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we RETO TRIBUTARIO~ Acard Alexandre modo a limitar, conforme jurisprudéncia pacifica do STR, 0 poder do Estado na instituigao e cobranga de penalidades’ A mesma banca, no concurso para Auditor Fiscal do Estado do Rio Grande do Sul realizado em 2018, até chegou a quantificar a multa e exigir que os candidatos soubessem caracterizé-la como confiscatéria, mas o fez abordan- do caso semelhante ao julgado na ADI 551/RJ (ver item 2.8.1), atribuindo a sangio um valor to elevado que seu efeito confiscatério se tornava notério e indiscutivel. O item, considerado correto, continha a seguinte redagio: “Apés regular processo administrativo, determinado auditor tributério aplicou multa a contribuinte, em decorréncia do nao recolhimento de imposto, O valor da multa corresponde ao dobro do montante nao recolhido com base em previsio legal. Nessa situago hipotética, houve violagao do principio do nao confisco, dado 0 valor da multa aplicada’. eM eee enur asc Oinciso V do art. 150 da CE/1988 proibe os entes federados de “estabelecer limitagdes ao tréfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ow intermunicipais, ressalvada a cobranga de pedagio pela utilizagio de vias conservadas pelo Poder Piblico’ O objetivo do legislador constituinte foi evitar que os entes politicos crias- sem tributos (normalmente taxas) incidentes sobre a passagem de pessoas ¢ ‘Dens em seus territérios. A situacao era relativamente comum no passado — os tributos eram criados com finalidade arrecadatoria, mas acabavam restringindo 0 direito das pessoas de se locomoverem livremente no territorio nacional de posse dos seus bens (hoje, previsto no art. 5°, XV, da CF/1988).— Ee A regra possui excecies. A primeira é a possibilidade de cobranca do ICMS interestadual. Por ser um gravame incidente também sobre aperagéies que destinam a outro Estado determinados bens e sobre a prestagio de deter- minados servigos, o tributo interestadual acaba por constituir uma limitacao a0 trifego de bens pelo territério nacional. Como a cobranca tem fundamento constitucional (CF, art. 155, Il, e § 2°, VII), é plenamente valida, nao havendo que se discutir sua legitimidade. No que se refere ao pediigio, a questo é bastante controversa, principal- mente com relagéo a sua natureza juridica (tributaria ou nao). Por uma questao de légica, & possivel afirmar que o legislador constituin- te originario imaginou o pedagio como um tributo. O raciocinio é bastante simples: 56 se exclui de uma regra algo que, no fora a disposigao excludente, faria parte da regra. (Gap. 2 + LINITAGOES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRBUTAR Assim, seria absurdamente ildgico afirmar que “todo ser humano possui direito a liberdade, excetuados os gatos e cachorros’, A frase nao faz. sentido, pois gatos ¢ cachortos ndo so seres humanos e, portanto, nao fazem parte da regra, nao precisando ser excetuados. Seguindo a mesma linha de raciocinio, hé de se perceber que, quando a Constituicao Federal de 1988 afirmou que sobre determinada situacao nao se pode instituir tributos, ressalvada a cobranca de peddgio, ¢ porque, ao menos para o legislador constituinte, 0 pedagio seria um tributo. Nesse contexto, registra-se a existéncia de famoso precedente em que 0 Supremo ‘Tribunal Federal considerou ser tributo da espécie taxa 0 “selo-pedigio” instituido pela Lei 7.712/1988 (RE 181.475/RS). No entanto, segundo o préprio STR, o anti- 0 “selo-pedagio” tinha peculiaridades inexistentes no regime juridico a que se submetem os modernos pedigios atuais, de forma que a correta afericao da natureza juridica destes ndo pode ser feita mediante a adocao do citado jnlgada cama paradigma © principal motivo apontado pela Suprema Corte para a diferenciagao do regime juridico dos pedagios atuais quando comparado 0 do “selo- -pedagio’, é que este era cobrado de forma compulséria de todos os usua- rios de rodovias federais, independentemente da frequéncia de uso; ja os pedagios modernos somente sio devidos quando e cada vez que haja uso da rodovia, A distingao, ainda no entender do STF, importa o reconhecimento da auséncia de carter compuls6rio dos pedagios atuais, 0 que Ihes retira a natureza tributaria, do que resulta seu enquadramento como exagdes de natureza contratual (pregos piiblicos). Em termos priticos, 0 STF acabou reconhecendo que 0 pedigio previsto pelo Decreto 34.417/1992, do Estado do Rio Grande do Sul, por ter natureza contratual, nao se sujeita ao principio da legalidade estrita, sendo, portanto, legitima sua disciplina por norma de cardter infralegal (ADI 800/RS). ‘Ao que parece, a Suprema Corte desconsiderou a existéncia de taxas que somente sao devidas quando e cada vez que haja a utilizacao efetiva do servico piblico que remuneram. E 0 caso, por exemplo, das taxas judicia- rias (custas judiciais), que remuneram servico puiblico especifico e divisivel (jurisdigao) cuja utilizagao efetiva é imprescindivel para que a cobranga seja possivel. Mesmo diante desse aspecto, as taxas judicidrias so pacificamente reonlietidas come tributes pelo proprio STP (ADI 1.378-MC/ES). Da mes- ma forma, é facil perceber que, na sistemstica do selo-pedagio, quem jamais utilizasse rodovias federais nao se sujeitava ao tributo, apesar de que quem as utilizasse devia pagi-lo independentemente da quantidade de usos. Fica assim demonstrado que a compulsoriedade apontada pelo STF também de- pendia da efetiva utilizacao, 0 que, ao invés de afastar, na realidade aproxima a sistematica do extinto “selo-pedagio” daquela adotada nos pedagios atuais. 36 IREITO TIBUTARIO - Picardo Alxance Polémicas a parte, é fundamental entender que a celeuma sempre se res- tringiu aos casos de pedagios instituidos e cobrados pelo Poder Piiblico em virtude da utilizagio de vias por ele conservadas. No que concerne a siste- matica mais comum dos dias atuais, em que a conservagio da via ¢ atribuida a particulares em regime de concessio, forma contratual de delegagio, nao houve qualquer novidade, sendo também contratual o regime juridico do pedigio cobrado, que, ainda com mais razio, seré enquadrado como tarifa ‘ou preco puiblico (aqui as expressdes sio usadas como sindnimas, mas quem as diferencia aponta que o preco puiblico ¢ cobrado pela propria Administracio Paiblica, enquanto a tarifa 6 cohrada pelos cens delegatarias). Confirmando o carater contratual do pedagio cobrado por concessionérios de rodovias, a Lei 10.233/2001, ao instituir a Agéncia Nacional de Transportes Terrestres - ANTT -, previ no seu art. 26: “Art. 26. Cabe & ANTT, como atribuigdes especificas pertinentes ao Trans- Vi- publicar 0s editais, ulgar as licitagdes e celebrar os contratos de con- cessio de rodovias federais a serem exploradas e administradas por tercelros; w § 29 Na elaboracdo dos editais de licitagdo, para o cumprimento do dls- posto no inciso VI do caput, a ANTT cuidaré de compatibilizar a tarifa do edagio com as vantagens econdmicas e 0 conforto de viagem, transferidos 205 ususrios em decorréncia da aplicagdo dos recursos de sua arrecadagéo no aperfeigoamento da via em que € cobrado’. Na linha do que foi explanado, fica facil perceber que, no caso de con- cessio da administracdo e exploragdo de rodovias por terceiros (particulates), © valor cobrado pela utilizacao sera necessariamente tarifa (preco piblico), exagio de direito privado, Por conseguinte, nao estaré o concessionatio sujeito as amarras do Diteito Tributario (legalidade, anterioridade, noventena, entre