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Protagonismo em cena:

Como o trabalho com agentes locais fortalece a prevenção e a promoção


da saúde na comunidade
André de Camargo Almeida
Dr. Alessandro de Oliveira Santos
Profª Dra. Vera S. Facciola Paiva

O presente artigo discutirá porque o trabalho com agentes locais fortalece a


prevenção e a promoção da saúde na comunidade numa perspectiva sócio-ambiental. A
título de exemplo, vamos descrever uma experiência de trabalho com lideranças religiosas
do projeto "Jovens e Religião: sexualidade e direitos entre lideranças católicas, evangélicas
e afro-brasileiras" 1 enquanto pesquisa formativa, onde os agentes locais compuseram a
tecnologia social em ação cujo objetivo era diminuir a vulnerabilidade ao HIV AIDS entre
jovens de comunidades religiosas. Com base em entrevistas feitas com agentes locais desse
projeto, ou seja, usando a experiência viva desses jovens no trabalho, vamos indicar como
essa abordagem tem impacto no nível individual, programático e social da vulnerabilidade.

Introdução

Experiências em comunidades periféricas na América Latina têm mostrado como a


adequada abordagem da cultura e da religiosidade pode oferecer respostas superiores se
contam com a intermediação de pessoas oriundas dessas comunidades. Estudos nestas
regiões têm sugerido que as relações sociais, a questão religiosa, a doença e a manutenção
da saúde fazem parte de um só tecido 2. O reconhecimento deste tecido articulado em nossa
sociedade tem produzido uma série de intervenções comunitárias, que buscam contar com a
participação da população. Cada vez mais os trabalhos em saúde voltam-se para a realidade
de cada comunidade, buscando-se contemplar amplos aspectos: sociais, econômicos e
culturais.
A importância que adquirem fatores psicossociais para a redução da transmissão do
vírus da Aids fez com que a resposta pública à epidemia tivesse que contar com o apoio de
diversos grupos comunitários e, ao mesmo tempo, a necessidade de conter o crescimento
desta epidemia obrigou muitos grupos a abandonarem suas trincheiras de resistência 3,
revendo posturas, valores e modos de organização interna que dificultavam o diálogo com

1
TERTO JR., V. PAIVA, V. e colaboradores, Jovens e Religião: sexualidade e direitos entre lideranças católicas, evangélicas e
afro-brasileiras - projeto de pesquisa, PROSARE 2006.
2
VALLA (2002)
3
CASTELLS (2000)

1
atores externos, partindo para a constituição de projetos para exigir que os governos ajam
para mitigar as vulnerabilidades à epidemia.
Inúmeras ações foram iniciadas por parte de organizações dos grupos afetados,
obrigando administradores da saúde pública e organizações não governamentais a incluírem
as suas demandas e elaborarem estratégias de prevenção que respondessem à especificidade
de cada grupo 4, resultando em um processo de abertura à emergência de necessidades que
dificilmente encontrariam expressão na forma tradicional de exercício da medicina 5. O
envolvimento da sociedade civil na caso da AIDS cresceu junto com a atenção à
singularidade dos diversos contextos sócio-políticos e culturais 6 onde se desenvolvem sub-
epidemias regionais 7, embora ainda sejam poucas as referências validadas que descrevem
em detalhe como fomentar o trabalho com agentes da comunidade, enquanto estratégia de
atuação em projetos de saúde.
Assim mesmo, mais rápida e fortemente do que no enfrentamento de qualquer outro
agravo de saúde, na resposta à Aids avançou-se na confirmação de que a cultura tem um
papel fundamental na regulação de nossos comportamentos e crenças, definem o
significado do corpo e de como concebemos saúde e doença, fornece elementos para a
interpretação da dor, do sofrimento, dos prazeres e da sexualidade 8. Quaisquer ações que
visem a prevenção do sofrimento ou a emancipação do prazer devem estar de acordo com
as possibilidades socialmente construídas de subjetivação dos indivíduos. Sabe-se que a
eficácia dos programas de promoção da saúde vai repousar na integração dos aspectos
sociais, técnicos e simbólicos e a invasão da medicina cosmopolita pode abalar o equilíbrio
entre esses fatores 9.
Hoje em dia, apesar de verificarmos grandes investimentos no envolvimento e
desenvolvimento de comunidades, esta tendência não está isenta de problemas. Embora
precisemos reconhecer que exista uma série de aspectos positivos nos projetos atuais que
visam a participação, esta participação ainda é limitada por um discurso que é hegemônico
e que continua a exercer fascínio e poder no imaginário de todos que compartilham espaço
nas sociedades contemporâneas: o discursos do especialista, da valorização exacerbada do
saber adquirido na instituição, que vai limitar o encontro de propostas criativas e coerentes
com a teia de significados construída por cada grupo 10. É necessário questionar em que
medida as novas formas de ação para a saúde local nos levam de volta para os velhos
modelos de “intervenção” ou para as direções pretendidas 11.

