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FUNDAGAO EDITORA DA UNESP FUNDAGAO OSWALDO CRUZ EDUARDO MARQUES Prdn CARLOS AURELIO PIMENTA DE FARIA dent de Enso, (Orgs.) comune inde ne i tare | sAusnor Edo! eprrora riocruz A POLITICA PUBLICA COMO CAMPO MULTIDISCIPLINAR eH editora unesp FISeRuz | | | AS POLITICAS PUBLICAS NA CIENCIA POLITICA Eduardo Marques Este capitulo sumariza as trajetérias do enfoque da Cigncia Politica sobre as politicas pablicas desde as primeiras formulagées, nos anos 1930 @ 1940, até 0 periodo contemporaneo. O principal objetivo do trabalho ‘mapear em grandes linhas os referenciais tedricos que informaram os estu- dos sobre politicas piblicas no interior da Cigncia Politica, no Brasil eno exterior. Nao tenho a intengdo de discutir os enquadramentos que as poli- ticas publicas tém sofrido pela literatura brasileira, tarefa jé realizada por Melo (1999) e Figueizedo (2010), mas discorrer de forma resumida sobre os rincipais modelos teéricos e analiticos que a Ciéncia Politica desenvolveu para analisar 0 Estado e suas politicas. Embora de forma bastante resu- mida, essa recuperagio tem por objetivo contribuir para a sistematizagio mais ampla das perspectivas dis. icas empreendidas r0, e dos didlogos estabelecidos entre elas, nesse caso observadas a interpretagdes da Ciéncia Politica Como nio poderia deixar de ser, a escolha dos autores e as énfases estabelecidas sio produto de minha interpretagio dessa sequentemente, tém carter eminentemente autoral.’ Como vamos ver, ares sobre as pol feratura e, con- muitos deslocamentos ocorreram ao longo dos tltimos cinquenta anos nessa literatura, reduzindo a importincia da racionalidade e do proprio processo de decisio na formulagao de politicas, trazendo para o centro das anilises outros momentos do ciclo de produgio de politicas, como a forma 24 eDuaRDo MARQUES io da agenda e sua implementagdo. Essas mudangas de enfoque desta- ‘caram ainda crescentemente 0 papel das agéncias estatais, burocracias € instituigdes, por vezes de forma isolada, ou as vezes em configuragées de lores em interagio, assim como o papel das ideias e valores na produ das politicas pablicas. Entretanto, se pudesse destacar um tinico elemento que sumarize esses deslocamentos, este seria a crescente politizagio do icas, entendidas cada vez mais como pro- por diversas dindmicas de poder, embora em constante interagio com os ambientes inst proceso de produgio de cessos complexos, atravessa nitivos que as cercam, ambientes esses também construidos ativamente pelos atores. Antesde tudo énecessirio localizaro que sio politicas pablicas. Embora haja varias definigées, parto aqui da ideia de que se trata do conjunto de ages implementadas pelo Estado e pelas autoridades governamentais em tum sentido amplo. Trata-se do estudo do “Estado em ago”, na feliz for- mulago de Jobert e Muller (1987), e, portanto, estudar politicas € analisar por que ¢ como o Estado age como age, dadas as condigées que 0 cercam.? O inicio dessa trajet6ria foi marcado por certa indisting%o, caracteristica do periodo de formagio das disciplinas, das contribui tragdo piblica com aquelas propriamente oriundas da s da adminis- éncia Politica ‘As primeiras andlises de politicas:apresentavam uma superposi¢ao de preocupagées operacionais e normativas com outras de natureza analitica (Minogue, 1983). No campo da administracéo publica desenvolveram- ‘e estudos mais centrados em preocupagées operacionais e propositivas, tendo por objetivo sugerir caminhos para melhorar o funcionamento das politicas e do Estado. O viés analitico, diferentemente, marca de forma 2 Consoquentemente, cada peropectiva de anil sobre as politica se inpizou em torias respito da natura. do funeionamentoe das areteristicas do Estado. Ents tis perspect ‘vas figuram principalmenteo pluralism, o mardamo, a tora ds elites €oneninsitc publica a6 anos 1970 éde inspiraglo pluralist, embora com influéncias pontuais do marxismoe da teoria das elites. A partic dos Jonalismo influencia creseentoment as andlises, mas em diversas perepectvasrecentes as raze pluraistas ainda se fazem sentir, Quando pertinent, siuare 6 leitor quanto aoe elementos teérieae mais geais que emolduram os modelos de 13 E interesante observar os paraleismos dessus perspectives nos capitulo de Marta Santos Farah ede Peter Spink, nesta coletinea ASPOUITCAS PUBUCAS NA CIENCIA POLITICA 25 mais clara os limites da Ciéncia Politica, dedicada a compreender e anali- sar as politicas eo Estado. Além disso, quando questdes operacionais esto preocupagées, de uma forma geral, os problemas enfrenta- dos pelas politicas so pensados como processos eminentemente téenicos a serem resolvidos tecnicamente, enquanto um olhar analitico tende a consi- derar os mesmos processos como complexos, plenos de conflitos e gerados por varios centros de dinamica A separagio dentr Iiticas foi sumamente iteraturas predominantemente normativas e ana- jortante para 0 desenvolvimento de um campo as pébli todas as andlises partam de horizontes normativos. Isso porque as politicas pabli lade — um, ica e outro sobre o efeito de anilise sobre as p s, embora evidentemer cas envolvem a considerago de ao menos dois tipos de causal sobre as causas do problema a ser objeto da p pretendido da politica sobre tal problema. A maior parte das propostas de intervengio contém essas duas causalidades de forma implicita (e no comprovada), o que talvez explique ao menos parte dos insucessos obtidos com certa frequéncia, Os modelos analiticos, entretanto, tém que explicitar tais causalidades sustentadas (ou presumidas) necessariamente e de forma independent dos objet imos das politicas, sob risco de cometer grandes confusdes. Embora evidentemente ainda des yegamos muitos dos elementos envolvidos, a trajetéria das tiltimas décadas levou & forma- 0 paulatina de conhecimento cumulative a respeito das p ticas que nos permite entender com algum grau de detalhe, nos dias de hoje, os processos que cercam as agées do Estado. Precursores - Behaviorismo, sistemas e decisio igo da preocupago com as politicas € uusualmente datado pelo trabalho do cientista politico norte-americano tivo especialmente em estudos sobre a midia e as comu- nicagées entre os anos 1930 e 1970. Lasswell sustentava uma interpretagio ta da politica baseada na 62s, tendo inclusive desenv a pela qual as massas seguiam as lideran- ido conexées entre a psicol o ae a questo ideia de que a pol sea “quem, obtém © que, quando e como", a anilise de Lasswell (1936) se situava 26 EDUARDO MARQUES inteiramente no interior do behaviorismo, considerando que 0s elementos, icados se baseavam no comporta duos. No bojo dessa concepgio, o autor defendev nto dos indi- wsigio de uma analisecientifica