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anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com A Fé em Crise Publicado em 13 de junho de 2013, Entrevista com o Cardeal Ratzinger em 1985 © Prefeito da Congregagao para a Doutrina da Fé pés a disposigao do nosso enviado [Revista Communio] alguns dias das suas férias que transcomeu em Bressanone, Trata-se da mais longa e completa entre as raras entrevistas concedidas pelo responsdvel de um organismo vaticano, cuja discrigao & legendaria. Respondendo com franqueza as pergunlas, o Cardeal Ratzinger tragou um “mapa’, inédito @ autorizado, da situago da Igreja. Antecipamos aqui alguns dos contetidos mais significativos, s textos completes do coléquio serdo publicados num volume das Edizioni Paoline, com o titulo de 6" (Rapporto sulla fede). ‘elatério sobre a Um servigo a Igreja muitas vezes incompreendido e difamado “Defender a Ortodoxia € defender os pobres’ (© que a *Congregagao para a Doutrina da Fé" oferece aos catélicos, 6 um servigo essencial, Se a fé 6 0 bem mais alto (e assim 6, verdadeiramente, numa perspectiva religiosa), quem vela para que ela nao se corrompa, deveria ser considerado pelos figis ainda mais benemérito do que quem cuida da satide do corpo. Nao somos por acaso admoestados a “no temer aqueles que matam o compo", mas antes aqueles que “junto a0 corpo, podem matar a alma” (Me 10,28), Em realidade, o ocultamento da esperanga na histéria, com a consequente diminuigéo de uma tensdo primaria para com a vida etema, fez com que a muitos catélicos aparega irrelevant (quando néo anacrénico ou até daninho) o dever da Congregagao da qual Ratzinger & o Prefeito, Com relagao a isto, circulam faceis chavées: conforme um destes, 0 que conta hoje seria “comportar-se bem’, “amar o préximo" (a ortopréxis), ao passo que Seria secundéria a preocupagao de “crer bem’, isto é, 0 crer, segundo a Escritura lida no intemo da Tradigao da Igreja (a ortodoxia). Chavao facil, porque Superficial principaimente hoje os contetidos do “amor pelo préximo" no mudam, talvez, conforme os modos de entender 4. O presente arligo € a tradugdo de um original italiano publicado com o titulo "Perché la fede é in crisi" na revista “JESUS”, das Edigdes Paulinas da Itdlia, ano VI, n@ 11, novembro 1984, pp. 67-81. O entrevistador, no caso, é 0 escritor Vittorio Messori. (Nota da redagao), ‘A {6? Para dar um exemplo do tema quente da América Latina, ndo depende talvez de um aprofundamento da “ortodoxia’, descobrir qual seja a “ortopréxis”, 0 modo justo de ajudar eficazmente os pobres? Como escolher entre propostas de ago muitas vezes contrastantes, todas convictas de descender legitimamente do Evangelho, se néo confrontando-se com a teologia e, portanto, com os modos de entender a & de modo correto? Como me disse 0 proprio Cardeal Ratzinger. “Num mundo onde 0 ceticismo contagiou também os crentes, 6 considerada um escandalo a convicgao da Igreja de que existe uma verdade de 16 © de que esta verdade seja definivel exprimivel de modo preciso. E um esc€ndalo compartlhado mesmo por aqueles cristdos que perderam de vista a estrutura da Igreja, que no é uma organizagao somente humana e que, portanto, deve defender um depésito que no & seu. Nao seria mais a ‘Catholica’, se aquele depésito nao fosse comum, aceita por todos. Certo: unidade na fé nao significa uniformidade dos instrumentos técnicos e dos tipos de reflexdo; mas, no fim, tudo deve referirse a uma verdade que é redentora e tinica’. Aparece logo aqui um raciocinio sobre a Igreja e sobre os modos de entendé1a, que & central na reflexdo de Ratzinger, alias com razo, porque as més interpretagdes eclesiolégicas esto na raiz de muitos dos desvios atuais Falaremos disso mais adiante. Aqui urge observar como certas suspeitas e preconceitos contra tudo 0 que vem daquele que muitas vezes é definido como “o ex-Santo Oficio’, remontam as lendas criadas ao redor desta institui¢do, pela polémica anticrista dos séculos 18 @ 19. Em realidade(isto nos & confirmado por um estudioso leigo, aliés agnéstico, dos movimentos heréticos, Luigi ipo, ‘Jesus’, abril de 1984) 0 Santo Oficio foi muito mais justo, moderado e cauto do que imagina uma certa fama hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 sta anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com sinistra. Nem a “Inquisigéo Romana’ deve ser confundida, como frequentemente acontece, com a Inquisigo Espanhola, que foi um tribunal estatal, régio, e agiu multas vezes em contraste com Roma, de onde os Papas ndo deixaram de protestar e admoestar. Em todo caso, é certo que a alual Congregago para a Doutrina da Fé, assim como a quis Paulo VI, atendendo a um desejo do Concilio, tem poucos temas para oferecer aos apaixonados por lendas tenebrosas. O Préprio “Grande Inquisidor’ (como nao deixaram de defini-lo certos jomais) aparece como antitese da imagem sinistra e brutal que alguns gostariam de impingir-he, Joseph Ratzinger, §7 anos, provém do colorido, vivaz e fie! catolicismo da Baviera, “Oh, néo!", foi a sua resposta espontanea quando the perguntei se, num pais multiconfessional como a Alemanha, nunca fora atraido pelo protestantismo: "Nao, nao! O catolicismo do sul da Alemanha tocava Mozart nas igrejas, sabia deixar lugar para tudo que & humano: para a oracdo, mas também para a festa, para a peniténcia, mas também para a alegria. Como ser atraido, entao, pelo cristianismo luterano ou reformado?". Nos dias em que passamos juntos, este homem que ocupa um dos cargos mais altos da Igreja universal, pareceu-me um homem manso, humilde, talvez até timido, firme nas suas convicgées, mas ao mesmo tempo sensivel a problemas, como 6 proprio de quem é também um grande intelectual Quando Ihe perguntei se Ihe tinha custado passar da condigao de tedlogo (qui¢d controlado por Roma ... ) aquela de fiscal do trabalho teol6gico, nao hesitou em responder: “Nunca teria aceito dedicar-me a este servico eclesial se o meu dever fosse principalmente fiscalizar. Em realidade, assim como foi reestruturada pelo ‘Motu-proprio’ Integrae servandae, de 7 de dezembro de 1965 — ultimo dia do Vaticano |! - a nossa Congregagao conservou, sim, 0 dever de definir e de intervir, mas sempre acompanhado por um papel positive de estimulo, de incentivo, de esclarecimento, de orientagao", O que provocou nervosismo em alguns, ¢ exatamente 0 fato de que o suposto ‘policial da fé", em realidade no somente tem o gabarito de grande tedlogo (ocupou cétedras entre as mais prestigiosas e publicou livros de grande difusdo), mas também de tedlogo aberto, modemo, atento aos sinais dos tempos. Perito do episcopado alemao no Vaticano II, foi um dos fundadores da revista “Concilium’, da qual saiu a assim chamada “ala progressista" da teologia catélica, “Um pecado de juventude, Eminéncia, este empenho por ‘Concillum’?, perguntethe brincando. "Nada disso”, respondeu- me. ‘No sou eu, mas so eles que mudaram. Desde as primeiras reuniées, em 1964, deixei claro para os meus colegas duas exigéncias: a primeira 6 que 0 nosso grupo nao deveria ser sectario, arrogante, como se somente nés féssemos a verdadeira Igreja, um novo magistério que teria no bolso a verdade sobre 0 cristianismo do futuro. A ‘segunda exigéncia era que seria necessério confrontar-se com a letra e com 0 espirito dos documentos do Vaticano Il, naqueles tempos ainda em andamento, sem fugas solitérias para frente, Depois, tals exigéncias nao foram mais tidas ‘em consideraga Exatamente por ocasiéo dos vine anos da revista, foi escrita uma frase significativa: "O Vaticano II pertence ainda & fase eclesidstica, clerical; com tais documentos, no é possivel ir adianle, & necessério superé-los’. Comenta Ratzinger: "E uma observagao