4
FONSECA (2003)
5
AYRES (2002)
6
BASTOS e SZWARCWALD (2000)
7
PASSARELLI (2002)
8
MORAES (1998)
9
FONSECA (2003)
10
FONSECA (2003)
11
AYRES (2002)

2
Muitas ações de programas governamentais e não governamentais voltadas para a
juventude, por exemplo, concentram-se na “pregação” da camisinha, ou da informação,
sem preocupação com o diálogo com valores e perspectivas abraçados pelos jovens. Esse é
dos desafios o mais importante para a produção acadêmica engajada no desenvolvimento de
políticas públicas e que merece aprofundamento da nossa reflexão crítica sobre esse
processo: produzir práticas de prevenção e cuidado que alimentem a autonomia – o sujeito
sexual e o sujeito religioso, no caso - que têm sido valorizadas como mais proveitosas no
campo da sexualidade e da promoção da saúde.
Embora as experiências de projetos e pesquisas sociais realizadas por diversos
organismos internacionais venham trabalhando com a participação comunitária como uma
estratégia imprescindível para solucionar problemas sociais profundos, envolvendo a
participação da comunidade na formulação de políticas públicas em saúde, educação, meio
ambiente e direitos humanos, em geral não têm respondido à provocação de Parker12 no
Seminário “Prevenção à AIDS: Limites e Possibilidades na Terceira Década” realizado pela
ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) em 2002: a pesquisa em AIDS ainda
não conseguiu se deparar, de forma minimamente razoável, com o fenômeno da
pauperização da epidemia, afirmando ainda a forma débil como a pesquisa tem conseguido
tocar nessas questões, forçando-nos, necessariamente, a uma reflexão sobre os
pressupostos teóricos que orientam a nossa compreensão sobre a epidemia e, portanto, as
nossas agendas de pesquisa (quais as nossas concepções de sujeito, de saúde, de
prevenção?), o tipo de inserção social que nos permite – pesquisadores e intelectuais –
compreender e transformar a realidade e os diálogos (possíveis?) que devem ser
estabelecidos entre a produção científica e os contextos onde efetivamente as comunidades
interagem entre si.
Acreditamos que a atuação em colaboração com “agentes locais” que discutiremos
nesse texto sugere um caminho para responder a essas questões.
Estaremos considerando que, especialmente para o enfrentamento da epidemia entre
os grupos mais vulneráveis (mais pobres, com menos acesso às ações de saúde, mais
desprotegidos quanto aos seus direitos fundamentais) deve-se ir além da noção de saúde
como ausência de doença, assumindo uma definição de saúde no seu conceito amplo, como
o “bem-estar bio-psico-social e espiritual” 13 no quadro da vertente socioambiental, onde a
Promoção da Saúde é definida como uma prática emancipatória e um imperativo ético.
Agindo com esse horizonte, assumimos também a tarefa de superar ações de promoção da
saúde que visem apenas a mudança de comportamento dos indivíduos.
Como sugere Westphal 14, vemos como principais estratégias para a Promoção da
Saúde:

12
PASSARELLI (2002)
13
WESTPHAL (2006)
14
Idem.

3
• Promoção de espaços saudáveis;
• Coalizões para advocacia e ação política
• Empoderamento da população;
• Desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e atitudes;
• Reorientação dos serviços de saúde;

O que é o Agente Local ?

Na literatura observamos que o contexto sociocultural tem sido utilizado quase


sempre para justificar a seleção de uma população «alvo», ou para explicar o
desenvolvimento de modelos rápidos de intervenções sensíveis às diversas situações, com
formatos predefinidos. Apesar de ser crescente o número de estudos e programas que
reconhecem a importância do fortalecimento de comunidades em função de uma análise
contextual, continua-se valorizando mudanças somente no plano dos conhecimentos e
atitudes dos indivíduos, incorporando a noção de comunidade apenas como local onde
utilizam abordagens adaptadas de outros contextos 15.
Na definição de Fonseca 16 os agentes locais são “mediadores de conhecimentos
entre a comunidade e programas de saúde coordenados por instituições de diversas
instâncias sociais”. A noção de “mediação” precisa, entretanto, ser melhor definida.
A proposta de trabalho com o Agente Local que temos desenvolvido pretende
reforçar o “território” (versus o indivíduo) enquanto espaço estratégico para exercícios de
experiências conjuntas de um (re)pensar das informações, integrando o local a movimentos
mais amplos pela democracia emancipatória dos cidadãos, iniciando um processo de
ruptura com um sistema informacional que se caracteriza por ser um instrumento de
relações de regulação e dominação.
Nesta perspectiva o Agente Local é concebido como um protagonista na sua
comunidade, agente de uma causa, capacitado para promover a saúde e colaborar em sua
comunidade como mediador pela e em nome da comunidade (em contraste com aquele que
vai colaborar como mediador que será capacitado para ser agente de propaganda e
regulação de instituições auto-denominadas “promotoras de saúde”). O trabalho do agente
local aproxima-se então da noção de educação de pares, desenvolvendo-se porém em
diversos ambientes (formais e informais), buscando o diálogo e a troca de informações
sobre problemas, dúvidas e demandas encontradas durante o trabalho junto à pesquisa,
como veremos em alguns depoimentos adiante.