outras estudadas neste Capitulo 2), nem gozaré de algumas das prerrogativas tipicas do regime publicista (compulsoriedade, privilégios processuais etc.). Em suma, diante da tese abracada pela Suprema Corte a partir do ano de 2014 (ADI 800/RS), aconselha-se aos que pretendem se submeter a provas de concurso pablico que sempre considerem o pedigio um preco publico, ressalvadas exclusivamente as eventuais questdes que abordem modelos seme- Ihantes a0 do extinto “selo-pedagio’, em que o Poder Publico cobre um valor que nao varie em fungio da quantidade de utilizagdes que 0 contribuinte faga da via pedagiada. Nestas hipdteses, a exacio deve, ainda, ser considerada um tributo da espécie taxa. Cap. 2 + LIMITAGOES CONSTITUCIONAYS AO PODER DE TRBUTAR 17 2.10 VEDACOES ESPECIFICAS A UNIAO - A PROTECAO AO PACTO aul) A Constituigao Federal de 1988 traz, em seu art, 151, trés vedagdes vol- tadas especificamente & Unio. 0 claro objetivo do dispositive & proteger”0 pacto fedérativo, impedindo ao ente que tributa em todo 0 territério nacio- nal a utilizagao desse poder como meio de submeter 0s entes menores 4 sua vontade, tolhendo-lhes a autonomia, Sio regras protegidas por clausula pétrea, em virtude de se configurarem como verdadeiras garantias da Federagao (CB, art. 60, § 4°, I). 2.10.1 © principio da uniformidade geogréfica da tributagao Este principio esta previsto no inciso I do art. 151 da CF/1988, que veda & Unido “instituir tributo que nao seja uniforme em todo o territorio nacional ou que implique distingio ou preferéncia em relagio a Estado, ao Distrito Federal "admitida a concessao de incentivos Nao pode.a Unido, portanto, estipular diferentes aliquotas do imposto sobre nda, nos distintos Estados da Federacao. Caso a aliquota fosse menor, a titulo de exemplo, ido de Sao Paulo, os demais Estados estariam sendo ilegitimamente diferenciados, 0 que poria em risco a Federa¢ao. © mesmo dispositive que prevé a regra traz também a excegao, a0 per. mitir a diferenciagao com a finalidade extrafiscal de diminuir as diferencas de desenvolvimento socioecondmico entre as diferentes regides do Pais. A possibilidade esté em plena consonancia com o art. 3° da Magna Carta, gue inclui, entre os objetivos da Repill rativa do Brasil, 0 ao reduzir as detigualdades sociais ¢ regionais. F. e096 objetivo que a Constituigao Federal de 1988 previu, no art. 1, no art. 40 do ADCT, a manutengio da Zon Francs de Manaus, com suas caracteristicas de drea livre de comércio, de Eiportagdo e importacdo, ¢ de incentives fiscals, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgagdo da Constituigo. A EC 42/2003 acrescentou dez anos a esse prazo. que depois tornou a ser prorrogado, desta vez por mais SO anos, pela EC 83/2014. Exemplo marcante do regime juridico tributério privilegiado a que est submetida a Zona Franca de Manaus é a concessao, as remessas de merca- dorias de origem nacional para consumo ou industrializacio naquela regido, do mesmo tratamento privilegiado de que gozam as exportagdes para o es trangeiro (Decreto-lei 288/1967, art. 4°). Com base nessa regra, 0 ST) entende 8 DIRETO TRBUTARIO ~ Akard Alexandre que o Regime Especial de Reintegragao de Valores ‘Tributérios para as Em- presas Exportadoras - REINTEGRA, que tem como objetivo devolver parcial ‘ou integralmente 0 residuo tributirio remanescente na cadeia de produgio de bens exportados (Lei n® 13.043/2014, art. 21), € igualmente aplicével nas mencionadas remessas para a Zona Franca. Nese sentido, o Tribunal editou a Stimula 640, nos termos transcritos a seguir: ST) ~ Stimula 640 ~ “O beneficio fiscal que trata do Regime Especial de Reintegracao de Valores Tributérios para as Empresas Exportadoras (REINTE- GRA) alcanca as operacées de venda de mercadorias de origem nacional para @ Zona Fronca de Manaus, para consumo, industriaizegéo ou reexportecéo para 0 estrangeiro’ ambém com base nas mesmas diretrizes que o STF, no julgamento do RE~592.145/5P (repercussao geral), considerou constitucional_o tratamen- fo tributatio diferenciado previsto no art. 2° da Lei 8.393/1991, que, quando vigente, concedia isengio de IPI para os produtores de acucar situado: Estados do Norte do Nordeste, bem como autorizava a redugdo da aliquota ‘do imposto em até 50% para os localizados no Rio de Janeiro e no Espirito Santo. Para a Corte, o incentivo fiscal ndo acarretara preferéncia desarrazoada entre Estados-Membros, justificando-se pelas peculiaridades dos contribuintes situados nas regides indicadas. De fato, quando a diferenciagao & pautada pela razoabilidade ¢ pela proporcionalidade e tem por objetivo a reducio de desigualdades sociais ¢ regionais, como no caso citado, nao ha ofensa aos principios federativo, da isonomia tributéria, da uniformidade geogrifica dos tributos federais e da livre concorréncia. E verdade que, em algumas situagées, 0 beneficio concedido parece ca- minhar na contramao do principio da isonomia, A situagio € praticamente inevitavel, pois, ao conceder beneficios fiscais com o objetivo de atrair grandes ‘empresas para regiées menor decenvolvidae do Pate, acaba. ce por negar 0 mosmo tratamento a empresas de menor potencial econdmico que estejam instaladas nas regides mais présperas. A benesse nio ¢ extensiva, portanto, a entidades que estdo entre as que mais dela precisam, mas teré como consequéncia uma melhoria na qualidade de vida de um grupo bem maior de pessoas, justamente as residentes em regider subdecenvolvidas, © que tim nas agdee da Estado uma das iiltimas esperancas de melhoria de suas condigdes econémico-sociais Supremo Tribunal Federal entende que a concessao de isengio se fun- da no juizo de conveniéncia e oportunidade de que gozam as autoridades publicas na implementagao de suas politicas fiscais e econdmicas. Portanto, como regra, nao cabe a0 Poder Judiciario, que nao pode se substituir a0 legislador, estender isen¢io a contribuintes no contemplados pela lei, a ‘cap. 2» UIMITAGOES CONSTTTUCIONAIS AO PODER OE TRBUTAR 199 titulo de isonomia (STR 1 T, RE 344.331/PR, Rel. Min, Ellen Gracie, j. 11.02.2003, DJ 14.03.2003, p. 40). Digno de nota que, em 2020, no julgamento da ADO 30/DE, o STF proferiu decisio que excetuou essa consagrada jurisprudéncia e acabou, por motivos bastante peculiares, por realizar uma extensio de isengio a categoria nao inicialmente contemplada pela lei. A deciséo é analisada detalhadamente no item 4.3.1 do Capitulo 4 2.10.2 Principio da uniformidade da tributacao da renda - Vedacaa a utilizagao do IR como instrumento de concorréncia desleal Segundo o art. 151, II, da CF/1988, é vedado a Uniao “tributar a renda das obrigagbes da divida piblica dos Estados, do Distrito Federal e dos Municipio, bem como a remnuneragio € o¥ proventos dos Fespectivos agentes piblicos, ivels superiores aos que fixar para suas obrigacé: as restri¢ao, aplicavel _exclusivamente ao imposto evitar que't Unio utilize o tibuto como um meio de concorrer deslealmente no “mercado” de titulos da divida piiblica e na sele¢ao de servidores piiblicos. Em primeiro lugar, deve se entender que quando um particular adquire um titulo da divida publica emitido por um ente federado, 0 adquirente esta, em termos praticos, concedendo um empréstimo ao ente. © particular realiza o investimento por interesse na taxa de juros que remunera tal titulo. Quando 0 ente emissor do titulo quitar sua obrigaco, pagando o valor do principal mais os juros legais, o particular estaré obten- do um rendimento do capital aplicado, estando