do governo no que denominou de policy analysis, de forma importantes a serem an: dispersa ao longo de suas obras publicadas nos anos 1930 e 1940 € mais claramente a partir do fim dos anos 1940, No centro formulacdo de tal ‘ciéncia do governo” estava a busca de compreensio dos efeitos dos contex- tos sociaise politicos que cercam as politicas, assim como a centralidade da racionalidade nos processos de decisio. A racional ticas era considerada como sinépti resumida, mas abrangente, A decisio, organizada a partir de tal racionali- dade, era considerada como © mais importante momento da produgio de lade envolvida nas poli- ~ que permite acessar o todo de forma politicas pablicas, Outra contribuigio fundadora dos estudos de p de forma paralela e, em parte, superposta, e diz respeito aos trabalhos de Herbert Simon (1947; 1957) no campo da teoria das organizacdes, Simon foi um precursor na aplicagio da psicologia experimental & economia ¢ a compreensio de estruturas organizacionais, assim como do desenvolvi- mento da inteligéncia artificial. Sua contribuigo fundou um entendimento comportamentalista da escolha diferente da entio prevalente, com base srentemente, ancorou sua interpretacdo jtada (bounded). Segundo essa itada pela informagao em decisdes sinépticas. Simon, da decisto no conceito de racionalidade perspectiva, a racionalidade dos indi disponiv recursos limitados de que dispdem para deci por suas caracteristicas (e restrigGes) cognitivas ¢ pelo tempo e i. Essa interpretacao se afasta da ideia de que decidir significa otimizar, ou de que seria possivel planejar ‘ou mesmo escolher de forma sinéptica, considerando todas as alternativas em todos os cenarios, visto que tod tages da cognicéo humana, assim como pelas condisées organizacionais, que cercam a decisdo, denominadas de “estrutura do am por Simon (1945). A existéncia dessas limitagées circunscrev lidade na decisio, embora nao a tornasse irracional. Partindo dessa si tentava a possibilidade da construcio de conhecimento sistema- sobre 0 “comportamento administrativo”, o que levaria a compreensio do decisor e, consequentemente, das politicas por ele decididas. Na ver- dade, a centralidade da decisao em seu quadro conceitual é tio grande que » processo é influenciado pelas limi- te da decisio”” ASPOUITICAS PUBLICAS NACIENCIAPOLINCA 27 para ele o ciclo das politicas, ou 0 conjunto de fases em que se pode dividir © proceso de produgao de politicas, incluiria apenas “inteligéncia, dese- ho e escolha’ la producio concreta das politicas, e se restringindo 4 preparagio e & tomada de decisio. Ainda no inter ximas da Giéncia Politica, se situou também nas décadas terminando, portanto, antes mesmo do i do behaviorismo, mas com preocupagées mais pr6: 1940 19500 cientista politico canadense David Easton. Ele pretendia contribuir para a construgao de um arcabougo geral que permitisse a explicagao da “alocasio itica (Easton, 3). Trabalhando com uma representasio do mundo social oriunda da icagao da teoria dos sistemas (Rapaport, 1970) e internamente ao pa- radigma do pluralismo,o autor abordou a vida autarquica de valores na sociedade”, como ele definia a p. de comportamento aberto, influenciado pelas dinamicas de outros sistemas sociais (Easton, 1970). As politicas pabl cadas pelas interagdes entre o sistema de as, em especial, seriam expli ticas, o sistema politico e os demais sistemas, no decorrer de ciclos de produgo de politicas (East 1953; 1965). Embora a ideia do ciclo ja estivesse presente em Lasswell e ‘Simon, a formulagao mais disseminada posteriormente foi estabelecida por Easton. Para ele, a ideia do ciclo estava associada & explicaso da dindmica das politicas, assim como @ insergio dessas no funcionamento mais amplo 108 sistemas sociais. wwamente a produsao da politica em si era deixada de lado na descrigao Jo, sendo apresentada, na verdade, como uma caixa-preta de funcio: namento nio explicado. O centro da anilise estava na interagio entre essa caixa-preta e os demais sistemas, sendo as etapas do ciclo pensadas como discretas e subsequentes. O subsistema das pi as seria impactado por 28 EDUARDO MARQUES inputs (entradas) oriundos dos outros sistemas, em especial pelas reivindi- cages e apoios de grupos de interesse, assim como de dentro do proprio sistema — os withinputs. O sistema geraria outputs para os demais subsiste- ‘mas e para si mesmo, gerando feedback. De uma forma geral, entretanto, as politicas eram entendidas como respostas do sistema a impulsos de fora, sendo 0 Estado pensado como um alocador automatico € técnico que res~ ponderia a conflitos e disputas externas a ele. Assim, o processo de decisio propriamente dito continuava a ser considerado como racional, ¢ 0 ele- ‘mento central das decisio sobre as, icas a ser explicado continuava a ser a tomada de icas, entendida de forma té icas - Incrementalismo e poder © préximo momento importante de avango na compreensio das politi- cas piblicas dentro da Ciéncia Pe seria desenvolvido nas décadas subsequentes, ainda em grande parte no in- terior do paradigma pluralista. Trata-se de uma critica focada inicialmente no caréter racional do processo de decisio, mas que suscitaria varios outros ‘a indicau um dos deslocamentos que deslocamentos, contribuindo para a formagao de uma visio mais com- plexa e conflitiva do processo de producao de politicas a partir do fim dos anos 1970. © ponto inicial desse deslocamento esté nos trabalhos de Charles Lindblom. O autor aceitava a centralidade do momento da decisio, mas discordava que esse representasse um momento de escolha entre solucdes, alternativas para um determinado problema, de forma a maximizar pro- dutos e reduzir custos. Para Lindblom (1959), considerando a opacidade das informagées e os custos envolvidos na prépria decisio, néo seria nem mesmo racional considerar que o processo de decistio se baseasse em gran- des decisées racionais sobre as politicas, ponderadas a partir da a cexaustiva das alternativas e dos respectivos custos envolvidos. A escotha nesse tipo de método implicaria g decisées tomadas, em especial. considerando os intimeros resultados nega- tivos nio antecipados produzides no processo. Ao contririo do considerado atéo momento, Lindblom sugeriu que meios e fins seriam escolhidos mui- ndes custos de retroceder em relago a tas vezes de forma simulténea e 0 processo de deciséo em ICAS NAC 29 “incremental”, estabelecendo pequenas decisdes subsequentes que pode- riam ser revertidas com custos relativamente baixos, processo designado pelo autor de “comparagées limitadas sucessivas” entre alternativas. Essa ideia foi ampliada posteriormente, sustentando que esse tipo de tomada de decisdo ajudaria a solucionar 0 problema da interdependéncia