15
PAIVA (2006)
16
FONSECA (2003)

4
Um exemplo de trabalho com Agentes Locais

A orientação de trabalho com Agentes Locais adotada na pesquisa que aqui


tratamos, caracterizasse como parte importante do processo de pesquisa formativa, que visa
auxiliar na indicação dos diferentes contextos de vulnerabilidade no campo, preparando as
comunidades locais para produzirem uma resposta adequada no quadro das
vulnerabilidades e dos Direitos Humanos, e sensibilizando/mobilizando a sociedade em
geral (diversas instâncias do governo, das universidades, entre outros) para que promovam
ações de promoção e prevenção da saúde e o desenvolvimento de políticas públicas que
tenham como base a experiência e o levantamento feito nessas comunidades. Buscamos
assim atingir os diversos atores (em suas diferentes escalas), aproximando suas realidades,
na tentativa de fomentar ações que reduzam cada um dos níveis de vulnerabilidade.
Buscando compreender como a convivência em comunidades religiosas repercute
na experiência sexual dos jovens e na sua socialização como sujeito sexual e portador de
direitos, o projeto de pesquisa "Jovens e Religião: sexualidade e direitos entre lideranças
católicas, evangélicas e afro-brasileiras", contou com a colaboração de Agentes Locais
como parceiros no desafio de entender como as autoridades religiosas de suas comunidades
se posicionam frente à socialização sexual dos jovens e ao debate sobre direitos sexuais e
reprodutivos, e como os jovens percebem esse posicionamento. Embora tivéssemos uma
agenda de “especialistas”, colocamo-nos à disposição das demandas e dos termos das
comunidades religiosas.
Os jovens agentes foram indicados por suas lideranças mais velhas e capacitados em
oficinas e reuniões, depois de serem entrevistados em profundidade. Eles foram convidados
a atuarem como agentes locais da pesquisa, trabalhando na mobilização de seus pares para
o debate sobre os temas pesquisados e na aplicação de questionário auto-respondido em
suas igrejas, templos e terreiros. O processo de seleção dos jovens que seriam agentes
locais nas comunidades parceiras foi uma das etapas mais importantes para o sucesso da
relação com as mesmas. A pesquisa buscou o respeito às hierarquias locais, sendo que o
primeiro contato foi sempre com a autoridade mais velha (padre, pastor, pai/mãe de santo,
por exemplo).
Foram realizadas 3 oficinas inter-religiosas, co-produzidas pelos agentes jovens, das
quais a primeira oficina será apresentada mais longamente a título de caso exemplar.

A primeira oficina foi resultado de uma proposta feita por um jovem que já vinha
defendendo a idéia de conversar mais sobre sexualidade junto ao grupo de jovens católicos
e ao padre, dando voz ao debate que acontecia muito timidamente na comunidade. Os
jovens indicavam carência de informação e enxergaram na equipe da pesquisa, depois de
terem sido entrevistados, a oportunidade de saná-las; queriam discutir temas relacionados à

5
juventude, direitos/saúde sexuais e reprodutivas, prevenção de DST/Aids, aborto, gravidez
na adolescência e cidadania. Na nossa negociação (de especialistas) com a comunidade a
oficina ganhou o título de “Prevenção da Gravidez na Adolescência”, tema que era mais
emergente que o das DST/Aids . A oficina foi realizada nas dependências da paróquia da
Igreja da Zona Leste, num domingo inteiro de atividades.
Compareceram a esta primeira oficina 27 jovens católicos, do candomblé e da
umbanda de outras comunidades participantes do projeto, além de vários educadores
religiosos e um representante da pastoral da Aids. O interesse do projeto era promover
encontros inter-religiosos, contribuindo para que a linguagem dos direitos (sexuais,
reprodutivos) dialogue com o horizonte ético-político das comunidades religiosas,
aprofundando o debate sobre diversidade religiosa e sexual a partir da noção de liberdade
religiosa.
Pela manhã os 3 grupos (meninos, meninas e adultos) dividiram-se para a discussão
das cenas que identificaram como expressivas das questões em debate na sua comunidade,
como sintetizado no quadro abaixo. Após o trabalho em grupo, em salas diferentes, os
participantes se reúnem na plenária para compartilhar o que foi vivenciado. Todos
formaram um único círculo: jovens, adultos, catequistas, pesquisadores.

Atividade com as Cenas:


● Os jovens foram separados entre meninas e meninos
● Foram sugeridas algumas cenas abordando situações/problema, ligadas às questões de
direitos sexuais e reprodutivos e diversidade religiosa e sexual
● Em su b-grupos os jovens fazem uma caracterização/desenrolar de uma das cenas de
episódio como se ela tivesse acontecido em sua comunidade e o representam
● Uma cena é escolhida por todos para ser repetida e problematizada

Exemplo de Cenas:
● Cena 1: três amigas jovens assistindo um programa de TV, onde uma repórter entrevista
uma pessoa que está passando na rua. É dia mundial de luta contra a Aids e as perguntas são
sobre prevenção. Quando desligam a TV as amigas conversam e uma delas acha que não
deve usar preservativo porque acha que não tem perigo de “pegar doença” pois o namorado
“é fiel”. Alguns dias depois ela aparece grávida. E a conversa gira em torno das perdas:
estudo, vida. Ela diz que a mãe estava brava e que o namorado não aceitou a gravidez.

