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ANGUSTIA, INTERPRETACAO E GOZO DO OUTRO! Fabién Schejtman [5 ugostaria, em primeiro lugar, de agradecer aos meus colegas da Segio Minas 4 Gerais da Escola Brasileira de Psicanslise que tio carinhosamente me recebe- ram para esta conferéncia, convidando-me para falar sobre Os destinas da angristia. Devo confessar que, ontem, cu estava um pouco angustiado, Eu nao estava dian- te do meu auditério de sempre, Nao eram os meus alunos da Faculdade de Psico logia, nem cram os meus colegas da Escola de Orientagio Lacaniana. Era um au- ditorio estrangeiro, ¢ nio pude deixar de sentir certa dose de angtistia perante ess Outro estranho, Tive a impressio de que a questio de Lacan sobre a angdstia se apresentou para mim, nessa conferéncia de ontem na Universidade Federal de Mi- nas Gerais, da seguinte maneira: “O que quer 0 Outro? O que sou cu para esse auditério? © que estario esperando de mim?” E se, em um primeiro momento, 0 que se fez presente foi essa angtistia, logo depois, cla se esvaneceu como famaga, dando lugar a seguinte resposta: “Querem que cu trabalhe”. Isso veio ao encontro do meu propésito porque estava mesmo disposto a tratar a angtistia por essa via. Confesso que essa inquictante estranheza no me abandonou, o auditério ain da me parece relativamente estranho, uma audiéncia composta, em sua maioria, por um pitblico feminino, que é sempre um tanto enigmitico. Nao sei também se ou dizendo algo dificilmente compreensivel. Seria 0 caso de perguntar: “O que stard querendo de mim a tradutora? Ser que nao a estou deixando falar? O que quer 0 Outro2” Os destinos da angtistia é 0 tema que nos convoca, ¢ eu gostaria de abordé-lo a partir do ltimo ensino de Lacan. Ontem, na Universidade, eu: me dediquei a an- gtistia ¢ as relagdes com o objeto no Lacan do Semindrio X:a angiistia. Hoje, mi nha intengao é trazer um Lacan um pouco posterior, é trabalhar Os destinos da an- Confeténcia sealizada em Belo Horizonte, nos dias 24 6 25 de julho de 2008, por acasito da XI Jomada ds EPB-MG. gtistia em telagdo ao Semindrio XX de Lacan. Hoje, vamos abordar a angiistia ¢ a ‘sexuagio €, amanha, a angistia ¢ os nds. O tema de hoje “Angiistia, interpreta gio € 0 gozo do Outro”, ¢ eu gostaria de comecar apresentando uma espécie de conto-poesia do pocta argentino Oliverio Girondo, a poesia de n. 22 de seu livro Espantalho ao alcance de todos? ‘As mulheres vampiro sio menos perigosas do que as mulheres que tém um sexo preénsil. Hi séculos que séo conhecidas diversas formas de proteger-nos das mulheres vampiro Sabe-se, por exemplo, que uma fricso de terebintina depois do banho permite, na maio~ ria dos casos, imunizar-nos, pois a iinica coisa gue as mulheres vampiro gostam é do sabor maritimo do nosso sangue, essa reminiscéncia que perdura em todos nés desde a época em que fomos tubario ou carangucjo. A impossibilidade em que se encontram de cravar-nos suas presas em siléncio diminui, por outro lado, os riscos de um atague imprevisto. Basta fingir-nos de mortos ao ouvi-las chegar para que, depois de farejar-nos ¢ comprovar nossa imobilidade, sobrevoem um ins- tante € nos deixem trangiiilos Contra as mulheres de sexo preénsil, porém, quase todas as formas defensivas se mostram ineficazes. Sem diivida, as cuecas com espinhos e alguns outros preventivos podem oferecer suas vantagens, porém, com a violéncia de um estilingue, nos atiram seu sexo e poucas vezes nos dio tempo de utilizé-lo, jé que, antes de sentir sua presenga, nos emptrram em uma montanha russa de espasmos intermindveis, ¢ no temos outra alternativa a nfo ser resignar-nos a uma imobilida- de de meses, se pretendemes recuperar os quilos que perdemos em um s6 instante. Entre as criagdes inventadas pelo sexualismo, as mencionadas sio, no entanto, as menos temidas. Muito mais perigosas, indiscutivelmente, sio as mulheres clétricas, ¢ isso por um simples motivo: as mulheres elétricas operam a distincia. Insensivelmente, através do tempo e do espaco, vio-nos carregando como wm acumula- dor, até que, de repente, entramos em um contato tio intimo com elas, que nos hospedam suas préprias ondulagdes e seus préprios parasitas. E indtil que nos isolemos como um anacoreta ou como um piano. As calcas de amianto ¢ os péra-raios testiculares sto iguais a zero, Nossa carne adquire, pouco a pouco, propricdades de ima. Os percevejos, os alfinetes, os fiindos de garrafa que perfuuram nossa epiderme nos tornam parecidlos a esses fetiches afticanos crivados de ferros mofidos. Progressivamente, as descargas que poem & prova nossos nervos de alta tensio nos galvanizam desde 0 occipicio até as unhas dos pés. A todo instante escapam de nossos poros centenas de faiscas que nos obrigam a viver semi- nus, Até que um dia, a mulher que nos cletriza intensifica tanto suas descargas sexuais, que acaba cletrocutando-nos num espasmo, cheio de interrupgdes € de curto-circuitos (Girondo, 1932). = GIRONDO, Oliveri, Eipantapsijaros (al abzance de todes), Buenos Aives: Proa, 1932. Curtis s. 22 + jun 2006 + EBP-MG Introduzo, pois, o tema a partir da perspectiva do homem e coloco as cartas na mesa: a angiistia que a mulher provoca no homem se transforma em temor a ela. o horror ao feminino, questio 4 qual Freud se dedica no texto O tabu da virginda- de (Freud, 1917, p.184). O primeiro ponto que gostaria de compartilhar com vo- cés € que o ancidoto contra a angiistia é a interpretagio, quer dizer, a interpretagio como uma solugao em face da angiistia, Vamos abordé-lo com a ajuda de um so- nho de Freud, que se encontra no capitulo VIL de A interpretagio dos sonbos, Tra- ta-se de “um genufno sonho de angistia” que Freud teve aos sete ou oito anos, do qual desperta chorando, acordando seus pais. Freud diz: “Foi muito vivido. Eu yia minha mae dormindo com uma estranha expresso de calma em seu rosto. Ela era levada ao seu quarto e depositada sobre o seu leito por dois ou trés persona- gens com bico de passaro” (Freud, 1900, p.530). As associagdes que Freud faz, trinta anos depois, sobre essas figuras com bico de passaro, muito alongadas € curiosamente vestidas, si as de que ele as havia tira- do das