e da coor- denagio em p co que permitiria que cada decisor ajustasse suas, escolhas levando em conta os movimentos incrementais dos demais, no que Lin denominow de _mecanismo de ajustamento miituo das decisées solucionaria o problema da coordenagao sem coordenador. Esse elemento é importante, pois demons. tra o carater intrinsecamente politico do processo de produgio de pol para Lindbloi forma indiret stamento miituo entre parceiros”. Esse envolvendo negociagdes entre decisore: fegory, 1989). A centralidade do incrementalismo no processo de decisio recebeu diversas criticas, sendo uma das mais importantes a desenvelvida por Etzioni (1967). Para ele, 0 proceso de decisdo envolveria dimensdes incrementais, como destacado por Lindblom, eestas seriam inclusive majo- ritérias quantitativamente, mas certos momentos seriam caracterizados por decisdes fundamentais, que eriariam novas linhas e diregbes de desenvolvi- mento de politicas. A partir da reconfiguragao das alternativas produzida por essas decisées fundamentais, os gestores retornariam a executar deci- s0es incrementais, © processo de decisao, portanto, seguiria o que Etzione denominou de “mixed scaning”, no qual o decisor faria amplas exploragées de opgdes sem aprofundamento ¢ com custo menor, optando primeiro por certo caminho estruturante. A partir desse momento, os decisores optariam wesmo que de pelo incrementalismo para as decisées mais pontuais e diuturnas. , focando de maneira precursora os efeitos dos formatos institucio- nais diferenciados responsaveis pelas politicas, ideia que se tornaria muito importante a partir dos anos 1980 com a disseminagao do neoinstituciona- lismo, como veremos a seguir. Pensando nas associagées entre os tipos de conflito ocorridos no icagao das p as constitutivas, cas €0 seu formato, o autor sugeriu s. Em primeiro lugar, Lot 1e esto associadas a criagdo e a transformagaio das préprias regras do jogo politico, em um jogo sobre as regras do jogo, com caracteristicas muito peculiares pelo seu potencial impacto sobre a iachui 30 eDuaroo MaRauES dindmica da distribuigio de recursos no longo prazo, influindo decisiva- mente inclusive nas regras de elegibilidade as politicas. Em segundo lugar estatiam as politicas regulatérias— Delece regras para o funci idades produzidas externamente aele. O terceiro grupo in as distributivas, que envol recursos nio finitos ou mesmo ilimitados, cuja distribuigo no geraria as através das quais 0 Estado esta- Jjogos de soma zero, mas de soma positiva.* Esse tipo de politica tende a apresentar um padrio de negociagio muito pluralista, assim como baixo potencial de onflitos. As politicas redistributivas, finalmente, envolveriam a distribuigdo de recursos intrinsecamente muito mais con! neficios, outro grupo tem que perder ou néo receber. Os tipos de politicas, portanto, dado o seu formato e os beneficios por elas distribuidos, tender. a ter fortes consequéncias para a conformagio dos jogos ¢ dos ambientes icos presentes em cada situagio, influenciando o seu caréter mais ou ‘menos conflitivo. Como veremos, essa proposigao de Lowi € precursora do ‘tucionalismo ao inverter a estrutura causal entre politica e polit tos, gerando jogos de soma zero de natureza a, pois para que um grupo receba be- (politics e policies). Como jé discutido, para o pluralismo, inputs em termos de apoios ou conflitos politicos (politics) levariam o governo a desenvolver ido determinados interesses. Mas se como ra consequéncias sobre os conflitos , proposi¢ao que seria desenvol- ismo nos anos 1980. vida centralmente pelo neoinstituciot Outra importante critica do perfodo ao processo de decisio foi estabe- lecida por Barach e Baratz em 1963, sob influéncia de visdes elitistas de ica deveriam ser analisadas também Estado,* Para cles, as decisdes em pol sob © ponte de vista do que nao se decide, e nao apenas a parti decide. Isso porque, diferentemente do que consideravaa tradicao pluralista ‘Avcxpressfo "jogos de soma zero” tenta desrever a quai para quel stro deve perder. En jogos de soma ps wersamente, 0 ga ca perda de outo, «tdos podem ganhar a0 mesmo tempo. i desenvolvida incialmente na Exropa na pazsagem do século XIX para o XX, mas ganhow grande avango na interpretasio da socidade norte-americana 20 mo de AS POLIMCAS PUBLICAS NACIENCIA POUCA 31 da qual faz parte Lindblom com grande destaque, aluta pelo poder nao seria exercida apenas em conflitos al 's, mas também em conflitos ocultos. ‘A énfase analitica nos conflitos abertos foi defendida explicitamente pelo pluralismo, que sustentava que a ica somente poderia ser estudada de éssemos ao que se pode observar empiricamente, ‘no caso 0s conflitos politicos abertos, suas estratégias e movimentos relati- vos (Dahil, 1961). Para Barach e Baratz (1963), ao contrério, a pi baseada tanto em poder quanto em influénci abertos quanto encobertos. Estes ocorreriam pelo grande viés no que entra- ia na discussdo pi ido na agenda de decisées. Os atores se mobilizariam néo apenas para influenciar 0 processo de decisio, forma objetiva se nos ati e envolveria tanto conflitos ica e no que seria incl ‘mas para limitar ou ampliar 0 que entra ou nao entra nesse processo, no que denominam de “mobilizagao de vies”. Nesse sentido, estudar politicas é estudar também as nio decistes, na verdade plenas de decisdes, Posteriormente, essa critica a consideragao exclusiva dos conflitos abertos no estudo das politicas e do Estado foi expandida por Stephen Lu- kes (1974), seguindo a influéncia das teorias do Estado marxista’e elitista. Para ele, 0 exercicio do poder e a luta px ‘também poderiam operar na formacao de preferéncias dos atores, enviesando 0 conjunto dos elemen- tos que se encontram sob discussdo através do uso de ideologia, entendida como ocultagao de interesses. Nessa terceira forma de poder, certos atores influenciariam 0 que outros atores desejam, e certos conflitos no chega: 8, pois permaneceriam “latentes”. A laria acesso, portanto, 20 conjunto da lo e em torno de suas agies. le no processo de decisio também foi iam nem mesmo a se tornar ecu! mera observagio dos conflitos nai Marquet (1997) 32 EDUARDO MARQUES ucionalista que se desenvolveria nos anos 1980. Trata-se do chamado ‘modelo da lata do lixo” de Cohen, March e Olsen (1972). Para eles, seria equivocada a representacao do processo de deciso conforme concebido pelos trabalhos cléssicos, segundo a qual, considerando abjetivos e prefe- réncias preexistentes seriam escolhidos meios para a solugao de um dado problema, obtendo-se o melhor a partir de célculo sinéptico. Os autores sustentaram que, dadas as restrigdes orgamentérias € operacionais que cercam a produgao de politicas na quase totalidade das vezes, 0 processo de deciso