importante: mostra que, se tomados na sua integridade, os documentos do Vaticano II estéo completamente dentro da tradicao da Igreja, e ndo sao de modo nenhum aquela reviravolta que alguns imaginam ‘ou gostariam de fazer acreditar, ou para deploréo ou para abusar dele. lids, diante do Vaticano li, tanto a ‘dieita! como a ‘esquerda’, pelo menos nas suas formas mais extremas, caem em contradigo, Quem tem saudades do Conctlio de Trento e do Vaticano | ou quem, pelo contrério, gostaria de considerar jé superado o ensinamento daqueles dois concilios, esquece que eles estao sustentados pela mesma autoridade — 0 Colégio dos Bispos em comunhao com 0 Papa — que sustenta 0 Vaticano II, Nao é possivel escolher, na Tradigao da Igreja, o que nos esta mais a gosto. Eis-nos, portanto, diante da temética do Vaticano Il. O nosso coléquio — ¢ no podia ser de outra maneita — parti naturalmente do fato de que no préximo ano se celebrardo os vinte anos do encerramento do Concilio, Vinte anos que mudaram a Igreja muito mais que dois séculos. Mas, sobre os frutos da arvore do Coneilio, 0 juizo nao é unanime: as dificuldades, as crises que todos bem conhecemos, so febres de crescimento ou so sintomas de uma doenga grave? Raciocinando humanamente, foi realmente uma intuig&o profética ou foi uma deciso inoportuna, a do papa Jodo XXIII de reunir a Igreja naquele momento do século XX? Que dizer dos resultados, visto que — depois de tanto esforgo para ‘tomar a Igreja novamente crivel para 0 homem de hoje” — em realidade nunca como hoje 0 homem parece estar tao longe da Igreja e talvez do Evangelho? As igrejas esvaziaram-se drasticamente, e aqueles que ainda as freqtientam nao ‘so propriamente “novos” - convencidos da “renovada apresentago da fé" -, mas so representantes dos cristdos “velhos", daqueles que jé antes iam & missa. Se pedimos um encontro com o Cardeal que esta num dos pontos de observago mais elevados, foi para procurar entender, hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 ana anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com Cardeal Ratzinger, -ajude-nos, portanto, também o senhor, a responder a estas perguntas: que foi o Vaticano li? Foi uma prova ou um prémio para a Igreja? Comegou, portanto, daqui, a desenvolver-se 0 nosso coléquio, E aqui referimos quanto surgiu de uma conversa que, tendo tratado de quase todos os pontos vitais da fé, exigiré o espaco de um livro para ser mais adequadamente tratada ‘Aqui nos devemos limitar a alguns temas, a provocacées que conservam ainda a espontaneidade da conversa. Eis, portanto, a sintese das palavras do ‘Prefeito da Fé” Uma avaliagao do Vaticano Il “Existe uma s¢ Igreja, no um pré ou pés concilio” *O inicio da década de 1960 era realmente o momento justo para convocar um Coneilio? A histéria — sobretudo a historia da Igreja, que Deus guia através de percursos misteriosos — ndo se faz com os se, Naquele periodo estava por ‘parecer no cenario a segunda geracao do pés-querra, aquela que no tinha visto o desastre do conflito e estava, pelo contrario, vendo 0 *boom" econémico do Ocidente, Existia - mesmo entre os Bispos, como depois se viu — grande ‘timismo, grande confianga no progresso, nas conquistas da técnica, na distensao intemacional. Circulava também, na Igreja, certa expectativa por uma nova reflexdo sobre a fé. A respeito disto, todo o mundo estava de acordo, também 0 meu predecessor, o Cardeal Ottaviani. Naturalmente, era necessério estar de acordo sobre o que se queria fazer. Permanece o fato de que, tendo sido anunciado que haveria o Concilio, a Cla Romana trabalhou com empenho para preparar aqueles esquemas que depois foram deixados de lado e que (conformando-se as intengdes do Papa Jodo XXII) no tocavam certamente um “depositum fide” que se dava por adquirido, ébvio, mas procuravam, no maximo, uma apresentagao pastoralmente mais adequada’, "Certo", continua, “os resultados parecem cruelmente opostos a expectativa de todos, comegando por aquelas de Jodo XXIII e, depois, de Paulo VI: esperava-se uma nova unidade catélica e, pelo contrério, veio uma divergéncia que — usando as palavras do Papa Montini - pareceu passar da autocritica a autodestruigéo. Esperava-se um novo entusiasmo e tantos acabaram por desencorajarse e entediar-se. Esperava-se um salto adiante e, pelo contrario, nos encontramos diante de um processo progressive de decadéncia, que se desenvolveu, em grande parte, exatamente sob 0 signo de um apelo ao Concilio © que, portanto, contribuiu para desacredité-lo diante de muitos. O balango parece, pois, negativo; repito aqui o que jé disse aos dez anos do encerramento dos trabalhos: é incontestavel que este periodo foi decididamente desfavoravel para a Igreja catdlica. Mas ‘este balango amargo 6, verdadsiramente, atribulvel, pelo menos em parte, a forgas pastas em movimento, involuntariamente, pelo Vaticano | Eu crelo que 0 Concilio ndo possa em realidade ser considerado responsdvel por evolugdes ou involugdes que — pelo contrario - contradizem seja ao esplrito, seja a letra dos seus documentos. Ja durante as sessées, e depois, de mado sempre mais vasto, circulou aquilo que nés alemaes chamamos “Konzils-Ungeist’, aquele “anti-espirito do Concilio’, ‘segundo 0 qual tudo aquilo que é “novo” (ou suposto como tal: quantas antiquissimas heresias reapareceram nestes anos como novidade), seria sempre e de qualquer mado melhor do que aquilo que ja existe, Um “anti-espirito” segundo o qual a histéria da lgreja deveria ser recomecada pelo Coneilio Vaticano II “£ necessario opor-se a este esquematisme”, diz ainda, “é necessério deixar de falar de Igreja pré © pés-concilar: existe uma 86 e tnica Igreja que caminha para o Senhor que deve vir, aprofundando sempre mais e entendendo sempre melhor a bagagem de fé que Ele nos confiou. Mas, nesta histéria, néo existiram nem existem rupturas ou solugdes de continuidade. O Concilio de Trento, o Vaticano I, e em geral toda a Tradi¢ao, até a mais antiga, Pio XII e com ele todos os Papas dos séculos 19 e 20: eis as fontes tomadas em consideragao, juntamente com a Escritura, pelos documentos conciliares, que em cada afirmagao sublinham a continuidade com o pasado. E minha impressdo que os estragos na Igreja nestes vinte anos sejam devidos, mais do que ao Concilio “verdadeio’, ao desencadear-se — interior a ele ~ de forgas latentes agressivas, polémicas, centrifugas, talvez até iresponsdveis; e - exterior a ele - a0 impacto da mudanga cultural: a afirmagao, no Ocidente, da classe média-alta, da nova “burguesia do terciario”, com a sua ideologia liberal-radical, de carater individualista, racionalista, edonista’. Novos problemas da miso com os néo-cristaos “Atengdo a énfase excessiva sobre os valores dos outros” A propésito da crise que atingiu com particular dureza os missiondrios, diz © Cardeat: “E doutrina tradicional, antiga, da Igteja, que todo homem & chamado a salvagdo e pode de fato salvar-se (se obedece com sinceridade aos ditames da hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 ana anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com prépria consciéncia) mesmo se nao 6 membro visivel da comunidade catélica, Esta doutrina que — repito — era jd aceita por todos, foi, porém, excessivamente enfatizada a partir dos anos do Concilio, apolando-se em teorias como a do “ctistianismo anénimo’. Chegou-se a dizer que existe sempre a graga quando uma pessoa — que no cré em nenhuma religiéo ou que segue qualquer rel de uma graga que, em todo caso, seria de todos. A énfase foi levada depois também aos valores das religiGes nao crristas, que algum tedlogo apresenta nao como vias ‘extraordinarias’, mas ‘ordinarias’ para a salvagdo. Estas hipdteses