ilustragées da Biblia de Philippson. Ele cré que cram deuses com cabega de gavido, em baixo relevo, de uma tumba egipcia, Mas, em outra diregio, essa ima- gem cvoca uma outra cena, Freud ¢ostumava brinear com o filho de um empre- gado, que se chamava Philippe. E, remetendo-se a esse episddio, diz: “Parece que ouvi, pela primeira vez, desse garoto uma expressio vulgar para designar 0 comér- cio sexual. E as pessoas cultas substitufam sempre o termo em alemao por uma pa- lavra de origem latina” (Freud, 1900, p.530). A palavra vulgar para designar o comércio sexual em alemao € rageli, que, na linguagem culta, é substituida pelo termo latino coiteren, copular, Freud aprende essa expressio vulgar com esse “educado” companheiro de brincadeiras ¢ ainda diz ter aprendido seu significado por meio de um gesto peculiar feito por esse compa- nheiro. Nesse sonho, a expresso da mie foi associada 3 expressio do rosto do avd, que ele tinha visto, dias antes de sua morte, roncando ¢ em coma. Trata-se, pois, de gestos: o semblante do avé, 0 gesto do companheiro... Nesse sonho, conjugam-se a sexualidade ¢ a morte: 0 avé estava a um passo do outro mundo e a mae tinha um semblante parecido com o do avé. As associagdes de Freud sio essenciais para 0 que vamos trabalhar. © sonho € uma interpretago que diz: “Sua mae esté morta”. Freud, a0 relacioné-la com o baixo-relevo da tum- ba egipeia, conclui: “E, nessa angiistia, despertei chorando ¢ acordando meus pais. E me lembro que me trangiiilizei assim que vi minha querida mae. Entio, ela ndo estava morta” (Freud, 1900, p.530). A angéstia cessa quando Freud desperta e percebe que sta mie esti viva. Porém nao ¢ isso que ele, depois, constata. No sonho, a angiistia no era pro- vocada pela morte da mie. Essa interpretagiio secundaria do sonho era produzida sob a influéncia de uma angiistia deslocada. “Eu nfo estava angustiado pelo fato Os pestinos x aNGoSTIA tn (40 de a minha mae estar morrendo no sonho”, diz Freud, ”mas sim porque interpre- tei assim o sonho sob a influéncia da angdstia” (Freud, 1900, p.531). A morte da mie € uma interpretagio que responde 8 angtistia. Primeiro, temos a angiistia. Em] seguida, 0 trabalho do sonho produ uma interpretagdo que, ao dar sentido 4 any ustia, € um remédio contra ela. A mie morre no sonho porque Freud esté angus tiado ¢ nao o contririo. "Temos de destacar que, para Freud, 0 trabalho inrerpretativo do inconsciente — eo inconsciente é interpretagio — resolve a angiastia. Podemos dizer que n6s, psica- nalistas, deciframos e interpretamos o inconsciente. Mas, na verdade, o inconscient jf é interpretagio, ¢ essa interpretagdo dé uma solugdo para a angristia. Nesse sonho, o que é a angiistia para Freud? Qual € a causa de sua angiistia? Nao é a morte da mae, que é uma interpretago secundaria. Segundo Freud, “le- vando em conta o recalcamento, pode-se rastear a origem da angiistia até um an- seio obscuro ¢ evidentemente sexual que encontrou expresso apropriada no con- tetido visual do sono” (Freud, 1900, p. 531). Nesse ponto, Freud se detém, pois no nos fala dos desejos incestuosos em relagao 4 mae que o sonho deixou em evi- déncia, Essa é a angistia. Em defesa, vem a interpretagio secundaria que amortiza o desenvolvimento da angistia. Podemos abordar essa questio em Lacan sob uma outra perspectiva: o desejo inces- tuoso no sentido de coiteren, de copular com a mie, também jé € um sentido, uma in- terpretacio. Mas Freud pensa que 0 desejo que se entrevé no sonho a causa da angés- tia, Sua idéia, jf nessa época, era a de que o inconsciente trabalha interpretando para no adormecer, para fazer com que entremos no sono. Para Freud, 08 sonhos si os guar dides do sono ¢ este sofie uma perturbagio quando hé um fracasso no trabalho des- se inconsciente que adormece. Podemos pensar isso de outra maneira: se 0 sonho é 0 guardi’o do sono porque o inconsciente trabalha conectando a energia livre, fazendo as- sociagdes de sentido. A energia livre & angéstia ¢ 0 trabalho de interpretagao do sonh € religioso, isto ¢,religa a energia live. Nos adormecemos quando hé essa interpreta religiosa, propria do inconsciente. Ao menos uma vertente do inconsciente € religiosa ¢ a interpretacao, inerente 20 sonho, obedece ao desejo de dormir. Lacan destaca que nao deveriamos nos surpreender de encontrar isso em Freud. 5 inconsciente, para ele, pressupde a copulagio entre os significantes. Podemos di- zer, com Lacan, que, se no hi relagao sexual, em seu lugar, os significantes copulam no inconsciente. Em Buenos Aires, propus a expressio: “motel do inconsciente”. No inconsciente, os significantes copulam, cles nao tém medo da aids, nem utilizam camisinha, Nele, 0 S, sempre engravida o S, de sentido, ¢ adormecemos com esse entido. A acao sonifera da religiio se fundamenta na concepsio de que a religia roduz sentido. Podemos dizer que despertamos com o real quando o trabalho interpretacdo do inconsciente fracassa, ¢ que esse é o sonho de angiistia. Cumin s. 22 + 1UN 2006 + EBP-MG —————— Qual seria a diferenga entre a interpretagdio do analista e a do inconsciente, se levar- mos em conta que o analista nao quer ser o guardizo do dormir? Qual seria a interpre~ tacdo do analista com respeito a essa tendéncia adormecedora do inconsciente? Se o inconsciente faz pontes entre S, € 0 S,, s¢ 0 inconsciente é um pontifi- ce, é porque ele é religioso. A igreja foi a voz que consolidou essa concepsio: as- sim como o homem nio deve separar o que Deus uniu, o homem nao deve unir 0 que Deus quer separado. Se ha um rio, ¢ um homem quer atravessé-lo, deve, an tes, molhar os pés. Entio, no se pode unir o que Deus quis separado. Se assim 0 quisermos, devemos convocar 0 pontifice, 0 fazedor de pontes. O inconsciente re- ligioso é o pontifice do sonho que nos coloca em um estado de adormecimento. A interpretacio analitica, de algum modo, vai na contramio daquela do incons- ciente, Isso esta colocado no discurso analitico, em que S, ¢ S, permanecem se- parados. Mas, como disse, nao vou abordar esse tema, nem tampouco o do outro inconsciente. Podemos dizer que 0 inconsciente nao s6 nos conduz, mas nos for- ¢a em direcdo a0 adormecimento. Hi