ocorria ao contririo, com os gestores escolhendo o problema a enfrentar em fungdo das capacidades administrativas j4 instaladas © existentes, O processo teria, portanto, um carter bastante inercial e di a existéncia de solugées prévias Tevaria 3 escolha de certos problemas ¢ no ao contrétio, como imaginado recionado pelas capacidades do Est: até entio. Criticas ao ciclo, implementagao e mai De forma paralela, a0 longo de todo esse periodo se conformou uma critica ampla, mas difusa, as formulagées originais sobre o ciclo de ticas presentes até a década de 1950. As contribuigées de diversos autores 0 longo dos anos 1970 e 1980 mostraram que as representagées anteriores, eram racionais e lineares demais, desconheciam a existéncia de varios niveis, de governo e ciclos concomitantes, assim como as diferengas nas formas de articulagio entre etapas em politicas distintas. Como consequéncia, esses autores consideravam 0 processo demasiadamente organizado, desconhe- cendo a superposisdo das etapas, ao mesmo tempo que tendiam a pensar ‘ processo de forma apolitica ou excessivamente técnica ou gerencial. Para alguns (Sabatier; Weible, 2007), essas caracteristicas tornari ideia do ciclo, mas considero, acompanhando autores como Hill e Hupe (2009), que a representaao das pe ‘uma importante ferramenta heuristica e descritiva, que pode fornecer um primeiro mapeamento da configuragio de cada politica especifica, a ser complexificado apés a compreensio dos detalhes que cercam a politica sob estudo. ‘A trajetéria do conjunto da literatura desde 0s anos 1950, portanto, flexi icas através do ciclo se apresenta como 11 a importincia da racionalidade no processo de decistio. A ASPOUMICAS POBLICASNACIENCIA POUCA 33, centralidade dessa fase na explicagao das politicas, entretanto, seria colo- ‘cada em xeque apenas a partir dos anos 1970, em mais um deslocamento de grande porte nas andlises. Diversos autores de uma primeira geracdo de estudiosos da implementago, mas especialmente Pressman e Wildavsky (1973), sustentaram de forma eloquente que a implementagao transforma ria substancialmente as politicas. Ou, olhado de outro angulo, a decistio seria a etapa central das politicas apenas se o processo de implementagao fosse per (0 (Hogwood; Gunn, 1984). Como os recursos financeiros © operacionais sio finitos, as como o controle sobre a implementagio est nas méos de inémeros atores diferentes dos decisores ou dos elaboradores das politicas, @ implemen: tagiio transformaria as politicas de forma inexoravel, e ndo apenas quando essa se desviasse das trajetdrias previstas pelos decisores desde cima, Consequentemente, a implementagdo deveria ser necessariamente objeto formagges amplamente incompletas, & de preocupagées muito mais intensas nas andlises do que havia sido até o momento. ‘A defesa da centralidade da implementagao foi complementada por uma segunda geragio de estudiosos, para quem os decisores nio seriam capazes de estabelecer e desenvolver p: 6 topo da estrutura sempre se estabeleceriam sobre politicas anteriores, tornando 0 proceso ‘muito mais complexo, e certamente nfo apenas se originando de cima, mas também de baixo, das estruturas organizacionais (bi sentido, a implementacao representaria uma “ordem negociada” (Barrett, 2004), envolvendo também miltiplos atores em relagio, como veremos mais adiante. O auge da defesa da constituigao de um modelo bottom-up para o estudo das politicas sustentaria normativamente que politicas no deveriam ser estabelecidas desde cima, levantando argumentos associados ao carater democratico das decisées a serem tomadas. A partir do grande deslocamento produzido pelos estudos de implementagio, desenvolveram- -se crescentemente andlises que pensaram 0 processo de baixo para cima, ou simultaneamente de baixo e de cima, e que centraram a sua atengio no momento da implementacao. “Talver a defesa mais forte da relevancia da implementagio tenba sido formulada por Lipsky (1980) a respeito do que denominou de “burocra- cias de nivel da rua”. Apés estudar, nos anos 1960 1970, burocracias 34 EDUARDO MARQUES diretamente envolvidas com a entrega de servigos puiblicos ~ policiais, funcionérios municipais, professores e atendentes do servigo de satide, por ‘exemplo-, 0 autor formulou uma teoria ampla sobre aimplementagio final das politicas. Essa teoria parte da constatagao da necesséria adaptagao de regras e procedimentos de politica para a sua aplicagao final, sustentando a existéncia, em qualquer polit ou aexisténcia de um razoavel espago para decisées por parte do implemen- tador final. Os implementadores, portanto, séo também sempre decisores. A discricionariedade pode alterar substan cios, 2 elegibilidade dos beneficiarios, assim como 6 padrdo € os tempos de atendimento. Se por um lado esses elementos demonstram a impor cia dessas burocracias, evidenciam também a existéncia de novos conflitos , do que denomina de “discricionariedade”, .Imente o escopo dos benefi- entre niveis diversos de chefias, usuirios de servigos e politicas ¢ burocratas de nivel da rua. Lipsky retratou estes iltimos como esgarcados entre aleal- dade despersonalizada as regras do Estado —a la Weber —e a personalizagio completa que caracteriza 0 contato com os usuérios finais eaentrega iltima de politicas. 'Até ha pouco tempo eram raros no caso brasileiro estudos centrados na implementagdo, mas recentemente muitos trabalhos de qualidade tém_ sido desenvolvidos, como os contidos em Faria (2012). No interior dessa linha de andlise em construgio no pais, merecem destaque estudos sobre coordenagao na produsio de politicas (Costa; Bronzo, 2012), sobre buro- cracias implementadoras (Pires, 20123; 2012b) ¢ sobre burocracias de nivel da rua (Lotta, 2012a, 2012b). Outra vertente do enfoque na implementacao desenvolvida a partir dos anos 1970 disse respeito & concentragao do processo de decisio em centros ‘mais ou menos autérquicos de decisio. A anilise de processos de produgao de politicas demonstrou fartamente que com muita frequéncia as io eram geradas por decisores isolados entre si e de outros atores sociais, ‘0 que torna central o estudo tanto da coordenagio entre eles quanto dos diferentes padres de atores presentes em cada situasio especifica, Esses padres poderiam tomar o formato de grupos de interesse, dos chama- dos tridngulos de ferro,* no interiox da tradicao pluralista (Fiorina, 1977), AS POLIICAS PUBUICAS NACIENCIAPOUTICA 35 bem como dos atores em interagdo no interior de comunidades de pol cas. Assim, desde a contribuicéo fundadora de Heclo (1978) sobre o que le denomi de “issue networks”, uma vasta literatura importou métodos de andlise de redes sociais para o estudo de p redes é uma perspectiva tedrica e metodolégica que