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O Problema com a ética em The Nature of Moralty de Gilbert Harman

1. Ética e Observação
A) A Questão Básica

A questão básica, com a qual se inicia o capítulo é: princípios morais podem ser
confirmados como teorias científicas? É importante atentar para o sentido relevante de
“confirmado”: podemos confirmar ou infirmar princípios éticos contra nossas intuições
morais. O problema do trolley (ou bondinho), em sua versão clássica, em que 5 pessoas
estão amarradas nos trilhos de um trem e salva-las implica a morte de uma outra pessoa,
parece confirmar o princípio moral de que se deve minimizar o sofrimento para um maior
número de pessoas. O dilema do médico com pacientes terminais, e um paciente saudável,
a quem pode matar para salvar os outros pacientes, parece infirmar o mesmo princípio.
Mas não é esse o sentido de confirmação e infirmação interessante aqui. A pergunta é se
“princípios morais podem ser confirmados do mesmo modo que teorias científicas?”. A
confirmação de teorias científicas exige delas mais do que se ajustarem às nossas
intuições sobre o que parece correto. Teorias científicas são testadas, em última análise,
contra o mundo, não contra nossas intuições. O mesmo é válido para a moral? Quando
fazemos um juízo moral, por exemplo, “matar pessoas aletoriamente por diversão é
errado”, o predicado “é errado”, que caracteriza o juízo moral, refere à uma propriedade
real de “erro moral”, ou simplesmente expressamos nossos sentimentos ou outros estados
mentais?
B) Observação e Teoria

