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A THORIA DA VERDADE EM KARL JASPERS (II) José Nedel Exposigéo e critica (*) CRITICA “A interrogagao pelo ser-verdadeiro — escreve Karl Jaspers (1A) — 6 uma das interrogacgdes filos6ficas, que causam verti- gem) yoltando com o pensamento sobre ela, escurece-se 0 magico iwilho da verdade”. Nao menos perturbacées causa, em Karl Janpers, a extensdo e a complexidade da verdade assim como jaz em suas obras. O que antes de tudo ressalta é a ilimitada abertura do autor tle Von der Wahrheit” ao problema da verdade. Sua concepgao ielinela-se, espraia-se € organiza-se num sem-namero de matizes » modalidades carregadas de valiosas sugestées. A procura da verdade é 0 tema por exceléncia da sua filosofia: “A verdade é 0 joss caminho” (184). Ante o sentido complexo e, quase diria, dramatico do pro- ilema, nao pretendemos a uma critica total e acabada. Ficarao ynultos pontos abertos e até nem mesmo mencionados. Nao é jwonso escopo esgotar Oo assunto. Procederemos por partes, des- jacando uma e outra das questdes mais importantes. A filosofia de Karl Jaspers — Yinica e incansdvel procura da verdade (185) — é antes de mais nada uma critica ao saber ra- . parte deste ensaio — a exposicto, fol publieada mo namero anterior, A b, Di 1. Frage nach dem Waebrsein ist elne der schwindlig_machenden Fragen Die Enipsophierens, mit deren Erdenken der Desaubernde Glanz der Wahrheit sich verdunkelt (W 456). jd) Wahrheit ist unser Weg (W 1). tub) W559. 6 ORGANON cionalista. O pensador que nos ocupa néo procura uma filosofia nova, mas uma sintese do pensamento ocidental (186), que foi sempre um “saber do verdadeiro ser” (187). Combate a razio cartesiana — a faculdade e o lugar das idéias claras e distintas, que nao deixa pésto ao mistério e ao paradoxo. O Pprimado, no seu pensamento sistematico, compete 4 razéo em sentido amplo e existencial. A razio — o prdprio instrumento da filosofia, o caminho da verdade (188) — respeita a variedade e a singula- ridade do ser, dos modos de pensar, da contingéncia histérica; re- cupera para a filosofia 0 que nao é imediatamente conceitualiza- vel, isto é, 0 real em todo o seu carater concreto. Desta feita Karl Jaspers inclui-se no rol dos pensadores do nosso século, cuja ta- tefa é, segundo Maurice Merleau-Ponty, “explorar o irracional e integré-lo numa raz&o alargada” (189). O conceito perde o do- minio absolute, — “o pensamento de Karl Jaspers — escreve Xavier Tilliette — jamais se fixa em conceitos imutaveis, clara- mente delimitados. E’ 0 movimento que confere cada vez a signi- ficacio” (190). Suas idéias fundamentais no se cristalizam em sistemas, mas permanecem numa abertura ilimitada. De molde evita Karl Jaspers a preciso terminoldgica: “A clareza faz-se pelo movimento do pensar, nao pela definicio dos conceitos”, diz em carta de 8-11-1949 a Jean Wahl (191). Com isto, entretanto, a filosofia lucra um carater confuso, diluido e por vézes contradi- torio, dificultando desta guisa a reta interpretacdio (192). A preocupacao de Karl Jaspers é evitar os escolhos do em- Pirismo e do racionalismo, sintetizando ao mesmo tempo, na sua sistematica do infinito compreensivo (193), os elementos aprovei- taveis respigados nessas correntes contrarias. Intenta colocar a filosofia da existéncia na esteira da tradicéo da unica e eterna fi- losofia; sua prépria filosofia prefere chamé-la “filosofia da razio”, 186) W 192. 187) FT, 323. 188) W 32, 189) Sens et non-sens, Paris, Nagel, 1948, p. 125. 190) 0. c., Archives de Philosophie XX, 4 (1957) 502 191) Jean’ Wahl, 0.c., p. 286, 192) Bernhard Welte (0. c., Symposion II (1949) 13, nota 3) julga que a im- Precisio do aparato conceitual n&o 6 fraqueza, mas conseqtiéncla essencial do proprio pensamento de Karl Jaspers. 193) Karl Jaspers nfio admite a possibilidade de um sistema filosético do ser CW 859). A légica filos6fica € uma sistemAtica sempre aberta, porque 0 esclarecimento do ser e da verdade n&o pode encerrar-se numa ciéncia, num. sistema acabado. Por isso evita o térmo «sistemas, substituindo-o por «wisteméticas (W 26, 44, 169). ONGANON 1 por lhe parecer urgente insistiy nesta antiqiteslina esdnela da fe jovolla, “Se se extravia a razlo, extravi 4 filovofia mea: ma” (104), HA certo realiomo em Karl Jaspers por definir a verdade eonforme o ser do qual deriva; vida irrefletida ou Dasein, conse eléncla em geral, espirito, existéncia, mundo, transcendénela, A verdade 6 um aliado indestrutivel do ser, coincide, enfim, com o préprio ser — af reside o seu péso ontoldgico. Tudo o que acone tece nos englobantes é verdade. A verdade assim tornasse algo de andlogo no sentido de que uma é o reflexo da outra, o mele em que outra se exprime ou a prépria condiglo da outra (198), Da quest&o posta nestes térmos surge o problema da eoloea: glo das diferentes formas de verdade dentro do sistema total, Neste rumo continuaremos a anialise. Karl Jaspers distingue verdade predicativa e antepredicativa, Predicativa é a verdade da consciéncia em geral. A conscldnela