o inconsciente pontifice, 0 inconsciente re- ligioso, o inconsciente que, segundo Lacan, é 0 equivalente do discurso do amo. ‘Mas existe um outro incon: O pros ca em sua funcio de interpretar a angiistia ¢ resolvé-la, No capitulo IV de O éncons- ciente, Freud propée que haveria um primciro tempo na histeria de angiistia que jente, ao qual no vou me referir hoje. Jimo passo é examinar © paradigma da fobia. A fobia se revela paradigmati- se apresenta como a primeira fase na formago de uma fobia, em que a angis- tia surge diante de algo que nao se sabe o que é (Freud, 1915, p.209). Nao se trata de uma anguistia sem objeto, mas de que esse objeto ndo tenha nome. Em um primeiro tempo, esse objeto que causa a angtistia no tem nome, Em um se- gundo tempo, esse afeto liberado, essa energia livre, liga-se a uma representacao, substitutiva, provocando 0 que Freud denomina de uma racionalizagio da an giistia, uma limitagao da angtistia através da ligagdo da cnergia com uma repre sentagdo. J4 ndo € uma angistia sem saber ante 0 qué, podendo ser desencade ada, por exemplo, diante da visio de um cavalo. Com esse esquema, podemo: apresentar 0 caso Hans. No Semindrio IV, Lacan propde um tempo anterior ao surgimento da angiis- tia, descrito como “o paraiso da felicidade de Hans”. Em um determinado mo- mento, esse paraiso termina ¢ surge a angtstia diante de algo que nao se sabe 0 que é. A idéia de Lacan é que surgiria um elemento que é real, designado nesse se- mindrio como “o pénis real” (Lacan, 1956-1987, p. 231). Quando Hans desfruta espontaneamente das primeiras brincadciras masturbatérias — as primeiras eregdes -, isso soffe uma interdigio ¢ fica simbolicamente marcado por uma proibigao. Para que se assuma o real da genitalidade, é preciso que o pai profba esse gozo iné- dito, E 0 pai de Hans era um pouco “tolo”. Por isso, ali onde ele nao castra bem, Os pestivos 0 anc x 42 iio proibe bem, no morde bem, Hans precisa inventar um cavalo que morda. A fo- bia € uma solugdo com respeito 3 angistia. Ela transforma a angiistia em medo, sen- do paradigmdtica da interpretagio do inconsciente que resolve a angistia. Conclu- Sio: o fobico é um religioso. Na perspectiva de Lacan, também podemos abordar a anguistia sua solugao a partir da interpretacdo. Ontem, eu trabalhei duas versdes da anguistia presentes no Seminario X, Nele, Lacan diz. que a “angiistia é a falta da falta”, quer dizer, éa presenga do objeto como real (Lacan, 1962-1963, p. 52), afastando-se de Freud, para quem a angiistia é angiistia de castrag3o. Para Lacan, a angtistia supde a fal- ta da castracio. Ele afirma que a angiistia se produz quando 0 objeto se apresenta, quando falta a sua falta, porém, ao mesmo tempo, mostra que a angéistia é a sensa G0 do desejo do Outro € que ela irrompe quando estamos diante desse desejo. El diz, entio, a0 mesmo tempo, que a angiistia se apresenta diante da falta da falta que a angistia se apresenta diante da falta, diante de um Outro desejante. Nio vou repetir a solugdo que propus ontem para coneiliar essas duas versoes da angiistia, Interessa-me mais a segunda, a anguistia em face do desejo do Ou- tro, para mostrar que ela também é resolvida com a interpretacdo. O exemplo que Lacan apresenta estava entrevisto em minha proposigio do inicio da conferéncia, quando eu dizia que 0 anditério estranko me provocava angiistia, no sentido do desejo enigmitico desse audit6rio estranho, feminino demais. Independentemen- te de haver homens nesse audit6rio, ele no deixava de ter algo de enigmitico, de feminino. E 0 exemplo de que se serve Lacan para ilustrar isso € 0 de um inseto, 0 “louva-a-deus-fémea”, que, depois de copular com o macho da espécie, devora- 0. Sobre o apdlogo de estar ele mesmo, mascarado, diante de um louva-a-deus fe- mea gigantesco, Lacan diz: “A coisa foi bem assinalada por eu haver acrescentado que nao via minha propria imagem no espelho enigmitico do globo ocular do in- seto” (Lacan, 1962-1963, p.14). Lacan diz que isso esta muito préximo da angiistia. Mas o que rucial, nesse exemplo, é 0 disfarce, a mascara que Lacan estd usando. E possivel que ele estives- se fantasiado de louva-a-deus macho, mas nao é certo. ‘Trata-se justamente disso, de nao se saber 0 que se é para 0 desejo do Outro, porque, se sabemos que esta- mos no papel do louva-a-deus macho, saimos correndo. Isso ja é a fobia, isso jé saber interpretar 0 desejo do Outro. A angiistia surge no ponto onde o desejo d Outro permanece enigmatico para mim. E 6 desejo do Outro como causa da an giistia. No grafo de Lacan, est4 implfcita uma pergunta que se formula com pro: priedade no lugar onde aparece o enigma do desejo do Outro: o que ele quer d mim? O que sou eu para esse Outro feminino? A neurose opta por nao chegar ao dpice dessa angiistia diante do desejo do Ou- tro, opta pelo curto-circuito, Na neurose, hé uma interpretagao fantasmatica do Coninca N22 + jun 2006 + EBP>MG o neurético prefere que cle seja perigoso em vez de enigmitico. B 0 que se encon- tra entrevisto no pocma de Girondo: as mulheres sao vampiros, mulheres de sexo devorador, mulheres elétricas. Passemos, agora, a um caso clinico que se reporta a posigo do lado macho, do lado do homem. Antes, porém, situemos as duas versbes neurdticas, a da | desejo do Outro que nos protege da anguistia. Com relacio a esse Outro feminino, | ea da neurose obsessiva, como duas estratégias distintas com o mesmo fim: “nao querer saber nada sobre o desejo do Outro”. No caso da neurose obsessiva, a es- tratégia é muito simples. O obsessivo degrada o desejo do Outro em demanda, fa- zendo-se demandar e convertendo-se em um soldadinho sob as ordens do amo. Se tomarmos como exemplo 0 conto de “Aladim ¢ a kimpada maravilhosa”, 0 ob- sessivo € 0 génio. Hi obsessivos que acreditam que sio génios. No conto, Aladim vagueia pelo deserto, encontra a limpada maravilhosa € a esfrega. A questio filica esté em jogo, pois da limpada sai esse génio, bem ere- toe enorme, que diz a Aladim: “Amo, seus desejos sio ordens”. Essa é a formu- la da obsessio. O obsessivo niio quer saber nada sobre o descjo do Outro, sobr um Outro desejante. Ele se faz. demandar, se faz ordenar. E Aladim comesa a pe- dir; “Me traz um milhio de délares, um milh3o de mulheres, um milhdo de ami- gos...”