● Cena 2: Duas amigas conversando e uma fala para a outra que está com um corrimento
estranho e está com medo de ir ao médico. A amiga vai e conta para outra amiga que a
amiga está com aids. A menina "doente" encontra a instrutora do Crisma e conta do
corrimento e que as amigas estão estranhas com ela. A instrutora da Crisma conversa com
as meninas, esclarece tudo e as duas vão com ao médico com a amiga.

6
O debate sobre as cenas que envolviam a transmissão vertical e os dramas implicados
nas cenas com Gravidez e a Aids geraram as maiores polêmicas, apresentando maior
dificuldade para serem compartilhadas nas diferentes realidades, principalmente em função
das diversas posições sobre o aborto. Os próprios jovens se impressionaram com o
preconceito que apareceu entre eles. Ficou evidente a associação da Aids com o
preconceito, nas palavras dos jovens.
A separação entre meninos e meninas foi avaliada como importante, pois, nas
encenações, as jovens sempre colocavam os homens como aqueles que não assumem as
responsabilidades. Em uma das cenas, cujo desenvolvimento espontâneo implicou em um
dos casais heterossexuais ser “alterado” para um casal de lésbicas, os jovens acharam que a
cena ficou bem difícil de ser encenada.
As primeiras encenações foram feitas com maior dificuldade, com uma aparente
falta de repertório para a tarefa. Com a sucessão das cenas, entretanto, ou mesmo a
repetição da mesma cena: “foi ficando mais fácil, apesar da complexidade maior das
cenas!”, comentaram os jovens. Na Plenária final foi consenso que: quando você
desconhece um assunto é mais difícil pensar sobre ele e acaba tendo um preconceito
sobre isso. Por isso, os próprios “atores”, acharam a última cena: mais fácil, já que tinham
adquirido conhecimento desde a primeira.
O trabalho com as cenas permitiu um encontro entre as pessoas, aproximando
conhecimentos e práticas advindos de fontes e experiências diversas, facilitando a aceitação
do outro como diferente, identificando o outro diferente com alguma condição de
igualdade e solidariedade, promovendo o encontro dos saberes “da universidade” com os
saberes e valores “da religião”.
Para a equipe de pesquisadores, acostumada a fazer trabalho de prevenção
utilizando a demonstração viva de como colocar e tirar o preservativo, o fato da oficina
acontecer num espaço religioso que não adota esta prática como parte de seu cardápio
incentivado de práticas valorizadas, trouxe um outro desafio, pois ali procuraram fazê-lo
sem utilizar este recurso.

A segunda oficina foi realizada numa Igreja Anglicana, quando 11 agentes jovens
de todas as matrizes puderam aprofundar a sua capacitação nas referências teóricas e ético-
políticas da pesquisa, e a tematização, organização e dinâmica dependia da agenda dos
pesquisadores interessados na sensibilização da comunidade para o tema. A aplicação dos
questionários foi pensada para esse fim (sensibilização). Não se tinha pretensão de coletar
dados de uma amostra representativa, mas gerar dados para discussão. A idéia foi,
entretanto, apropriada pelos agentes jovens, especialmente pelos que eram lideranças
jovens na sua comunidade religiosa, como oportunidade para “mostrar” como os jovens da
minha comunidade pensam; a maioria não escondia a curiosidade com os resultados, além
do interesse pela tarefa nova para eles/elas.

7
Debateu-se com os presentes temas abordados no questionário - que seria aplicado
pelos agentes jovens na comunidade - buscando defender que deveriam incluir moças e
rapazes, variar as idades, e buscar ativamente brancos e negros, além dos princípios de ética
em pesquisa (confidencialidade e obtenção de consentimento informado entre eles). As
oficinas foram um momento onde eles compartilharam experiências e dúvidas sobre a
atividade, mas também sobre os temas abordados pelo questionário.

A terceira oficina, por fim, na Faculdade de Saúde Pública, constou da


apresentação da análise preliminar dos resultados, se configurando como a terceira oficina,
onde compareceram 32 jovens – 7 evangélicos, 6 do Candomblé, 10 da Umbanda e 9
católicos. O dia de atividades incluiu sensibilização para a convivência com os diferentes
valores e perspectivas das 3 matrizes religiosas presentes, apresentação dos resultados da
análise preliminar das entrevistas e questionários respondidos pelos jovens e almoço de
confraternização. Na parte da tarde, grupos separados por matriz (Candomblecistas,
Umbandistas, Católicos, Evangélicos) debateram os resultados e a nossa análise geral com
base no quadro dos Direitos Humanos, e como poderiam aproveitar essa experiência em sua
comunidade. Encerramos com plenária final inter-religiosa onde os grupos de cada matriz
religiosa apresentaram sua avaliação diante da análise preliminar dos resultados da
pesquisa, sintetizada no quadro abaixo.
Foi interessante notar, durante a apresentação preliminar dos dados, como as
diversas posturas e discursos dos presentes, carregadas de uma visão de mundo específica
de cada matriz religiosa, encontravam-se, às vezes gerando conflitos (que tentávamos
encaminhar com a exemplificação de cenas vividas em todas as comunidades), às vezes
gerando entendimento sobre questões e dúvidas que foram aparecendo ao longo das
atividades da pesquisa. Os jovens manifestaram grande interesse nas situações relatadas em
outras comunidades, identificando-se com as falas que emergiam sobre as primeiras
impressões frente aos achados, que foram por eles mesmos coletados.
Embora a agenda fosse dos programas/pesquisadores dependeu, como nas outras
duas, da ação direta dos agentes jovens na sua produção e no desenvolvimento dos eventos
durante o dia.
Ao longo do processo com os jovens, além das 3 oficinas, mais 4 reuniões de
supervisão de campo foram realizadas com os agentes jovens para ajudá-los no trabalho de
mobilização de sua comunidade. Foram encontros para aprofundar estratégias de
mobilização, conteúdos, manejo dos procedimentos éticos da pesquisa, sempre nas
dependências da Faculdade de Saúde Pública, o que foi especialmente valorizado por
jovens que não tinham em seu horizonte o acesso a uma Universidade como a USP.
Acharam “chique”.