em geral é o lugar dos contetidos claros, estaveis, das proposlghes cientificas exatas, rigorosas e universais. A verdade ai reveste 6 cardter de adequagao, de conformidade entre o pensamento @ 6 objeto. E’ o sentido tradicional de verdade. Como porém, a eon formidade supée um momento anterior de separagio dos térmos da relacéo cognoscitiva, a verdade da consciéncia acontece No dominio da separacdo, pois “tudo o que eu sei esta na separagho de sujeito e objeto” (196). Esta verdade do pensamento é objetiva, impessoal, inessen- cial, universalmente valida. Contém em sj 0 paradoxo de ser ne cessaria as outras verdades, quando estas nao lhe sao necessArias a ela, que é verdade por si. Este paradoxo procede da mesma consciéncia em geral, que é, a um tempo, fonte de verdade e melo de expresso das demais verdades. Aqui esta, segundo Xavier Tilliette o espinho da questo: “como a consciéncia em geral, que tem por instrumento o conhecimento objetivo, é um engloban« te?” (197). A verdade da consciéncia em geral, porém, nao é toda a 194) La razén y sus enemigos en nuestro tiempo, p. 69. 195) Phe! 27. 198) PhGl 27. 197) O.c., Archives de Philosophie XX, 4 (1957) 578. ial 8 ORGANON verdade, nem a tnica (198) ou a mais fundamental. A verdade primaria é a antepredicativa, pré-ldgica. O ser-verdadeiro é ante- rior A forma racional, que déle é sé a manifestacio. A verdade nao esta no sentido do juizo, mas no objeto ao qual éste se diri- ge (199). “O ser-verdadeiro engloba todo ser; como conformi- dade é a modalidade do ser para nés, nao em si” (200). Se a verdade priméria é anterior 4 forma racional e dela in- dependente, pode ai haver um papel do sentimento, da fé, — um processo de inclusio do homem total no desenvolvimento da ver- dade. Com efeito, Karl Jaspers assim se expressa: “E’ impossi- vel encontrar a verdade inicamente por meio do pensamento. O pensamento como tal, falto de fundamento, quando apreende a verdade esta impregnado de algo distinto do pensamento” (201) — éste é algo de crido. A verdade neste sentido pré-logico é a revelacdo, o desvela- mento do ser. Karl Jaspers concorda aqui fundamentalmente com Martin, Heidegger, no conceito de verdade como “alétheia”, tér- mo que ambos citam (202). Nao seria muito exato, entretanto, identificar sem mais a “Unverborgenheit”, a “Offenbarkeit” de Martin Heidegger com a “Offenbarkeit”, o “Offenbarwerden” de Karl Jaspers. No primeiro a revelacaio do ente é assegurada pela abertura do Da-sein, que deixa ser o ente; no segundo é suscitada pela comunicacaio. Além disso, as inspiragées centrais de um e de outro diferem entre si. Ha em Karl Jaspers um pendor, que é antes subjetivista, isto é, que tende a identificar a verdade com © que ordinariamente se chamaria sujeito; em Martin Heidegger, ao invés, a tendéncia é antes objetivista, quer dizer, inclina a iden- tificar a verdade com o que ordinariamente se diria objeto (203). Para Martin Heidegger incide Karl Jaspers na “metafisica da sub- 198) Diese Wahrheit des unwandelbar Giiltigen ist jedoch keineswegs die ganze und nicht alle Wabrhelt. Das Sein und das mbgliche Wahrssein reicht weiter (W 603). 199) W 458. 200) W 561. 201) FT, 381. 202) W458. Vom Wesen der Webrheit, Frankfurt a.M., Vittorio Kloatermann, 1954, 3% edicto, p. 15. 203) Martin Heidegger evita falar em objeto, porque seu peniamento nilo no coloca’ no plano conceltual, Por inso 6 necoaaario oandar NAB, wetido dong, fendéncia objetivisté, que nolo apontamon, Of daAn Wal I, O.0., D. 287. a ORGANON 9 jetividade” por colocar em primeira plana de pesquisa a existén- cia (204). Tendo em conta as peculiaridades e mesmo oposicées de ambos os filésofos, o desvelamento do ser, e com isso a mesma verdade, tomam matizes diversos. Renunciamos a perseguir mais o paralelo entre os dois pensadores, para nao nos desviarmos de- masiado da linha déste ensaio. Desta feita preterimos o fascinan- te estudo das relacdes da verdade antepredicativa com a predica- tiva em Martin Heidegger & luz de uma comparacio com Karl Jaspers . No plano pré-légico distingue Karl Jaspers varios modos de desvelamento. Ora é algo, que se me torna presente na vivéncia, ha evidéncia, no pensamento; ora é 0 outro, ou eu proprio que me desvelo. Podem revelar-se o fenémeno e o fundamento do fe- némeno ou englobante. fste, entanto, sd se manifesta indireta- mente, através do fendmeno (205) . O ser-verdadeiro é 0 envolvente do préprio ser, o englobante simplesmente (206). A verdade, pois, acontece antes do juizo. Karl Jaspers até fala num “érro de ver a verdade no juizo” (207). Em outro lugar escreve: “sdbre 0 saber emerge como superando- © a verdade nao-racional” (208) . O conceito antepredicativo da verdade é um prolongamento de certas tendéncias da fenomenologia de E. Husserl, como o nota Jean Wahl (209). Mas a distinc&o entre verdade-adequacéo © verdade-desvelamento ja existe implicita em téda filosofia, que ddeserd da possibilidade de reduzir-se 0 mundo inteligivel a um eneadeamento légico de proposicées por si evidentes e auto-sufici- entes (210). O juizo nado é uma entidade consistente em si, mas implica a volta continua ao plano antepredicativo da percepcao da qual se nutre. Constitui apenas o momento final no processo desvelador da realidade — por isso pressupée degraus anteriores. wy Mio WO na doutring Henflo também nas suas vidas opdem-se os dois fil6é- © Muardam dintancias, WA Woltthoue tnt. tay Ymtagyonde, vor altom, Urtelt, das tm Untelt wistert, nicht Mehobon wink (W. 401), Wanrholt tnt niché in bosonderes Sein in der Ment wing Hoatimmée Welse des Belns, sondern das Umfassonde des MH alline «W480, if It ¥ Mi M , dit bondoyne, Fol ehpdtlonne et penade gontemporaine, Louvain, Publi it, Mi alam, Nit ydtanby ps Bb. 10 ORGANON Isto todavia nao significa que a verdade resida primariamente na esfera irrefletida. Quem desenvolveu esta problematica e chegou a resultado satisfatério é J. B. Lotz, um dos mais eminentes re- presentantes do assim chamado neotomismo aleméo. A propési- to de uma disputa com Martin Heidegger sébre o lugar originario da verdade (211), distingue com argticia 0 acabamento material da verdade e o seu acabamento formal. O acabamento material, a plenitude de contetido da verdade, reside na regiao antepredica- tiva; o juizo, com efeito, so retira cada vez um ponto de vista dessa plenitude; 0 acabamento formal, o cunho, a realizagao ple- na situa-se no plano predicativo. Sé ai acontece a diccio do “é” —o “é” é pésto. J. B. Lotz fixa terminolégicamente a distin- ¢&o, assinando a palavra “revelacéio” (Offenbarkeit) para os graus anteriores (Vorstufen), e o térmo “verdade” para o acaba- mento (Abschluss) predicativo (212). Jean Wahl (213) prefere 0 térmo “realidade” para essa qualquer coisa de antepredicativo, ésse dominio misterioso da per- cepcao e do éxtase, que Martin Heidegger e Karl Jaspers chamam imprépriamente verdade priméria, em oposicéo a verdade secun- daria do juizo. Na doutrina de J. B. Lotz reserva-se exclusivamente o tér- mo verdade para a estrutura racional da verdade, que acontece no juizo. Uma filosofia, cuja concepcao da verdade primaria é a ante- predicativa, transforma-se num reflexionar sébre o mundo irrefle- tido da existéncia humana. O conceito fica depreciado em favor da existéncia, ou seja, da experiéncia em sentido lato. Nesta visio de coisas insinua-se um perigo de queda a um névo empirismo, a que sucumbiram de feito Maurice Merleau-Ponty e Jean Paul Sartre. Este fala de um “monismo do fenémeno” (214), aquéle funda a idéia da verdade na experiéncia perceptiva. Albert Don- deyne (215) afasta bastante éste perigo de Martin Heidegger — — do Heidegger de “Vom Wesen der Wahrheit” — e de Karl Jaspers em vista da teoria das cifras, que lembra um pouco 0 co- nhecimento anAlogo da filosofia tradicional. 211) Das Urteil and das Sein, Pullach.Miinchen, 1957, p, 181-200, 212) Id., ibid. p. 189. 218) O.¢., p, 287. diay ire ot lo Néant, Paris, Gallimard, 1949, p, 1 +P. 102, nota 79, ee ORGANON i Para Karl Jaspers a verdade nao sé esta antes mas também depois do que nés comumente chamamos verdade. No sentido pos-predicativo a verdade é a uniado dos diferentes modos do ser. No tempo, entretanto, essa unido nao se efetua, por isso nem a verdade estara jamais completa no tempo (216). Algo de visceralmente oposto 4 verdade da consciéncia em geral é a verdade da existéncia. A existéncia, inacessivel ao saber objetivo, origem de todo filosofar, nao se aclara sé pelo pensa- mento. Situa-se para além do reino da separacio da conscién- cia, Ha nela intimidade reciproca entre 0 pensamento e a vida. Sua verdade é unidade. Nesta altura surge o problema da conciliacéo de realidades to opostas como verdade-separacéo da consciéncia em geral e verdade-unidade da existéncia sob o mesmo térmo da verdade. Jean Wahl (217) acertadamente interroga: “Se ha duas con- cepgdes de verdade que se afrontam, pode-se chaméa-las ambas do mesmo nome de verdade?”. Podemos ainda usar o conceito de verdade justamente nos momentos mais altos da filosofia de Karl Jaspers? Nao caberia, em vez do conceito de verdade ana- loya (218), antes uma tese de desanalogia? (219). De mais a mals, a propria verdade existencial contrai o carter contradité- vio de verdade-unidade e verdade-separacao ao exprimir-se na eonseléncia em geral. Estamos positivamente diante de aporias, ie Karl Jaspers nao solucionou. A filosofia, de outra parte, vive l@ questes insoltiveis, de douta ignorancia. O problema, porém, fomanse ainda mais espinhoso no dominio da transcendéncia. A transcendéncia esta, dum lado, absolutamente separada ile todo © resto; de outro, é uma espécie de Abosluto que englo- hu tudo, Nela estio unidos os diferentes modos de verdade. Com teso, entanto, nfio aparece como possam unir-se a verdade-sepa- yaelo © @ verdade-unidade, vista a diferenga absoluta entre am- tus, A transcendéncia de Karl Jaspers aproxima-se neste ponto slo Deus de Nicolau de Cusa, no qual coincidem todos os contra- vis A verdade da transcendéncia ultrapassa téda verdade — # tie Verdade incognoscivel e contudo