. O génio comega a trabalhar para atender aos desejos do Outro. E ac o~ 4B A mas nao é angustiante. O angustiante € no saber o que quer Aladim. Nesse conto, distingue-se muito bem o desejo do Outro da demanda do Ou- tro. O obsessivo transforma 0 Outro barrado em Outro completo. Por isso, Lacan diz, no Seminario X, que, no obsessivo, o estigio anal, em que a demanda do Ou- tro tem papel particular, € prevalecente. Trata-se de que o menino entregue 0 seu presentinho ao Outro. Essa é a via pela qual 0 obsessivo se defende do desejo do Outro, a via da degradagdo desse desejo em demanda. Na histeria, a estratégia é muito mais sutil. A histérica quer castrar 0 Outro. Mas, entio, como podemos afirmar que essa estratégia tem o mesmo objetivo da neurose obsessiva, de que se trata também de nao querer saber nada sobre esse Outro barrado? A finalidade é a mesma, mas a estratégia é mais sutil porque, se é ela quem tem de castrar 0 Outro, é porque ela 0 supde completo. Como o obsessi Vo, ela também cré em um Outro completo, cré em um Outro sem barra. Seu ob: jetivo € 0 mesmo do obsessivo, com uma estratégia diferente. Ela se sustenta come uma desejante insatisfeita. O Outro tem o que falta a ela ¢ nao Ihe quer dar. Esses so os modos histéricos ¢ obsessivos do desejo, que Lacan destaca como desejo in- satisfeito ¢ desejo impossivel. Siio desejos sustentados por uma posicdo fantasm tica que, ao supor tima interpretacio do desejo do Outro, resolve a angiistia. Para Lacan, a angtistia surge quando o fantasma vacila, quando se quebra a resposta €s- tereotipada do neurdtico, ¢ sujeito se encontra inerte diante desse desejo enig- Os nistiNos ba ancustia mitico. Mas, se, de um lado, o neurético se defende do desejo do Outro com seu fantasma, de outro, dé consisténcia ao Outro. E dar consisténcia ao Outro, muitas vezes, converte-se em pesadelo. Entio, fechemos no ponto onde quero chegar: para Lacan, 0 sonho de angiis- tia © 0 pesadelo nio sto a mesma coisa. H& uma diferenga entre o sonho de an- gtistia ¢ 0 pesadelo. Como Lacan define no Semindria X, no pesadelo nio hé 0 encontro com o desejo do Outro, o afeto que esti em jogo niio € a angtistia. N: aula de 12 de dezembro de 1962, ele diz que: “o que se experimenta ai é 0 gozc do Outro” (Lacan, 1962-1963, p.73). A angistia surge diante do desejo do Ou tro, enquanto, no pesadelo, ndo hé enigma com respeito ao desejo do Outro} mas uma grande certeza a respeito de seu gozo. Vocés podem ver a oposigao en; tre 0 enigmatico do desejo do Outro, que se entrevé quando vacila o fantasma, a consisténcia que se dé ao goz0 do Outro pela via do fantasma. Aqui, nao h: vacilagao do fantasma. Uma coisa ¢ a vacilagio do fantasma, ¢ outra € a sua reali zagio no pesadelo. No capitulo V do Semindrio X, Lacan faz referéncias ao incubo ¢ ao sticubo, esses seres miticos que fizem com que aqueles que dormem se sintam esmagados sob 0 gozo do Outro: “[...] 0 incubo ou o sticubo, esse ser que nos comprime o peito com todo o seu peso opaco de gozo alheio, que nos esmaga sob seu g0z0” can, 1962-1963, p.73) Até aqui, constatamos que a interpretagio é uma defesa contra a angisstia. Exis- tem, porém, interpretagdes e interpretagdes. A questo € que, se damos consistén- cia ao fantasma como interpretacio do desejo do Outro, 0 que surge no horizon- te € a possibilidade do gozo do Outro, ou seja, trata-se de uma interpretacio que traz pesadelos. Destaco algumas passagens para falar do gozo do Outro em Lacan. Nesse mo- mento de seu ensino, 0 gozo do Outro nao esté barrado, tratando-se de um Ou tro consistente de goz0. Posteriormente, em “A terecira” (Lacan, 1974), quando cle fala cm Roma, pela terceira vez, ele diz que 0 gozo do Outro nio existe. Po- demos partir dessa idéia de que nao hé gozo do Outro. O fato de nao haver gozo! do Outro, todavia, nao impede que o facamos existir. A interpretagao fantasmatica faz existir 0 gozo do Outro, ao dar consisténcia a esse gozo. Lacan diz que nao hi g0z0 do Outro porque dois corpos nio podem fazer um — uma outra versio do enunciado “nao hi relagao sexual”. De dois nao se pode fazer um, por mais aper- tado que seja 0 abraco. E, onde nao existe 0 g0z0 do Outro, hé versoes neuréticas, psicéticas e perversas desse gozo. Segundo a definicao de Lacan, a perversio supoe © consentimento do sujeito a fazer-se instrumento do gozo do Outro, enquanto a parandia, uma forma de psicose, ¢ 0 que identifica 0 g0z0 no lugar do Outro. Fi- nalmente, na neurose, dé-se, fantasmaticamente, consisténcia a0 g070 do Outro, Cuninca N. 22. jun 2006 + EBP-MG como escrevi em meu artigo Versies neurdticas do gozo do Outro, publicado no tl- timo nfimero do Curinga. (n.21, 2005, p.103) Na transferéncia, além do sujeito suposto saber, hé um Outro suposto gozar. To- memos © caso do “homem dos ratos”. Em uma das primeiras entrevistas, quando esti contando o episddio da tortura dos ratos, o sujeito se levanta do divi e diz. a Freud: “Desculpe-me por nao contar os detalhes sobre essa questio”. Freud Ihe res ponde: “Eu nao quero torturi-lo, mas se o senhor no me contar os detalles, no poderei ajudé-lo a esclarecer isso” (Freud, 1909, p.1 70-171). Estava sendo transfe- rida para Freud a posi¢ao do “capitio cruel”, ¢ Freud faz 0 jogo. Ele assume o papel que lhe pede essa transferéncia, evocando a figura do torturador. No final da sessio, 0 “homem dos ratos” o chama de Her Capitan (Freud, 1909, p.173). Mais adiante, em outra entrevista, quando ele se regozijava ao insultar Freud e sua familia, ele 0 faz de pé, parado, afastado do diva. Ele se dizia um sujeito ho nesto ¢, por isso, ao insultar Freud, ele sé poderia fazé-lo de pé. Freud lhe diz: “Nao, nao, voce sc levanta porque tem medo que eu bata em voce”. A transferén cia é a verificagio da construgio de uma cena precoce na qual o menino é surrado pelo pai por ter feito algo que havia despertado sua ira. Como, nesse momento, © menino nao conheeia insultos — o que ele jf conhece, quando insulta Freud — ele responde a essa agressiio do pai dizendo: “limpada, prato, toalha”. O pai para de