tém, obviamente, enfraquecido em muito a tensdo missionéria. "Por que molestar os ndo cristéos induzindo-os ao batismo e fé em Cristo’, comegaram a perguntar-se alguns, “visto que a sua religiéo é o caminho de salvagdo na sua cultura, na sua parte do mundo?.” jo — aceita a si mesma como homem; o cristdo tetia a mais somente a consciéncia “Esqueceu-se, entre outras coisas”, continua, “a ligagéo que o Novo Testamento instaura entre salvacdo e verdade, cujo conhecimento (assim afirma Jesus explicitamente) liberta, ©, portanto, salva. Ou, como diz Paulo: “Deus, nosso Salvador, quer que todos os homens sejam salvos © cheguem ao conhecimento da verdade"; a qual, acrescenta imediatamente, consiste no saber que “ha um s6 Deus, e um s6 mediador entre Deus @ os homens, o homem Jesus Cristo, que se deu em resgate por todos” (1Tm 2,47) “Muitos, pois, nestes anos”, acrescenta, “fizeram um juizo injusto sobre a conexao entre atividade missionaria e Colonialismo, cujos excessos foram mitigados exatamente pelos missiondrios que (reconhecem-no os mesmos africanos mais objetives) criaram ofsis de humanidade, em zonas devastadas por misérias e opressées. Tantos cevangelizadores levaram, sim, um crstianismo em categorias ‘ocidentais’ (@ que podiam fazer de diferente, sendo ‘comegar com um catecismo, 0 Unico que conheciam?), mas transformaram-se em verdadeiros pais das pessoas a oles confiadas; deve-se a eles, se é ainda possivel, uma certa amizade entre a Europa e a Africa, Nao é 0 caso de exaltar as condigées pré-cristés, aquele tempo dos idolos que era também 0 tempo do medo, num mundo onde Deus esta longe e a terra esté abandonada aos deménios. Como ja aconteceu na bacia do Mediterneo, no tempo dos apéstolos, assim também na Africa, 0 anincio do Cristo, que pode vencer as forgas do mal, fi uma experiéncia de libertagao do terror. O paganismo sereno, inocente, é um dos tantos mitos da idade contemporanea” “Mesmo que néo seja a doutrina de certos teédlogos supericiais", observa ainda, “o diabo 6, para a {6 crista, uma presenga misteriosa, mas real, pessoal, nao simbdlica, E é uma realidade potente (‘o principe deste mundo’, como o chama 0 Novo Testamento, que relembra a sua existéncia muitas vezes), uma maléfica liberdade sobre-humana oposta Aquela de Deus: como mostra uma leiturarealistica da histéria, com 0 seu abismo de atrocidades sempre renovadas © néo explicdveis somente ao homem, o qual, sozinho, néo tem forga suficiente para opor-se a Satands; mas este ndo & um outro deus, ©, unides a Jesus, temos a certeza de vencélo, E 0 Cristo, 0 ‘Deus vizinho', que tem a forga @ a vontade do libertar-nos: por isso, 0 Evangelho é verdadeiramente ‘boa noticia’. €, também por isso, devomos continuar a anuncido aqueles regimes de terror que S40 muitas vezes as religées néo-cristas. Digo ainda mais: a cultura atéia do COcidente modemo vive ainda gragas a liberdade do medo dos deménios, trazida pelo cristianismo. Mas, se esta luz redentora do Cristo deve apagar-se, mesmo com toda a sua sabedoria e com toda a sua tecnologia, © mundo recairia no teror @ no desespero. Existem ja sinais desta volta de forgas obscuras, enquanto crescem no mundo secularizado os cultos satanicos”. As relagées Igreja-mundo: entre fechamento e abertura “Restauragao? Sim, contato que signifique um novo equlibrio’ Para voltar ao Vaticano I e aos seus efeitos, alguém disse que a primeira revolugao burguesa, a francesa de 1789, atingiu fortemente a Igreja, porque estava enfraquecida intemamente por um certo espirito “ibertino” e extemamente por decisées surpreendentes como a dissolugdo da entdo formidavel Companhia de Jesus. A ultima, até agora, das revolugées burguesas, aquela de 1968, encontrou a Igreja vulnerdvel pela fase do pés-Conctlio, pelas modificagées laboriosas da atualizagao: se os trabalhos ndo tivessem sido comecados, a tempestade teria causado menos danos? Diz Ratzinger: “Uma vez mais é impossivel raciocinar por hipéteses; Deus assim o quis. € certo que muitos membros da lgreja passaram naqueles anos de um fechamento algumas vezes exagerado a uma abertura sem fitros nem freios, ao mundo contempordneo e a sua cultura, O Vaticano || tinha razao de augurar uma revisao das relagées entre a Igreja e © mundo, Todavia, no conhece nem a Igreja nem 0 mundo, quem pensasse que estas duas realidades possam encontrar-se sem confito ou. até mesmo misturar-se. Pelo contréri, hoje mais do que nunca, o cristéo deve ser consciente de pertencer a uma minoria e de estar em contraste com que parece bom, dbvio,ligico para 0 “espirto do mundo”, como o chama 0 Novo Testamento, Entre os deveres mais urgentes para 0 cristéo, esta a recuperagao da hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 ana anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com capacidade de opor-se a muitas tendéncias da cultura circunstante, renunciando a uma certa solidariedade pés-conciliar demasiado euférica Portanto, ao lado da Gaudium et Spes, podemos ter ainda a Imitagao de Cristo? “Trata-se, obviamente, de duas spiritual idades muito diferentes. A Imitagao é um texto que reflete a grande tradigéio mondstica medieval. Mas 0 Vaticano no queria absolutamente tirar as coisas boas dos bons”. E a Imitagao de Cristo (tomada, entende-se, como simbolo de uma certa espiritualidade) est ainda entre as coisas “boas”? “Aliés, entre os objetivos mais urgentes do catélico modemo, est exatamente a recuperagao dos elementos positives de uma espiritualidade como aquela, com ‘sua consciéncia de separacao qualitativa entre a mentalidade de fé © a mentalidade mundana, Certo, na Imitagao existe uma acentuagao unilateral da relagdo privada do cristéo com o seu senhor. Mas, em muitas produgdes teolégicas contemporaneas existe uma compreensao insuficiente da interioridade espiritual, Condenando em bloco e sem apelo & fuga saeculi, que esta no centro da espiritualidade cléssica, ndo se entendeu que naquela fuga havia também um aspecto social Fugia-se do mundo néo para abandoné-lo a si mesmo, mas para recriar, no espirite, uma nova possibilidade de vida cristé e, portanto, humana. Dava-se conta da alienagao da sociedade © — no eremitério ou no mosteiro — reconstruiam- se odsis habitéveis, de esperanga de salvagao para todos Existem motivos para refletir: vinte anos atrds, dizia-se que o problema mais urgente do catélico era encontrar uma espiritualidade ‘nova’, ‘comunitaria, ‘aberta’, ‘néo sacral, ‘secular’, ‘solidéria com 0 mundo’. Agora, depois de tanto vagar, descobre-se que o dever urgente reencontrar uma relagao com a espiritualidade antiga, aquela da ‘fuga do século!