considera que os mais variados fendmenos sociais deve ser analisados levando em conta os padres de relagio entre as entidades sociais envolvidas com o fenémeno. A partir dos anos 1970, 0 método tem sido crescentemente ut Ciencia Pe embora nem sempre incorporando com pletamente a ontologia relacional que fundamenta a chamada sociologia relacional, rais da influéncia”, uma ampla literatura sobre o tema demon as sio 0 produto de interagdes complexas entre diversos atores, internos e externos ao Estado. A literatura nacional também tem desen- volvido trabalhos nessa dire¢ao, explorando, por exemplo, a ideia de policy ‘es (Cortes, 2007), analisando diretamente as redes nelas presen- tes (Marques, 2000; 200: igando a importancia das redes pessoais dos burocratas na implementacao (Lotta, 2012b) ou estudando o efeito das ‘as sobre redes de comunidades (Pavez; Toledo; Gongalves, 2012) 1u sobreas redes pessoais de beneficiados por politicasde habitagao (Soares, 2012). Essa literatura nacional tem estabelecido um deslocamento da cen: tralidade da deciséo sustentada pela literatura das policy networks, assim como do destaque quase exclusivo a atores institucionais e a relagées for- jonais, desconsiderando elemento: coma" wzacio de viés" e com os “conflitos latentes”, portin- cia ja discutimos anteriormente (Marques, 2012). Nesse sentido, as redes 36 eovaRDO MARQUES indo representariam apenas formas de articulagao de interesses especificos, organizacionais ¢ intencionais, como descrito pela ideia dos triéngulos de ferro. A anilise de redes representaria um conjunto de ferramentas ‘métodos para acessar os mais diversos padrdes de relagdo presentes ne- cessariamente em todas as situagées sociais, embora com conformagbes completamente distintas a depender dos casos. Essas conformagies da- riam lugar a constituicdo de “tecidos relacionais do Estado” diversos, com importantes consequéncias para a produgio de politicas em cada caso € para a conformagio hist6rica de diferentes Estados (Marques, 2012), Um tiltimo deslocamento ocorrido desde os anos 1970 diz respeito as Jo de politicas. Embora destacada como uma ebido classicamente, aava- investigagées sobre aval ima etapa do ciclo de pol fo foi sempre considerada periférica em termos explicativos, recebendo pequena atengao. Além disso, até os anos 1970 pelo menos, a avaliagao de politicas era realizada com base em modelos racionalistas derivados de cél- culos de custo-beneficio e do desenvolvimento de técnicas para avaliagio de impacto, em especial correlacionando a formulasio eos desenhos gerais das ppoliticas com os seus resultados, tanto em termos de aleangas os resultados pretendidos (eficacia), como da anélise econémico-financeira comparativa entre alternativas (eficiéncia) ou do impacto sobre o problema considerado (cfetividade). Na maior parte dos casos esses estudos eram fortemente mar: cados por preocupagdes propositivas, j4 que a avaliaglo é a area da policy analysis na qual os estudos sobre ages do Estado, no sentido do foco central deste texto ~ mais se confun- cas — investigagdes a respeito das dem com os estudos para politicas ~ diretamente orientados para a a¢a0 (Gordon; Lewis; Young, 1993). A trajet6ria desde entao tem sido de incor- poragio de maior complexidade na compreensio das politicas piblicas. No que diz respeito aos estudos sobre avaliagio de politicas, a trajetoria dessa literatura, ainda muito pouco desen ‘aria, 2005), tam- bém foi de crescente politizacao. As tiltimas duas décadas sugeriram que o processo de produgio de politicas, os detalhes de desenho e de implemen. tago, assim como os conflitos e dinamicas inerentes ao desenvolvimento das agGes do Estado, sio todos sumamente importantes para a avaliagio das politicas, levando a defesa da constituigdo de analises politicas das pol cas (Figuéiredo; Figueiredo, 1986), de forma a que se produzam avaliagbes menos ingénuas, para usar a expressao de Arretche (2001) [AS POLITICAS POBUCAS NACIENCIA POLITICA 37 A partir dos anos 1980, o estudo de politicas no interior da Ciéncia Politica sofceu outro importante deslocamento sob a influéncia do neoins- ado “histérico”, por ter se debrugado muito mais intensamente sobre o préprio Estado e suas instituigées no estudo das politicas. Esse deslocamento € especialmente importante para pensar a, na qual o Estado foi cas, marcando cor sucionalismo, em especial o usualmente denon historicamente centr Jegado ou trago constitutivo nosso sistema politico, nossos sistemas de poli ticas e nossa sociedade. lista jé foi amplamente resenhada (The- , 2003; Limongi, 1994), cabendo aqui apenas mengio a seus avangos sobre o estudo das politicas. Embora haja jnstitucionalismos, o que ha de comum entre eles éa centralidade igdes, embora néo se parta de uma definicéo precisa do que ., nem mesmo de um consenso sobre os seus efeitos especificos. Nao se trata, portanto, de uma teoria unificada, mas de um campo de ar incipais correntes sioada racional, a sociol6gica, ea histérica, mas é a terceira que ressa neste capitulo, dada a sua énfase no estudo do Estado ¢ das p Desde suas primeiras formulagées, 0 neoinstitucionalismo histérico destacou dois elementos como cent Estado ede suas pi substancialmente heterogéneo. As trés para a melhor compreensio do ticas: os atores estatais, seu “insulamento”, capacidades e poder; € )) @ influéneia das instituigdes enquadrando a esfera da politica (Skoepol, 1985). A primeira faceta da importancia das instituigdes diz respeito ao fato de as agéncias e funcionérios estatais terem autonomia com relagio aos interesses pres es na sociedade e se constituirem como reais atores da dinimica politica, a0 contrario do considerado pelas teorias da p. anteriores — marxismo, teoria das elites e pluralismo. Em todas elas, a8 fontes de dindmica e asZo social se situavam fora do Estado — nas classes 38 EDUARDO MARQUES ce fragées de classe no marxismo, nos grupos de interesse no pluralismo e nas elites e faccdes de elites para a teoria das éncia, externas a ele, que o impactavam como inputs, a lismo), ou pressio, sobredeterminacio estrutural ¢ influéncia (marxismo A recuperagio pelo neoinstitucionalismo de uma visio weberiana de Estado trouxe ca para o seu interior, desta cando a autonomia dos atores estatais em relagdo a sociedade circundante. ara os neoinstitucionalistas, essa autonomia deve ser compreendida como associada ao insulamento, eesti ligada ao fato de as agéncias e seus compo nentes terem identidades, interesses e recursos de poder préprios (Evans, 1993), O processo de produsao das politicas pablicas dependers, assim, da interacdo entre o Estado e os agentes presentes na sociedade, em ambientes institucionais especificos. Esses ambientes sio a segunda