bater e diz: “Esse menino sera um grande homem ou um grande criminoso!” (Frend, 1909, p.208). Esse fantasma, transferido nas relagdes com © analista, di consisténcia a0 Outro do goz0. Nao se trata de angristia, trata-se de pinico ¢ hor- ror. No pinico, no horror, estamos do lado da consisténcia que se di ao goz0 do Outro e nao do lado do enigma do desejo do Outro. O encontro com 0 famoso capitio cruel, encarnado por Freud, desencadeia ut surto de loucura que este nao hesita em qualificar delirio. O que interessa dest: car, nesse exemplo clinico, € que as neuroses se desencadciam ¢ chegam ao anali ta no apenas pela via da vacilagdo do fantasma e pela angistia. Muitas neuroses s apresentam na consulta como um pesadelo e dizem mais respeito a realizagio di fantasma do que 4 produgio de um encontro com o real. Voltemos ao poema de Girondo. Com a ajuda das férmulas de sexuacao, Lacan mostra que, onde nao ha A mu- Ther, 0 companheiro do homem é 0 objeto do seu fantasma. Eago uma interpre- tagio baseada nas formulas de sexuacdo. Em Ingar de se encontrar com 0 Outro, com 0 radicalmente Outro, que seria uma mulher, em vez de se encontrar com 0 Outro que é 0 feminino, o homem interpreta fantasmaticamente o feminino. No texto, Tabu da virgindade, Freud propde considerar a relag3o dos homens com as mulheres sob uma perspectiva antropolégica, observando a relagio dos homens primitivos com as mulheres. Na pagina 183 desse texto, ele dit (Os estinos pa aNcusTIA ) pe Nio é, apenas, o primeiro coito com uma mulher que constitui tabu ¢ sim a relagao sexual de um modo geral; quase se pode dizer que a mulher inteira é tabu. A mulher ndo é unica- mente tabu em situag&es especiais decorrentes de sua vida sexual, tais como a menstruagio, a gravidez, 0 parto ¢ 0 pucrpério; alm dessas situages, as relagdes sexuais com as mulheres estdo sujeitas a restrigdes tio solenes € numerosas que temos muitas razdes para duvidar da suposta liberdade sexual dos selvagens (Ereud, 1918, p.183). O homem civilizado acredita que os selvagens tém uma liberdade sexual desen- freada. Essa “liberdade”, porém, esté cercada de tabus e limitagdes. O vario sel- vagem, quando empreende uma viagem, uma expedisio de caga ou uma incursio guerreira, deve manter-se afastado das mulheres ¢, sobretudo, do comércio sexu al com elas, pois, do contrario, sua forca ficaria paralisada e ele atrairia o fracasso. Qualquer técnico de futebol sabe disso. Ele adverte seus jogadores de que, as vés- peras de um jogo importante, devem manter-se afastados das mulheres. O homem perde a forga ao se aproximar de uma mulher. E, nesse mesmo texto, Freud di “Toda vez que 0 homem primitivo tem de estabelecer um tabu, ele teme algum perigo e nao se pode contestar que um receio generalizado das mulheres se expres- sa em todas essas regras de evitagio” (Freud, 1917, p.184) Isso se findamenta em fungio de a mulher ser radicalmente diferente do ho- mem. Ela sempre Ihe parecer eternamente incomprcensivel ¢ misteriosa. Ao ser, para o homem, um Outro radicalmente Outro, cla fatalmente Ihe pareceré hos- til, perigosa, eletrizante, de sexo devorador, tornando-se o fantasma do homem. Na perspectiva masculina, para nao se angustiar com a abordagem do Outro, a an- gtistia é convertida na interpretagdo: “Ela quer me castrar”. Foi o que Freud cha- mou de angiistia de castragio. O fantasma do homem, essa interpretagao “cla quer me castrar”, j4 € uma resposta antecipada que o trangiiiliza, pois ele sabe 0 que cla quer ¢ pode manter-se 3 distincia, Ele tem medo, panico, mas nao angistia. Poderfamos dizer que © que hé de mais angustiante no desejo do Outro é a di- fo estrangeira do gozo feminino. O homem se defende disso confundindo gozo Outro com 0 gozo do Outro. O gozo feminino nao é 0 gozo do Ou- tro, Esse g0z0 misterioso, alheio, incompreensivel, € interpretado pelo fantesma do homem como gozo perigoso, como gozo castrador. Aqui, fago referéncia & cas- tracdo fantasmitica. Um caso clinico: hé muitos anos, veio para uma consulta um jovem que vou chamar de Guillermo. Na época da consulta, tinha 25 anos de idade ¢ uma infini- dade de sintomas desencadeados no corpo. Ele tinha vertigens ¢ uma fobia gene- ralizada, sem causa aparente. Nao era uma fobia a um objeto especifico, um ani- mal ou algo assim. De repente, ele sentia um medo intenso ¢ difuso, comegava a suar, nas maos, € 0 coragao disparava, Ele s¢ sentia permanentemente angustiado. ‘men e ‘Cuninca x. 22 + un 2006 » EBP-MG Na verdade, ele no me havia procurado por esse motivo. Ele me procurou porque tinha problemas com as mulheres. Em certo sentido, dirfamos que 6 que nao era exatamente um problema se tornou um problema para ele. Ele era virgem, nunca havia tido uma relacio sexual, e jf estava com 25 anos. Mas isso no era um pro- blema para ele. © problema era a relagio dele com as mulheres. Ser virgem nao era necessariamente um problema, ele até se orgulhava disso porque foi criado acredi tando na virgindade como um valor perene. A educagio que cle recebeu dizia que cle deveria ofertar esse presente a mulher que seria a companheira de sua vida. E 0 analista nao deve interferir nisso, fazer qualquer objecdo, no sentido de um juizo de valor. © problema ¢ que ele nao encontrava uma mulher para se casar com ele. Ele hayia escolhido perder a virgindade com a sua esposa, mas nao podia conseguir uma esposa porque tinha problemas no relacionamento com as mulheres. E ele di- zia: “Eu nao posso firmar compromisso com nenhuma mulher porque sempre ter- mino brigando com elas. Uma coisa interessante € que o problema comega sempre quando cu as convido para ir ao cinema”. Ele é uma pessoa inteligente, perspicaz, € percebe a importincia desse detalhe — e a eliniea psicanalitiea € uma clinica dos detalhes. Na associacio livre, pereebe-se um interesse especial pela cinematografia. F ele se interroga: “Se me agrada tanto a cinematografia, porque os problemas co- megam com a cinematografia?” A pontuagiio desse termo, pelo analista, 0 faz associar: “Sim, cinematografia, nemato, sin-hemato”, Ble é um estudante de medicina e associa esse “sin-hema- to”, sem sangue, 4 hematologia. A psicanilise permite