sujeito, por conseguinte, a0 pagamento do imposto sobre a renda Perceba-se que nao se esta a tributar 0 rendimento do ente federado que emitiu 0 titulo (0 que seria vedado pelo art. 150, VI, a, da CE/1988); 0 que se tributa é a renda gerada pela operagdo, que é rendimento do parti- cular adquirente do titulo, No que concerne a tais operacdes, 0 que a Constituigéo Federal impede 151, Il, € que a Unido tribute os rendimentos gerados pelos titulos ipais de maneira mais gravosa que aqueles gerados pelos Titulos que ela prépria emite. Se assim nao fosse, a Unido poderia concorrer deslealmente no mercado de titulos, pois haveria a tendéncia de o investidor preferir adquirir titulos federais em face da tributacao privilegiada. A segunda vedagio constante no dispositivo impede que a Unido tribute imentos_ dos servidares piiblicos estaduats-e-municipais de maneira a do que aquela estipulada para os servidores pilblicos federais 20 DIRETO TRIBUTARIO ~ Ricard Alexandre A rigor, a previsdo expressa da restrigao é desnecesséria, visto que a mesma ja seria consequéncia natural do principio da isonomia, estatuido no art. 150, IL, da CF/1988, dispositivo em que se proibe qualquer distingao de tratamento que tome por base ocupacio profissional ou fungao exercida. ‘Supoe-se que a explicitagao do dispositive dentro de um artigo que pro- tege a Federagdo e, de maneira mais especifica, dentro de um inciso que tenta evitar a concorréncia desleal, tem por objetivo demonstrar que 0 tratamento tributario beneficiado aos servidores piblicos federais teria como consequéncia ‘uma concorréncia desleal da Unido na sclecio dos seus servidores_pulblicos, pois seria possivel imaginar quc os melhores scrvidorcs s¢ scntiriam mais atraidos por fazer carreira no servico piblico federal, se, diante de remune- rages semelhantes, existisse tratamento mais gravoso nos servigos publicos estadual e municipal 2.10.3 Principio da vedagao as isengées heterénomas Aisengao é forma de exclusao do crédito tributirio (assunto a ser detathado em capitulo futuro) consistente na dispensa legal do pagamento do tributo. E beneficio fiscal concedido exclusivamente por lei, em regra elaborada pelo ente que tem competéncia para a criagao do tributo. Assim, € licito afirmar que 0 poder de isentar é natural decorréncia do poder de tributar. Em outras palavras, a regra é que as isengdes sejam auténomas (ou autonémicas), porque concedidas pelo ente federado a quem a Constituigdo atribuiu a competéncia para a criagao do tributo. A regra esta sta_no art. 151, III, cuja redago veda a Unido “instituir isengoes de ibutos da competéncia dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municipios’ Por simetria, é também possivel afirmar que os Estados nao podem conceder engio de tributos municipais. A vedacin é importante garantia protetora do pacto federativo, pois impede que os entes maiores, por ato proprio, interfiram na arrecadagio dos entes menores, pondo-Ihes em risco a autonomia, A proibigio & novidade da Constituigao Federal de 1988, pois se contra- poe & Constituigéo de 1967, que, no seu art. 19, § 2, dispunha que “a Unio, mediante lei complementar e atendendo o relevante interesse social ou econd- mico nacional, podera conceder isengdes de impostos estaduais e municipais’ Seguindo a linha aqui exposta, no concurso para AFRF realizado em 2005, a saudosa ESAF propés o seguinte item: “Com o advento da Constituigdo de 1988, a concessao da isengio heterotpica passou a ser proibida (art. 151, I)”. O gabarito apontou a assertiva como correta, uma vez que efetivamente a proibicio de concessio de isengio heterotépica é novidade introduzida pela ‘Cap. 2 » LIMITAGOES CONSTTUCIONA'S AO PODER DE TRIBUTAR 301 Constituigdo Federal de 1988. Todavia, o item deveria ter sido anulado, em virtude da existéncia de excegdes a regra, como ser analisado a seguir. 2103.1 Isengdes heterénomas constitucionalmente permitidas Da maneira como o art. 151, III, da CF/1988 foi escrito, parece que o principio constitui um obsticulo intransponivel & existéncia das chamadas isengdes heter6nomas (ou heterot6picas), ou seja, aquelas concedidas por ente diferente daquele que tem competéncia para a criagao do tributo, Entretanto, o legislador_constituinte origindrio achou_por_bem_criar _duas excecdes expressas a regra, ambas relativas 4 exportagio, ambas partes integrantes da diretriz econémica universalmente seguida de que nao se deve exportar tributos, mas sim mercadorias e servicos. A primeira excecao consta do art. 155, § 2°, XII, e, da CF/1988 e permite que a Unido conceda, por mplementar, isencio heterénoma ICMS incidente nas operagdes com servicos e outros produtos destinados ao exterior, além dos mencionados no art. 155, $ 2°, X, a, da CF/1988, ‘A disposigao fazia sentido quando a mencionada alinea a imunizava do ICMS nas exportagdes apenas os produtos industrializados, excluidos os semielaborados definidos em lei complementar. A partir da EC 42/2003, todavia, 0 ICMS deixou de incidir, por ex- pressa disposigao constitucional (imunidade), sobre operagées que desti- nem quaisquer mercadorias para o exterior e sobre os servicos prestados a destinatarios no exterior. Por conta da nova redagao, a possibilidade de a Unido conceder isengio do ICMS nas exportagdes deixou de possuir qualquer utilidade, dada a am- plitude da imunidade assegurada pela propria Constituigao. Hé de se ressaltar, entretanto, que o agora imitil dispositivo nio foi revagada expressamente, ainda padenda ser objeto de cobranga em provac para concurso puiblico. Alids, alguém mais purista poderia defender que a imunidade das mer- cadorias nas exportagOes nao abrangeria todos os bens, pois o conceito de mercadoria sé abrange os bens cuja finalidade ¢ comercial, de forma que a saida do territério brasileiro de um bem a titulo de doagéo (um presente, por exemplo) ndo seria imune ao ICMS, de forma que a Unio poderia conceder isengdo heterénoma, evitando a cobranga. Possibilidades doutrinarias 4 parte, em provas de concurso piiblico aconselha-se que 0 candidato conhega 0 dispositive constitucional, ciente de sua perda de utilidade, mas lembrando que no houve revogagao expressa do texto. 2 DIREITO TRIBUTARIO - Ricardo lean A segunda excecao se refere & possibilidade de a Unido conceder, tam- bém Via Tet complementar, isengao heteronoma do ISS, da competéncia dos Municipios, nas exportagdes de servigos para 0 exterior (art 156, § 3°, ID) Nao hé diivida quanto a vigencia do dispositivo e, apesar de alguns ar- gumentos em sentido contrario, o entendimento majoritério é de que se trata de uma excecdo a regra da vedagao a existéncia de isengdes heteronomas. 