reconhecida, ausente e aa BERS. ww 12 ORGANON ao mesmo tempo presente: uma verdade numenal, um Verda- deiro, que é um sébre-verdadeiro, uma meta-verdade (220). Xavier Tilliette nado admite, entretanto, analogia real ou partici- pacaéo entre essa “transverdade investida de siléncio, que plana por sobre os caminhos entrecortados da verdade, e os impede de desgarrar-se ao acaso” (221) e as outras verdades. A verdade da transcendéncia sé é verdade em certo sentido. Nada ha de co- mum entre uma e as outras. O problema da verdade da transcedéncia toma carater dra- miatico por causa da incognoscibilidade da prépria transcendén- cia. E’ totalmente inconhecivel. Sé podemos dela dizer o que nao é. O autor assim se exprime: “A transcendéncia nao pode ser determinada por nenhum predicado, nem representada como um objeto, nem pensada em nenhuma cocluséo, mas tédas as categorias sio utilizadas negativamente para dizer que a trans- cendéncia nao é quantidade nem qualidade, nem relacio nem fundamento, nem una nem miiltipla, nem ser nem o nada, ete.” (222). Bernhard Welte (223) pensa que essa teoria nada tem a ver com o criticismo kantista e o agnosticismo pés-kantista. Nosso pensamento n&o esta numa inconsciéncia pura face A transcen- déncia, sem relac&o positiva a ela. A exatidiéo do pensamento transcendente tem outras leis e principios que o saber imanente. Os propésitos de Karl Jaspers s6 concernem a forma do pensa- mento, nao A coisa pensada. O movimento, que o filésofo pro- cura descrever, tende a uma certeza eminente, mas 0 processo é diferente do saber da imanéncia, — contudo n§o irracional. O juizo de Bernhard Welte compreende-se mais 4 luz do que Karl Jaspers entende por saber. Nao é 0 sentido classico e tradicional. Saber significa antes, na linguagem jaspersiana, cer- teza definitiva, fundada sébre o carater definitivo do ser. Nada pode-se acrescentar ao saber. Nas situacdes-limites 0 pensamento fica apenas com o “nada” da transcendéncia, e o saber acaba. Neste sentido do saber como captagio de algo na determi- nagao finita definitiva, a transcendéncia nao pode ser sabida — 220) Xavier Tilliette, o.c., Archives de Philosophie XX, 4 (1967) 6710, a1) Td., ibid... 222) 808. 228) ©, ¢., Sympouion II (1949) 84, 96, — °° ORGANON 13 & 0 nao-conhecivel sem mais. Isto pésto, que significa ainda a verdade una e total, que reside na transcendéncia? Sabemos que existe — diz Karl Jaspers — mas nao conhecemos o que seja (224). Se dela, porém, nada de positivo podemos afir- mar, nem podemos dizer que existe. Afirmar-lhe a existéncia é conceder-Ihe o que poderia possuir de mais positivo e o que a constitui na sua intimidade mais intima — o ser. A partir da base granitica do ser Karl Jaspers poderia aproximar-se de um conhecimento verdadeiro da transcendéncia pelo caminho da ana- logia. Mas o autor de “Von der Wahrheit” opta por ficar na sua como que teologia negativa da radical incognoscibilidade da transcendéncia . Em iltima analise a transcendéncia parece reduzir-se a uma fungao da existéncia — é exigida para a autenticidade da existén- cia. Neste caso a transcendéncia sucumbe A existéncia e perde seu carater de transcendéncia radical. Para confirmar o nosso juizo trazemos a opiniao do ja citado J. B. Lotz (225): “Ultimamen- te Jaspers nao parece superar totalmente o perigo de o Ser, ape- yar de tudo, naufragar na existéncia”. Que resta entéo ainda da transcedéncia? Que sentido tem a verdade em seu conjunto? Tudo parece esvaecer-se numa indeterminac&o indefinida. O carater negativo do saber atinge também, em Karl Jas- pers, o conhecimento cientifico, que fica restrito ao fendmeno. Ha al decididamente a influéncia de Kant, com esta diferenca: para Kant 0 ser esconde-se no fenémeno; para Karl Jaspers éle ai se mostra, mas s6 indiretamente — nao é objeto de ontologia, fica impermedvel A consciéncia cientifica. $6 no salto da existéncia para a transcendéncia aparece-nos o ser propriamente. Isto, po- tm, ja nfio é conhecimento mas fé. ‘ O problema ontolégico, resolvido em térmos de fé, torna-se nimlamente simplificado. Com a teoria do salto Karl Jaspers es- qulvarse de dar um tratamento adequado ao ser (226). No intuito de ordenar a complexidade da teoria jasperiana da “verdade, falou Jean Wahl (227) numa possibilidade de dialética ; ‘las verdades, Esta solucho, contudo, nao the agradou de todo. | Beis ng, gedorianum 40, 8 C060) 410, WM ORGANON “Poder-se-ia também — continua o autor — ensaiar de distin- guir a fonte ultima da verdade, que é uma transcendéncia da qual nada podemos dizer, andloga ao Bem de Platio, ao Uno da pri- meira hipdtese do “Parménides”, e distinguir de outra parte as diferentes fontes de verdade, como o Dasein ou a existéncia, e en- fim 0 meio da verdade, que é a consciéncia em geral”. Karl Jaspers, porém, como o mesmo Jean Wahl indica, nao parece ter desenvolvido esta solucdo, e estamos sempre num paradoxo insuperavel, face a duas verdades — a verdade no dominio da separacéo e a verdade no dominio da unidade. A questio das questées, em Karl Jaspers, é 