a cle ir mais além de suas razOes para manter a virgindade, tornando-o consciente da existéncia de um fan- tasma. E isso nos remete a algo bem préximo do poema de Girondo. Ele chega & seguinte conclusio: “Se eu mantiver relagdes sexuais com uma mulher, ser4 extrai- do todo o sangue do meu corpo”. Eu, entio, o aconselho: “Muito bem, se as coi- sas sfo assim, é melhor que se mantenha afastado delas” A virgindade se torna um sintoma, pois j4 quer dizer algo para ele. Ela se trans- forma em um sintoma da andlise ¢ ele pode crer no seu sintoma, acreditar que ele tem algo a lhe dizer. © que o sintoma lhe apresenta é a sua propria interpretagio do que é uma mulher: “Uma mulher é um vampiro ¢, se me aproximo dela, sera extrafdo 0 sangue do meu corpo”. B uma versio da angiistia de castragio freudia- na. Ea maneira que ele encontrou para dizer que vai perder algo ao se aproximar das mulheres. Ele quer fazer delas algo perigoso, quer que elas Ihe provoquem um, sentimento de horror e isso depende da interpretagio de seu fantasma. De acordo com o grafo de Lacan, podemos dizer que & pergunta “Como elas me querem)”, ele responde: “Elas me querem sem sangue”. E o sintoma, consti- tuido na andlise a partir de sua virgindade, é “o medo de arranjar uma namorada”. Ele se curaria dese sintoma casando-se com uma moga que nao extrairia o sangue Os pestis Da ancustzn de seu corpo. Esse sintoma, portanto, mostra como a interpretacdo tem a ver cot o desejo do Outro. E a interpretagdo que da consisténcia ao gozo do Outro. Nes: se caso, ¢ 0 fantasma da castracao: “Ela goza com a minha castragio”, Na perspectiva da sexuagio, a vertente masculina aponta a relago da castragio ndo com a angiistia, mas com a consisténcia do Outro do gozo, sustentada pelo fantasma. Eu situaria a angdistia de castracio do lado-homem das formulas de sexuagio € locali- zaria a angiistia legitima do lado direito das formulas, do lado da falta radical do Ou- tro, pois, segundo o que Lacan diz, em Proposicito de outubro de 67, hi transtorno em um certo ponto extremo da andlise, mas s6 ha angustia legitima ao se penetrar no que chamarfamos de “o mais além da psicandlise” (Lacan, 1967, p.259). Em 1967, Lacan estava pensando o final de andlise pela vertente da travessia do fantasma, quando se acede a esse campo que ele chama de “angistia legitima”, a0 qual um homem s6 tem acesso se consente em deflacionar ou fazer cair a resposta fantasmatica que ele di ao Outro feminino, confundindo 0 gozo propriamente fe- minino com 0 gozo do Outro suposto por seu fantasma, Nao quero propor a vo- cés que o homem deva passar para o lado-mulher das formulas da sexual, que cle deva passar, no final da anilisc, por um processo de feminizacio. O homem nio deve se feminizar de modo algum, embora se ouga, muitas vezes, de alguns analis- tas lacanianos, essa idéia de que “o homem tem que passar para o lado-mulher”. Eu encontro, nas formulas da sexuagao de Lacan, trés parcerias possiveis para 0 homem: 0 falo, 0 objeto we o S (A), ou seja, 0 goz0 do idiota ou gozo masturba- tério, 0 gozo sustentado pelo fantasma a angistia. O gozo do idiota se localiza plenamente do lado homem. O gozo do fantasma, 0 gozo do a, ultrapassa a linha vertical da diviséria entre os sexos. E algo mais que 0 gozo do idiota, é fantasiar que se esté com Brigitte Bardot ou com alguma modelo brasileira da atualidade, quando se est4 com a “patroa”. Ha uma diferenga entre estar simplesmente sé em um quarto, masturbando-se, ¢ a abordagem fantasmitica. No primeiro caso, € 0 g020 fillico que predomina. No caso do companheiro objeto a, a dificuldade sera constatar que € no horizonte que se da consisténcia ao g0z0 do Outro. Para o ho- mem, nao hé perspectiva fantasmética que n um Outro que goza mais além do fantasma. Lacan fala de angistia legitima quando hi um encontro com uma mulher, com © Outro feminino, com essa Alteridade, nese ponto mais além do fantasma que, nessa época, ele define como o “mais além da psicanilise”. Nesse ponto, existe a possibilidade de verificar que nao hi gozo do Outro ¢, nessc lugar, talvez, 0 ho- mem pode se encontrar, pela via de uma castragao real, com um Outro que seja uma mulher para um homem, nao sem angistia. Luiz: Henrique Vidigal — Parece um destino horrivel, no? Ou 0 gozo do idio- (0 coloque em jogo esse horizonte de ta, ou 0 fantasma, que constitui o gozo do Outro que me ameaga, ou a angiistia, (Cuninica n.22 + yun 2006 + EBP-MG Mas sobre a tiltima solugdo, na qual voce introduz a castragio real ¢ chega a falar de um encontro, vocé vé alguma coisa préxima da relagao sexual ou haveria ou- tras formas de lidar com isso — nao necessariamente a fantasmatica ou a mastur- batéria — que nao fossem realmente um encontro? Talvez 0 amor, talvez a lin~ guagem, outras construgées. Vocé chega a falar de um encontro angustiante, mas de um encontro, Fabidin Schejtman—Trata-se de um encontro de corpos, segundo destaca Lacan no Semindrio XX, em que ele diz: “{...] para o homem, a menos que haja castra- ¢q0, quer dizer, alguma coisa que diga no 4 fungio filica, ndo h4 nenhuma chan- ce de que ele goze do corpo da mulher, ou, dito de outro modo, de que ele faga © amor” (Lacan, 1972-1973, p.97). Essa castragio nao € a castragéo fantasmatica, parece-me. E a castragZo que esta em jogo a cada vez em que algo sério surge — como diz Lacan, em “O saber do psicanalista” — como o amor entre um homem ¢ uma mulher. Hé uma castragio que no é a do fantasma, No Semindrio XX, Lacan di ca que o ato de amor é a perversio polimorfa do macho. A perversto polimorfa do macho éa sua resposta antecipada, € o fantasma. Ble aborda a mulher como a causa de seu desejo, F isso nao é fazer amor, isso, na verdade, ¢ uma estratégia que 0 dei- xa longe do corpo dela, Ele teme que cla o castre, A castrag2o real est mais além tingue o “ato de amor” de “fazer 0 amor”. Desta- desse fantasma, ¢ Lacan a propde como um encontro de corpos, no sentido de sus- tentar 0 Outro desse corpo feminino. Pode-se ver que essas duas verses, em que © parceiro do sujeito masculino € 0 objeto a ou esse Outro barrado, o analista as en- cana em uma cura. Era o que estava falando, ontem, com os