forma de influéncia das instituigées sobre a politica, impactando os resultados dos conflitos, as estratégias dos atores, ia agenda de questées a serem objetos de politicas, ‘enquadrando a luta politica através das suas regras ¢ formatos organizacio- nais. Em um sentido amplo, nem mesmo os atores podem ser pensados dissociados dos ambientes 08 cercam e que, em certo sentido, ajudam a conform: , 198). Essa influéncia das instituigBes ocorre de diversas formas. Em primeiro lugar, a formasao das representagSes sobre a politica, a possibilidade de sio todas mediadas pela formacdo histérica tuigdes politicas (Skocpol, 1992; Katznelson, 1981). Em segundo lugar, os ‘grupos de interesse se formam e produzem suas agendas em dilogo com a reprodugio de suas questdes em estruturas organizacionais e agéncias esta~ tais existentes e, portanto, mesmo as preferéncias dos atores politicos so endogenamente produzidas (Hattam, 1993). Em terceico lugar, as institui- ‘Ges politicas medeiam a relacio entre as estratégias dos atores politicos e antago de determinadas politicas péblicas. Nesse sentido, a exis- téncia eo desenho das instituigdes permitem que demandas expressas de formas similares por atores de poder equivalente tenbam resultados total mente diversos dependendo do desenho institucional (Immergut, 1992). Por fim, o encaixe temitico ¢ espacial entre a es agentes sociais e a estrutura das instituigdes influencia em grande parte ira de organizagao dos ASPOUTICAS PUBUCAS NACIENCIAFOLITICA 39 as chances de vité de cada ator, ¢ mesmo as possibilidades de avango itucionalismo produzi importantes impactos na literatura nacional no que diz respeito i andlise de politicas, talvez sendoa persp teérica com maior influéncia recente sobre o debate brasi Exemplo disso sio os estudos a respeito das consequéncias do desenho do Estado sobre nossas p rentes arenas na reforma das; a Cortes; Guliano, 2010) e sobre conjunto de politicas piblicas brasileiras (Melo, 2002), Em termos mais gerais, a literatura nacional tem explorado de forma intensa e promissora a relagio entre federalismo e politicas pal cas (Hochman; Faria, 2013), assim como analisado o lugar do federalismo ro sistema politico brasileiro (Arretche, 2012). ‘Na verdade, como jé vimos, estudiosos das politicasjé haviam destacado elementos dessa ordem, seja na interagio entre tipo de politica e tipo de conflito politico, como destacado por Lowi, na centralidade das solugdes preexistentes, no modelo de March e Olsen, ou nas burocracias de nivel da analisadas por Lipsky. O deslocamento operado pelo neoinstituciona- ismo, entretanto, foi de natureza diversa. No caso do neoinstitucionalismo, trata-se de operar um giro tedrico que permitisse destacar a importincia ges em todas as fases do processo de produgio de politicas, 1s anilises da implementago desenvolvidas no interior do plu- ‘andlise do impacto das: ralismo na década de 1970, tratava-se de destacar a importincia de uma fase especifica do processo de produgao de pol ‘Assim, apés a consolidagio do neoinstitucionalismo como perspectiva de anélise, a realizagio de estudos centrados no desenho institucional, em atores estatais ou no encaixe entre o Estado e seu entorno seminou substancialmente. A diferens: assim como as énfases top-down e bottom-up nas andlises, também foram sendo gradativamente diluidas, a medida que a ané ‘momentos simultaneos se evidenciou como necesséria. Esse ponto de vi ias escalas € fico passou a ser defendido tanto por tedricos da implementagao, como Hupe (2009), quanto por autores que permanecem na linhagem da tradigdo pluralista, como Sabatier (1986). Essas influéncias produzidas nos anos 1970 ¢ 1980 forjaram um con: junto de modelos de anélise ampl te utilizados pela literatura recente: 40 eovardo manauves Partindo da ideia ja expressa no modelo de Cohen, March e Olsen (1972) de que a existéncia prévia de solugGes influencia o processo de escolha dos problemas a serem tratados, John Kingdon desenvolveu nos anos 1980 jum modelo de andlise bastante influente, que pretende explicar ao mesmo ‘tempoamanutengio eos momentos demudangaem pol de novas teméticas na agenda.” Para Kingdon (1984), as ser analisadas por meio da observagio de tr dina de “'policy streams" ~ 0s fluxos dos problemas a serem objetos de politicas, das solugbes de politicas para tratar de tais problemas e da propria din: politica (politics). Na tr cas das préprias questées sociais, assim como dos enquadramentos destas como problemas socialmente reconhecidos. Entre as solugées se incluem desde saberes ¢ inovagSes de ordem técnica até tecnologias de organizasio do Estado orientadas para a produgéo e a implementasio de politicas. A dindmica da politica envolveria a agéo dos atores, 08 conflitos, aliangas € negociacdes tipicos da “politics” ‘As dindmicas de cada fluxo apresentam momentos propicios a cons- jcas deveriam prazo de trés jonadas, que o autor denomina as de mi 5 independentes, mas inter-rel: a dos problemas esto inclufdas as dinami- tituigdio de inovagies nas politicas, mas essas no ocorrem a ndo ser que tais “janelas” ocorram nos trés fluxos ao mesmo tempo, conformando 0 que 0 autor denomina de “janela de oporfunidades”. Embora o alinha mento das janelas de cada um dos fluxos possa ocorrer por acaso, na maior parte das vezes isso acontece pela ago concreta de um empreendedor po- ico (Capella, 2010), que opera em cada um dos fluxos para abrir janelas, construindo o reconhecimento de uma questo social como um problema, incentivando o desenvolvimento de solugdes e a promosio de acordos & aliancas politicas, assim como alinhando todos esses elementos, Também. nese caso, estudos recentes no Brasil tém utilizado esse modelo com bas- tante sucesso, como Menicucci (2007), Menicucci e Brasil (2005) ¢ Rocha ¢ Faria (2004) ‘Umelemento importante presente no modelo de Kingdon e central para ‘oentendimento tanto do surgimento de novas politicas quanto da sua difu- sio diz respeito as ideias. O papel das ideias a havia sido objeto de modelos anteriotes (cf. Faria, 2003; Campbell, 2002), pois embora as formulagdes 1 resenha desea perpectiva, ver Capella (2007) AS POUTICAS PUBLCAS NACIENCIA POUCA 41 classicas tomassem as ideias como dadas, jé nos anos 1970 trabalhos como os de Heclo (1978) sustentavam a necessidade de entender as ideias de forma endégena, compreendendo o seu surgimento e disseminacéo através de processos de " policy learning”. Seo modelo de Kingdon nos indica como ideias novas de pol anteriores, & com a construgao do modelo das «: ion framework da explicagio das pol (Sabatier, 1988) Para Sabatier, a unidade de andlise dos estudos de politicas ser as coalizdes de defesa no interior de subsistemas de politicas. Seu modelo adaptou