* Mas entdo — pergunto a Ratzinger — nao estao errados aqueles que afirmam que, depois dos fervores e dos furores pés- conciiares, verficase realmente, na Igreja, uma espécie de “restauragao"? A resposta 6, como sempre, calma, meditada, mas de nenhum modo ambigua (com Joseph Ratzinger - tive prova concreta disto fazendothe dezenas de perguntas, 8s quais ele respondeu com franqueza — néo funciona nem sequer 0 estereétipo que quer 0 “cardeal de ctria” arisco e sotumamente diplomatico). Diz, portanto, a resposta: "Se por restauragao entende-se voltar atras, entao, nenhuma restauragao é possivel: a Igreja vai adiante, para o cumprimento da historia, olha adiante, para o Senhor. Mas, se por ‘restauragao' entendemas a procura de um novo equilbo, depois do exagero de uma aberturaindiscriminada a0 mundo, depois das interpretages demasiado positivas de um mundo agnéstico e aleu: pois bem, entéo sim, esta ‘restauragio' é desejével e, als, jé esta em at (© ponto ¢ demasiado delicado para ndo procurar entendé-o melhor. Alguém afirmou ~ digo — que, com o Vaticano li, a Igreja fechou a longa era pés-tridentina. Do mesmo modo, poderia a Igreja declarar fechada a fase pés-Vaticano II, ‘estabelecendo-se sobre posigées diferentes, talvez menos “abertas"? Ratzinger sorri: “Nao 6 certamente um costume da Igreja declarar fechada’ uma experiéncia da sua historia; 0 que acontece é que ela, dando-se conta de que a situagéo mudou, considera-a como é e age consequentemente’. E entéo, insisto um pouco inquieto, a situagao verdadeiramente mudou? “Sim. O problema da década de 1960 era de adquirir os melhores valores expressos por dois séculos de cultura “liberal” Existem de fato valores que, embora nascids fora da Igreja, podem encontrar 0 seu lugar — depurados e corrigidos - na sua viséio do mundo. Isto se fez. Mas agora o clima é diferente, piorou muito para aquele que justificava um otimismo talvez ingénuo, E necessério, portanto, procurar novos equilibrios”. ‘Antes de escandalizar-se, de falar de “entero do Vaticano II", 6 preciso no esquecer que aquilo que diz 0 Prefeito da Congregagao para a Doutrina da Fé, 6 apoiado por uma experiéncia Unica: aquela de quem, do alto do seu observatério, V8 toda a situagao da Igreja universal. E é uma situagdo que o Cardeal Ratzinger sintetiza numa palavra: “crise”. Nem cotimista, nem pessimista, é realista. E a realidade ¢ aquela que ¢: a f6 proibe abandonar-se ao desconforto, naturalmente, mas convida também a no continuar com novo triunfalismo do otimismo facil. O cristo sabe que a histéria esta salva e que, portanto, no final, o desfecho seré positive. Mas no sabe através de que acontecimentos travessias chegar-se-é aquele grande final. Sabe que ‘as poténcias do infemo no prevalecerdc" sobre a Igreja, mas ignora em que condigdes isto acontecerd, Em todo caso, diante dos problemas sempre mais complexos, dos perigos ‘sempre mais insidiosos para a ortodoxia, o Cardeal Ratzinger tem uma receita, que é, aliés, aquela crista de sempre: “Hoje, mais que nunca, devemos ser conscientes de que s6 0 Senhor pode salvar a sua lgreja. Ela & de Cristo, e cabe a Ele providenciar. A nés, & pedido trabalhar ao maximo das forgas, sem angistias, com a serenidade de quem 6 consciente de ser servo intl, incapaz de enfrentar e resolver sozinho a situagao que se criou". hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 sia zarianon6 /AFéem Crise de Cardeal Ratzinger em wor catoicos-enine.com Deus como criador, eclesiologia, dogma e moral, Escritura “Sao estes 0s quatro circulos do mal-estar da Fé" “Crise”, portanto. E, em pelo menos quatro circulos, quatro rodadas fundamentals. Assim, pelo menos, pareceu-me poder concluit, refletindo sobre a gravagdo das muitas horas de coléquio em Bressanone, e, confrontando-a com textos, 4s vezes inéditos, como o relatério que Ratzinger leu para os Bispos latino-americanos reunidos em Bogota, no més de margo passado. Relatério que tem um titulo signficativo: “Principais problemas da teologia contempordnea, do ponto de observagéo da Congregacao para a Douttina da Fé" Nestas quatro “rodadas de crise” (mas, muitas outras poderiam ser acrescentadas), pareceu-nos configurar-se a situagao espiritual mundial, estruturas em diversas maneiras conforme as areas geogréficas, Eis, portanto: conforme a diagnose do Cardeal, existe, antes de tudo, @ no fundo de tudo, uma crise da fé em Deus, na Primeira Pessoa Trinitéria, no Deus Pai Criador. “Temendo, naturalmente sem razao, que o Pai possa obscurecer o Filho, certa teologia tende hoje a transformar-se em cristologia, Esta, entre outras coisas, muitas vezes acentua sobretudo a natureza humana de Jesus, obscurecendo ou calando (ou exprimindo de mado insuficiente) a natureza divina que convive na mesma Pessoa. & a volta da antiga heresia ariana. Numa sociedade que, depois de Freud, desconfia de todo pai e de todo palemalismo que, com 0 feminismo extrem, quer até rebatizar, de forma fer enquanto primeira Pessoa da Trindade", 1a, © nome de Deus, compreende-se esta crise também do P: “Este 6 rejeltado’, continua, “também porque ndo se aceita a ideia de um Deus a quem nos dirigimos de joelhos; as pessoas preferem falar de ‘partnership’, de relago de amizade, quase entre iguais, de homem a homem, com o homem Jesus. Tende-se, pois, a deixar de lado 0 problema de Deus Criador, também porque gostariam de evitar os problemas levantados pela relagdo entre é na criago e ciéncias naturais, comegando pelas perspectivas abertas pelo evolucionismo. Assim, existem novos textos para a catequese que partem ndo de Addo e Eva, do inicio do livro do Génesis, mas da vocagao de Abrado: concentra-se, somente, na ‘histéria’, evitando confrontar-se com o ‘ser’. Deste modo, porém, tudo se reduz somente a Cristo — talvez apenas ao homem Jesus — Deus nao 6 mais Deus. E, de fato, parece que uma certa teologia ndo cré mais num Deus que pode entrar nas profundidades da matéria: dal as diwvidas sobre os aspectos “materiais’ da Revelagao, como a virgindade de Maria, a ressurreigao concreta e real de Jesus, a ressurreigo dos corpos prometida a todos no fim da histéria, Nao é certamente por acaso que 0 Credo comega confessando: “Creio em um sé Deus, ‘Pai todo-poderoso’, 'Criador’ do céu e da terra, de todas as coisas visiveis e invisiveis". Esta fé primordial no Deus que cria é como o prego, no qual todas as outras verdades da revelagdio estdo penduradas. Se vacila, tudo cal”. Haveria depois, e 6 0 segundo circulo, a crise da fé na Igreja como mistério. ugamos também aqui as palavras do Cardeal Ratzinger: "Em muitos teélogos catélicos difundiu-se uma mentalidade que se diria vizinha, ainda mais que do modelo classico protestant, daquele de certas seitas ou ‘igrejas livres’ norte-americanas. E 0 conceito de uma Igreja ‘somente como organizacao humana, cujos membros seriam livres de estruturéa @ de organizé-la como quisessem, conforme as exigéncias do momento. De fato, para muitos acabou a fé na fundagao divina da lgreja, confiada aos homens, mas querida nas suas estruturas fundamentals por Deus mesmo; ndo suscetivel, portanto, de continuas recriagdes para favorecer as tendéncias da mada ou as necessidades de um certo momento. Na visao catélica, atrés da fachada humana, esta o mistério de uma realidade sobre-humana, sobre a qual o socidlogo ou o reformador humano n&o tem nenhuma autoridade para intervir. Se esta concepgao mistérica, sacramental da Igreja, escapa, escapa também, consequentemente, a indiscutibilidade da sua estrutura hierdrquica. Nao se entende mais a necessidade da obediéncia come virtude, porque ndo se cré numa autoridade querida por Deus, que tem as suas raizes em Deus ¢ ndo somente no consentimento da maioria, como acontece nas estruturas politicas. Sem esta visdo também sobrenatural, nao somente sociolégica, também a cristologia se esvazia: assim como a Igreja 6 uma estrutura humana, também o Evangelho é um Projeto humano, 0 projetoJesus”. “Uma tal eclesiologia, reduzida ao horizontal’, continua, ‘presta-se a uma viséo errada do problema ecuménico. Tantos catdlicos pensam que seja 0 titimo fruto de uma mentalidade intolerante a no aceltagao, por parte de Roma, da inter- ‘comunhdo, de uma eucarstia junto com as igrejas protestantes. Nao se reflete que, para o catélico, a lgreja - estrutura que 0 proprio Cristo quis que fosse assim — tem a sua base na sucesso apostélica e, portanto, nao pode existir hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 ara anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com eucaristia (que exige 0 sacerdécio hierérquico), se aquela sucessao interrompeu-se. Nés cremos que 0 proprio Fundador do cristianismo assim o quis’ Eis-nos na terceira “rodada da crise’: esta estritamente ligada a precedente, talvez no seja sendo um dos seus aspectos, mas tem tal importancia que