2.103.2 0 caso da isengdo decorrente de tratado internacional “"& Br, Por tim, tecnicamente, € possivel_visiumbrar_ uma terceira excecao_a0 _principio que veda a concessio de isengdes heterénomas. E a possibilidade-de © tratado internacional conceder isengdes de tributos estaduais e municipais, Seguindo-se a interpretagao estrita do art. 151, III, da CF/1988, tal possi- bilidade nao existiria, pois a celebracdo do tratado internacional, assim como sua aprovagio parlamentar, sio realizadas no ambito tederal (Presidente da Reptiblica e Congresso Nacional). Assim, se 0 tratado concedesse uma isengio de tributo de competéncia dos Estados ou Municipios, haveria flagrante desrespeito a restrigao constitucional, pois 6 beneficio estaria sendo concedido pela Unio, o que é expressamente proibido. Entretanto, entendendo que, no sistema presidencialista adotado pelo Estado brasileiro, o Presidente da Repiiblica, agindo como Chefe de Estado, firma tratados internacionais em nome da soberana Republica Federativa do Brasil (Estado brasileiro) e nao em nome da auténoma Unido, o STF decidiu que a concessio de isengao na via do tratado nao € abrangida pelo principio da vedacdo & concessio de isengao heterdnoma. Nessa linha, pode-se citar 0 acérdio proferido nos autos da ADI 1.600, em cuja ementa expressamente se afirma que 0 “ambito de aplicagao do art. 151, CE, é 0 das relagoes das entidades federadas entre si. Nao tem por objeto a Unido quando esta se apresenta na ordem externa” (STF, Tribunal Pleno, ADI 1.600/UF, Rel. Min. Sydney Sanches, Rel. p/ Acérdéo Min. Nelson Jobim, j. 26.11.2001, DJ 20.06.2003, p. 56). © tema foi abordado de forma bastante pedagégica pelo CESPE, em 2014, no concurso para Analista Legislative da Camara dos Deputados, em que se considerou correto o seguinte item: “A norma constitucional que veda a concessio de isengoes tributarias heteronomas ¢ inoponivel ao Estado federal brasileiro (vale dizer, a Republica Federativa do Brasil), incidindo, unicamente, no plano das relagdes institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas politicas de direito piblico interno, Nada impede, portanto, que 0 Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cléusu- las de exoneragio tributiria em matéria de tributos locais, pois a Republica Federativa do Brasil estar praticando ato legitimo que se inclui na esfera de (Cap. 2 - LIMITAGOES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRBUTAR tea suas prerrogativas como pessoa juridica de direito internacional piiblico, que detém - em face das unidades meramente federadas - 0 monopélio da sobe- rania e da personalidade internacional’ Os casos concretos mais relevantes se referem ao Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio - GATT -, tratado internacional multilateral do qual o Brasil faz parte, que, ao prever a equivaléncia de tratamento entre o produto importado, quando este ingressa no territério nacional, e o produto similar nacional (regra do tratamento nacional), acaba por estender aquele isengdes eventualmente concedidas a este (ver Capitulo 3, item 3.2.2.1.4). Nao obstante os efeitos priticos do entendimento, a matéria tornou-se controversa sob 0 ponto de vista puramente tedrico, quando proprio STE, apesar de reafirmar a possibilidade de 0 tratado internacional impedir a co- branga de tributos estaduais e municipais, passou a dizer que tal situagao nao se enquadra no conceito de isencao heterénoma. Pela relevancia do acérdao, transcreve-se abaixo sua ementa (RE 229.096/ RS ~ gritou-se): “Direito Tributério. Recepso pela Constituicao da Repuiblica de 1988 do acor do geral de tarfas e comércio. sengao de tributo estadual prevista em tratado internacional firmado pela Republica Federativa do Brasil. Artigo 151, inciso I, da Constituigao da Repiiblica. Artigo 98 do Cédigo Tributario Nacional. Nao caracterizacao de isencao heterénoma, Recurso extraordinério conhecido provido. 1. A isencao de tributos estaduals prevista no Acordo Geral de Tarifas Comércio para as mercadorias importadas dos paises signatérios quando 0 similar nacional tiver o mesmo beneficio foi recepcionada pela Constituigio da Repuiblica de 1988, 2. 0 artigo 98 do Cédigo Tributério Nacional ‘possul caré- ter nacional, com eficécia para a Unido, 05 Estados © 05 Municipios’ (voto do eminente Ministo llmar Galvéo). 3.No direito internacional apenas a Repiiblica Federativa do Brasil tem competéncia para fitmar tratados (art. 52, § 2%, da Constituigao da Repiiblical, dela nao dispondo a Unido, os Estados: membros ou 05 Municipios. O Presidente da Republica nao subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, 0 que descaracteriza a existencia de uma isencao heteronoma, vedada pelo art. 131, Inc. Il, da Constituigao. 4. Recurso extraordinario conhecido e provide.” Neste ponto, cumpre esclarecer que, dentro do contexto analisado, a pala- vra ‘heteronoma” quer demonstrar que a norma impeditiva da tributagao nao decorre da autonomia do ente federado que tem competéncia para instituir 0 tributo, tendo sido editada por outro ente. E por isso que se pode afirmar com absoluta precisio que, a0 contrario das isengdes, as imunidades sio sempre heterOnomas, uma vez que sio concedidas diretamente pelo texto constitu- cional, nao havendo, por parte do ente competente para a cobranca do tributo, autonomia para estabelecé-las. Nessa linha, € correto interpretar a imunidade como uma limitacao heterénoma constitucional ao poder de tributar. aoe DIRETO TRUTARIO - Rcd Alexandre Se a prépria jurisprudéncia do Supremo entende que tratado internacional sobre matéria tributaria tem forga de lei, quando tal espécie de norma impede a cobranga de um tributo, a benesse concedida é uma isengao. Como 0 ente responsivel pela edigéo da norma ~ Repiiblica Federativa do Brasil, pessoa juridica de direito piblico internacional ~ 6 diferente daquele competente para a instituicio do tributo, a isengdo é ineludivelmente heteronoma. Alids, se nao o fosse, 0 que seria? Autonoma? A rigor, a situago ora analisada realmente nao é uma excecdo & norma constante do art. 151, III, da CF/1988, pois tal dispositivo ¢ direcionado ex- pressamente a Uniio, somente padenda ser consideradas verdadeiras excogdes 68 casos em que ela (a Unido) possa isentar tributo alheio (casos do ICMS- -exportagdes, com as citadas ressalvas, e do ISS-exportacoes). Entretanto, hd de se recordar que o principio federativo tem como corold- rio natural a impossibilidade de concessao de quaisquer isengdes heteronomas, 6 qne impede, por exemplo, que os Estados-membros concedam isengdeo de tributos de competéncia dos seus Municipios (apesar de nao haver vedagao expressa neste sentido em nenhum dispositivo constitucional). Assim, é lidimo afirmar que a possibilidade de concessao de isencdes em tratados internacionais € uma excegio ao principio que veda isengoes heterénomas, que é bem mais amplo que a disposigio constante do art. 151, I, da CF/1988 (direcionada, repise-se, apenas & Unio). Apesar do equivoco de ordem técnica, esta firmar 0 tradicional aviso aos que se preparam para as provas de concurso puiblico, tendo em vista de que nelas argumento da autoridade (STF) vale mais que a autoridade (poder de perstasio) do argument. Assim, em tais certames, aconselha-se a0 candidato considerar possivel a concessio de isengio de tributos estaduais ¢ municipais mediante tratados internacionais, mas ndo qualificar tal hipétese como isencio heterd- noma, tendo em vista 0 transcrito acérdao lavrado por nossa Suprema Corte. Em face do exposto, a visualizagio das regras e excegdes pode ser feita da seguinte forma: Regra: Autonomas ‘Sempre Heterénomas. Excecdo: Heterénomas (IOMS- ‘Tém sempre sede exportagdes € ISS-exporagves). eonstitucional, néio decorrendo ‘As concedidas em tratados dda autonomia do ente internacionais, apesar de validas, ‘competent para a criacao do. ‘no s40 enquacradas como ‘riputo Feterdnomas pelo STF (Cap. 2 + UMITAGOES CONSTITUCIONNS AO PODER DE TRBUTAR 205 Ha de se relembrar que as custas judiciais sao tributos da espécie taxa, pagos pela prestagio do servigo piblico especifico e divisivel da jurisdicao. Assim, sujeitam-se as limitagoes tributirias, entre as quais a da vedacao a concessio de isengGes heterénomas. Ocorre que existem leis federais estipulando casos de isengio de custas