a representacéo pluralista clissica, sugerindo que os grupos de interesse so coalizées de defesa amalgamadas por interesses comuns, mes as substantivas, de politicas pablicas icas seriam resultado das interagoes € conflitos entre essas coalizdes de defesa de politicas no interior de cada sub- sistema de politicas, por sua vez em interacdo com outros subsistemas. As Bes de defesa ~ “advo- ‘ACF) ~ que as ideias caminham para o centro cay coal icas, integradas aos conflitos politicos entre atores icas deve também pela defesa de visdes px eda sociedade. As mudancas em p coalizdes sio compostas por atores com interesses similares, mas também por crengas (“belief”) similares sobre as politicas. As ideias defendidas por uma dada coalizio envolvem representagées de trés niveis superpostos, todos compartilhados entre os pertencentes a co centro de cada tum deles esto valores, crengas, axiomas ontolégicos e normativos funda- mentais (denominados “deep core values") de aml queap niicleo duro de erengas sobre as politicas, estabelecendo principios funda- s referentes aquele subsistema de politicas (chamados de “policy core ), Em terceiro lugar, e de forma mais superficial, esto estratégias e ferramentas operacionais de politica (ou aspectos secundarios), que dio praticidade ao nivel anterior -a.em tela, Sobre estes e a eles articulado logicamente esté um Ainda de acordo com Sabatier, mudangas podem ser motivadas por trés grupos de raz6es: transformagdes em condigdes econémicas € pol ‘cas mais amplas do que o subsistema (mudangas de governo, da opiniéo piiblica ou em outras politicas); mudangas nas agéncias e burocracias res- ponséveis pela as; e por aprendizado de politicas. Para 0 autor, a opera fundamentalmente no nivel das es~ tratégias e ferramentas operacionais de p a (denominados de crencas, 42 eDuARoo MARQUES secundérias), mas raramente poderd alterar os “core beliefs" ou as posicdes, normativas mais amplas em um dado subsistema. Portanto, as disputas .s no interior dos subsistemas envolvem interesses objetivos, mas associados a representagées do subsistema e da sociedade, Nesse sentido, esse modelo introduz mudangas fundamentais na interpretagao pluralista dos grupos de interesse, a0 integrar aos interesses e estratégias de poder 08 posicionamentos politicos, as crengas sobre as politicas ¢ as identidades na constituigéo dos grupos, como destacado por Cerqueira (2010) no estudo das politicas macroeconémicas no Brasil recente. Seguindo uma linha paralela a essa, mas combinando ideias e redes de especialistas, Haas (1992) desenvolveu um modelo de andlise sobre o papel das comunidades epistémicas nas politicas pablicas, principalmente para o estudo da coordenagio na arena internacional, embora seu modelo seja também utilizavel em contextos intranacionais. As comunidades epistémi- cas so redes de profissionais ¢ especialistas que clamam autoridade sobre conhecimento associado a politicas especificas e comungam um conjunto de crengas normativas, modelos causais, nogbes de validacio empirica e obje: a (Haas, 1992). O argumento parte do pressuposto de que lade crescente das questes que so objeto de p tas so chamadas para fornecer esse conhecimento e acabam por institucionalizar a sua participagio, acumulando poder. O conceito pode ser utilizado para explicar a disseminagio de ideias tanto em comunidades nacionais de politicas quanto em ambito internacional, com a disseminagao ea trajet6ria de redes de consultores, profissionais de agéncias mul ‘eativistas em discusses ambientais (Keck; Sikkink, 1998) e em negociagdes comerciais (Von Bulow, 2005). Outros estudos brasileiros tém utilizado a ideia de comunidades de politicas de forma ampla, embora nao associados ‘ao modelo de Haas, como no estudo da disseminagao internacional de programas de promogao de satide (Hochman, 2007), ou em név nal no interior da comunidade da satide (Cortes, 2007) ou de saneamento (Marques, 2000) infraestrutura (Marques, 2003) Um diltimo modelo recente, desenvolvido por Baumgartener e Jones (1993), merece mencio especial. Os autores retratam 0 processo de pro- lidade, durante os quais o incrementalismo imperaria, mas interrompidos por dugio de politicas como caracterizado + longes periodos de estal ASPOUTICAS PUBLCAS NACIENCIA POLITICA 43. momentos de mudanga concentrada, no que denominam de “eq tir de analogia com teoria de mesmo nome desenvol iredge e Stephen Gould nos anos 1970 para explicar o desen- ada anteriormente por Krasner (1984) para descrever @ trajetéria de icas, mas no seu caso as instituigées eram responsaveis tanto pela longa 1ot inércia institucional) quanto pela ruptura (por colapso das instituigdes existentes provacado por processos externos). No caso de Baumgartner e Jones, a estabilidade também seria reforgada pela inércia advinda do desenho das instituigdes, mas, a exemy riores, também aqui as ideias de sociais se transformariam em problemas de pol de atores, constituindo “policy images", que envolveriam tanto dimensdes cempiricas como apelos emotivos. A conformagio do campo de agao politica ica por ado deliberada seria fortemente influenciada por essas ideias, que estabeleceriam el dades e consti de produce de po quando uma questio saisse de um subsistema de pol iriam atores (True; Jones; Baumgartner, 2007). O processo icas tenderia a ocorrer de forma \cremental, exceto 1s © conseguisse chegar com forca ao macrossistema. Imagens de politica mais gerais e que encontram rebatimento em instituigdes especificas teriam maiores chances de chegar ao macrossistema, embora empreendedores ¢ o desenho institu- cional também possam exercer forte influéncia, Concluindo: a trajetéria dos estudos @ os desafios para o caso bra: piiblicas no interior da Giéncia Politica, ha que se destacar em primeiro \gar a perda da centralidade da racionalidade e do processo de decisao nas, icas. De forma concon ante, a representagio que se tem do processo de politicas e programas novos e antigos. Fases diferentes de pol tintas se encontram muitas vezes imbricadas, tornando a ideia de ciclo ‘uma excessiva simpllificagio dos processos reais. A fase da implementasio 4d eDUAROO MARQUES passou a ser considerada como central, tanto analitica quanto normati- vamente, assim como foram levadas em conta conjuntos mais amplos de atores (em constante interagio), com destaque para aqueles engajados na implementagao direta das politicas. Ao longo de todas as fases do. em especial na formagio da agenda, as visdes de mundo e as ideias sobre os problemas a enfrentar e sobre as proprias politicas se tornaram cada vez ‘mais importantes, Se tivéssemos que resumir em um tinico ponto, 0 processo foi sendo pensado como cada vez mais politico, exigindo uma andlise politica