membros da Esco- Ja Brasileira de Psicandlise. Cabe ao analista sustentar a transferéncia fantasmitica, Deve-se sustentar 0 que se supde scr 0 gozo do Outro, o que chamamos de Outro suposto gozar. Porém, quando se chega 8 travessia do fantasma, a anilise nao ter- mina. © analista assume um outro lugar. Ele deve desempenhar um outro papel, que nao € 0 de objeto do fantasma do analisante, porque ele foi atravessado. ‘Antinio Teixeira — Vocé sugeriu que a interpretago que o homem faz. do femi- nino como Outro é uma tentativa de se localizar no campo fantasmitico, no qual cle pode produzir seja uma evitagio, seja um sentido sintomético. Ocorreu-me le- vantar a questo da interpretacdo que o feminino faz de si proprio na sua relacio com o homem ou na percepsio que o homem tem dele. A idéia que me ocorre, € que Lacan propde no Seminario XX, € que a mulher quer fazer do homem o “homo-sexual”, no sentido de que ela quer que ele a queira, nio como “heteros”, mas como 0 mesmo, como “homo”. A gente conhece essa idéia, que € bastante clara, ¢ usamos a palavra “ensimesmado”, aquele que esté em si mesmo, o marido ensimesmado, aquele homem tornado “homo-sexual”. Nesse sentido, a gente tem Os pistinos Da ANGUSTIA oy duas versdes do feminino, a versio do feminino enigmitico, 0 feminino que Bau- delaire clogia, ¢ a versio do feminino como a burguesa, que, na lingua portugue- sa, chamamos de “patroa”, ou seja, a mulher que ndo quer mais sc situar no pon- to enigmitico do faseinio e da difamagio, mas que quer se estabilizar na forma do mesmo no desejo do homem. Enfim, acho que é uma questo que diz respeito a0 Outro, ao lado feminino dessa interpretacio. Fabiin Schejtman — No Seminério XXIL, Lacan propéc o que se chama de pire- version, que é fazer da mulher a causa de desejo. O pai s6 tem direito ao respeito ¢ a0 amor se fizer da mulher a causa de seu desejo, um desejo pire-versamente orien- tado. Mas uma coisa é fazer da mulher um objeto a, causa do seu desejo, ¢ outra € ter a mulher como um sintoma. Eu prefiro situs-la nessa posigao. Pode-se fazer de uma mulher um sintoma sustentado fantasmaticamente, mas a versio mais radical dessa parceria-sintoma é a relagdio que o homem tem com esse lugar da alteridade. Os sintomas podem ser localizados. Hi sintomas ¢ sintomas. Hé homens que fa- zem de suas mulheres um sintoma neurdtico, sustentado fantasmaticamente, tra- tando-se de um sintoma que remete a relacio sexual que nfo hé. Hé uma outra versio possivel do sintoma que nao se sustenta fantasmaticamente, em que o fan- tasma é atravessado. Parece-me que isso permite uma outra relago com o femini- no. Esse € 0 primeiro ponto. O outro ponto seria: qual ¢ a relag3o da mulher com o feminino? Eric Laurent faz um contraponto muito interessante em Posicdes femininas do ser. Ele toma a se- guinte frase, do Semindrio XX, em que Lacan se refere & histérica como “hommas- sextial”®, A histérica nao esti situada do lado-mulher das formulas da sexuagao. Ela estd situada fantasmaticamente do lado-homem, abordando a Qutra com seu fan- tasma. fo que faz Dora, com sua tosse, que Freud interpreta como um fantasma de sexo oral. Essa posigdo produz uma degradagao do feminino. O homem degra- da o Outro, que é 0 feminino, no lugar do objeto do fantasma. Dora faz o mesmo com a Sra. K, reduzindo-a a um objeto a ser chupado, levando-se em conta a in- terpretagao lacaniana da tosse. Lacan corrige a interpretacao de Freud, que pen- sava em um fellatio. Nao se trata disso, mas de que 0 pai de Dora chupe a mulher. A Sra K. é reduzida a um objeto a ser chupado. Dora ¢ histérica, bommossexual, € Lacan escreve esse homossexual com dois “emes”. A histérica € “hommossexual”, E Lacan, retomando uma posigdo que é tradi- cional, desde 0 Semindrio II, separa a histeria da feminilidade, ¢ diz: “Uma coisa é perguntar o que é uma mulher € outra coisa € sé-lo” (Lacan, 1955-1956, p. 204). * A referéncia ests na pigina 114 do citado semingio: “Isto s6 pode, com eftico, conduzi-lasa ese terme ilhime—e nko € por nada que chamo isto do modo que chamo —~ vezepia cama se diz em grego, a histeia, oa seja, bancar o homem, como eu disse, por serem bomneststas om ent ex-seo® Conca n. 22 + yun 2006 » EBP-MG A histérica se faz, homem, ela tem identificagdes viris. Na histeria, o feminino é re- chagado, Aborda-se uma mulher & maneira do homem, isto é, a mulher € degra- dada na posigao de objeto do fantasma. A neurose, segundo Lacan, € nor-matizar, norma-matio, “norme-male”. Sobre essa hommossexsialidade histérica, Lacan diz, em uma passagem do Semi- ndvio XX: “sendo-lhes dai dificil nao sentirem o impasse que consiste no fato de clas se mesmarem no Outro, pois enfim mio hi necessidade de se saber Outro para sé-lo” (Lacan, 1972-1973, p-114)+ A histérica esté do lado-homem, mas como é mulher ¢ histérica, sente-se con- vocada a assumir 0 papel do Outro para o seu parceiro, H4 um impasse na posigio histérica que consiste em que ela tenha de se fazer de homem e, ao mesmo tem- po sentir-se convocada a encarnar a alteridade para seu parceiro. Trata-se de “ensi- mesmar-se” para 0 Outro. Segundo Eric Laurent, em seu texto Posigées femininas do ser, “nao se trata apenas do mesmo, mas de tornar-se Outra para si mesmo”. Ea mulher que toma a forma do homem para se encontrar com © Outro para si mes- mo (Laurent, 1999, p.88). Essa é a definigao do feminino que Lacan busca em Diretrizes para um con- gress sobre a sexuatidade feminina (Lacan, 1960, p. 734-745). Do lado-femi- nino, mais além da histérica, a mulher pode tentar fazer rodeios, contornar ¢ interpretar 0 falo como significante do corpo de seu parceiro. Porém essa posi- do descrita por Lacan nesse texto no me parece ser a mesma posigao da his- térica, sobretudo porque a histérica nao usa essa abordagem de fazer rodeios, contornar ou interpretar o significante “homem” para fazer-se Qutra para si mesma. Ela segue a via da identificagio viril, identificando-se com 0 homem ¢ dando uma resposta fantasmatica, homsmossexual, ao feminino. £ sobre essa perspectiva, parece-me, que Lacan aborda o feminino em Diretrizes para um congresso sobre a sexuatidade feminina’, como uma questao