0 cardter inaca- bado e histérico da verdade em eterno movimento comunicativo de formacao (228). A verdade nao esté pronta, nem existe sem a realidade da comunicacéo (229). O papel da comunicacio é transformar tanto aquéle que comunica a verdade como o que a recebe. “Comunicabilidade e comunicac&o pertencem ao proprio ser-verdadeiro. $6 atinjo a verdade sob a condic&o de uma ilimi- tada comunicacao. O sentido do ser-verdadeiro esta essencialmen- te em comunicac&o e nunca sem ela” (230). A verdade, ligada @ comunicacio — tema fecundissimo em téda a obra de Karl Jaspers — nao pode ser dogmatica, mas co- municativa, s6 existe em continuo fazer-se (231). O homem nao esta de posse da verdade completa, mas na sua condigéo de Da- sein temporal fica sempre de caminho (232). O carater incompleto da verdade obriga ao movimento inin- terrupto. Ao fim de cada englobante que nés somos, cresce a in- satisfagdo, que nos remete a uma verdade mais profunda. Na in- satisfacio do Dasein, da consciéncia em geral, do espirito, surge a existéncia. A prdpria existéncia experimenta a insatisfacio; por isso tende para a paz na eternidade, onde a dtwida é impossivel ea fé passa a ser contemplacdo (233). Uma vez que a verdade nao é completa no tempo, o mo- 228) W 651, 658-9; FIT, 836. Multiddo de outros tépicos poderiam ser aqui agg) fambém indicamos, porque o tema 6 vastissimo, Mas pastem estes” * 230) W_ 587. 281) Wenn die Wahrheit an Kommunikation gebunden ist, kann die Wahrheit selbst nur werdend, in ihrer Tiefe nicht dogmatisch, sondern nur kommu- nikativ sein (W 971). 282) «..der Mensch ist nicht in Besitz der vollendeten Wahrholl, sondern blelbt im Zeltdasein auf dem Wege (W 675) 288) W 659.660, _ ~~ ORGANON 15 vimento em diregdo a ela deve ser a propria forma de completa- la. N&o se trata de um movimento em si — de vazio para vazio — sendo de movimento cheio, que causa plenitude. O que, entre- tanto, seja o caminho e o movimento é uma pergunta fundamen- tal do filosofar (234). A consumacio da verdade — para nés a salvacdo — esta, sim, na experiéncia do Ser, mas ja em téda certeza do ser, no mo- vimento da propria certeza. Este movimento de procura ja en- cerra em si a plenitude (235). Se a verdade esta em continuo desenvolvimento (236) co- mo o proprio devir do mundo (Weltprozess), um ponto de vista hoje condenado pode amanha ser verdadeiro. A verdade desta guisa parece tomar formas miltiplas (237) e relativas, enquanto vivida por existéncias diferentes. Embora todos busquem a ver- dade una, ela oferece a cada qual um semblante diferente, incon- dicionado para esta existéncia e, por isso mesmo, nio de validez \niversal. Karl Jaspers fala mesmo de “relatividade e particulari- dade de téda verdade universalmente valida” (238). Implica is- #0 ou nao implica relativismo? A questao é maximamente delicada. Sabemos, que Karl Jaspers busca evitar e superar o relativismo tradicional; a difi- euldade, entretanto, nem por isso esta desfeita. Xavier Tilliette filo afirma mas insinua certo ceticismo agnéstico, que nao teria difieuldade para desembocar num relativismo. O jesuita francés Misa Os seguintes térmos: “...uma teoria existencial e engloban- fe da verdade (...) n&o pode dizer por que isto é verda- ileiro, porque a verdade nao é isto ou aquilo; ou se ela diz por que Isto @ verdadeiro, isto j4 nao é mais isto; de sorte que de na- ila pode julgar plenamente que é verdadeiro, verdadeira ver- dade, pois que a verdade formal é vazia e o Todo nado é a verdade, A instancia ultima fica irresolvida” (239). NO), ibt fir Uns in unserer Welt offenbar eine Vielfachhelt der Welsen des ‘alivaning (W602). A verdade 6 madltipla e em todas as formas esta em pyypioncto “(aulanoe y po iva, p, 17). Rte e018 usu (ation 9 texte origina: ao! Zovier rn. site) flim ofFot vine théorte exintenttolle et engledante do la vérité, (..) W PHL DAH div pourquol cool out veal, co not. déj\ plus cect; de HH Gelk) GU WL elle AIL pourquol ooci ont vrai, co n'ont doJd plus cecl; de a fet. 0100, ‘bt nur werdende Wahrheit, so wie die Welt selbst im Werden ist wn Doi 16 ORGANON M. Dufrenne e P. Ricoeur (240) tentam uma solucao cons- cientemente parcial, dizendo, que a dificuldade sé tem sentido, quando se faz do universal o critério da verdade e da identidade intelectual o critério da comunicacSo. O relativismo, segundo és- tes autores, sugerido pela linguagem de Karl Jaspers, deve ser constantemente superado no jorramento da fé e da comunicacdo. A pluralidade de verdades, quando vistas de fora e uma ao lado da outra, perde a sua oposicéio — minha verdade e a verdade do outro j4 no representam muitas verdade. Vencido éste plano da oposicko, a verdade adquire certa universalidade — uma univer- salidade a fazer-se no sentido de que nos devemos ajudar uns aos outros a descobrir a verdade e nela entrar. O carater inacabado, nao definitivo, histérico justifica-se nu- ma concepcio antepredicativa da verdade como desvelamento do real. A revelacdo admite graus. No plano predicativo da verdade como adequacio