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18 LOPES + MACEDO das interlocugbes nas reunides e debates regulares dos grupos que muito do que aqui apresentado foi escrito. A elas e aos nossos muitos alunos, de varios espacos e tempos, dedicamos este livro. Rio de Janeiro, abril de 2011 Allice Casimiro Lopes Elizabeth Macedo " Si 19 Capitulo 1 Curriculo Embora simples, a perg {MOR USRIEUEMEMIOEDA Jo tem encon- trado resposta facil. Desde o inicio do século passado ou mesmo desde umséculo antes, os estudos curriculares tgm definidocurriculo de formas muito diversas e varias dessas definiges permeiam o que tem sido clenominacio €tertedlO no Cotidiano das e8e01AS) In. 10 dosGuiaSTeURTICH® _Tares propostos pelas redes de ensino aquilo que acontece em sala de eee Fa aa aD : b tal “definigao”, no entanto, se esconde uma série de outras questoes que discutiremos ao longo deste e dos demais capitulos, e que vém sendo objeto de disputas na teoria curricular. Nossa premissa na construgio deste livro é de que nao é possivel responder “o que é curriculo” apontando para algo que he ¢ intrinse- camente caracteristico, mas apenas para acordos sobre os sentidos de tal termo, sempre parciais e localizados historicamente. Cada “nova definigao” nao é apenas uma nova forma de descrever o objeto curri- culo, mas parte de um argumento mais amplo no qual a definigao se 20 Lopes « MACEDO insere. A “nova definigao” se posiciona, seja radicalmente contra, seja explicitando suas insuficiéncias, em relagao as definiges anteriores, mantendo-se ou ndo no mesmo horizonte teérico delas. Esse movi- mento de criagao de novos sentidos para 0 termo curriculo, sempre remetendo a sentidos prévios para de alguma forma negé-los ou re- configuré-los, permeara todos os capitulos e também este, no qual destacaremos alguns sentidos que o termo vem assumindo ao longo do tempo e que nos parecem mais relevantes. Estudos hist6ricos' apontam que a (§#iiGifa ena OuO LSE riculo data de 1633, quando ele aparece nos registros da Universidade deGlasgow referindo-se ao curso inteiro seguido pelos estudantes. Fm bora essa mengao ao termo nao implique propriamente o surgimento de um campo de estudos de curriculo, é importante observar que ela iS embute uma associacao entre curriculo e principios de globalidade estrutural e de sequenciacao da experiéncia educacional ou a ideia Get plano de aprendizagem? J nesse momento, o curriculo dizia respeito a Organizara experiéncia escolar desujeitos agripadds, carac- teristica presente em um dos mais consolidados sentidos de curriculo. Curriculo: selecéo e organizacéo do que vale a pena ensinar Ocurriculo édefinido como as epenieneins de nprendiangem plaiejadasegiiata -€08 resultados de aprendizagent niio desejados formulados atrarws da reconsty gio sistematica do conhecimento e da experiéncia sob os auspicios da escola parr ‘0 crescimento continuo e deliberado da competéncia pessoal e social do alun~ Talvez hoje seja Sbvio afirmar que o ensino precisa ser planejado ‘cque esse planejamento envolve a selecao de determinadasatividades/ 1. HAMILTON, David. Sobre as origens das termos classe e cutricultm. Teoria e Educa, Porto Alegre, n. 6, p. 33-52, 1992, 2.TANNER, Daniel; TANNER, Laurel. Curriculum development, New York: Mocnillan, 1975 pas. ‘TEORIAS DE CURRICULO 2 experiéncias ou contetidos e sua organizagio ao longo do tempo de @ScolarizAgHO, Nem sempre, no entanto, essa ideia foi tio Gbvia. Na segunda metsdSAOSEEUIONIX, por exemplo, aceitava-se com tranqui- lidace que as disciplinas tinham contetidos/atividades que Ihes eram pr6prios e que suas especifi idade para o Soh OIVimGnto Me Meas NCUIGadeSUAMENE® O ensino tradicional ou jesuitico operava com tais principios, clefendendo que certas disciplinas facilitavam o raciocinio légico ou mesmo ampliavam a meméria. Ape- nas na virada para @S@AGS™900}com o in GG MaancustnahzacaO ane ricana, e nos anos 1920, com o movimento da Escola Nova no Brasil. concepcao de