judiciais, mesmo quando o processo tramita na justiga estadual. Trata-se da isengao concedida pela Unido de tributo que ¢ da competéncia dos Estados. HA fortes indicios de inconstitucionalidade das leis que abrigam tais normas. Apesar de 0 assunto jé ter sido debatido em votos, o STF ainda nao tem um pronunciamento direto sobre a materia No Ambito do ST], apesar de nao se referir diretamente ao art. 151, III, da CF/1988, existe uma stimula que parece caminhar no sentido da impossi- bilidade de a Unido conceder isengao de custas judiciais relativas a processos que tramitem no Ambito da justiga estadual. F a seguinte a redagao da simula: ‘STJ ~ Stimula 178 - “O'INSS no goza de isencao do pagamento de custas @ emolumentos, nas agdes acidentarias e de beneficios propostas na Justica Estadual”. aeons nan ena Petes a eae sud Este principio é previsto no art_152 da CF/1988 como aplicdvel exclusi- vamente aos Estados, av Distrito Federal ¢ aos Municfpios, vedando-os esta- belecer diferengas re ben gos de qualquer natureza em razio de sua procedéncia ou destino. ‘Também aqui se tem uma importante regra protetiva do pacto federativo, visto que se proibe que os entes locais se discriminem entre s A titulo de exemplo, ndo ¢ licito a tras diferencas de tratamento tomando por base a procedéncia no da mercadori ‘ou o desti Relembre-se, entretanto, que a Unido ~ e somente ela - esta autorizada 4 estipular tratamento tributirio diferenciado entre os Estados da Federagao tendo por meta diminuir as desigualdades socioecondmicas tio comuns no Brasil (item 2.10.1). Providéncias semelhantes, portanto, no sio licitas aos Estados ¢ Municipios, sob pena de grave risco ao pacto federativo. A linha de raciocinio até aqui adotada, ligando umbilicalmente o principio da nao discriminagao ¢ o pacto federativo, parece conduzir ao entendimento de que a impossibilidade de tratamento diferenciado com base na procedéncia ou 26 DIRETO TRIDUTARIO~ Rion Alexondhe destino do bem ou servigo s6 é aplicivel no Ambito interno, nao impedindo 6 tratamento diferenciado quando o bem ou servigo é procedente do exterior. Contudo, se a vedagao constitucional profbe discriminago com base em procedéncia, nao podem os Estados, por exemplo, estatuir aliquotas mais clevadas de IPVA para veiculos importados. Essa proibi¢ao tem sede constitucional e € ratificada pela chamada clau- sula do tratamento nacional, que prevé a equivaléncia de tratamento entre 0 produto importado, quando este ingressa no territério nacional, e 0 produto similar nacional. Para uma anélise detalhada da matéria relativa & cléusula do tratamento nacional, prevista no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT, do qual © Brasil € signatario, recomenda-se a leitura do item 3.2.2.1.4 do Capitulo 3. La serao analisadas a jurisprudéncia do STJ e do STF sobre a matéria ¢ a maneira como sao elaboradas questies de prova envolvendo 0 assunto. 12 O PRINCIPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PUBLICO E A CONCESSAO DE BENEFICIOS FISCAIS Um dos principios basilares do Direito Piblico é a indisponibilidade do interesse e do patriménio publico. eee _O gestor piiblico administra patriménio de outrem, nao podendo pra- ticar atos dos quais resultem impactos negativos sobre tal patriménio sem a autorizagio do verdadeiro titular das disponibilidades, o povo. Em um Estado Democratico de Direito, 0 povo pode autorizar a pritica de atos que configuram disponibilidade do patriménio piblico por meio da elaboracdo de lei. O crédito tributério & parte do patriménio piblico, Os beneficios fiscais ora extinguem (remissao), ora excluem (isencao, anistia), ora di- minuem (redugio de base de calculo, concessio de crédito presumido) 0 crédito tributério. Como consequéncia, nao € possivel a concessio de beneficios fiscais por intermédio de qualquer ato infralegal. A restricio tem o salutar efeito de diminuir bastante a margem de manobra do Poder Executivo, diticul- tando-lhe a tentadora possibilidade de se utilizar da desoneragao tributéria como moeda de troca por vantagens pessoais da autoridade administrativa. Referindo-se expressamente a esse fundamento, 0 Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional lei paraense que autorizava 0 Poder Executivo a conceder, mediante regulamento, remissao e anistia (ADI 3.462/ PA). Na ementa do julgamento, a Corte, com tintas fortes e fundada no prin- (Cap. 2 + LIMITAGOES CONSTTUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR aor cipio constitucional da separagio de Poderes, fez mengdo expressa 4 reserva absoluta de lei formal, uma vez que, conforme jé detalhado neste Capitulo (item 2.5.3), 0 Parlamento, que tem o nobre mister de legislar, ndo pode se sentir proprietario de tal atribuigio e aliend-la ao Executivo. Recorde-se que é possivel ao Chefe do Executivo editar leis delegadas desde que autorizado pelo Parlamento, nos termos do art. 68 da Constituicao Federal (referente ao Presidente da Republica, mas aplicavel, por simettia, 4s demais esferas). Todavia, lei delegada € lei formal, mesmo que elaborada num processo legislativo peculiar, o que ndo se pode dizer do regulamento. Em estrita consonancia com o principio da indisponibilidade do inte resse @ do patriménio piblico, a Constituicde Federal impoe,_em seu art. 150, § 6, que qualquer subsidio ou isengio, redugio de base de calculo, concessio de crédito_presumido, anistia ou_remissio, relativos a impostos, ‘taxas ou contribuigdes, s6 podera ser concedido mediante lei especifica, fe- deral, estadwal on municipal, que regi ag matérias acima enumeradas ou 0 correspondente tributo ou contribuigao, sem prejuizo-do disposto no art. 155, § 2°, XIL, g. Perceba-se que, além de positivar o principio, a Magna Carta faz mais, pois éxige que a lei isentiva seja especifica sobre a matéria. Esse e outros ‘aspectos do dispositivo-constitucional serio detalhados adiante, 2.12.1 Exigéncia de lei especifica para a concessao de beneficios fiscais Apesar de o tema se referir a uma limitagio constitucional ao poder de tributar ~ 0 que, em razio do disposto no art. 146, II, da CF/1988, poderia induzir o leitor a pressupor a necessidade de edigdo de lei complementar -, ‘a norma isentiva, por nao estar regulando tal limitagao, mas sim excluindo a ribntacio, poder ser uma lei ordinaria, salvo nos casos em que 0 préprio tributo isentado s6 possa ser criado por lei complementar. O art. 150, § 6°, da Constituigio exige que a lei veiculadora do beneficio seja_especifica, disciplin: pondente tributo ou contribuigao (a rigor, uma redundancia, vi 10 que as contribuigSes citadas aio tributoe). © motivo da exigencia de especificidade da lei ¢ evitar a pritica, ne. lizmenté tio comum no Parl no Park lamento, de esc nder benelicios fi "que tratam de matéria totalmente diversa da tributéria Na praxe legislativa brasileira, os projetos de lei ganham nomes que thes identificam o contetido e facilitam a discussao da matéria. Assim, em vez de 200 DIRETO TRBUTARIO ~ Ricardo Aexance serem mencionados mimeros, fala-se na “lei geral das microempresas’, “lei dos transgénicos” ete. Um grave problema ocorreria se, por exemplo, fosse escondida, dentro de uma hipotética lei que cria 0 “dia do homem’, uma anistia as multas tributarias das empresas que descumpriram regras da legislagao do IPI. Seria possivel que a lei tramitasse no Congresso Nacional sem que a maioria dos parlamentares tomasse conhecimento do beneficio, 0 que configuraria uma agressio a0 principio da indisponibilidade