do inteleto e da coisa o problema toma outras feicdes. Temos na literatura recente varios artigos relativos ao tema que nos ocupa. Destacaremos sé os principais: “Metafisica e re- latividade histérica” de L. B. Geiger (241); “Da historicidade da verdade” de J. B. Lotz (242); “Verdade e historicidade” de Bernhard Welte (243). L. B. Geiger distingue a verdade que decorre de uma re- presentacao de objeto da outra que decorre de uma compreensao de objeto. A primeira é relativa, a segunda, necessaria, imutavel, transcendente — enquanto é viséo do ser. O modo de visar 0 ser deixa contudo margem 4 historicidade e A relatividade. A es- sorte que de rien elle ne peut, juger pleinement que c'est vrai, vraie vérité, puisque la vérité formelle est vide et, que lo Tout mest pas la vérité, L'instanee dernitre reste irrésolue», (Archives de Philosophie XX, (1957) 580). 240) O.c., p. 204-5. 241) Métaphysique et relativité historique, Revue de Métaphysique et de morale LIT, 4 (1952) 381-412. 242) Von "der Geschichtlichkeit der Wahrheit, Scholastik XXVII, 4 (1962) 481-502. ‘Wahrheit und Geschchtlichkeit, Saeculum TIT, 2 (1952) 177-191. O artigo de Paul Ricoeur: (Paris, Hd. du Seuil, 1955), nfilo tem interésse direto para 0 nosso estudo. O artigo versa um tema mais amplo — a unidade da ver~ dade na Histéria da Filosofia. Em Ultima andlise resolve a, quest&o now térmos de uma espécie de esperanca ontolégica assim formulada: «espero estar na verdade>. A verdade 6 aqui antes um molo wma atmosfora do encontro da pluralidade de sentencas. A mesma pluralidade jh pis. 6a ul tima renlidade, Parece hayer aqui um eco da sonperinuh eneatoldgions do Bernhard Welte, da qual falaremon main adiante, 243) ORGANON 17 séncia das coisas nado nos é dada de maneira imediata e total, mas progressivamente. Nosso saber transforma-se sem cessar. Ha- ja embora um processo de relativizaciio da verdade pela apropria- fio pessoal — a verdade-em-si torna-se verdade-em-si-para-‘mim — isso ndo destréj as verdades eternas, que transcendem o fluxo do saber progressivo. Estas verdades imutdveis sio as verdades me- tafisticas que dizem respeito ao ser e a tudo que é conhecido no mesmo nivel de inteligibilidade que o ser. O ser representa a meta visionada pelo discurso racional, o fundo transcendental e imuta- vel da verdade, o centro transistérico, sem o qual nem haveria devir histérico. A soluc&o de J. B. Lotz é fundamentalmente idéntica 4 de L,, B, Geiger. Por causa da historicidade do homem a verdade hu- mana é também histérica e reflete a dialética fundamental do ser umano, que pelo corpo se liga A limitac&o do aqui e agora, mas pelo espirito transcende para o ilimitado. A verdade histérica in- clul um momento de verdade imutavel e outro de verdade que mu- . A verdade do pensamento, nao sendo mais do que a verda- ile atuada do ente, modifica-se com as alteragdes do ente — neste tentido @ histérica, HA também formas estruturais (Strukturfor- ) de verdade, que se substituem e destroem mituamente no da histéria; umas, nas quais habita a estrutura fundamental da verdade, pertencem 4 legitima historicidade da verdade; Outras dela sf0 apenas escérias que devem ser eliminadas. A atieidade da verdade nao significa desmantelamento em inti perspectivas relativisticas, mas derivacdes mutaveis de uma le que persiste basicamente a mesma. Pode haver grada- da mesma posicao do ser (Seinssetzung) — sdo estruturas nti¢as da verdade, mas incompletas. Por desdobramento do 6 objeto material em in&meros objetos formais existe avan- fontinuo para verdades novas e mesmo opostas. Quando o » formal, considerado em abstrato, permanece o mesmo, sur- verdade absoluta, supratemporalmente imutavel, incondicio- elema, Cada objeto formal, entretanto, da origem apenas relalho de conhecimento, de verdade. A verdade total esta 4 intimeras perspectivas, Cada homem e cada época tém illaridades que 8 capacitam mais ou menos para a realizacao ‘vordade <= estas particularidades pertencem a historicidade da 18 ORGANON verdade. Cada qual atinge a verdade envélta na sua verdade. Através da verdade perspectivistica atinge a verdade supraperspec- tivistica. O fluxo continuo dos aspectos isolados da verdade no entendimento particular nunca extingue o fundo transcendental imutdvel da verdade. Unidade transcendental e modificacao his- torica est&o em relacao dialética e se compenetram. Bemhard Welte, ao fim da sua exposicio, chega a uma es- peranca, que reponta sébre os condicionamentos histéricos e vi- vifica a vida histérica da verdade no espirito do homem. Voltando, ao fim désse excurso, a Karl Jaspers, parece-nos que o autor de “Von der Wahrheit”, participando do sentido vivo do devir, préprio do pensamento contempordneo, acentua dema- siado a parte histérica e passageira da verdade em desfavor da componente estavel e supratemporal. Isto no vale contudo dizer, que a verdade em Karl Jaspers é uma fiada de perspectivas rela- tivas sem um momento de verdade imutavel, pois “nada é tio con- tingente que nio tenha em si algo de