sobre 0 posiciona- mento da mulher com relagdo a seu sexo. E nao creio que isso se apresente a cla sem angistia Séxgio Lain ~ Eu gostaria s6 de fazer um pequeno comentitio s quema que vocé acabou de propor, ao falar dessa terceira maneira de um homem obre esse es- abordar uma mulher, de que haveria ali o encontro dos corpos. Ocorreu-me que essa formulagio teria a ver com a castracio real, ou seja, de que um homem pudes- se se confrontar com cla. «A cag fits pelo conferencsta:“E dct que ct a snt ofmpasse que eonsite em que ela se torn “ensimesmads? part. o Outro, porgue endo "ores, nao hi necesidade de ser Outro para xo + A defnigio dada por Jacques Lacan, tal com esté traduzida no portugues, no texto citado, na pigina 741, & “O homem serve aqui de concetor para que a muller se tome esse Outro para cla mesma, como 0 € para ele”. Os DEstiNos DA ANGUSTIA D XQ a sy Parece-me interessante pensar sobre essa formulagao do “nao hé relacao sexual”, se no poderfamos incluir nela o que, na vertente do Semindrio X, Lacan fala so- bre a anguistia do orgasmo ou mesmo da angdistia diante da poténcia e da impotén- cia viril, que sio formas de abordar o encontro dos corpos. Pareceu-me que, para um homem, deparar-se com isso ¢ uma outra formulagio, mais corpérea, de algo que, no Semindério XX, Lacan articula em termos de como passar da necessidade do falo 4 contingéncia do falo. Acho que seria uma outra formulagio dessa passa- gem que, agora, com esse esquema, pareceu-me muito mais clara Fabidin Schejtman - Lacan propoe, no inicio do Semindrio XX, duas formas de amor. Ele propo uma versio do amor que torna necessirio 0 contingente. Ba perspectiva que apresentei hoje ¢ que € a de um encontro amoroso-religioso, na qual o amor se supde escrito no livro de Deus: “Era necessario que nos encontrés- semos, Estava escrito.” Alguns podem chegar ao delirio de dizer que, em outras vidas, estiveram juntos ¢ estardo juntos por toda a eternidadc. O encontro é con- tingente ¢ esse amor-religioso 0 torna necessitio. Mas Lacan fala também do “(a)muro”, que € uma versio do amor que dé lu- gar A castraco real que sustenta a contingéncia. No primeiro capitulo desse semi- nario, ele diz: “O goz0 do Outro [...] do corpo do Outro que o simboliza, nio € signo de amor” (Lacan, 1972-1973, p.12). Trata-se de uma questiio que sera de- senvolvida ao longo de todo o seminério. © goz0 do corpo do Outro permanece sendo uma pergunta, uma pergunta angustiante, pois a resposta que poderia ad- vir daf nao é necessiria, é contingente, e nfo é tampouco uma resposta suficiente, © amor pede amor, mas pede “mais, ainda”. “Mais, ainda” é o titulo do semind- rio © nome préprio dessa faixa que constitui 0 Outro, de onde parte a demanda de amor no niyel do encontro contingente. A pergunta sobre 0 goz0 do Outro sé se encontra na contingéncia, e o amor torna isso necessério, Ainda no Semindrio XX, Lacan se pergunta: “Entdo, de onde parte o que é ca- paz, de mancira ndo necesséria, e nao suficiente, de responder pelo goz0 do corpo do Outro? No é do amor. E daquilo que, no ano passado [...] me deixei chegar a chamar de amuro” (Lacan, 1972-1973, p.13). Essa dimensao de amor, que sustenta a contingéncia, parece se referir ao A bar- rado. Penso que isso nao se dé sem angistia, ¢ que o tratamento dessa angiistia vai na mesma direcao da questo de tornar o falo necessirio on contingente. Bernardino Horne Uma questio complicada parece ser essa tiltima possibili- dade de se relacionar com © Outro barrado que nio existe, ndo 6 A travessia do fantasma mostra, em iiltima instincia, que o sujeito sabe que ele gostou de gozar na posigio onde podia situar a mulher como sintoma dele, ¢ que ela gozaria onde cle gostaria de gozar. Entio, essa € uma das solugdes possiveis, proposta por Lacan em um determinado momento. Nesse sentido, o final estaria articulado com “al- (Cununca n. 22 + jus 2006 + EBP-MG cangar a posigao feminina”, aleangé-la como saber, saber sobre a posigao feminina, © que tem a ver com a crianga ¢ com 0 gozo do masoquismo primirio. A terceira possibilidade seria que, a partir dat, pudesse existir 0 Outro do corpo como corpo ¢ nao apenas o proprio gozo. Nesse sentido, eu poderia entendé-lo, mas nio como © Outro barrado, porque, no fundo, 0 significante do Outro barrado é o nome do A, 0 significante, se € que se pode aleang4-lo, porque, na verdade, nio se o alcanga. Tenta-sc encontrar um outro significante que dé nome ao nome do goz0 do Ou- tro, que é 0 significante do Outro barrado. Entio, temos de ver se é possivel co- locar 0 corpo da mulher, apés a travessia do fantasma, como 0 Outro barrado. Sei que sao questdes complexas, mas questiono essa parte. Fabidin Schejtman — Bu, de fato, acredito que o corpo feminino encarna o radi- calmente Outro para o homem ¢ coloco essa radicalidade do Outro no mesmo ni- vel desse Outro barrado: §(A). Temos de ver como operam af os significantes. Te- mos de discutir isso. Parece-me que o significante do A barrado propée a questio de que “nao hé relacio sexual” ¢, no nivel dessa castragao real, do encontro dos corpos, estd em jogo esse “nio hé relacio sexual”. E um encontro intersintomati co que nao encobre 0 fato de nao haver relagio sexual. Parece-me que, se ha um matema para “nao hé relagio sexual”, é esse significante do Outro barrado, embo- ra compreenda também a dificuldade que ha nessa proposta. TRADUCAO Maria Rita Guima REVISAO Sandra Maria Espinha Oliveira Os pesTinos bx anausTia ) Referéncias bibliograficas EREUD, Sigmund. Interpretaziio de sonbes (1900). Rio de Jancivo: Imago, 1989. (Bdigao Standard Brasileira das Obras Psicoldgicas Complecas de Sigmund Freud, 5), [Notas subre nmi caso de newrose absessina (1909). Rio de Janeiro: Imago, 1989. (Edigio Standard Brasileira das Obras Psicoldgicas Completas de Sigmund Freud, 10). 0 inconsciente (1918), Rio de Tanciro: Imago, 1989. (Eaigho Standard Brasileira das Obras Psicoligicas Completas de Sigmund Freud, 14) __. O tabu da virgindade (1917). Rio de Fan Paicolégicas Completas de Sigmund Freud, 11). Imago, 1989, (Edisto Standard Brasileira das Obras LACAN, Jacques. 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