do patriménio piblico, pois os representantes do povo nao teriam efetivamente analisado © mérito de questav. ‘Também € possivel imaginar a perniciosa inclusio, por parte da oposi¢ao, de beneficio fiscal dentro de uma lei importante, de interesse da situagio, como mecanismo para “negociar” uma aprovagio conjunta. Entretanto, nao se deve dar ao citado § 6° uma interpretagao tio restritiva a0 ponto de considerar inconstitucional a concessao de um beneficio fiscal por uma Tei que nao trate exclusivamente de matéria tributaria, pois a finalidade da restricéo constitucional ¢ impedir a insergio de beneficios fiscais em leis de contetdo totalmente alheio aquele relativo.ao_beneficio. cae Nessa linha, transcreve-se abaixo pedagégica ligio formulada pelo Mi- nistro Ilmar Galvao, constante de voto por ele proferido nos autos da ADI 1.379-MCIAL: “Na verdade, © mencionado dispositive constitucional néo impede que uma el que contemple, ug, um programa de financiamento agropecuario Ou ado ince D be acha-se Inter-relacionado ‘com objetivo da lei, encontrando-se, portanto, atendido o requisito da espe- if todas as luzes, teve por escopo a emenda constitucional em tela foi coibir velho habito que induzia nosso legislador a enxertar bene- ficios tibutarios casusticas no texto de mente as orcamentérias, no curso do respectivo processo de elaboracdo, fendmeno que. no presente aso, nao se verifica” (STF, Tribunal Pleno, ADI 1.379-MC/AL, Rel. Min. Mauricio Cortéa, . 24.04.1996, DJ 22.08.1997, p. 38.750) Um caso emblematico discutido sob as luzes do dispositivo constitucional ora analisado foi a previsio contida no art. 13, § 3°, da LC 123/2006, que isentava as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional do pagamento da antiga contribuigao sindical, Tal Lei, estudada no Capitulo 15 desta obra, nao versa exclusivamente sobre a concessio de isengdes (tampouco se dedicava, & epoca, a disciplina da contribuicao sindical). A norma institui um tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado as microempresas (Cap. 2 LINITAGOES CONSTITUCIONANS AO PODER DE TROUTAR Ey € empresas de pequeno porte, englobando medidas de carter nao apenas tri- butario, mas também previdencidrio, trabalhista, administrativo, dentre outras Ao julgar a ADI 4.033/DE, ajuizada contra a regra isentiva, 0 STF en- tendeu haver total correlagio entre o beneficio analisado e a criagao de um tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas ¢ empresas de pequeno porte, nos termos estatuidos na LC 123/2006, em consondncia com a previsio constante do art, 146, III, d, da CF/1988, Em termos mais técnicos, pode-se afirmar a existéncia de pertinéncia temitica entre a isengdo que fora concedida e a Lei em que ela havia sido ingerida. De maneira bastante cuidadosa, a Suprema Corte também verificou que constavam dos arquivos do Congresso Nacional registros sobre discussées relativas ao beneficio fiscal, de forma a demonstrar cabalmente a no ocorréncia do principal problema que o legislador constituinte desejou evitar, qual seja a aprovagao de norma exonerativa sem discussio pelo Parlamento. ‘Teindo ent vista « ipostéania du julyado, tanscreve-se abaino o trecho mais relevante da respectiva ementa: “1. Agao direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o art. 13, § 3°, da LC 123/2006, que isentou as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadagao de Tributos e Contti- buigées devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte ~ simples Nacional (‘Supersimples). 2. Rejeitada a alegacao de violacéo da reserva de lei especifica para dispor sobre isengio (art. 150, § 6°, da Constituigéo), uma vez que ha pertinéncia temética entre 0 beneficio fiscal e a instituigao de regime diferenciado de tributac3o. Ademais, ficou comprovado que o Congresso Nacional nao ignorou a existéncia da norma de isencao durante 0 processo legislativo. [.} 3.1. 0 fomento da micro e da pequena empresa foi elevado & condigao de principio constitucional, de modo a orientar todos os entes federados a conferir tratamento favorecido aos empreendedores que contam com menos recursos para fazer frente 3 coneorréncia. Por tal motivo, a literalidade da complexa legislagdo tributiria deve ceder & interpretac3o mais adequada e harménica com a finalidade de assegurar equivaléncia de condicdes para as empresas de menor porte” (STF, Tribunal Pleno, ADI 4.033/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j 15.09.2010, DJe 04.02.2011, p, 28-37) Outro caso que merece ser mencionado é o da propria extingio da na- tureza tributaria da contribuicao sindical, levada a cabo pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). Dentre os argumentos apresentados por quem defendia a incompatibilidade da referida extingao com a Carta Magna, havia um de cunho eminentemente formal, haseado na tese de violacao ao art. 150, § 6°, da CF/1988, por nao ter sido a medida veiculada em lei especifica sobre a matéria, ne DIREITO TREUTARO - fcardoAlsonche No julgamento da ADI 5.794/DE, contudo, a Suprema Corte entendew {que o legislador ordindrio procedeu em absoluta conformidade com a ordem constitucional. Todos os fundamentos da decisio encontram-se detalhados no item 1.4.6.3.2 do Capitulo 1 desta obra. A este estudo, interessa saber que 0 ‘Tribunal considerou inaplicavel 20 caso a exigéncia de lei especifica, uma vez ‘que nenhum dos beneficios fiscais mencionados no § 6.* do art. 150 ~ subsidio, isengdo, redugio de base de calculo, concessio de crédito presumido, anistia ou remissdo ~ estava sendo concedido pela norma impugnada. A importante conclusio a ser extraida dessa parte do julgado é a de que a concessao de um beneficio fiscal relativo a certo tributo - que nada mais € que um regime especial de tributagio - nao se confunde com a exting’o desse mesmo tributo ~ sua retirada do ordenamento juridico. Ambas as si- tuages se submetem & reserva legal, devendo a providéncia ser veiculada por lei, mas a necessidade de essa lei ser especifica s6 existe para a concessio de beneficios Ascals, sendo, em_tese, possivel que um tributo seja extinto por Tet que trate cumulativamente de outras matérias. De qualquer modo, no caso particular da Reforma Trabalhista, supondo que a Lei 13.467/2017, em vez de extinguir a contribuigio sindical enquanto tributo, apenas houvesse concedido, por exemplo, isengao determinada ca- tegoria de trabalhadores, ainda assim seria possivel verificar certa pertinén: tematica entre a hipotética norma exonerativa e a Lei, que se propde a mo- dernizar e desburocratizar as relagdes de trabalho. Por fim, convém destacar que a jurisprudéncia do STF é pacifica no sentido da impossibilidade de 0 Poder Jndiciério, invacanda o principio da isonomia, substituir 0 juizo discriciondrio do legislador e estender a outras pessoas be- neficios fiscais que a lei s6 destinou expressamente a determinada categoria de contribuintes. Nas palavras da propria Corte, “entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa andmala funcao juridica, equivaleria, em iiltima andlise, a converter o Poder Judicidrio em inadmissivel legislador po- sitivo, condigio institucional esta que Ihe recusou a propria Lei Fundamental do Estado” (STR, 1.* T, AI 142.348-AgR/MG, Rel. Min. Celso de Mello, j 02.08.1994, DJ 24.03.1995, p. 6.807). 