necessario” (244). Na cons- ciéncia em geral acontece a verdade de validez universal; essa universalidade é seu momento absoluto. A verdade existencial, por sua vez, nfo universalmente valida, tem contudo validez absoluta, incondicionada, para esta existéncia em particular — e nisso nao é relativa. A verdade da transcendéncia, esta, sim, é una, imu- tavel, eterna. A relatividade nela cessa, ao menos se se liberta a transcendéncia do perigo de naufragio na existéncia. O empiris- mo est4 superado na medida em que Karl Jaspers salvaguarda 0 carater absoluto da transcendéncia. Nao pretendemos aqui, onde a verdade e o érro distam me- nos que por um fio de cabelo, fechar conclusées em juizos defi- nitivos. Tal conduta, de outra parte, cortaria o movimento, que é essencial a filosofia de Karl Jaspers. Quiséramos apenas colocar o problema nos seus térmos e apontar o rumo de um pensamen- to ainda no de todo acabado, ao menos histéricamente. A interro- gac&o, que deixa em suspenso a critica, ainda sempre fica aberta: 244) 8, Tomas, 8. Th. 1, a. 86 a 8 ll lll ORGANON 19 como salvar a filosofia de Karl Jaspers totalmente do perigo de um névo empirismo? Finalizando éste ponto, poderiamos falar com Albert Dondeyne do grande mérito de pensadores como Newman, Marcel e Karl Jaspers em “ter mostrado que, eliminando a en- earnagao e, por isso mesmo, a intersubjetividade e a historicidade que lhe s&o conexas, o racionalismo termina por esvaziar a reali- dade humana de sua substAncia ontolégica e de sua referéncia in- trinseca ao Transcendente” (245). Um Ultimo aspecto da teoria da verdade em Karl Jaspers, que vamos tocar, é o da verdade e da inverdade. Omitimos a ex- posigio detalhada do capitulo “verdade e falsidade” para nao alongar demais éste estudo. Karl Jaspers afirma: “Se existe verdade, a inverdade é pos- slvel” (246). Na verdade como conformidade a inverdade é a Who-conformidade. Ambas representam uma simples justaposicio. Tudo pode entrar na alternativa de ser verdadeiro ou nao verda- ilelro, Captar a verdade é, ao mesmo tempo, superar a respectiva ionslbilidade de inverdade. No plano da adequacdo a verdade e a werdade separam-se e se excluem. HA verdade e falsidade (247) no sé no plano predicativo, ‘fas também no antepredicativo — no que esta antes do pensa- Wienito @ se esclarece depois no pensamento (248). A inverdade esta tao ligada 4 verdade que se tora momento da verdade (249) ou sua condic&o (250). Isso, entanto, nao iynifica, que uma sé se realiza juntamente com a outra. Na coisa ada 4 possibilidade de ambas. Depende de nés libertar a ver- te seus velamentos e descobrila (251). Neste afa pode wirwe o érro por culpa nossa (252). O prdéprio perguntar are gare estarmos j4 no érro, do qual queremos sair “Wonrhott, gibt, tnt Unwanrhelt méglion (W475). Der Urgprung BRM Re sto die, aogtichieett’ sugieich von Wabrhelt und tc) {nue claramente Unwahrheit e Falschheit, mas_usa ”" a nndamente, Taso nfo aconteceria em Martin Hei- multe preciio na sun lnguagem, Traduzimos Unwabrheit por a a duroh Klare Geschiedenhelt des Wahren ahrhelt baateht, wir haben wie nur von {heen Weep ayy Alien Was in der holt CW Bak aa int Aaa dn Irven ‘Molden, dio reine 20 ORGANON sem o conhecer claramente (253). Enquanto a verdade esta no mundo, liga-se & inverdade — sé aparece em particularidades fi- nitas, em limitacdes; nos limites da clareza esta a escuridéo; nos limites do exato, o paradoxo; nos limites da idéia, o fracasso da idéia no que é n&o-total e no caos; nos limites da verdade existen- cial, a multiplicidade de existéncias nas suas verdades que se exluem miituamente; nos limites da presenca da transcendéncia, a ambigiiidade de sua manifestacdo nas cifras e simbolos (254). A verdade una, consistente em si, a verdade que é 0 Todo, nao nos é acessivel, mas reside na transcendéncia (255). Por essa causa nao superamos nunca téda a inverdade neste mundo. Sem mesmo captar a falsidade, nado experimentamos prdpriamente a verdade; sem a falsidade a verdade decididamente nfo existe (256). Mas a propria falsidade pode tornar-se verdade, quando ha movimento de superaciio de uma falsidade por outra contraposta (257). A doutrina da ligac&o intima da verdade e da nao-verdade é propria também de Martin Heidegger. Entre ambas as concepcées, porém, vao diferencas radicais. Martin Heidegger (258) distin- gue dois tipos de ndo-verdade: a nio-verdade como dissimulacao (Verbergung) e a nao-verdade como errancia (Irre). Ambas per- tencem a esséncia originaria da verdade. A verdade esta no ser do ente desvelado; 0 ser do ente, porém, sd é captado na oposicao do ente particular e do ente em sua totalidade. Assim o desvela- mento de um traz consigo o nao-desvelamento do outro, que é a n&o-verdade original, propria & esséncia da mesma verdade. O Dasein enquanto ek-siste ou deixa-ser o ente engendra o primei- ro © 0 mais extenso n&o-desvelamento. In-sistindo no ente parti- cular, esquece o ente em sua totalidade; desta forma na propria liberdade ek-sistente do Dasein realiza-se a dissimulac&o do ente em sua totalidade. O deixar-ser estabelece relacio ao ente em sua 253) Wenn wir nach der Wahrheit fragen, sind wir schon im Irrtum, aus dem wir uns, ohne ihn klar zu kennen, befreien michten (W 590). Sofern dic Webrbelt in der Welt ist, muss’ ele such Paleenhelt mit stoh bringen ¢ 4 254) W 475, 255) Die eine Wahrheit liegt fiir uns tiber aller zuginglichen endlichen Wahrheit in der Transzendens (W590). 