para a compreensio das politicas. O resultado desse deslocamento deinterpretagio tem consequéncias para a proposigdo de solucdes ¢ a melhora das condigBes, de produgo de bens e servigos pelo Estado, mas impacta centralmente na os. De modo que temos de incorporar cada vez mais os atores ¢ contextos envol- maneira como estas sio representadas em nossos modelos vidos, suas estratégias e conflitos, assim como suas crengas e relagdes. Sob ito de vista propositivo, ao final desses deslocamentos a produgio de encontro de uma ideia formulada perfeitamente € 0 objetivo central, e mais com um artesanato, no qual o mais importante é a adequacdo das solugSes 0s problemas, mas também as condigées locais em termos de implemen- tagio e de atores presentes. Por fim, nfo poderia terminar este capit cas para 0 caso brasileiro em desenvolvimento atualmente. Este capitulo deliberadamente nio centrou a atengéo na literatura brasileira, mas apenas citou trabalhos nacionais quando utilizaram diretamente ou problematiza- desenvolvimento da literatura nacional citada até aqui (assim como varios outros trabalhos nao discutidos por causa da exiguidade do espaco disponi vel), entretanto, vem realizando importantes tarefas analiticas que apontam para certos desafios colocados para 0 entendimento das politicas no pais, ‘Ao menos trés fronteiras importantes devem ser citadas. Em primeiro lugar a conexao entre a produsao icas eos estudos recentes sobre processos legislativos, no bojo das relagoes entre Executivo ¢ Legislativo no funcionamento de nossa democracia recente. Seguindo os trabalhos pioneiros de Figueiredo e Limongi (1999), diversos estudos tém, AS POLINCAS PUBUCAS NAIENCIA POLITICA 45 demonstrado como se dé no Brasil recente a formacdo de governo, a cons- trugio de gabinetes peas legislativas eo papel dos partidos em todos esses processos. Todas cessas dimensGes influenciam ou compdem 2 produgio de politicas, sendo isteriais, a composicao de coalizbes, as votagdes de estratégico 0 conhecimento que vem sendo acurnulado recentemente, como 1plo. A construsao de pontes anal ‘amento de burocracias € dindmicas internas ao Estado parece-me ser uma das importantes frontei- ras para 0 estudo de politicas no pais. Em segundo lugar, o periodo recente viu florescer um grande conjunto s focadas nos efeitos de formatos institucionais sobte as, stitucionalista ratura nacional ultrapassou em Se em parte isso expressou a agenda dos estudos de pol muito as contribuigées daquele debate, comparada, 2 lecupando os efeitos de ins bes especificas e superando as formulagdes genéricas tipicas da literatura comparativa internacional por estudos empf- ricos, de mecanismos coneretos que permitem hoje compreender de forma muito mais precisa os efeitos de certas instituigdes sobre nossas politicas, como no caso do federalismo em Arretche (2000; 2002) e em Hochman Faria (2013). A intensificagdo dos didlogos entre essa literatura e a tradigao de estudos legislativos citada acima, que j& comega a ser tecida (Arretche, o levou a especificaga 2012), parece-me bastante importante. Por outro lado, parece-me estraté- sobre os efeitos de formatos institucionais com investigagées mais sistematicas dos process0s politicos que acontecem no interior do Estado e entre suas organizagées ¢ os ambientes politicos que gica a conexio desses est 8 puiblicas. wulagao e na implementacao de pol A terceira fronteira que vem sendo enfrentada nacionalmente diz ento do Estado, aimplementagao de poli- ticas e as suas burocracias e estruturas institucionais. Embora nao se trate de um corpo de literatura unificado, trabalhos de vérias linhas tém con- vergido para que possamos compreender melhor os processos e dinémicas respeito exatamente ao fui internos ao Estado, elemento central para superarmos o carater ensaistico e genérico que caracterizava o tratamento do Estado na literatura nacional de politicas ha algumas décadas. Concorrem para 0 actimulo de conhecimento nessa rea estudos sobre coordenacdo e cooperagao (( jo, 2012, por exemp| a; Bronzo, 2012 € sobre burocracias em diversos de seus niveis 46 EQUAROO MARQUES (Pires, 2012a; 2012b; Lotta, 2012b) ou padrées de conexao entre atores € agéncias (Marques, 2000, 2003), levando em conta os efeitos diferenciados de ambientes institucionais especificos (Marques, 2012). Essa agenda de pesquisa é evidentemente conectada com as duas anteriores, em especial coma segunda Emboraainda tenhamos um longo caminho pela frente, concluocom um tom otimista estas répidas consideragées a respeito da literatura nacional sobre politicas piiblicas. Parece-me que o desenvolvimento articulado recente das trés agendas citadas tem trazido um actimulo substancial de conhecimento a essa area tematica, quando comparado com o patamar em. que nos encontravamos em décadas passadas. Essa produ¢do recente tem avangado de maneira informada pelos paradigmas e debates te6ricos (na cionais e internacionais), reduzindo o risco de feagmentacio analitica, mas ao mesmo tempo tem ancorado fortemente sua produgio empiricamente, especificando efeitos e processos e fazendo avangar nosso conhecimento conereto. A combinagio dessas duas dimensées me parece absolutamente essencial para que possamos melhor compreender nosso Estado ¢ suas politicas. SOCIOLOGIA E POLITICAS PUBLICAS' Soraya Vargas Cortes se de politicas publicas? Sio varias as possibilidades de resposta & pergunta, dada a diversidade de perspectivas tericas e epistemolégicas encontradas na Sociologia contemporinea ea vocacao histérica da disci- plina de se direcionar a todos os objetos passiveis de investigacio que se refiram is sociedades humanas. Tamanha complexidade foi aqui reduzida a duas linhas principais de argumentasz0, ‘A primeira é que a Sociologia oferece & andlise de politicas publicas recursos tedricos para o exame das relacdes entre Estado e sociedade, com énfase nos processos, atores e organizacdes que se localizam principalmente na dimensio societal desse bi ‘mainstream da disciplina tende a apresentar a aco de individuos ¢ gru- pos como motivada ou condicionada por fatores variados. As abordagens sociolégicas podem oferecer modelos tedricos alternatives para analisar mio. A segunda resposta enfatiza que 0 ou predizer o comportamento de atores societais ¢ estatais. Porém, desde atsibui grande relevincia ao autointeresse como motivagio para a ago, assumiu papel 08 anos 1980, a tradigio sociolégica racional/utilitaria, relevante na area das politicas pablicas. (© segundo objetivo deste capitulo é verificar a importancia de temas as na agenda de pesquisas da Sox ia Schabbach e Marcio Barcelo pl te artigoe pela sidadoes que fizeram da pi can sugestes pa

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