


fronteiras, poderes, legados (Séculos XVII-XIX). Rio de Janei-
ro: Mauad X, 2011, p. 225-236.
AMADO, Janaina e FIGUEREDO, Luiz Carlos. Patrimônio e
Culturas na Zona da Mata. In: Aécio Gomes de Matos. (Org.).
Modernização Conservadora e Desenvolvimento na Zona
da Mata de Pernambuco. Recife: Editora Universitária UFPE,
2012, p. 223-291.
AMADO, Janaina, FIGUEREDO, Luiz Carlos e FERRAZ, Socorro.
Sertão Fronteira do Medo. Editora UFPE, Recife, 2015.
BARLEUS, Gaspar, O Brasil Holandês sob o Conde João Mau-
rício de Nassau: História dos feitos recentemente praticados
durante oito anos no Brasil e noutras partes sob o governo
do Ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, etc., ora go-
vernador de Wesel, Tenente-General da cavalaria das Provín-
cias-Unidas sob o Príncipe de Orange. Senado Federal, Con-
selho Editorial, Brasilia, 2005.
BOOGAART, Ernst van den e PARKER, Rebecca. Informações
do Ceará de Georg Marcgraf ( junho-agosto de 1639). ed. In-
dex, Rio de Janeiro, 2002.
CABRAL DE MELLO, Evaldo. O Brasil holandês (1630-1654). Com-
panhia das Letras, São Paulo, 2010.
CADORNEGA, Antônio de Oliveira de. História Geral das
Guerras Angolanas (1680). 3 vols. Editora Agência-Geral do
Ultramar, Lisboa, 1972.

186 Referências Bibliográficas


Carneiro, Edison, O Quilombo dos Palmares. São Paulo: Edi-
tora São Paulo, 1958
CORRÊA DO LAGO, Pedro e Bia. Frans Post (1612-1680) Obras
Completas. ed. Capivara, Rio de Janeiro, 2009: 413- 415.
COSTA, Francisco Augusto Pereira da. Anais pernambucanos.
10 vols. FUNDARPE, Recife,1983-1985 .
CURVELO, Arthur. “Pescaria e Bem Comun: Pesca e Poder
Local em Porto Calvo e Alagoas do Sul (Séculos XVII e XVIII).
In Alagoas colonial: Construindo economias, tecendo redes de po-
der e fundando administrações. Editora Universitária UFPE, Re-
cife, 2012.
FREITAS, Décio. O Socialismo Missioneiro. Ed. Movimento,
Porto Alegre, 1982.
GREGOR ALDENBURG, Joham Reise nach Brasilien, 1621-26, ci-
tado en John Thorton, A África e os africanos na formação do
mundo Atlântico, 1400-1800. Editora Campus, São Paulo, 2004.
GRUZINSKI, Serge. Las cuatro partes del mundo. Historia de una
mundialización. F.C.E., México, 2010.
HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil Colonial (1500-
1800). Brasiliense, São Paulo, 1982.
INVENTÁRIO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO ESTADO DE
PERNAMBUCO. Sertão do São Francisco. In: IPAC/PE- FUN-
DARP, Recife, 1987.

Referências Bibliográficas 187


HISTORIA NATURALIUS BRASILIAE: in qua non tantum plantae
et animalia, sed et indigenarum morbi, ingenia et mores describun-
tur et iconibus supra quingentas illustrantur. Piso, Wille, Lugduni
Batauorum; et Amstelodami: apud Lud.: apud Franciscum
Hackium Elzevirium, 1648. Fondo de reserva, Universidad
de Barcelona.
KANTOR, Iris. “Usos geopolíticos da memória toponímica
na formação do Estado Brasileiro”. In Mapas de Metade do
Mundo. A Cartografia e a Construção Territorial dos Espaços Ame-
ricanos Século XVI e XIX. Ed. Centro de Estudos Geográficos,
Universidade de Lisboa e Inst. De Geografia, Universidade
Nacional Autónoma de México, 2010.
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus. Imprensa
Nacional, Rio de Janeiro, 1945.
PARKER, Rebecca. Albert Eckhout, Visões do Paraíso Selvagem
Obras Completas. Capivara Editora, São Paulo, 2010.
PETRONELLA, Albertin, Arte e Ciência no Brasil Holandês,
Theatrum Rerum Naturalium Brasiliaes: um estudo dos de-
senhos. Revista brasileira de Zoologia. São Paulo, 1985.
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios Livres e Índios Escravos,
Os princípios da legislação indigenista do período colonial
(século XVI a XVIII)”, en História dos Índios do Brasil, Manuela
Carneiro da Cunha. Companhia das Letras, Secretaria Muni-
cipal de Cultura, Fapesp, São Paulo, 1992.