A fim de responder à questão básica convém tratar da relação entre observação e teoria.
Observações não são ingênuas, mas “carregadas de teoria” (theory laden). Sendo “teoria”
entendida aqui no sentido mais amplo possível, como sistema de crenças. O caráter
carregado das observações se deve ao fato de que sem esquemas conceituais, os “dados
dos sentidos” (o termo é meu, Harmon não usa “dados dos sentidos”) não passam de uma
sucessão caótica de estímulos: uma série de manchas, ruídos, toques, odores, e gostos sem
significado. São os esquemas conceituais que permitem dar ordem ao que apareceria
como caótico, permitindo a observação no sentido aqui relevante. Perceber que “o céu é
azul” implica fazer um corte no campo de visão permitindo distinguir o céu, por exemplo,
da terra e do mar, bem como predicar “azul” a ele implica distinguir azul de cores que
não são azul, bem como um corte categorial que distingue um sujeito de um predicado ou
um argumento de uma função proposicional. Esquemas conceituais distintos possibilitam
cortes distintos, e, por conseguinte, permitem observações distintas.
Conceitos não existem soltos. Ao mesmo tempo que conceitos são condição
necessária para o tipo de organização necessária à formação de crenças, eles só existem
no interior de uma rede de significados e crenças; compreender conceitos é compreender
seu papel num sistema de crenças e significados. O uso de “azul” só é possível em relação
a um sistema de significados e crenças: crenças como a de que ele é uma cor, que ele é
predicável, que é diferente de vermelho, e assim por diante. Nesse sentido é que o uso do
conceito implica uma teoria. E como a observação está sempre condicionada a conceitos,
ela está sempre carregada de teoria.
A teoria, claro, também é sensível às observações, infirmamos ou confirmamos
teorias contra observações. É esse o sentido de experimentos, sejam eles reais ou mentais.
Quando teoria e observação estão em contradição, quando a observação mostra um
contraexemplo à teoria, por exemplo, é necessário ao teórico fazer uma opção entre
impugnar a observação ou abandonar e/ou reformar a teoria. A opção epistemicamente
correta varia de um caso para o outro.
C) Não, princípios morais não são como teorias científicas (nem como a matemática)
Assumir certos fatos físicos é indispensável, ou ao menos eles constituem a melhor
explicação, para observações realizadas pela ciência; mas no caso da moral, fatos morais
não parecem ser necessários para explicar a observação. Para explica-las basta referir às
características do sujeito que faz a observação, como sua sensibilidade e educação moral.
Harman inclui, no discurso sobre a ciência, entidades não diretamente observáveis
como átomos, buracos negros, matéria escura, fótons, que são entidades postuladas para
explicar eventos observáveis. Portanto, mesmo afirmações científicas sobre inobserváveis
têm um status especial em relação à outros domínios de discurso, como o religioso, que
fazem afirmações sobre inobserváveis, por causa do papel explanatório indispensável que
as entidades inobserváveis desempenham na ciência.
Ele parece defender uma espécie de realismo científico quanto a entidades
inobserváveis, aparentemente por uma conjunção de inferência à melhor explicação e
argumento da indispensabilidade de tipo quiniano. Embora eu mesmo seja bastante
simpático à posição, o realismo científico é uma teoria polêmica, e é duvidoso que ele
não pudesse explicar a diferença entre o papel da observação na ciência e na moral sem
fazer uso dele. Esse é um bom ponto para discussão.
Quanto a moral, fatos morais parecem irrelevantes para explicar nossos
julgamentos morais. Tomando o exemplo do Harman, você vê uns jovens arruaceiros
botando gasolina num gato e ascendendo um fósforo, e, possivelmente, fica horrorizado,
indignado, e julga que o que os meninos fizeram é uma verdadeira atrocidade. Parece que
para explicar seu julgamento não precisamos referir a propriedades ou fatos morais, como
o cientista às vezes precisa referir a inobserváveis, para explicar os fenômenos
observados. Fatos acerca da reação humana normal, da cultura local, educação moral,
personalidade e temperamento do indivíduo, parecem fazer um papel explicativo, no
mínimo equivalente, ao dos fatos morais.
Nesse ponto Harman menciona uma ambiguidade no conceito “observação”, que
parece importante para ele mas pra mim pareceu confusa. Por um lado, sua observação é
que o que os jovens estão fazendo é errado; por outro, sua observação é que você mesmo
está pensando nisso. Segundo Harman, princípios morais podem ajudar a explicar o
primeiro sentido, mas não o segundo. Isso parece a mim muito estranho: parece mais
apropriado dizer que princípios morar ajudam a explicar os julgamentos morais; mas fatos
morais não parecem ser indispensáveis para explicar princípios morais subjetivos. Esse é
um bom ponto para discussão.
Outro possível papel explicativo levantado por Harman, é o de que, talvez as
crianças tenham querido pôr fogo no gato precisamente porque é errado, o que tornaria o
fato de ser errado uma parte indispensável da explicação da ação das crianças. Harman
estranhamente não parece levar essa hipótese muito à sério, se contentou em nega-la
peremptoriamente, e dizer que o leitor perceberia que está errada caso reflita. Uma
explicação simples parece ser que, mesmo que os jovens colocassem fogo no gato
precisamente porque sabem que é errado, motivados pelo simples prazer de transgredir
(o que não é de todo inverossímil), parece que o que é necessário para a explicação do ato
dos jovens é sua crença de que o que fazem é errado, mas essa crença não precisa ser
explicada em termos de rastreio de um fato moral. A crença de uma pessoa no deus
católico parece ser, para muitos casos, parte necessária da explicação de porquê ela vai à
missa todos os domingos, mas não é necessário que sua crença rastreie o fato de que o
deus católico existe.
Em todo caso, Harman parece comprometido com a tese que há um diferença
fundamental na relação com observações entre a moral e a ciência. Mas talvez a moral
seja mais como a matemática do que como uma ciência empírica. Afirmações
matemáticas são de um tipo que não parece precisar nem permitir confirmação empírica.
Não precisamos recorrer à experiência para saber que não há primos pares maiores que
2, tampouco podemos fazê-lo, já que para confirmar empiricamente um fato
precisaríamos estar, de algum modo, em uma relação causal com ele. Talvez fatos morais
sejam desse tipo. Mas não. É que observações, ainda que indiretamente, são sim
relevantes para confirmação ou infirmação da matemática, na medida em que nossas
melhores teorias científicas quantificam, indispensavelmente, sobre entidades que
figuram em teorias matemáticas, como os números. A referência ao argumento da
indispensabilidade Quine-Putman, seja na versão original, mais vulnerável, seja nas
versões reformadas, é óbvia. Aqui, mais uma vez, embora eu mesmo seja muito simpático
ao realismo matemático, o argumento da indispensabilidade, mesmo em suas versões
mais modernas, que conseguem evitar a objeção de que a ciência faz uso de idealizações
que não implicam compromisso ontológico, nominalistas matemáticos têm estratégias
para lidar com a suposta indispensabilidade do discurso matemático. Por exemplo, a
estratégia da paráfrase consiste em parafrasear nosso discurso matemático para discurso
sobre objetos físicos, supostamente, sem perda de potencial explicativo. O discurso
matemático justificaria-se somente como uma ficção útil, sustentada com a justificativa
de que é mais simples. Há ainda outras versões de realismo matemático, como o
platonismo plenitudinário do Mark Ballager, que não fazem uso de confirmação empírica,
que parecem ter pelo menos duas vantagens em relação à estratégia da indispensabilidade:
a) conserva nossa intuição de que afirmações matemática não carecem de verificação
empírica; b) inclui afirmações da matemática pura, não instanciadas pelo mundo físico,
conservando nossa intuição de que a matemática é independente do arranjo dos fatos
físicos, não é essencialmente superveniente a eles. Talvez o realista não-naturalista
pudesse tentar uma estratégia parecida. Esse parece outro ponto interessante para
discussão.
2. Niilismo e naturalismo
A) Niilismo