2.12.2 Concessao de beneficios fiscais relativos ao ICMS A ressalva feita ao final do art. 150, § 6°, da CE/1988 ~ a de que a exigéncia de lei especifica para a concessio de beneficios fiscais existe sem prejuizo do disposto no art. 155, § 2°, XII, g — traz uma restrigiio maior & pritica de atos de disposicao envolvendo 0 ICMS. Como se veré mais a frente, 0 ICMS é 0 tributo com maior quantidade de regras constantes da prépria Constitu (Cap. 2 + LIMITAGOES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIUTAR am © motivo é que o Brasil, diferentemente da imensa maioria das federagdes, optou por atribuir aos entes regionais (Estados) a criagao do ICMS. _A consequéncia de se atribuir a entes menores a criagao e administragio de um tributo que grava toda a economia € Obvia: guerra fiscal. Para mini- mizar 0 problema, a Constituigio traz 5 que tenta conter ‘a competicao predatoria entre os Estados-membi ‘Talvez_a_mais importante dessas regras seja_exatamente o art. 155, $ 2%, , da CF/1988, que exige que a concessio de beneficios fiscais de CMS Sea precedida de deliberacio conjunta dos Estados e do Distrito Federal, Confurme regulado em lei comple Atualmente a “deliberagio conjunta” toma a forma de convénio celebrado no Ambito do Conselho Nacional de Politica Fazendaria - CONFAZ, orgio formalmente inserido na estrutura do Ministério da Fazenda, mas com assento garantido aos diversos titulares das fazendas estaduais (Secretarios Estaduais da Fazenda ou cargo equtvalente). ‘A matéria € regulada pela Lei C nntar 24/1975, cujo art. 2° deter- mina, para as reunides do CONFAZ, a convocacao de representantes de todos ‘IS Estados e do Distrito Federal. Essas reunides, que s6 podem ser realizadas com a presenga de representantes da maioria das’ Unidades da Federacio, federal, A concesséo de beneficios a0 passo que sua revogacdo, total 01 ender da aprovagio de pelo menos 4/5 (quatro quintos) dos representantes presentes. spor de 15 dias lebrados, considerando- icacao tacita dos convénios a falta de manifestacio no prazo assinalado, ‘ais regras também se aplicam as Unidades da Federacio cujos representantes nao tenham comparecido a reunigo em que hajam sido celebrados os convenios, A nao ratificagio pelo Poder Executivo de todas as Unidades da Federacio (no caso de concessio de Beneficio) ou de, no minimo, 4/5 (quatro quintos) das Unidades da Federagio (no caso de revogasio total ou parcial de beneficio) ias depois de findo 0 prazo de ratificagio dos convénios, deve ser publicada no Didrio Oficial da Unido a informacao relativa & ratificagao ou a rejeigao. Os. convénios entraro em vigor no trigésimo dia apés tal ‘publicagao, salvo disposicao em contririo, vinculando todas as Unidades da \elusive as que, regularmente convocadas, nao se tenham feito representar na reuniio em que o ato foi celebrado. 20 DIREITO TRIBUTARO Picardo Aland Os principais aspectos do procedimento podem ser visualizados no qua- dro abaixo: oceans eee ac Pee ta OM id er) REUNIAO oes ees) Presenga de Decisio represen ‘undnime dos antes 63 entesrepre- | maloria das sentados na | Unidas da reuniso | Federagio stemitica estudada configura a nica excegio a regra segundo a qual er concedidos por | ¢ i 5 beneficios fiscais somente podem ser concedidos por lei, nao sendo pos @ adogio de procedimento semelhante para outros tributos além do ICM Nessa linha, 0 STJ considerou invalida Resolugdo aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais e pela Camara de Vereadores do Mu- nicipio de Belo Horizonte na qual se ratificava convénio firmado entre tais, entes e concessionarias de servigo piiblico, concedendo, a estas, isengdes de tributos municipais. A Corte, invocando © art, 176 do CTN e os dispositivos constitucionais ora analisados, declarou a invalidade da sistemstica. Pela rele- vancia do julgado, transcreve-se a respectiva ementa: “TRIBUTARIO ~ IMPOSTOS MUNICIPAIS ~ ISENGAO CONCEDIDA POR MEIO DE RESOLUCAO LEGISLATIVA: ILEGALIDADE ~ VIOLACAO DO ART. 176 DO CTN. 1. Nos termos do art. 176 do CTN, a isencio tributaria somente pode ser concedida mediante lei especifica, com excecéo do ICMS, que se dé mediante convénio firmado entre todos 05 Estados (art. 150, § 6 c/c 155, § 2°, Xll, g, da CF/1988). 2. llegalidade da conccasio de fsengéo de tributes munici ‘cao legislativa 3, Recurso especial provido" (STF, 2*7, REsp 723.575/MG, Rel. Min. liana Calmon,j. 26.06.2007, Dy 03.08.2007) is por resol E relevante registrar que 0 fato de um ente da Federacio nao cumprir as premissas constitucionais para a concessio de beneficios fiscais nao autoriza 0s demais a, invocando um suposto direito a proteg4o da economia local, conceder, definitiva ou transitoriamente, qualquer beneficio semelhante. Nao ha “compensagao de inconstitucionalidades” ou “direito de vinganga’. Nessa linha, 0 Supremo Tribunal Federal suspendeu absurda norma paranaense que previa o seguinte: Cap 2 IMITAGOES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRBUTAR 2 “Hlavendo concessio, por qualquer outro Estado ou pelo Distrito Federal, de beneficio fiscal ou eliminacdo direta ou indireta da respectiva carga tributéria, com inobservancia da legislacao federal que regula a celebracéo de acordos exigidos para tal fim, e sem que haja aplicacao das sancées nela previstas, fica 0 Poder Executivo autorizado a adotar medidas similares de protecio ‘economia paranaense Nas precisas palavras do STE, “o dispositivo da referida lei estadual traduz, em verdade, permissio para que o Estado do Parana, por meio do Poder Executivo, desencadeie a denominada ‘guerra fiscal”, restando, portanto, “caracterizada, em principio, a ofensa ao disposto no art. 155, § 2°, XII, g, da CF” (STF, Tribunal Pleno, ADI 3.936-MC/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, h 19.09.2007, DJ 09.11.2007). A necessidade de edigdo de convénio para a concessao de beneficios fiscais de ICMS sempre foi considerada um verdadeiro dogma na jurispru- déncia brasileira, de forma que, em todos os casos em que 0 beneficio foi outorgado sem a prévia celebragdo de convénio ¢ a questo foi submetida a0 Judicidrio, a decisio foi invariavelmente a declaragio de inconstituciona- lidade da norma concessiva. Contudo, em 2010, 0 Supremo Tribunal Federal surpreendeu.a0_ratificar uma concessio de beneficio fiscal do tributo sem necessidade de convénio oFizativo. O caso objeto de discussao era uma lei paranaense que concedia isengao do ICMS nas contas de agua, luz, telefone e gis utilizados por pia a do era abrangi de qualquer culto. Regi oncessionarias € ndo a igreja, mera consumidora do servico (de égua ou ‘telefone) ou da mercadoria (gas ou energia elétrica). Assim, a hipétese era de do ICMS, mas com dispensa do pagamento (isencio), de forma a desonerar o templo de qualquer culto. _O STF entendeu inexigivel a celehracio de convénia, parque a concessio de isengao a templo de qualquer culto nai idao para deflagrar guer- © Fstado do Parana Fa Tiscal ou gerar risco ao pacto fed nao editou a lei visando a atrair todas as igrejas para o seu territdrio, em detrimento dos demais Estados ‘a remansosa doutrina.no sentido de de acordo visa a evitar guerra fiscal, e o entendimento de que, no citado caso, nao havia risco de deflagragio de conflito, o Tribunal entendeu ser desnecessaria a submissio da matéria ao CONFAZ. Adotando esse raciocinio no Voto que conduziu o julgamento unani me do Plendrio do STE. 0 Ministro Marco Aurélio (Relator) afirmou que “a proibigio de introduzir-se beneficio fiscal, sem o assentimento dos demais ne DIREITO TRIBUTARIO ~ Ria Aleronce estados, tem como mével evitar competigio entre as unidades da Federacio € isso nao acontece na espécie’, Sintetizando o posicionamento, a