merece ser tratada parte. E a crise da fé no dogma e na ética da Igreja. Ratzinger: “Multos te6logos parecem ter esquecido que o ‘sujet’ que faz teologia no 6 0 tedlogo em particular, mas & ‘a comunidade catdlica inteia, isto 6, a lgreja. Deste esquecimento deriva um pluralismo teolégico que , muitas vezes, Lum subjetivismo, um individualismo que frequentemente tem muito pouco em comum com as bases da tradicao comum, Assim, a f6 divide-se numa série de escolas e correntes. Perdeu-se também de vista o servigo a verdade exercido pelo dogma, considerado, pelo contrério, como uma jaula intoleravel, um atentado a liberdade. E, ao contrério, a autoridade, ‘assim como & querida por Deus, que propée como dom aos crentes a expressdo mais adequada dos mistérios da fé, na formula dogmatica’. “Ora: j4 que a teologia no parece transmitir mais um modelo comum da fé", diz ainda, “também a calequese esta ‘exposta a divisdo, a experiéncia que muda continuamente. Alguns catecismos e muitos calequistas néo ensinam mais f6 catdlica no seu conjunto — onde ‘tout se tient’ e cada verdade pressupée e explica a outra -, mas procuram tomar humanamente ‘interessantes’, conforme as orientagdes culturais do momento, alguns elementos do patriménio cristao. Nada de formagao global para a fé, mas reflexos e acenos de experiéncias antropolégicas parciais. Na realidade, desde ‘0s primeiros tempos do cristianismo, aparece um ‘nucleo’ permanente e irrenuncidvel da calequese. Esse foi utllizado também por Lutero, como pelo Catecismo Romano de Trento, Este niicleo irrenunciavel & constituide pelo ‘Credo’, pelos 'Sacramentos’, pelo ‘Decdlogo' ¢ pelo ‘Pai-Nosso’, Estes quatro ‘trechos’ classicos so 0 resumo do ensinamento da Igreja, a base da vida do cristo, que ali encontra aquilo em que deve crer (0 Simbolo), esperar (0 Pai-Nosso), fazer (0 Decélogo), e 0 espaco vital no qual tudo isto se deve cumprir (os Sacramentos). Ora, esta estrutura é abandonada por muitas catequeses catélicas atuais, com o resultado da desagregacéo que constatamos nas novas geragées, muitas vezes incapazes de uma visao de conjunto da sua religido.” Continuando na sua andlise sobre este ponto, Ratzinger vé a teologia contemporanea concentrar-se sobre a “soleriologia’, isto 6, sobre o problema da salvago, da redengao, aliés, da ‘libertagéio', como se diz com um termo posto Ultimamente no centro das atengées, Observa: “Procura-se ‘libertago’ na América do Sul, entendendo-a sobretudo no sentido socioeconémico, com os riscos de destizar para uma interpretagao exclusivamente politica da fé. Mas, procura- ‘se 'ibertagao' também no mundo opulento, na Europa e na América do Norte: aqui é entendida como libertagao da ética crista, sobretudo da visdo tradicional da sexualidade, com os resultados muitas vezes aberrantes de um permissivismo moral que nao 6 sendo um aspecto do ‘iberalismo’ dominante nestas zonas do mundo. Procura-se a ‘libertagao’ também na Aftica e na Asia, entendende-a sobretudo como libertagao da heranga colonial europeia. Mas, muitas vezes no é facil estabelecer 0 que é verdadeiramente ‘indigena’, ‘autéctone’, gragas a complexidade daquelas culturas; nem 6 claro, no cristianismo que conhecemos, o que é importado da cultura ‘u, a0 contrério, um elemento perene, valido para todos os climas. Além disso; nao nos esquegamos de que todos, mesmo na Europa, recebemos o Evangelho do ‘exterior’, de uma cultura semita, através da mediagao do helenismo. ‘Aigumas tendéncias parecem dar-nos sinals de que certas ‘aculturag6es’ ou ‘indigenizagées’ apressadas, poderiam levar a religiées novas, com relago ao calolicismo que conhecemos". ental “Enfim’, resume, "na América Latina 0 conceito profundamente biblico de ‘libertagao' é exposto aos riscos das influéncias marxistas; no ‘Primeiro Mundo’, a riscos de contaminagao com a cultura libertaria iberal-radical; no resto do Terceiro Mundo, a riscos de indigenismos discutiveis: olhando atentamente, deve-se dizer que muitas das coisas que se apresentam como africanas, so uma importagao europeia © tém muito menos relagées com as tradigdes negras que a tradigao crista-classica’ AAs tendéncias centrifugas so muitas vezes alimentadas por intelectuais europeus (6 conhecido que as centrais de uma certa “teologia da libertagéio" estao em Paris ou na Alemanha), que exportam os seus esquemas tedricos, as suas Uutopias: so ocidentais, entre outras coisas, muitos dos tedlogos que sustentam a necessidade de salvaguardar a poligamia africana, mesmo para os batizados. Todas as variantes de “libertago", pols, participam do risco comum de fixase somente sobre a histéria, esquecendo sobrenatural, a dimensdo vertical que, em equilibrio com a horizontal, Permite ao cristianismo continuar a ser ele mesmo. E passemos a quarta zona de crise: a crise de fé na Escritura, assim como é lida pela Igreja hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 ma anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com Diz Ratzinger: *O vinculo entre a Biblia e a Igreja foi quebrado. A interpretacao histérica-critica da Esoritura a transformou numa realidade independente da Igreja: ndo a partir desta e com esta se Ié a Biblia, mas a partir do Ultimo método que pretende ser “cientifico’, afirmando que somente assim é possivel él coretamente. Esta independéncia tomou-se até, em alguns, uma contraposigo, visto que a fé tradicional da Igreja, os seus dogmas néo parecem mais justificados pela exegese critica, mas aparecem somente como obstculos & compreensao auténtica do cristianismo”, “Esta separacdo, porém’, diz, “tende a esvaziar a partir do interior tanto a Igreja quanto a Escritura. De fato: uma Igreja ‘sem fundamento biblico toma-se um produto histérico casual, certamente nao mais a Igreja de Jesus Cristo, mas aquela organizagao humana, aquela moldura organizacional da qual falavamos. Mas, também uma Biblia sem a Igreja nao é mais a Palavra eficaz de Deus, mas uma reunidio de diversas fontes ist6ricas das quais procura-se tirar, & luz da atualidade, o que se retém util, A ultima palavra sobre a Palavra de Deus no corresponde mais, assim, aos legitimos pastores, ao Magistério, mas ao especialista, ao professor, as suas hipéteses sempre voliveis. Devemos comecar a ver os limites de uma exegese que se apresenta com a magica ‘tiqueta de ‘cientifica’, mas, na realidade, é também essa uma leitura condicionada por preconceites filoséficos, por pré= ‘compreensées ideolégicas, e nao faz mais que substituir uma filosofia por outra” Portanto, pergunto, também um catélico que queira ser “atualizado” pode ler a sua Biblia sem preocupar-se muito com ‘as sempre mais complexas questées exegéticas? “Certamente”, responde. “Todo catélico deve ter a coragem de crer que a sua fé (em comunhao com aquela da Igreja, Lnida aos legitimos pastores) supera todo novo ‘magistério’ dos especialistas, dos intelectuais. As hipéteses destes Uitimos podem ser tteis para entender a génese dos livros da Eseritura, mas ¢ um preconceito de derivagao ‘evolucionista que se entenda o texto somente estudando como se desenvolveu e se criou. A regra de £8, hoje como ontem, ndo é constituida pelas descobertas sobre as fontes e sobre os estratos biblicos, mas pela Biblia ‘como é & como sempre fol ida pela Igreja, dos Padres até hoje’ Sobre os “movimentos carisméticos” A redescoberta do Espirito Interrogado sobre o “estado de satide", na teologia contemporanea, das Pessoas da Trindade, o Cardeal Ratzinger, falou-nos do “esquecimento, quando nao da recusa do Pai’; depois acenou a “redugo em sentido ariano” do Filho, muitas vezes visto como somente o Jesus-homem, Falou-nos também na “redescoberta do Espirito Santo que, diz-se hoje, foi muito esquecido pela teologia