Niilismo está sendo entendido aqui como afirmação de que não há fatos, conhecimento
nem verdade moral. Pela conclusão do que vimos anteriormente, o niilismo deverá
parecer uma posição atraente.
Primeiramente, Harman considera o que entende por uma versão “extrema” de
niilismo: nada é certo ou errado, justo ou injusto, bom ou ruim, afinal, e devemos
abandonar a moralidade como um ateu faz com a religião. Aliás, alguns deles sustentam
que a moralidade nada mais é do que um resíduo superticioso da religião. Parece claro
que o “niilista extremo” do Harman é o que entendemos por “abolicionista”. Sobre ele,
Harman diz que é uma posição difícil de aceitar, pela razão óbvia de que ele teria que
dizer que não há nada de moralmente errado com o Holocausto, que tudo é permitido, até
matar seu pai para ficar com a herança dele, e coisas assim. Isso, claro, não refuta o que
Harman chama de niilismo extremo, só o torna indigesto, talvez uma bala difícil de
morder.
Mas ele não pensa que ele é uma consequência necessária do que estamos dizendo.
Há tipos moderados de niilismo, que não afirmam que a moral é uma ilusão a ser
superada. Ele cita dois que afirmam que a função do discurso não é a descrição de fatos
morais, mas a expressão de sentimentos ou de prescrições que aplicamos a nós e aos
outros. Parece claro que Harman refere-se aqui, respectivamente, ao expressivismo (ou
ao emotivismo) e ao prescritivismo universal. O “niilismo moderado” do Harman parece
ser simplesmente o que se entende comumente por “não-cognitivismo”. Ele tem a
vantagem, em comparação ao abolicionista, de não legar à moralidade a condição de uma
ilusão, menos ainda, uma ilusão perniciosa . Mas ele ainda está em conflito com o senso
comum, nossas práticas linguísticas e, supostamente, pensamento. Usamos “é verdade”
para expressar concordância moral, falamos como se as pessoas soubessem ou não de
verdades morais, e usamos predicados morais como se eles referissem a propriedades
morais. Ele novamente destaca que isso não refuta a teoria, somente levanta a questão de
se podemos entender a relação da ética com a observação, sem levar em conta nossa visão
cotidiana.
Uma objeção de um não-cognitivista parece ser que não precisamos
“desconsiderar” a visão cotidiana, mas explica-la. A semântica superficial da moralidade
é realmente cognitivista, mas talvez essa semântica superficial seja explicada por um nível
semântico mais fundamental de caráter não-cognitivo. Talvez esse seja também de
discussão interessante.
B) Estratégia Reducionista e Naturalismo Funcionalista