ementa do Ac6rdao foi lavrada atestando que “longe fica de exigir consenso dos Estados a outorga de beneficio a igrejas e templos de qualquer crenga para excluir 0 Imposto sobre Circulagio de Mercadorias e Servicos nas contas de servigos publicos de Agua, luz, telefone e gis" (STF, Tribunal Pleno, ADI 3421/PR, Rel ‘Min. Marco Aurélio, j. 05.05.2010, DJe 27.05.2010). Em provas de concursos piblicos, podem aparecer questdes abordando a matéria de, basicamente, duas formas: a) citando situagao idéntica ao caso julgado, afirmando nao ser nececcdria a formalizagao de convénio autoriza- tivo para a exclusdo do ICMS das contas dos servigos piiblicos de agua, luz, telefone e gas; b) abordando genericamente a desnecessidade de formaliza- cio de convénio autorizativo para a concesséo de beneficio fiscal de ICMS quando o beneficio nao tenha aptidio para deflagrar guerra fiscal ou para gerar rise an pact federativo. Por fim, convém salientar que. infelizmente. nao sio incomuns os casos de concessGes de beneficios fiscais sem a prévia celebracio de convénio no ambito do CONFAZ, algo que, conforme analisado, configura manifesta agresstio nao sé as regras da LC 24/1975, como também. as do art. 155, § 2°, XII, g, da Constituigao Federal. Mesmo apés firmada a jurisprudéncia do STF no sentido da invalidade dos beneficios assim concedidos, na pratica, © procedimento continuou a ser intensamente adotado, ainda que, em cada caso, fosse previsivel uma futura declaracao de inconstitucionalidade pela Suprema Corte. Era a manutengio do execravel estado de guerra fiscal entre Estados-membros e Distrito Federal, em manifesto prejuizo & seguranca juridica e ao proprio pacto federativo. A solugao para o problema tendia a ser a edigdo de Simula Vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, o que poderia gerar sérios problemas para 05 Estados que durante décadas concederam tais beneficios ao arrepio do Direito e que, justamente dessa forma, atrairam empresas e um certo grau de desenvolvimento ¢ arrecadacdo para o seu territério, Assim, apesar de, do ponto de vista juridico, a solugio parecer dbvia, sob a dtica da subsisténcia fiscal das unidades fiscais envolvidas, a questio era ainda bastante complexa. Por tudo, decidiu-se pela busca de uma solugio politica, concretizada com a edicdo da Lei Complementar 160/2017, que concedeu a0 CONFAZ a possibilidade de. no prazo de 180 dias (contados da publicacio da prépria LC), editar convénio adotando as seguintes providéncias: 2} remissao (perdao) dos créditos tributérios, constituidos ou nao, decorrentes das isengoes, dos incentivos e dos beneficios fiscais ou financeiro-fiscais instituidos unilateralmente por legislacao estadual publicada até a data de inicio de producao de efeitos a LC 160/2017; b) reinstituicdo das isencdes, dos incentivos & dos beneficios fiscais ou financeiro-fiscais referidos na letra “a” acima que ainda se encontrem em vigor. ‘Cap. 2 + LIMITAGOES CONSTITUCONA'S AD PODER DE TREUTAR as Apesar de 0 convénio ser celebrado no ambito do CONFAZ, sua aprova- sao depende de um quérum diferente do estabelecido na LC 24/1975, sendo necessiria a concordancia de 2/3 de todas as unidades federadas (quérum nacional ~ 18 unidades), e que, em cada regio geografica do Pais, 1/3 das unidades aprovem a medida (quorum regional - 1 no Sul, 2 no Sudeste, 3 no Nordeste, 3 no Norte € 2 no Centro-Oeste). Em 15/11/2017, fundado na citada autorizagao legal, o CONFAZ editou 0 Convénio 190/2017, disciplinando a matéria e cumprindo a primeira etapa do procedimento para a adogio das medidas ora estudadas. As demais me- didas sia da algada dos Estados e do Distrito Federal, de forma a compor o procedimento que pode ser visualizado a seguir: onckan Digno de nota que a combinagio entre a remissao do crédito indevidamente dispensado no passado € a reinstituigio dos beneficios a partir de tal perdao possui o mesmo efeito de uma convalidacao, o que poderia levar ao entendimento de que a LC 160/2017 padeceria de inconstitucionalidade ao tentar convalidar uma agressio 4 CF/1988 (art. 155, § 2°, XII, g). Tal questao sera analisada quando do julgamento da ADI 5.902/AM, ajuizada pelo Governador do Estado do Amazonas, unidade federativa tradicionalmente prejudicada pela concessio unilateral de beneficios fiscais que, ao menos em tese, poderiam minar os dife- renciais tributdrios constitucionalmente concedidos 4 Zona Franca de Manaus. Fica facil perceber que a LC 160/2017 objetiva encerrar um estado de permanente desrespeito a sistemética constitucionalmente estabelecida para concessio de beneficios fiscais do ICMS e inaugurar uma nova era em que eventuais desobediéncias néo mais contario com a condescendéncia do Poder Publico. Nesse contexto, 0 art. 6° da LC 160/2017 estabelece que os beneficios fiscais concedidos em desacordo com as regras da LC 24/1975 sujeitario a unidade federada responsivel as proibicdes estabelecidas nos incisos I. If ¢ II] do § 3° do art. 23 da LRF: a) recebimento de transferéncias voluntarias; b) obtencio de garantia por outro ente; c) contratagao de operagies de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da divida mobiliéria e as que visem & redugdo das despesas com pessoal A punigio sera aplicada pelo Ministro de Estado da Fazenda, mediante acolhimento de representagio formulada por Governador de Estado ou do 26 DIRE TRIBUTARIO Ricardo Alcancre Distrito Federal, sendo possivel ao TCU verificar a corre¢ao do procedimento (LC 160, art. 6° ¢ pardgrafos). PRPR es 2.13.1 Diferenciacao de institutos assemelhados Basicamente, trés diferentes institutos juridicos_ podem "que € 0 pagamento do tributo, Sio eles: a no ini as imunidades), a isengao e a fixacdo de aliquota zero, Sob o aspecto juridico, o fendmeno da incidéncia esté ligado & ocorréncia na realidade fitica da hipétese abstratamente prevista na lei tributéria como necesséria e suficiente para o surgimento da obrigagio tributdria (CTN, art. 114) Assim, a_nao incidéncia refere-se ds situacées em_que um fa _aleancado pela regra da tributacao, Tal fendmeno pode decorrer, basicamente le trés formas: excepcionar a ia (que abrange a)_o ente “situag: A titulo de exemplo, pode-se imaginar que um Estado, tendo competéncia constitucional para instituir 0 imposto sobre transmissio causa mortise doa- io de quaisquer bens ou direitos, cria o tributo por meio de lei que prevé, como fato gerador do tributo, apenas os casos envolvendo bens iméveis. Nessa hipétese, a doagdo de um bem mével nao é idénea a fazer nascer a obrigagio tributéria, de forma que nao ocorre a subsungao do fato & norma. Portanto, ‘nao ha incidéncia tributaria. b)o ‘minada situagio como hipétese de incidéncia do tributo, uma vez que a atribuigao constitucional de compcténcia nao abrange tal falv. E 0 caso da propriedade de uma bicicleta, que, por nao ser veiculo automotor, nao é fato idéneo para ensejar 0 nascimento de obrigagao do pagamento do IPVA. - yutante, podendo fazé-lo, di como hipétese de incidéncia tributaria: determinada ©) 2 propria Constituigo delimita a competéncia d lerado, ipedindo-o de definir determinadas situagdes como hipoteses de incidéncia de tributos. Nesse caso, o desenho das competéncias tribu> tarias é redefinido de forma a obstar a atividade legislativa da pessoa tributante, Trata-se do instituto da imunidade, is primeiros casos, é lidimo dizer que ocorreram si ‘pura e simples, também denominada nao incidénci tuagdes de nao

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