ocidental, com respeito aquela oriental. Esta redescoberta, porém, é utilizada por alguns para pedir 0 superamento da Igreja hierdrquica a favor de uma estrutura de Igreja ‘pneumatica”. Ora, segundo o Prefeito, “é necessario também ter cuidado com a €nfase excessiva e considerar o Espirito (que nao fala de si mesmo’, como diz o Evangelho) em equillbrio com as duas outras Pessoas trinitdrias” (Os movimentos carismaticos de "renovagio no Espirito” no s&o, talvez, uma novidade positiva e uma esperanca para 2 lgreja?, nds the perguntamos. "Certo, foi a resposta. “Ea redescoberta da alegtia de rezar contra uma espiritualidade © uma teologia racionalista, secularizada. Na minha diocese, em Munique, destes movimentos nasceram algumas vocagées sacerdotais. E certamente um dom de Deus para a nossa época. Naturalmente, como acontece para todas as realidades humanas, também aqui se pode ter o reverso da medalha. Mas esta necessdria cautela nao muda o Juizo positivo de fundo* Da Europa a Africa, passando pela URSS e os USA “Em certas zonas, a mensagem Catélica parece agora um corpo estranho" Seria, portanto, este o cendrio geral de uma crise que martiriza a f6 da Igreja e, com ela, 0 mundo e o homem de hoje, mesmo fora da comunidade catélica. Nao é talvez 0 célebre inicio da “Constituicdo sobre a Igreja e 0 homem contemporéneo” que afirma: “As alegrias © as esperangas, as tristezas © as angiistias dos homens de hoje, principalmente dos pobres, e de todos aqueles que sofrem, sdo também as alegrias © as esperangas, as tristezas e as angtistias dos discipulos de Cristo, e nada existe ai de genuinamente humano que no encontre eco no seu coragao, sendo a lgreja ‘teal e intimamente solidéria como género humano e a sua histéria"? Procurar par em evidéncia aquilo que hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 ana anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com pode ameagar a fé retamente entendida nao 6, portanto, uma conversa “de botequim’, mas contribuir para a salvagao do mundo, seja ele crente ou no. Mas — pergunto - no quadro inquietante assim esbogado, qual 0 continente, qual a érea geopolitica que merece a atengdo mais urgente da Congregagao, por qualidade e quantidade dos perigos? “Os fatores gerais de crise’, responde, “se estruturam concretamente em modo diferente segundo as culturas, mas é dificil dizer qual situago seja mais ameacadora. Se olhamos a Europa, tem-se a impressao de que — também no plano teolégico — seja um mundo desencantado, ja velho, aflito pela soberba académica e pela frieza ‘blasée’; a tal ponto que, ‘se muitas vezes no tem mais para com Roma reagées agressivas, 6 porque, na sua arrogancia, as julga jd indteis”. “Olhando a América do Norte’, continua, “vemos um mundo onde a riqueza é a medida de tudo e onde os valores @ o estilo de vida propostos aparecem mais que nunca um escandalo. A moral da Igreja é vivida como um corpo estranho, longinquo, que contrasta no somente com os concretos costumes de vida, mas também com o modelo basico de pensamento, Toma-se dificil, se ndo impossivel, apresentar a auténtica ética catélica racional, demasiado distante como esta, daquilo que considerado normal, dbvio, Assim, muitos moralistas dos Estados Unidos (é sobretudo sobre a ética que se trabalha ali, enquanto que no campo da teologia e da exegese sao tributdrios da Europa), creem ser constrangidos a ‘escolher entre a divergéncia com a sociedade e a divergéncia com o Magistério. Muitos escolhem esta Ultima divergéncia, adaptando-se a compromissos com uma ética secular que muitas vezes acaba por transtomar homens e mulheres na sua natureza profunda, conduzindo-os a novas escraviddes, enquanto pensavam livrarse delas”, "Se olhamos a Arica e a Asia’, diz ainda, “encontramos aquela ‘aculturagéo’ muitas vezes problemdlica @ qual se acenava, Criou-se tempos alrés uma ‘Unido ecuménica dos tedlogos africans’, que reine ‘expoentes de todas as confissées: mas, 0 perigo é que, em nome de uma ‘negritude' com conotagées incortas (e de um ecumenismo que considera uma confissdo igual a outra no que se refere ao essencial), venha esquecida a unidade catélica. Aquela Unido esforga-se para a convocagao de um ‘Concilio’ africano, cujos contetidos nao aparecem, porém, muitos claros". Antes de passar a América Latina, restam os paises do Leste. Paradoxalmente, (mas no muito), a f& parece estar mais segura, justamente ld onde ela é oficialmente perseguida. De fato, aiz 0 Prefeito: "No plano doutrinal, ndo existe quase nenhum problema com a teologia catdlica naquelas zonas. All, tentar dialogar no expée certamente a0 perigo de converter-se 8s posigées do interlocutor. os cristéos ‘experimentam, cada dia, a faléncia do messianismo humano. O povo sente na prépria pele a realidade de um si ue tentou, sim, uma libertagao, mas de Deus. Hoje em dia, somente onde 0 marxismo nao esté no poder, existem pessoas que creem nas suas ilusérias ‘verdades cientificas’. Aliés, em alguns paises do Leste, parece emergir a ideia de aprofundar a dimensdo da libertagdo na teologia, na perspectiva de experiéncias feltas em outros lugares, em regimes no marxistas. O que no significa que vemos com simpatia as ideologias e os costumes dominantes no Ocidente. © Cardeal Primaz da Polénia, Stefan Wyszynski, era um homem que temia somente a Deus: nido obstante, admoestava sobre o hedonismo e o permissivismo ocidentais, nao menos que sobre a repressao manxista. Alfred Bensch, Cardeal de Berlim, me dizia que era necessario ver um perigo mais grave para a fé no consumismo ocidental, & numa teologia contaminada por esta alitude, que naquela da ideologia marxista” E o mesmo Ratzinger que me fala de um exemplo entre muitos, segundo 0 qual, néo no Oriente, mas no Ocidente, parece-the notar a marca do saténico: “Existe alguma coisa de diabélico no modo com o qual se explora o mercado da pomagrafia e das drogas; na indiferenga perversa com a qual se corrompe o homem, aproveitando sua debilidade, sua possibilidade de ser tentado © vencido. E infemal uma cultura que persuade a pessoas cujo inico objetivo da vida sao ‘0s prazeres @ 0 interesse privado". E, apesar de tudo, se Ihe perguntamos qual Ihe parece o mais perigoso entre os muitos atefsmos do nosso tempo, diz: "Parece-me que seja o marxismo, por causa da sua elaboracao filosofica e das suas intengées morais, uma tentagao mais profunda que o atelsmo superficial. Na ideologia marxista aparece também a heranga judeu-ctista, transformada num profelismo sem Deus, que instrumentaliza para os seus fins polilicos as forgas religiosas do homem, a sua esperanga sob o signo de liberdade e de vida prometido pela Biblia. Emst Bloch, por exemplo, dé uma interpretagao da Escritura oposta 4 leitura classica. Para ele, a serpente que tenta Addo e Eva, transforma-se no primeiro cristo, como aquele que anuncia a Libertagdo do homem; e a expulsao do paraiso, é lida ‘como 0 inicio bendito da revolta contra todos os limites, comegando por Deus. Tal aplicacao da heranga biblica, dé a muitos crentes em Cristo a iluso de combater pela mesma causa, pela mesma esperanga’ Odi logo com os tedlogos da América do Sul hiipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 ana anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com “Alguns repetem: ‘Revolugao!”, mas nao dizem o que fazer depois E aqui, a conversa chega & América Latina e aquelas formas de “teologia da libertago’ que encontraram ali a sua evolugdo. E com uma expresso sofrida, mais que com olhar severo de inquisidor, que o Cardeal Ratzinger falou-me da impossibilidade de dialogar com os teélogos que aceitam “aquele mito llusério que bloquela as reformas © agrava as misérias @ as injustigas, que 6 a