que@falpRSeSORISeieieSObFelS GUE EnSinar ganiiayerge , para muitos autores, afS@ inielam os estudos eurriculares. Num momento marcado pelas demandas da industrializacao, a CSSA FAANA GVA SSPONSABINAAABS: cla precisa voltar-se para a solugao dos problemas sociais gerados pelas mudangas econdmicas da Sociedade, Independentemente de corresponder ou nao a campos ins- tituidos do saber, os contetidos aprendlidos ou as experiéncias vividas na escola precisam ser titeis. N{SICOMOMehmnOueleaalaUGlpar qué? Quais as experiéncias ou os contetidos mais titeis? Como podem Ser ordenados temporalmente? Por onde comecar® Nao tem sido fécil responder a tais questdes e as muitas perspectivas assumidas ao longo do tempo tém(@HaqG UCHR RSOHASTEGAAEUIAIES Em comum entre clas, « definicdo do curriculo como plano formal das atividades/expe- rigncias de ensino e de aprendizagem, a preocupacao com a adminis” tragao, em algum nivel centralizada, do dia a dia da sala de aula. Destacamos algumas das respostas oferecidas pelas teorias curriculares, comecando pelos@GiROMMEHSSEURGASSHESEUS no momento em que as questées surgem no horizonte de preocupagio: @(SGiSHESH BOLIsIEOSOSISSIISIND este trazido para o Brasil pela Escola Nova. Nos anos 1910, na psicologia, » comportamentalismo, v na admi- BEWAG, o GPSS ganham destaque na sociedade americana que se inclustrializa. As (@ii@h@aSSObReaeSColariZzacaOaUMTERam, como forma de fazer face & répida urbanizacao e as necessidades de traba- Ihadores para o setor produtivo. Surge, assim, a preocupagio com a 2 LOPES + MACEDO eficiéncia dé ricano segundo os parametros da sociedade industrial em formacdo, permitindo sua participacdo na vida politica e econdmica. Pretende-se, assim, que a industrializacao da sociedade se dé sem ruptiras e em Glimadecooperags o. A dSEGIFSSEURHEUIONA0, portanto, importantes instrumentos de controle social. Ainda que Q@fGIERESEN sea um movimento com muitas nuangas, pode-se resumi-lo pela lefesa de Ui CMECHIOGIGNEHEO)>xplicitamen- te associado a @iehministragaoyeseolaitfe baseado em conceitos como jeficaviayeficiencia ¢ economia. bm 1918, Bobbitt’ defende um curricu- To cuja funcao &prepataro alund paraalvida adulta economicamentt ativa a partir de dois conjuntos de atividades que devem ser igualmen- te consideradas pela escola— o que chama curriculo direto eas expe FICRGIASNGIRERs. O formulador de curriculos deve, entao, determinar is gtandes areas da atividade humana encontradas na sociedade e subdividi-las em atividades menores — os objetivos do curso. Taree certamente nada facil, na medida em que se estaria frente a um. ‘sem-ntimero de objetivos definindo comportamentos os mais diferen- tes, desde simples habilidades até capacidades de julgamento bem mais claboradas. Um (@@jiit@]es espeeialistas) euinidlos Num forum democratico, é 0 responsdvel pela identificacao das tarefas desejéveis © por seu agrupamento em categorias. .\ transferéncia desses pressu- Postos para 0 ensino vocacional cria talvez 0 mais influente principi curricular da primeira metade do século pasado, com fragmentos oi¢ hojelwisiveisinalpraticalctirricular, \ partir da identifieacao ym ponentes particulares da atividade de bons profissionais, compae-se um programa de treinamento, com objetivos selecionados por seu valor funcional, sua capacidade de resolver problemas praticos. Como se pode perceber, o eficientismo social nao se refere, em nenhum mo- mento, a contetidos, ou a sua selegao, deixando de lado mesmo a discussao sobre se haveria alguma disciplina importante para a for- magao dos alunos. Para os eficientistas (@SfanGhs OMUSOEjEnNOSEaD 3.PINAR, Willian F; REYNOLDS, William; SLATERRY, Patrick; TAUBMAN, Peter. Under standing curriculum. ‘TEORIAS DE CURRICULO 2 GREASE podem, posterior mente, ser jEUPACOSMENEOMASCSCIpHTES que, neste momento, jd compdem os curriculos. Rivalizando com o eficientismo_no controle da elaboracio de curriculos “oficiais”, o fiROBHessivIsiNO Conta COMtneeanismOsdeeone (@RIESCAAIGEMMENOSEOEHIEVOS. Mas, também para os progressivis- tas, a educagao se caracteriza como um meio de diminuir as desigual- dades sociais geradas pela sociedade urbana industrial e tem por objetivo a construgio de uma sociedade inica e democratica. Reconhecem, no entanto, em niveis diferenciados, dependendo dos aulores, quea distribuigao desigual do poder na sociedade nao é um fendmeno natural, mas uma construc social passivel de mudanca pelaagiohumana. A@dueagao Poderia, portanto, ser um faisteumentbo para formar individuos capazes de @{ai ie) DSCs ClESSH5 iniuclancasy O nome mais conhecido do progressivismo é o de fohmiDewey, cujos principios de elaboracao curricular residem sobre os conceitos ce fifeliGERGASOEENEHUGAREA. Ele advoga que o (SSG MOTEEREHID 6a experiéncia direta da crianca como forma de superar 0 hiato que RRS GiitnelaESCGIATSIO|iNtSAESSEMUGSTAleDs. Nesse sentido, o progressivismo se constitui como uma teoria curricular tinica que ncaa a aprendizagem como um processo continuo e nao como ura preparagao para a vida adulta. ©) valor imediato das experiéncias curriculares se apresenta como principio de organizacao curricularem contraposigao a uma possivel utilizagao futura. . . foco central do currculo para Dewey! esté na @SSGLaga0qae OFIEMASNGCAINO ambiente escolar é organizado de modo a que a crianca se depare com uma série de problemas, também presentes na sociedade, criando @REEnigag@) pata ela] seinveNOrna/ceROeEAEc eccouperativa, As atiGidd@es(euiiculares|=US/PFOblemas sao apresen- tados as criancas para que clas, em um@@SmG|prOCeSSONAaGgUIAN jmabilidadewestimulenysumeriativids cle. O curriculo treito entre curriculo e avaliagéo, propondo que a eficiéncia da imple- ‘mentagao dos curriculos seja inferida pela avaliagao do rendimento dos alunos inda que sua abordagem processual — objetivos /pro- cesso ediucativo /avaliagao do atingimento dos objetivos—tenha uina Mal ACoMportamentad tem sido utilizada na formulacao de curricu- los com diferentes aportes tesricos, como veremos no capitulo em define, assim, (a HOWAEGENCA/PARAUCSHAGUEFGD ar, centrada na formuiacao de objetivos, com repercussdes que, ainda hoje, podem ser vistas nos procedimentos de elaboracao de curriculos. ‘Hidalguns elementos comuns a essas tres tradigbes do campo do curriculo no que tange a definigio de curriculo. Fmetdes elas, 6entam HZAIOTGICARSICRPIESCHLVORIOTEURTICHIO visto como um PIEAGERTEREDY 6 TYLER, Ralph, Principiosbsicosdecurrculo e ensin, Porto Alegre: Globo, 1977 26 LOPES + MACEDO das atividades da escola realizado segunda critérios abjetivos e cienté FIGOEYFodo o destaque é dado ao que veioa ser denominado mais tarde CUFFICUIOORMANGUPREALN. [2 bem verdade que nao se trata de de- fender que tudo pode ser previsto. Tanto para Dewey e Teixeira quan- topara Tyler, a@GnsHiigao Gunniculare Uniproeesso do qual professor’, emesmoalunos, podem ou devem participar em diferentes moments. Mos hd um nivel de decisio curricular anterior a tal participagéo que ‘J ocorre numa fase de implementacao do curriculo, quando 0 que é Prescrito passa a Ser “usadG! MASESEOIND A cdindmica curricular envol- ve, entao, @SSEROMEROSTAIEBABos, mas distintos: agproetucaaye a implementagao do curriculo.”Admitindo-se 0 GRE aimee elaboragao, 0s insucessos sao, com frequéncia, descritos como problemas CMa aoe ae Ee 10 € recaem sobre as escolas e os docentes. O primero silénci sobre hegemonia, ideologia e poder 4s escolas estdo organizadas nao apenas para ensinar 0 conherimento referente CECT PRA GMENER RAPA OEMSTCEAAM’. nia esto organizadas também de uma forma tal que elas, afinal das con asa pRORIEMOTAD. CHERRIES MCLEAN, entre outras coisas, para ex- penulir merendos, controlar a produgii, 0 trabalho e as pessoas, proditzir pes- quisa bisica e aplicada exigida pela industria e criar necessidades artficiais seneralizadas entre a populagio.? lem ce enfatizar o prescrito, separando concepeao e implemen- tacao, as abordagens