8
Síntese das Primeiras Impressões dos Jovens frente aos achados da Pesquisa:
Católicos:
● Surpresa / frustração com a desinformação dos jovens, apesar de alguns dados já serem esperados
● Desconfiança de algumas respostas: (homens: sexo como prova de amor) / frustração com o dado
● Postura ambígua: pensa de um jeito na igreja e fora age de outro
● Desencontro entre meninos e meninas
(meninos não aceitam meninas fazerem as mesmas coisa que meninos)
● Dificuldade de levar os dados para a comunidade pela possibilidade de haver rejeição, alguns
dados contra os valores da igreja, viram comportamentos que diferem dos valores da doutrina
● Pouca abertura do grupo para ele próprio levar os dados para a comunidade, o grupo não está
preparado para lidar com a diferença, dificuldade em ouvir-se
● Opressão do gênero masculino
● Desconfiança da pesquisa e da ciência
● Dificuldade de incluir pessoa negra / portadora de deficiência

Afro-Brasileiros (Umbanda e Candomblé):


● Uso da camisinha problemático, fidelidade como método de prevenção
● Homem na religião afro assume papel de virilidade – relação com os Orixás
● Papel masculino / feminino dentro do relacionamento e da religião: Como é usar o preservativo?
● Diferença entre o que é dito pelo sacerdote e resultados do questionário
● Homossexualidade: discurso x aceitação de fato / aceitação dos adeptos
● Preconceito com relação à religião mesmo entre alguns adeptos / dificuldade de assumir a religião
● Violação do direito à religiosidade, liberdade, sexualidade
● Sexo como troca de energia: não é banal, pois é também um envolvimento espiritual

Evangélicos:
● Mais consenso do que discordâncias no debate
● Resultado já era esperado. O mais importante da discussão foram os resultado das outras
religiões. Pela primeira vez participou de discussões com outras matrizes religiosas.
● Discordaram da visão de que os evangélicos só vêem o sexo como forma de prazer
● Não concordam com o “homossexualismo”. Vêem como doença psicológica que pode ser
trabalhada
● Não discriminam, mas acham que o “homossexualismo” deve ser tratado. A pessoa será aceita,
mas tem que ser curada se quiser fazer parte da religião.
● A pesquisa comprovou a visão sobre o aborto.Vai além da pesquisa tem um valor político, moral.
Acham que é tirar uma vida.
● Sobre o casamento dizem ter informações na igreja. Destacou o fato dos evangélicos estarem
casando mais cedo. “Hoje estamos sendo bombardeados por imagens pornográficas, então se só
podemos fazer sexo depois do casamento, então isso está acontecendo mais cedo mesmo.” Isso
comprova o dado da pesquisa.

9
O Protagonismo em cena: o diálogo com os Jovens Agentes Locais

A perspectiva adotada nesta proposta é fortemente marcada pela pedagogia para a


liberdade e autonomia de Paulo Freire 17,18,19, pela tradição latino-americana que atualiza as
referências do psicodrama e do Teatro do Oprimido de Augusto Boal20, e pelo campo
teórico chamado na literatura de construcionista, que pensa a sexualidade como construção
social 21. A utilização das cenas, enquanto tecnologia de trabalho em prevenção, ao levantar
casos e episódios da vida cotidiana, possibilitou um debate que ampliou o discurso
religioso mais dogmático, “opiniático”, viabilizando a postura de acolhimento e alteridade
na discussão das questões abordadas. Estimulou os participantes dos grupos de trabalho das
oficinas à espontaneidade, uma liberdade de expressão muitas vezes difícil de captar em
pesquisas.
A escolha dessa metodologia como caminho para a formação e trabalho com os
agentes jovens se mostrou bastante adequada, como já tínhamos experimentado em projetos
diversos desenvolvidos para estimular a autonomia e promover a saúde sexual em escolas e
comunidades receptoras de turismo. Nas palavras dos agentes jovens capacitados para a
pesquisa e a mobilização em sua comunidade, podemos observar o impacto desse trabalho
no plano individual (da vida dos agentes), programático (de apoio aos programas
governamentais ou não) e social (no contexto da sua comunidade e da sociedade) da
vulnerabilidade ao HIV:
"Eu aprendi a me comunicar com as pessoas. Elas sabem o que eu estou
fazendo. Teve um encaminhamento de um menino homossexual pediu preservativo
e a gente encaminhou para o posto" (Menina da Umbanda)
● Ajudou o Programa