188 Referências Bibliográficas


PINTO, Manuel do. Relação do Descobrimento da ilha de São
Tomé. CHAM, Lisboa, 2006 [1696].
PIQUERAS CÉSPEDES, Ricardo. Entre el hambre y El Dorado:
mito y contacto alimentario en las huestes de conquista del
XVI. Diputación de Sevilla, Sevilla, 1997.
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a
colonização do sertão no nordeste do Brasil. 1650-1720.Editora
Huitec, São Paulo, 2000.
SOARES, Mariza. Engenho sim, de açúcar não o engenho
de farinha de Frans Post. Varia hist. [online]. 2009, vol.25,
n.41, pp. 61-83. ISSN 0104-8775. http://dx.doi.org/10.1590/
S0104-87752009000100004.
STADEN, Hans. Verdadera historia y descripción de un país de sal-
vajes desnudos. Argos Vergara, Barcelona, 1983.
STORMS, Martijn. De kaart van Nederlands Brazilie door Georg
Marcgraf. Caert Thresoor Tijdschrift voor de Geschiedenis van de
Kartografie, n. 2. Den Haag, 2011.
SOUTO MAIOR, Pedro. “Dous Índios Notáveis e Parentes
próximos Pedro Poty e Philippe Camarão.” Revista do Ins-
tituto Arqueológico, Geográfico e Histórico de Pernambuco. N. 15.
Recife, 1912.
VAINFAS, Ronaldo. Traição. Um jesuíta a serviço do Brasil ho-
landês processado pela Inquisição. Companhia das Letras, São
Paulo, 2008.

Referências Bibliográficas 189


VIEIRA, Daniel Souza Leão. Corografia, Etnocentrismo e
Geopolítica no Mapa Mural Brasilia qua Parte Paret Belgis,
1643-1648. In: III Encontro Internacional de História Colo-
nial, 2010, Recife-PE. Caderno de Resumos - 3o. Encontro
Internacional de História Colonial. Recife-PE: Editora Uni-
versitária UFPE, 2010. v. Único: 1-181.
VIEIRA, Daniel Souza Leão. A topografia Ausente: A Paisagem
Política da Nieuw Holland nas Vinhetas de Frans Post para
o Mapa Mural Brasilia qua parte paret Belgis, 1643-1647. Clio
Revista de Pesquisa Histórica. 29.1. Recife, Editora Univer-
visitária da UFPE, 2011. http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/
index.php/revista
WILLEKE, Frei Venâncio, OFM. Missões Franciscanas no Bra-
sil. Petrópolis, 1974.

190 Referências Bibliográficas


Título Tapuias e Taperas em mapas de Georg Marcgraf
Tapuias and Taperas on maps by Georg Marcgraf
Organizadora Bartira Ferraz Barbosa
Tradutor Scott Allen

Revisão Elizabeth Cunha Pimentel e Olga Barbosa Araújo


Capa e projeto gráfico Adele Pereira

Formato 15,5 x 22 cm
Tipografia FF Seria Sans e Serif e Antiquarian Scribe
Papel Offset 75 g/m² (miolo)
Triplex 250 g/m² (capa)
Tiragem 200 exemplares
Impressão e acabamento Oficina Gráfica | EdUFPE

View publication stats

You might also like