cientificas do curricule sao criticadas por conce- berem a escola e 0 curriculo como aparatos de controle social. ‘\ im portancia da escola para 0 desenvolvimento econémico do pais, ressiltada em miiltiplos momentos, uma das expressdes dessa cren- 5a, assim como o destaque que a ela se dé como espaco de socializacio dos sujeitos. Aprende-se na escola nao apenas 0 que é preciso saber Para entrar no mundo produtivo, mas cédigos a partir dos quais se 7. APPLE, Michael. Eduanloe der. Porto Alegre: Artes Médias, 1989. p. 37 ‘TEORIAS DE CURRICULO 7 CEVERPIREMISCSAAEe. Nessa perspectiva, a KSFRTORIAS GRIER) social sao gestados também na escola. Uma das criticas mais incisivas da escola e do curriculo como aparato de controle social parte do que se convencionou chamar de (teorias da Cormespondéncia oudareproduga, produzidas, principal- mente(@GSEHOS—970MFrata-se de teorias marxistas que defendem a correspondéncia entre a base econdmica e a superestrutura, indo de \perspeclivas mecanicistas, em que @.eomespondencia € total eexata, < concepcSes em que agdialéticayentreeconomiaye;culturayse:tazimais, MEWE). Incluem trabalhos variados do campo da sociologia, alguns dos quais problematizando mais especificamente o curriculo escolar. Assim ¢ que, (§6GEGGS{ialeohee peas elapAreIROSCeOlOBIEOD cle Eade Mesenvolvida por Couis AIMUSSEEMDO livro Aparelhos ideolégi- cos de Estado, em 1971, Baudelot e Establet e Bowles e Gintis, por exem- plo, analisam ajaitngaGaOSistenialeeleative an \co dos suj tos de cada classe social para assumir: Sees jinados pelo sistema capitalista. Althusser nao trata especificamente da escola, ou dos mecanismos através dos quais ela atua como elemento de reprodugao. Ao definir os mecanismos pelos quais o Estado contribui para a reprodugio da estrutura de classes, cria o arcabougo basico de conceitos com os quais a @SHAEREPESATEAD opera. Aponta Althusser para S@iuploeandie de atuacéo da escola na manutengdo da estrutura social: diretamente, atua como elemento auxiliar do modo de produgao como formadora de madideobtapindinetamentecontribui para difundit diferenciaday mente a ideologia, que funciona’como:mecanismo de cooptacao das diferentes classes. F esse carater de aparelho ideologico ressaltado por Althusser que vai constituir ¢emme da teorizaga) critica em curriculo, considerado enquanto @fiSifeagaOmaeOlOgicn. O trabalho dQ BEHGRIGREIESTEBIGENYA escola capitalista na Franca, 1971) assenta-se predominantemente sobre as ideias de Althusser, ‘8. ALTHUSSER, Louis. Apres ieolgcns de Estat, Rio de Janeiro: Graal, 1998. 9. BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. L'éole cptaliste en France. Pati: B Maspero, 971 28 LOPES + MaceDo buscando explicitar 9 forma como o sistema escolar atua Datasasane tira diferenciacdo social e denumciande a falea propaganda da escola enquanto espaco que garante oportunidades a todos, Por sua vev, 0 ‘trabalho de BowleseGintiss’ (Escolarizacito na América capitalista, 1976) trabalha a fungao reprodutora da escola, chamando a atencao para a ‘mnaterialidade da ideologia, jé presente, como adverténcia, nos escri- tos de Althusser. Os autores estabelecem uma correspondéncia entre a estrutura social e 4 estrutura de producto, identificando.comonas diferentes divisdes e hierarquizacdes necessérias & participacio con- trolada do trabalhador no mercado sao construidas a partir da orga- nizagao das experiéncias escolares, numa correspondéncia bastante WIRED Apesar de consistentes, ambas as anélises tém forte caréter determinista e nao se detém na andlise mais aprofundada da escola e do curriculo. Com uma abordagem menos determinista, centrada nafiiipOHane cia dos processos culturais na perpetuagao das relacdes de classe, BOURICHEPASEOAY em A reproducio, dataca de 1970, explicitam a complexidade dos mecanismos de reproducio social e cultural. ABRa pedagégica é descrita como uma violéncia simbélica que busca pro- duzir uma formacéo duravel (habitus) com efeito de