256) Ohne die Téuschung ins Auge zu fassen, ist aber die entsprechende Wahr- apr) helt yploht elgentiicn erfanren und nicht entschteden 4a (W. 580), Utilizamos para esta parte sdbre Martin Heideggor o# capitulos quarto (o fim), sexto ¢ sétimo de «Vom Wesen, dor Wahrhalts, (AnKAURE A.M. V. lostermann, 1964) ¢ a Introduco, do A. de Whelan @ ilemol alesta obra dé M. Heidegger (De lonsonce dé Ta vert, Bouvain, 1 Nauwelaerts, 1948) 258) ORGANON a1 totalidade; éste, entanto, fica obnubilado nesta relacio — é a dis- simulacio do obnubilado ou o mistério. Na simultaneidade do desenvolvimento e da dissimulacdo afirma-se a errAncia, que faz parte da constituicdo intima do Da- sein. O homem, sendo ek-sistente, in-siste neste ou naquele ente sem achar repouso em nenhum. Nesta agitaco perde a relacio fundamental ao mistério e refugia-se na realidade corrente — é isso que consiste a errancia, anti-esséncia fundamental da essén- ela original da verdade, componente essencial da abertura do Da- ‘aein. Sdbre o fundamento da errancia desenvolve-se o érro (Irrtum). A niio-verdade para Martin Heidegger nao é 0 contrario puramen- te légico da verdade, mas a contraparte da verdade, consubstancial 4 prépria verdade. Nao degrada a verdade mas a fundamenta. O tiomem, relacionando-se continuamente com a obnubilacio, esta pre jA na n&o-verdade e sé por isso pode desvelar o ente, mas ‘Wiinea de maneira total. ___ A passagem da consciéncia da errancia ao mistério efetua- te ‘experimentando a errancia como errancia, como ameaca. As- i sim recobra-se a relacio ao mistério. Isto é possivel, porque am- = a errancia e o mistério — pertencem a verdade original como Constitutivos auténticos. Na concepgao tradicional nfo cabem sem reservas as rela- da verdade com a nio-verdade estabelecidas nas doutrinas Karl Jaspers e de Martin Heidegger. Sem querer entrar em menores, é antes de tudo necessdrio discriminar claramente o lemma conforme os diferentes tipos de verdade. A verdade 1é6- _ entendida como adequacio do inteleto e da coisa, enquanto io diz que é 0 que é ou que nao é 0 que nao é (259), admi- pre como seu correlato a possibilidade da nao-adequacio, , a falsidade. A verdade légica é propria do juizo e consiste milagfio do pensamento ao ser, ou, em seu sentido mais Mriburgo Bi == Bareolona, Herder, A Tomas (A. 6. 1954, 2% ed., p. a, jont, 1,59) © conceito usual de verdade Infoleto da eolan — intando-the a definicto’ go Arist; 1 4 #1) == enquanto o Inteleto diz que 6 0 que 6 mt e que nl 4 ec eee que nfo #e trata de uma ade- tiv == anton Intencional, pola 0 Intoleto dix Intenctonalmente GP iealmonie, INO, o que entsie an Fealldade 22 ORGANON nao realizando assim a conformidade, acontece a falsidade (16- gica). A verdade ontolégica (260) convém ao préprio ente € de- nota uma conveniéncia entre éste e o conhecimento intelectual. Nao é necessario que esta conformidade seja conformidade efe- tiva com o intelecto humano, mas antes uma comensurabilidade, gracas A qual o ente pode tornar-se objeto de pensamento — em outros térmos, o ente é inteligivel. Este atributo transcendental da inteligibilidade de todo ente é condicionado, na ordem ontolégica, pelo fato de que todo ser no divino é formado segundo a medida das idéias divinas. Neste sentido o ente esta impregnado de inte- ligéncia, de verdade. Falsidade ontolégica nao pode, pois, existir nas coisas reais, porquanto téda a realidade corresponde, ao me- nos essencialmente, as idéias divinas. De outra parte, em sentido muito derivado, poder-se-ia falar em falsidade ontolégica de ob- jetos produzidos pela atividade humana. Algo seria ontoldgica- mente falso, nao enquanto exislisse e fésse conhecido por seu autor assim como é, mas enquanto nao correspondesse a idéia exemplar, segundo a qual deveria ter sido realizado. A verdade antepredicativa, manifestacio imediata do ser no conhecente, nao é verdade em sentido formal, porque o ser ainda nao é pésto como ser, isto &, n&o esta expresso no juizo, mas per- manece suspenso em sua indecisdo. Este sentido de verdade for- malmente inacabada nao pode prépriamente ser designado de fal- sidade; também nao se diz falso um juizo, que nao esgota a ple- nitude de seu objeto. De outra parte, nem todo ser se revela ao intelecto humano — poder-se-ia talvez neste sentido falar numa possibilidade de nao-verdade que acompanharia a verdade ante- predicativa. Finalizando esta questéo, cumpre distinguir falsidade e érro. O tro acrescenta aos elementos que constituem o conceito de 260) A filosofia escoldstica considera, em geral, como sindnimos os térmos

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