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A ganância

Por: Pepetela
Os ricos são muito ricos e os pobres muitíssimo
pobres
1-"A nossa megalomania nacional, verdadeiro traço
de carácter, ou, segundo o vetusto Kardiner, um marcador da nossa personalidade
de base, provém de julgarmos o país incomensuravelmente rico. Os colonizadores,
nos anos sessenta e setenta do século passado, repetiram tantas vezes esta lenda,
que ela passou a fazer parte do nosso código genético, por assim dizer, e agora é
difícil voltar atrás e admitir o contrário, que somos de facto e por enquanto, apesar de
algumas indubitáveis vitórias, um país miserável, incapaz de alimentar
suficientemente os seus filhos, incapaz até agora de matar no ovo as diferentes epi-
demias que nos assolam, incapaz de avançar numa clara política de desenvolvimen-
to sustentado."

(...)
2-"Mantida em relativo silêncio, a ganância no entanto pauta cada vez mais as nos-
sas vidas. Há pessoas que são tão viciadas nela como outros são na heroína ou na
liamba. Quanto mais riqueza têm mais querem ter, açambarcando verdadeiros lati-
fúndios agrários ou amamentando grupos económicos tentaculares, os chamados
polvos da nossa economia. As notícias publicadas sobre o assunto pecam por defei-
to, mas o que vai aparecendo é suficiente para se detetarem as ramificações e asso-
ciações entre os diferentes centros desses poderosos predadores que um dia saíram
do nada para a fortuna, abocanhando tudo o que seja tragável, isto é, que dê lucros,
de preferência imediatos. Porque a ganância torna o indivíduo sôfrego e apressado,
treinado na arte de somar mentalmente com rapidez, deixando poucos traços ou pis-
tas evidentes no terreno. Se a ganância se tornou num traço caraterístico da humani-
dade, o que receio acontecer, então não há alternativa e estamos votados à catás-
trofe, terminando por dar cabo do planeta Terra e de toda a vida no seu interior."
(...)
3-"Um marcador que serve para comparar os países em função das diferenças entre
as partes do sistema social é o chamado índice de Gini, que em Angola, segundo um
estudo, atingiu em 2005 a taxa de 0,62. Este número revela uma das mais fortes dife-
renciações sociais do mundo. Quer dizer, os ricos são muito ricos e os pobres muitís-
simo pobres. É resultado da tal ganância que leva alguns a enriquecerem a qualquer
custo. Para esses, a ética é o mesmo que moldar estrelas em galáxias distantes,
algo de absolutamente estranho e absurdo. Quer dizer, precisamos de imprimir ética
no mercado e nos mercadores. O estado e todas as instituições criadas para o efeito
têm de se preocupar com a necessidade de os processos sociais seguirem normas,
expressas por leis, de alto rigor. E que os cidadãos, quaisquer que sejam, não só
cumpram as leis mas se sintam honrados por as cumprir. Isso é ética."

[Extratos da Oração de Sapiência proferida na Universidade Agostinho Neto por Artur


Pestana (Pepetela) na abertura do novo ano académico do ensino superior (13/03/09)]

Fonte: http://www.morrodamaianga.blogspot.com/

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