Dissemos anteriormente que fatos morais não parecem ter papel explanatório em relação
à nossas observações morais. Mas e se fatos morais forem redutíveis a fatos de outro
domínio que tem? Dizer que um domínio x é redutível a um domínio y é dizer que
domínio x é y, e nada mais. Parafraseando um exemplo do Harman, uma afirmação como
“a mulher brasileira, em média, tem 2,5 filhos” não implica que haja um mulher com 2
filhos e metade de outro. Os fatos sobre “média” superevém de fatos sobre indivíduos do
domínio pertinente, não é um fato adicional; o discurso sobre “média” é somente um jeito
de falar dos fatos de outro domínio. Fatos sobre média de filhos das mulher brasileira
média não são diretamente observáveis, e tampouco ajudam a explicar fenômenos
concretos, mas eles supervém de fatos acerca da maternidade individual, o que parece
indispensável à demografia, por exemplo.
Um caso mais sério, que é frequentemente comparado com a moralidade, é o da
cor. A cor é redutível a fatos acerca de cumprimento de onda, superfície dos objetos e
nosso aparato perceptual. Novamente, não parece haver razão, ao que parece, para afirmar
que há “qualias” de cores flutuando acima e além da nossa neurofisiologia. Alguém
inclinado a considerar qualias como epifenomenais, não precisará ter seus qualia de cores
navalhados, desde de que possa aceitar que não existem fatos de cores acima e além de
atividade cerebral, mas que eles simplesmente supervém a ela. Talvez com a moral
possamos fazer o mesmo, reduzi-la a fatos que nos ajudem a explicar algumas
observações. Mas, assim como acontece com a moral, enfrentamos o problema de não
sabermos ao certo como fazer essa redução, porque é difícil saber exatamente quais são
os fatos físicos relevantes para uma redução das cores.
A estratégia do Harman nesse ponto parece a mim um pouco curiosa. Ele está
conjecturando que a redução do domínio moral a um domínio moral seria a salvação da
moralidade, quando, não raro, a estratégia da redução é usada precisamente para o oposto:
eliminar o domínio de entidades reduzido.
Podemos aplicar essa estratégia para outros domínios avaliativos, que não a moral.
Uma faca é uma boa faca se corta bem. Cortar é a função da faca, e “função”, “cortar
bem”, e, por fim,” ser uma boa faca” obviamente não são aspectos fundamentais da
realidade, mas são supervenientes, redutíveis, a um conjunto de outros fatos: a forma e
material da faca, os interesses dos fabricantes e usuários, e etc. O que se diz sobre
utensílios, podemos dizer sobre orgãos. Um “bom coração” é definido por quão adequado
um coração é em relação à sua função, e tal coisa é superveniente. Com a diferença de
que a função não é dependente de nossos interesses, mas de sua relação com o o
organismo. Outros juízos avaliativos parecem responder a interesses, que variam de
indivíduo para indivíduo, contexto para contexto. Uma “boa carne” pode ser uma carne
gostosa ou uma carne nutritiva.
Então, embora valores não tenham, eles mesmos, papéis explanatórios, eles
podem, em muitos casos, ser reduzidos a fatos naturais, via as noções de função e reposta
a interesses, que têm. Mas isso aplica-se à moral? Bem, a moral enfrenta uma dificuldade
de especificação de interesses e papéis, para determinação da propriedade moral
relevante, porque dilemas morais colocam precisamente em jogo interesses conflitantes.
Pense no caso do trolley ou do médico. Não é trivial saber quais fatos seriam, ao mesmo
tempo, os fundamentos da propriedade moral e, de alguma maneira, relevantes para a
observação. O naturalismo depende de sua capacidade de responder à essa dificuldade.
C) Niilismo ou Naturalismo?

Não é nada claro se estamos justificados a escolher niilismo ou naturalismo. O niilismo


lida muito bem com o fato de que supostos fatos morais não tem papel explanatório: é
porque eles não existem. Por outro, a versão extrema (abolicionista), tem dificuldade em
lidar com nossa intuição de que há coisas que são moralmente indiferentes para nós. O
niilista moderado (não-cognitivista) precisa lidar com a semântica superficial do discurso
moral que é cognitivista. Por fim, o naturalista tem a tarefa de especificar os fatos aos
quais reduzem-se os fatos morais ou mostrar como é possível que se reduzam a partir de
padrões avaliativos vagos.
Deixando de explicar Harman um pouco, a distinção entre naturalismo e niilismo
apresentada por ele é bastante sutil. O fato moral do naturalista é dependente de padrões
avaliativos, que parecem ser dependentes de elementos não morais que o abolicionista
pode estar inclinado a colocar “no lugar” da moral. Embora, claro, o naturalista não tenha
a atitude eliminativista do “niilista extremo”, parece difícil ver como sua metafísica pode
ser assim tão diferente. Parece que só estão enfatizando elementos diferentes. Isso é mais
claro ainda em relação ao niilista moderado. O niilista moderado crê que não existem
fatos morais, e que quando falamos moralmente estamos expressando uma prescrição ou
um sentimento moral, aprovando ou reprovando um ato. Mas não parece plausível que o
niilista afirme que sua atitude é completamente insensível ao mundo, que nossa reação é
completamente independente do próprio mundo, e parece que ao reprovarmos um fato,
segue-se trivialmente que o fato tem a propriedade disposicional de ser reprovável para
quem o reprova. Uma propriedade disposicional é um poder causal: se eu reprovo o
holocausto, na medida em que minha reprovação é obviamente causada pelo holocausto,
temos uma condição suficiente para o holocausto ter a propriedade disposicional de ser
“reprovável para mim”, que parece cara ao naturalista, mas que parece estar somente
implicitada no suposto rival niilista. Assim, as diferenças parecem agora muito menos
radicais e substanciais do que pareceriam à primeira vista. Mais um bom ponto para
discussão.
D) Argumento da Questão Aberta e o Naturalista Redefinicional

O niilista moral pode estar inclinado a acusar o naturalista de falácia naturalista. A falácia
naturalista, em síntese, consiste em inferir, de modo supostamente falacioso, prescrições
de descrições. Há sempre um fosso lógico entre premissas descritivas e conclusões
prescritivas, que bloqueia a inferência, e a torna falaciosa.
O naturalista parece estar inclinado a descrever prescrições na forma de
imperativos hipotéticos do tipo:
O sujeito S deve realizar o ato A, sse, A tiver uma determinada propriedade P, que satisfaz o
interesse relevante I.