luta de classes como instrumento para criar uma sociedade sem classes’, Diz: “Se, com a Biblia e a Tradi¢do na mao, procura-se confrontar com certas interpretagdes que se desviam do cristianismo, isto 6 imediatamente etiquetado como alitude de servo de uma classe dominante que quer conservar 0 proprio poder, até apoiando-se na Igreja. Cada intervengo do magistério eclesidstico, até mesmo o mais pensado e respeitoso, é lido com desconfianga, quando néo rejeitado ‘a prior’ como expresso de quem, néo tendo feito a ‘opgao de classe’ (‘scelta di clase’) alinhou-se da parte dos ‘patrées’ contra 0s pobres e os sofredores aos quais pretenderia roubar o Cristo, como libertador politico”. Em realidade, *a causa dos pobres parece tralda exatamente por certas interpretacdes da Sagrada Escritura, que se apoiam em instrumentos de andlise que revelaram-se sempre fonte de sofrimento para o préprio povo’. Falou-me, em seguida, da repulsa que Ihe causam alguns textos daqueles tedlogos: “Existe um reftéo repetido: ‘6 necessario libertar os homens das correntes da opresso politico-econémica; para liberté-lo, ndo bastam as reformas que, aliés, 0 desviam; o que 6 necessério € a revolugdo; 0 Unico modo de fazer a revolugéo é proclamar a luta de classe’. Aqueles que repetem tudo isto no parecem pér-se o problema concreto, pritico, de como organizar uma sociedade depois da revolugao: limitam-se a repetir que 6 necessario fazé-la’ “Impressiona dolorosamente’, diz, “aquela ilusdo, to pouco cris, de poder criar um homem e um mundo novos, ndo com 0 apelo @ converséo, mas s6 modificando as estruturas sociais, O Evangelho de Jesus Cristo 6, sim, uma mensagem de liberdade e uma forga de libertacao, Mas esta 6, antes de tudo, e principalmente, libertagao da escravidao radical do pecado. O seu fim, e 0 seu objetivo, é a liberdade dos filhos de Deus, dom da graga. Esta comporta, logicamente, a libertagdo das miltiplas escravidées de ordem cultural, econémica, social e politica, que, porém, definitivamente, derivam todas do pecado que se aloja no fundo do coragao de cada um. Sao verdades cristas fundamentais, e, apesar de tudo, muitos tedlogos recusam-nas como se fossem conversas ‘espirtualistas’ Assim, 6 acusado de ‘dualismo’ recordar que o Evangelho nos impele, sim, a transformar a terra, conseguindo para ela o maximo possivel de justica, mas com 0 olhar fixo adiante, no reino de Deus, que nao é deste mundo, No entanto, 6 justamente 0 esquecimento da transcendéncia divina que nao se esvazia intemamente o cristianismo, mas leva todo 0 mundo a tragica situago contemporanea que todos conhecemos Bastam aqui estes acenos a América Latina e as suas muitas (algumas, alids, legitimas) ‘teologias da libertagao". Joseph Ratzinger, na introdugo ao encontro de margo, em Bogota, com os representantes do episcopado daquele continente, disse que 0 coléquio ndo podia “limitar-se somente a teologia da libertago, a qual ndo podem ser reduzidos ‘08 problemas da Igreja e da teologia, nem sequer na América do Sul. Que a soteriologia, isto é, 0 problema da redengdo- libertagdo tenha-se transformado no problema fundamental da humanidade de hoje, ¢ um desafio fundamental para a Igreja. Este desafio é uma ocasiéio favorével e, ao mesmo tempo, um perigo. © perigo consiste nisto: que nés nos deixemos influenciar pelo ponto de vista imanentista dos programas de libertagao secularizados. Se procuramos a verdade do cristianismo s6 no natural e ndo também no sobrenatural, privamos a fé da sua promessa original ‘amputamos o homem, cuja caracteristica propria é aquela de superar a natureza’ A propésito da estrutura das Conferéncias Episcopais “E Necessério restituir aos Bispos a plena responsabilidade pessoal” Encaminhando-nos para o fim, - @ deixando, neste “sumério", outros temas importantes - sobre uma pergunta pelo menos parece-nos necessario chamar a atengao. Com que estruturas hierdrquicas, isto é, com qual corpo episcopal a Igreja enfrenta 0 desatio decisivo deste fim de século, que se abre para o terceiro milénio? Nao existe, talvez, quem diga que certos episcopados telam no seu interior uma diversidade de opinides que dificilmente encontra a homogeneidade? © Cardeal tem uma resposta franca: "Nos anos logo depois do Concilio, uma reformulagao do ‘identikit’ do candidato ao episcopado era necesséria, Segundo a minha opiniéio, um aspecto primordial fol, naquele periodo, ‘a abertura para o mundo’. Uma caracteristica, certo, adequada aqueles tempos; mas, depois da crise de 1968, notou-se que eram necessarios bispos ‘abertos’ ao mundo, mas também capazes de opor-se as suas tendéncias negativas, procurando hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 sara zarianon6 /AFéem Crise de Cardeal Ratzinger em wor catoicos-enine.com corigir 0s seus desvios, quando isso fosse possivel. Naqueles anos, portanto, a escolha dos bispos fez-se mais ‘realistas’. Mas, no por isto, menos conciliar: nao o realismo de quem esta atento a ‘todos’ os sinais do tempo uma das recomendagdes do Vaticano li”. Em perspectiva, e sempre nesta linha, existe 0 problema das conferéncias episcopais (‘as qual particular, mas 86 prética, concreta: 6 necessario néo esquecer.") que, nalguns casos, parecem ter assumido uma ‘estrutura organizativa demasiado complexa. Aqui o Prefeito vé outro dos “efeitos paradoxais” do Vaticano Il, “que queria reforcar 0 papel e a responsabilidade do bispo, completando, assim, a obra do Vaticano I, interrompido pela tomada de Roma, quando tinha conseguido somente ocupar-se do papel do Papa. Pelo contrario, o inserimento do bispo nas conferéncias episcopais, sempre mais estritamente organizadas, core o risco de ofuscar a sua responsabilidade pessoal pela diocese, na qual, em comunhao com a lgreja, ¢ pastor e mestre na fé, A guia da porgdo de Igreja que Ihe & cconfiada, 6 principalmente sua, néo da conferéncia episcopal local. A Igreja catdlica se rege sobre ‘o equilibrio entre a ‘comunidade’ e a ‘pessoa’, neste caso o bispo e a sua responsabilidade individual. Estruturas burocraticas, inevitavelmente anénimas, que, para decidir, tém necessidade de pistas preparatérias redigidas por determinados ‘escritérios, acabam por produzir textos um pouco atenuados, onde as posigées pessoais aparecem diminuidas. precisa Ratzinger, ‘nao tém base teolégica, como, pelo contrério, existe para os bispos em Assim, 0 escandalo e a loucura do Evangelho, aquele ‘sal’ e aquele ‘fermento’ hoje mais que nunca necessaries, ‘acabam por ser menos presentes, sobretudo quando a situago corre o risco de tomar-se dramatica. No meu Pais, a ‘Alemanha, existia j4 uma conferéncia episcopal na década de 1930: pois bem, os documentos verdadeiramente vigorosos contra 0 nazismo foram aqueles que sairam de bispos corajosos, em particular. Pelo contrario, aqueles da conferéncia pareciam um pouco atenuados com respeito ao que a tragédia requeria’ Sorri, tomando um copo de agua que é o seu Unico “conforto" durante o intervalo de metade da manha e metade da tarde (02lo contro, as boas mas do seminéro viciam 0 jomalista com café ebiscoites): "Sabe, nés, os padres catdlcos da minha gerago, fomos criados em semindrios nos quals recomendava-se evitar as contraposigées entre coiméos, procurando sempre © ponto de acordo, e néo se pondo muito A vista com posigdes excéntvicas. Assim, em multas conferéncias episcopais, o espirito de grupo, talvez a vontade de viver tranquilos, ou até mesmo o conformismo, impelem maioras um pouco passivas a aceitarem as posigBes de minovias empreendedoras", Talvez pensando nisto, ri ¢ faz sinais divertidos de negagao com a cabega quando Ihe pergunto — assim, para diminuir a tensao com uma pergunta um pouco ociosa — se gostaria de uma Igreja