"Foi uma experiência nova, construtiva para nós, sai do meio e conheci
outros locais e religiões. Foi legal na Anglicana porque a gente tinha preconceito
e a gente conversou com os jovens de outras religiões, deu para interagir com as
pessoas". (garoto católico)
● Diminuiu Preconceitos e a Estigmatização Social

“Muito obrigada! - e os olhos encheram de lágrima - Vocês não tem idéia


do bem que fizeram na auto-estima das meninas que participaram desse projeto”.
(palavras de uma Mãe de Santo da Umbanda, sobre o impacto na vida das Agentes jovens)
● Interferiu na Vida dos Jovens que participaram do Projeto

17
FREIRE, P. (1967)
18
FREIRE, P. (1996).
19
FREIRE, P (1978).
20
BOAL, A. (1975).
21
PAIVA (2006)

10
“Nossa, a gente precisa de um estímulo desse para pensar, sair do
isolamento e continuar lutando com cada padre que vem passar um tempo
dirigindo a nossa Igreja!” (palavras de uma senhora a muitos anos dedicada aos cursos
de Crisma na sua Igreja)
● Mudou o Contexto Social e Comunitário

Foi com espanto, mas com respeito, que as lideranças adultas e autoridades
religiosas acolheram os resultados dessa pesquisa, que puderam acompanhar a realização
pelos jovens e entre os jovens. Nem os jovens esperavam a diversidade nas respostas de seu
grupo religioso ou opiniões e atitudes tão contraditórios com a normatividade tradicional de
cada matriz, como se pode observar no quadro acima. Foram surpreendidos pelas lacunas
importantes de conhecimento no campo da prevenção do HIV e da Aids que identificamos
na análise preliminar apresentada nas oficinas, que imaginavam resolvidas; ou tiveram
dificuldades em reconhecê-las como problemas da “sua” comunidade, imaginando que
eram problemas “de outras”. Respondendo ao desejo de constituir uma boa “representação”
(no sentido de imagem comportada e adequada) de sua comunidade e encontrando nossos
objetivos de sensibilizar a comunidade para os temas, “agentes jovens” e “especialistas”
fomos surpreendidos e todos nós tiramos proveito da experiência.

Esse processo de interação e participação visa apoiar as pessoas para atuarem como
sujeitos de direitos, com informações sobre como encaminhar e identificar suas
necessidades para o engajamento na busca de melhores condições sociais, concedendo-lhes
o papel de guias de sua própria trajetória. Os projetos que adotam como desafio a
mobilização comunitária têm buscado capacitar as comunidades para tomada de
consciência de sua situação de saúde, aprendendo a diagnosticá-la e pensar a construção de
estratégias para a superação de seus problemas 22. Nesse quadro, é interessante notar como
os próprios jovens definem as potencialidades da atuação do agente local:
“Ah, o Agente Local ? Principal de tudo é divulgar e .... como se fosse
uma árvore né, a gente tá numa raiz aqui, tem mais duas, tem mais duas, tem mais
duas.... tem que ter primeiro uma ou duas né, pra começar a nascer o resto. E eu
acho que o Agente Local, a principal importância dele é primeiramente ele tá por
dentro do assunto, saber as coisas né... e mesmo que não saiba tudo, ensine já o
que sabe, pra ir aprendendo também, porque ninguém sabe tudo... né? E aumentar
cada vez mais o contato com os jovens...”

Entendemos que no processo de trabalho proposto aos agentes locais, propiciamos


uma ampliação da consciência dos jovens a respeito de seu papel em sua comunidade. É
importante resaltar que não foi necessário formar protagonistas na maior parte das
22
Paiva (2006).

11
comunidades, pois, ao chegarmos nas comunidades religiosas, muitos jovens já possuíam
uma história de liderança, cabendo aos pesquisadores identificar (junto aos mais velhos das
comunidades) e fortalecer essas lideranças. A formação dos agentes locais foi,
principalmente, no sentido de capacitá-los quanto às informações e materiais que os
instrumentalizasse para a ação em suas comunidades, a partir das lacunas que perceberam
na sua própria experiência local, como podemos ver nesse relato onde um jovem descreve o
que mudou na sua vida após a pesquisa, e o que o motivou para se dedicar a este trabalho:

“Ah, mudou porque, primeiramente, eu acho que conhecimento é


fundamental. Não importa se às vezes você não vai passar, mesmo sendo bom você
passar, se você ficar pra você, já é bom você acumular conhecimento né, mesmo
sendo bom passar pros outros. Mas é.... por esse motivo, quando eu fui, comecei a
aprender, quis ir atrás, não vou mentir, tava por dentro de alguma coisa ou outra
que a gente vê na escola tudo, mas muita coisa, a maioria eu não tinha visto,
entendeu. O que eu achei de bom pra mim, é porque aumentou meu conhecimento
sobre isso né. Mudou porque eu fiquei mais por dentro dos assuntos, tendo mais
informação né. E com certeza o que der pra passar pro povo, como eu fiz, passei...
Exatamente, depois da pesquisa, que acabou lá pro fim do ano e tal... eu voltei
assim com uma vontade de falar assim: não posso parar, porque se eu parar, eu
também não vou continuar, eu sei que vai ser foda... Mas ai, eu conversei com o
povo primeiro aqui do centro, primeiro as pessoas próximas pra ir divulgando né...
percebi que elas também se interessaram, queriam ter algum aprendizado sobre
isso aqui, principalmente elas sendo de periferia, aqui a comunidade mais
periférica, então o que acontece, não tem muito acesso a informação, essas coisas,
e eu tinha, então queria passar primeiro isso, pra eles passarem pros amigos deles,
né... E divulgar, só que eu vi que eles se interessavam, mas só que precisavam de
um empurrão... Então marcamos uma reunião aqui, com algumas pessoas que
toparam vir pra falar sobre sexualidade em geral, mais sobre DST/Aids.
Trouxeram material, camisinha tudo, falaram, foi super legal aqui, bem
descontraído... fizemos essa capacitação, foi coisa básica, três horas, no máximo
assim, mas deu pra... tinha um volume bom e se continuasse ia aumentar, vai
continuar...”

As estratégias que partem da cultura e das identidades dos grupos populares têm
colaborado para retirar das tecnociências e da biomedicina a prerrogativa exclusiva de
enunciar o que é desejável. Em outro relato, podemos ver o que uma das jovens
compreendeu sobre o papel do Agente Local:

“Eu entendi que ser um agente jovem é ser alguém que atua na sua
comunidade levando informação sobre a pesquisa que participa ou sobre assuntos
com os quais está envolvido. No caso da pesquisa, o agente jovem é alguém
preparado para discutir questões relacionadas com a sexualidade e a religião,

12
como os direitos sexuais do cidadão, independente de sua orientação religiosa e
sexual. Alguém preparado para lidar com diferentes visões e que saiba criar um
clima de aceitação e respeito pelas diferenças, o que já estamos aprendendo nos
relacionando nessa pesquisa. O agente jovem deve buscar criar uma rede de
relacionamento entre os diferentes núcleos religiosos para discutir com
pluralidade a questão da sexualidade. E o mais importante, que é conseguir tocar
no assunto do sexo, da sexualidade e toda a complexidade que isso envolve, o que
é um tabu na nossa sociedade. O diálogo é o principal instrumento do agente
jovem, que atua ensinando, mas também aprendendo. Se expondo sim, mas também
ouvindo. Eu acho que é mais ou menos isso..”

Vemos ainda, em mais um relato, a visão sobre as qualidades que diferenciam o


Agente Local dos seus pares; a extroversão é uma delas:

“Eu não sei tudo, mas até aonde eu sei, um agente local, além de estar por
dentro das informações, além de ter o conhecimento, tem que ter é... ser um pouco
extrovertido, tem que ser um pouco diferente dos outros, porque se não, não seria
Agente Local. Todo mundo é Agente Local ? Não. Então o Agente Local, ele tem
que ser um pouco diferenciado do outro, ele tem que fazer a diferença, ele tem que
agir naquela área, pra levar o povo até ele, conseguir também explorar os outros
pra tentar ser um agente local, mas é... são poucos né, infelizmente... Então acho
que a importância assim, pegar um x de pessoas, que seria bem menos da metade
pra ser agente local e esses agente local ter essa importância de divulgar e tudo
mais e continuar e multiplicar, porque mais pra frente né, um dia os jovens ficam
velhos e ai já viu né....”

Notamos como um ponto de sucesso do trabalho os vários relatos colhidos que


demonstram uma angustia frente à realidade dos grupos, que por vezes contam com a
dedicação de apenas alguns jovens, apesar haver muitos jovens nas comunidades, como
aparece ilustra o relato abaixo:
“Eu não vou mentir, que eu queria bem mais envolvimento dos outros
jovens, como eu sei que você também quer... a distância a gente não tem como
mudar, mas eu acho que o principal de tudo é a união, eu acho que falta muito... se
todos os jovens tem esse pensamento, só que não se une, seja na comunidade que
for... jovem, não só no nosso pais, mas em qualquer lugar, jovem é o que mais
move... Todas as faixas etárias, já que a gente tá tratando sobre isso, tem o seu
defeito, e o nosso é isso né, é a falta de união também... Todo mundo tem falta de
união e tudo mais, só que a gente move muito mais montanhas, então nossa união
vai fazer muito mais a força...”