O niilista pode conceder que para S realizar A satisfaz I, mas de onde tiramos que S deve
satisfazer I? É essa a questão aberta, que o naturalista parece ter dificuldade em responder.
Às vezes esse argumento é apresentado, na como uma refutação ao naturalismo em geral,
mas a um tipo de naturalismo, o chamado naturalismo “definicional”. Esse tipo de
naturalismo pretende definir moralidade em termos de fatos naturais. Por exemplo,
“moral é aquilo que maximiza a felicidade”, considerando a felicidade superveniente a
fatos naturais. O naturalista definicional afirma que o significado de afirmações morais,
é, na verdade, definicionalmente, uma descrição de fatos naturais: o ato A é moral, se tem
a propriedade natural de maximizar a felicidade para um maior número. O argumento da
questão aberta ataca precisamente esse ponto.
Um outro tipo de naturalismo é o naturalismo redeficional. Ao invés de descrever
a semântica ordinária de juízos morais com descrições de fatos naturais, o
redefinicionalista rejeita a semântica ordinária como confusa, e procura substituir o
discurso moral ordinário por uma semântica sobre o dever, mais clara e coerente,
concebida em termos de descrições de fatos naturais. O redefinicionalista pode conceder,
por exemplo, que no caso do médico, o utilitarismo dá a resposta “errada” pelos
parâmetros da moral ordinária, mas ele a impugna. A semântica moral ordinária por ser
confusa e incoerente pode dar, em comparação aos fatos naturais relevantes ao dever, a
resposta errada. Melhor é substitui-la pela descrição dos fatos naturais relevantes.
Harman considera essa uma posição inteligível, mas que não passa sem suas
própria dificuldades. Em primeiro lugar, precisaria ser mostrado, mais que afirmado que
o discurso moral ordinário é confuso; segundo, há o risco de que o redeficionalista, na
verdade, escorregasse entre definições ordinárias de dever e sua própria definição. Para
evita-lo, seria melhor que o redefinicionalista simplesmente desistisse da terminologia e
a substituísse completamente por uma terminologia utilitária, o que o aproximaria mais
de uma forma extrema de niilismo do que de um naturalismo.
Essas objeções me parecem contornáveis. Parece uma hipótese muito plausível
que o discurso moral ordinário é realmente confuso. Não é implausível afirmar que a
moral ordinária é uma colcha de retalhos de tabu irracional religiosamente motivado,
cálculo utilitário, expressão irrefletida de sentimentos, condicionamento social, e etc.
Quanto a segunda, parece realmente haver uma afinidade entre o redeficionalismo e o
niilismo extremo, mas ele tem a especificidade de fornecer uma base natural para
prescrições que um niilismo extremo por si não fornece. Talvez a proximidade seja, ao
invés de um sinal de incongruência, uma complementariedade benéfica.
Conclusão
Vimos que observações, científicas e morais, não são ingênuas, mas condicionadas à
esquemas conceituais e educação teórica, e que, portanto, não é isso o que diferencia
teorias científicas de morais. A moral é diferente das ciências empíricas e da matemática,
porque o compromisso ontológico com fatos na ciência e na matemática, tem um papel
explanatório que fatos morais não tem. Vimos também que o niilismo moral, entendido
como a tese de que não há fatos, conhecimento ou verdade moral, não é consequência
necessária dessa premissa, embora ele não seja uma resposta implausível. A redução
naturalista de fatos morais a fatos que podem exercer papel explanatório parece uma
resposta promissora ao problema, sem cair em niilismo, embora ela enfrente o problema
de que não é fácil saber exatamente a qual domínio de fatos a moral deve ser reduzida,
além da objeção da falácia naturalista apontada pelo niilista. Uma maneira de enfrenta-la
é não definir moralidade em termos morais, mas abandona-la como confusa e
incongruente, e simplesmente redefinir a prescrição em termos de propriedades naturais.
O texto não nos permite decidir entre niilismo e naturalismo, mas nos esclarece
como as teorias se distinguem, seus pontos fortes e fracos, e como se aproximam mais do
que pareceria à primeira vista.

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