que tivesse 0 seu centro nao em Roma, mas na ‘Alemanha, talvez na rua Munique. “Que desastre!", ri, "Terfamos uma Igreja organizada demais. Pense que somente do meu arcebispado dependiam 400 funclonérios © empregados. Cada escritério deve justificar a sua existéncia, produzindo documentos; os especialistas iam pelas paréquias @ © péroco e lamentava depois comigo: “Aqui me resta somente a confusdo’... Talvez seja melhor Roma, melhor 0 espirito italiano que ~ nao demasiado organizado- deixa ‘espago para aquela personalidade, aquela iniiativa, aquelas ideias que, como dizia, sdo indispensaveis para a lgreja. E depois, eu gosto daquela humanidade italiana que deixa sempre espaco para a pessoa entre as malhas de leis © cédigos: 08 quais so feitos para o homem e no vice-versa , Deixe-me dizer que, da Alemanha, também eu olhava ‘com ceticismo @ talvez com desconfianga ou impaciéncia o trabalho da Curia Romana. Em Roma, me dei conta de que festa Curia 6 bem superior & sua fama: é composta em grande maioria por pessoas que estdo ali por verdadeiro espirito de servigo’ “Nao pode ser de outra maneira, visto a modéstia dos salarios que, entre nés, lana Alemanha, estariam nos limites da pobreza. E visto também que 0 trabalho da maior parte é um trabalho por detrés dos bastidores, sem nunca aparecer, preparando documentos ou intervengdes que sero atribuidas a outros, aos vértices da estrutura. Mas depois, mesmo a proverbial lentiddo vaticana tem os seus aspectos positives: saber ‘soprassedere’ (adiar), como dizem vocés, tem as ‘suas vantagens, permite as situagées uma decantago que uma excessiva prontidéo impediria Um outro gole de agua e depois, sorrindo ainda: "A propésito de estruturas, escreva também que, mesmo se quiséssemos, nés do ex-Santo Oficio, como nos chamam, no poderiamos certamente instaurar uma ditadura: somos ‘ao tado umas trinta pessoas, em quatro segées. Naquela doutrinal, a mais atacada pelas criticas, ao tedo somos uns ez, E pouco, para meditar em algum ‘golpe' teolégico’. Nossa Senhora como defesa da Fé “Porque é preciso voltar a Maria” Se sempre discorrer sobre Maria foi essencial para a fé crista, hoje é indispensavel e urgente como talvez em poucas outras épocas da histéria da Igreja. “Antes do Conctlio’, nos diz © Cardeal Ratzinger, “eu nao entendia completamente hiptwww pr gone biztindex-read php?num=2796 a3 anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com certas férmulas antigas como “Maria é a inimiga de toda heresia’. Outras, como 0 célebre De Maria numquam satis, pareciam-me excessivas. Mudando a situagao, durante e depois do Concilio, e aprofundando 0 tema, tive que mudar de opiniao. De alguns pontos, eu estou mais que nunca convencido agora: 1°) Reconhecer em Maria o lugar que o dogma e a tradi¢ao catélica Ihe atribuem, significa estar firmemente enraizado na cristologia auténtica. Os dois dogmas mais antigos, virgindade perpétua e matemidade divina (mas mesmo os dois sucessivos, Imaculada Conceigio e Assungao), salvaguardam a fé em Jesus, em Deus e defendem as prerrogativas do Pai onipotente, que pode intervir também sobre ‘a matéria. Sem contar que evocam as coisas tiltimas, aquela ressurreigao dos compos no sentido também material, que hoje 6 tanto contestada. 2°) A mariologia da Igreja supée a justa relagdo, a necesséria integragao entre Escritura e Tradigao; além do fato que liga juntos, de modo indissollivel, 0 Antigo ¢ 0 Novo Testamento: entre os erros, hoje frequentes, existe também 0 de desequilibrar-se ou a favor do Antigo ou a favor do Novo dos dois Testamentos, 3°) A reta devogo mariana garante a fé também a dimensao do ‘coragao’, como diria Pascal. Para a Igreja, o homem nao & nem sé razo nem s6 sentimento, mas a unio das duas dimensdes. A presenca de Maria ajuda a viver esta totalidade. Existe também aqui, obviamente, 0 tema da mulher, que hoje & muito agudo: virgindade e fecundidade (estes dois dons de Deus 4 mulher), so rejeitados: Por um certo feminismo, mesmo cristéo, desarraigando , assim, a dimenséo feminina da sua natureza profunda. Nossa ‘Senhora, com o seu destino de virgem e esposa, projeta luzes sobre o que 0 Criador pretendeu para a mulher’ ‘A.uma das quatro segdes da Congregago compete ocupar-se de aparigdes marianas: "Cardeal Ratzinger, o Senhor leu ‘© assim chamado ‘terceiro segredo de Fatima’, aquele enviado pela Ima Luicia ao papa Joao XXIII, que nao quis revelé- lo € ordienou que fosse depositado nos arquivos?”. “Sim, eu o I". "Por que nao foi revelado?’. “Porque, conforme o julzo dos pontifices, no acrescenta nada de diferente daquilo que um cristo deve saber da revelagdio: uma chamada radical A conversa, a absoluta seriedade da histéria, os perigos que ameagam a fé ¢ a vida do cristo e, portanto, do mundo. E depois, a importancia dos Novissimes. Se nao foi publicado — pelo menos até agora — para evitar confundir a profecia religiosa com o sensacionalismo. Mas 0s contetidos deste ‘terceiro segredo’ correspondem ao antincio da Escritura @ so reforgados por muitas outras aparigdes marianas, comegando por aquela mesma de Fatima, nos seus conhecidos contetdos. Conversao, peniténcia, sao as condigdes essenciais para a salvacao" “Quanto a Medjugorje, é iminente uma tomada de posigao oficial?". ‘Neste campo a paciéncia é um elemento essencial da politica da nossa Congregagao. A revelagao terminou com Jesus Cristo, que 6, ele mesmo, a nossa revelacao. Mas, no podemos impedir certamente a Deus de falar a este nosso tempo, mesmo através de pessoas simples e sinals extraordingrias que revelam a insuficiéncia de uma cultura como a nossa, marcada pelo racionalismo” Uma Histéria iniciada em 1542 ‘Aquela que agora se chama "Congregaco para a Doutrina da Fé” nasce em 1542, sem um nome preciso, O Papa Paulo III procurava tenazmente convocar aquele que depois passaria a histéria como Concilio de Trento, e se iniciaria nos fins de 1545. Dado que a heresia ameacava estender-se por todo o mundo catélico, o Papa com a bula “Licet ab initio’ de 21 de Julho de 1542, institula um organismo especial, composto por seis cardeais, comisséirios e inquisidores gerais, com 0 dover de velar pela ortodoxia da fé © de intervir em qualquer lugar. O organismo, no inicio, nao tinha sequer cardter permanente e s6 uma bula de Sisto V chamé-lo-4 “Congregacao da Santa Inguisigao da Perversidade Herética’. Na pratica prevaleceram outras denominagdes: "Congregagao da Inquisigao Romana e Universal’, “Congregagao do Santo Oficio’, ou, mais brevemente, “Santo Oficio’. Diferentemente da Inquisi¢ae espanhola (muitas vezes antipatica aos Papas), a romana nao sofreu nunca ingeréncias do poder secular. O Coneflio de Trento criou uma outra Congregacdo, aquela do indice, com o dever de velar pelos livros que difundissem erros em matéria de fé e de costumes. Em realidade, os deveres do Santo Oficio e do indice muitas vezes se sobrepuseram, até a definitiva fusdo em 1917, operada pelo Papa Bento XV, A confirmagao da importancia que a Igreja sempre atribuiu ao seu trabalho, & “Congregagéio do Santo Oficio" (primeira de todas as Congregagées, em ordem de dignidade) foi também o primeiro organismo curial a ser reformado no novo ‘lima do pés-Concilio, Quanto ao indice, os seus elencos (ndo mais atualizados desde 1947) nao tém mais valor de lei eclesiastica, com as relativas censuras, mas conservam aquele de lei moral. Cardeal Joseph Ratzinger hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 wana anaes [AF em Crise de Cardeal Ratzinger em wwrw.catocos-online.com Fonte: Revista Communio. Vol.1V, ano IV, N°19, jan.fev.1985 p 5-24 e Evitora Cléofas hnipstwww pr gone biztindex-read php?num=2796 sana

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