E o que eles ganham com isso pessoalmente? Os que participaram da pesquisa,


trouxeram como um dos principais ganhos a possibilidade de “circular” e conhecer mais
de perto jovens de outras religiões, como um dos fatores que mais transformou e incentivou
seu envolvimento com os temas abordados. Muitos jovens perceberam o potencial da

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mobilização entre pares, como estratégia para a superação de conflitos e diferenças, e
superar caminhos fechados por outras gerações:

“Porque além de um jovem já conhecer outro jovem... Se eu chegar numa


casa de axé, uma casa né... seja a religião que for, uma igreja, não importa. Se eu
chegar pra falar com o Sacerdote, Pastor, seja quem for, que é mais velho, essas
coisas, às vezes ele pode ter o mesmo pensamento do que eu, só que a gente não
vai se entrosar tanto, se eu falar com um jovem, lógico, com a cabeça mais aberta,
mesmo sendo de outra religião, a gente vai se entender melhor. (...) Então eu acho
que além disso, de ser um jovem já, a região em si, que nem as meninas, foram
bem melhor do que eu como agente local em relação a favela, a periferia, porque
além delas morarem lá e conhecer o povo de lá... como a gente, eu, tô falando de
jovem, tô generalizando o jovem. Agora entrando, dentro dos jovens tem uns sub-
grupos, que são as classes, a classe média por exemplo, classe média, baixa tal...
Então, além de eu ser um jovem pra chegar num outro jovem, eu tinha que assim,
aproximadamente, ter o mesmo nível cultural, mesmo nível de escolaridade pra
poder ter uma conversa, então, não dá pra ser só jovem, basta tá mais dentro, mais
ligado possível, pra ter um entrosamento (...) Eu tenho acesso a comunidade e tudo
mais, mas elas vivem lá, elas conhecem lá e sabem desde gíria, eu digo até... tudo.
Sabem como lidar com quem mora perto, e tudo mais, e ainda por cima por ser
jovem né... Se numa rua tem contraste, se a gente quiser levar pra frente isso,
quem dirá numa cidade, num estado ou num país. Que se você for pra outra cidade
vai ser outra coisa... Então eu tô dizendo assim, mas tem que começar por baixo,
não tem como. (...) O contraste acho que impede muito. Pra esclarecer, desde a
pessoa, aonde ela mora, o estudo dela, a idade em si, né... o fator sócio-econômico
da pessoa, tudo né... Eu acho que isso que impede, ter tanto contraste nesse
aspectonão tá 100%, porque se tivesse um [agente local] lá seria maior entendeu.
...A distância também.

Conclusão: a importância de trabalharmos com Agentes Locais

Dentre os benefícios conquistados durante todo o decorrer da pesquisa estão: a


melhoria no diagnóstico das necessidades locais, o aumento da mobilização na
comunidade, a promoção da auto-organização dos líderes, a elevação da auto-estima
individual e coletiva, a realização de ações de prevenção construídas dentro e a partir das
próprias comunidades e, gradativamente, o resgate coletivo dos aspectos históricos e
culturais das comunidades.
O Agente Local pode ser um protagonista da democracia, garantir acesso e
distribuição das informações, organizando e instrumentalizando a sua comunidade, para
que possam cuidar de sua saúde e do ambiente em que vivem. Por outro lado o pesquisador
(agente externo) que almeja entender e intervir sobre a realidade social de modo não
regulador e sim emancipador deve ter um compromisso de lealdade e respeito com a
comunidade onde desenvolveu o estudo. Quando a comunidade é parte da equipe esse
compromisso se aprofunda e é estimulado. O Agente Local representa seus pares no interior

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da produção da pesquisa, aproximando o saber científico dos saberes compartilhados nos
interior das comunidades, e ao mesmo tempo, possibilita ao pesquisador produzir um
conhecimento em conjunto com a população pesquisada, atuando numa perspectiva de
participação popular, contribuindo para a produção de conhecimento de forma dialógica.

O quadro dos Direitos Humanos na discussão sobre a promoção da saúde sexual foi
aceitável nessas comunidades religiosas. O campo da religiosidade é um campo de disputa
e emblemático da capacidade (ou não) de convivência democrática, com impacto direto no
grau de respeito à diversidade sexual, e deve, portanto, ser abordado com delicadeza e
firmeza. O protagonismo dos jovens, que tanto tem contribuído, sempre, para a construção
da democracia brasileira, enfrenta o desafio de ir além das redes segmentadas que compõe a
sociabilidade dos jovens atualmente. A criação de um espaço inter-religioso foi um
investimento interessante para fundamentar a noção de solidariedade frente às necessidades
comuns; esse tipo de iniciativa eventualmente pode estimular o rejuvenescimento das
lideranças que tentam garantir o direito à não discriminação, a promoção da cidadania plena
e a realização da democracia secular no país.

A mobilização dos Agentes Jovens possibilitou um aumento no diálogo sobre temas


difíceis dentro das comunidades, estimulou a busca de repertórios para a prevenção
aceitáveis pelas diversas experiências religiosas (religiosidades), e especialmente, permitiu
um debate mais fraterno sobre o aborto e a gravidez precoce, temas de maior preocupação
entre todos os entrevistados. Os Agentes Locais atuaram como mediadores entre a
comunidade e a equipe de pesquisadores, fomentando a reflexão crítica a partir de múltiplos
pontos de vista e a busca de soluções e repertórios co-produzidos para o trabalho de
prevenção e promoção da saúde em cada contexto socio-cultural. A rapidez e a qualidade
da apropriação desses resultados pelas comunidades estudadas indicou como foram também
agentes da comunidade na pesquisa. Com esta abordagem, são maiores as possibilidades de
a própria comunidade dar continuidade a ações após o término formal da pesquisa.

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