inculeacgao ou Geprodugao) Para os autores, a escola opera com cédigos de transmis- so cultural familiares apenas as classes médias, dificultando a esco- larizagao das criancas de classes populares, mas, principalmente, na- turalizando essa cultura e escondendo seu carter de classe. Os sistemas dos arbitrérios culturais de uma determinada formacao social sao, assim, definidos como legitimos e sua imposicao € oculladla pela ideo- logia. Nesse sentido @f8pEOduga0 eulturalluper de ronnasenelhas- te a reproducio econémic» 0 capital cultural das classes médias, de- sigualmente distribufdo, favorece aqueles que 0 possuem e, com isso, perpetua a desiguaidade dessa distribuigao. sojgl PONE. Sam INTIS Herbert Shing icp Americ. Lee Rote, 6 i‘ 11. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A repradusio, Rio de Jane Pag ePedtuco. Rio de Janeiro: Francisco TEOBIAS DE CURRICULO 29 Na trajet6ria das G{MGASI00 |papelie prod Uitiva dalescOlayelsOCIO> (USAWALANCAAOS AROSE explicita um conjunto de preocupacoes que se direcionam mais fortemente para (USS eae pOMeMOSeHamAS decurriculares, Em 1971, 0 livro Conhecimento e controle: nowas direcdes paraa Sociologia da Educacao, organizado por Miiehaeh¥aung,* lanca as bases do movimento chamado NG®@SjSOGiGlogiaydayEducacsonNSE)s Para entender como a diferenciacao social ¢ produzida por intermedio do curriculo, os autores da NSE propéem uestoes Sobre a selecao ea) iganiZAGAOeOLOAIEGIMEHIO Scola, Diferentemente das perspectivas técnicas, tais questées buscam entender 0s interesses envolvidos em tais processos, compreendendo que 4@Se0laeOntnibiijpata al @Bitinia> ao de determinados conhecimentos e, mais especificamente, dos grupos quéos detém. A elaboracio curricular passaaser pensada como, wres0 a determinagdes de wma sociedade estrati- eens aa reproduzida por intermé- dio do curriculo. Ao invés de método, o curriculo toma-se um espace dgf@pRSAugAGSimbOlicae/ouMaterial. Surgem na agenda dos estudos curriculares questées como: por que esses e nao outros conhecimentos esto nos curriculos; quem os define e em favor de quem sao definidos; que culturas sao legitimadas com essa presenga e que outras so des- legitimadas por af ndo estarem. Abre-se uma nova tradigao nesses estudos, qual seja, a de entender que o curriculo nao forma apenas 05 alunos, mas o préprio conhecimento, a partir do momento em que seleciona de forma interessada aquilo que é objeto da éscolarizagao. No capitulo 3, abordaremos mais detidamente a relagao entre conhe- cimento e curriculo. E, noentanto, coma publicacao déldeblogimeeinicilo) por Michae) sAppleivemi979, que as andlises reprodutivistas passam a tratar espe- ‘ificamente do curriculo com enorme popularidade na area. No Brasil, o trabalho de Apple ganha notoriedade nos anos 1980, tendo sido seus livros traduzidos poucos anos depois de publicados. Viviamos, entao, © processo de abertura politica depois de 15 anos de ditadura militat, 12. YOUNG, Michael. Knowladge and control. London: Macmillan, 1971 13. APPLE, Michael. lvoogia ecriculo. Sao Paulo: Brasiliense, 1982 30 LOPES » MaceDo marcada, no campo da educacio, pelo @SISHZSEAG MON SenICSGS) no curriculo, por abordagens derivadas da racionalidade tyleriana A redemocratizacao trazia novos governos estaduais e SINGOEBORD va perspectivas marxistas aos discursos educacionais. Retornavam a0 cenério as formulacies dQREMGTERER, 20 mesmo tempo que QEEREVENSAYiani lancava as bases da Pedagogia Historico-Critica ou, na formulagio defGSeGaHoSIbANeoPla pedagogia critico-social dos contetidos, detalhadas no capitulo 3. Como todos os tedricos da teproducao, Apple defende a correspondéncia entre dominacao eco- némica e cultural. No entanto, em didlogo, especialmente, com as questées apresentadas pela NSE, omutonretom ia como forma de entender a da e reproducio das desigualdades, rejeitando perspectivas excessivamen- FORISIEMMURISIAS. De Bourdieu e Passeron, traz a ideia de que nas so- ciedades capitalistas nao apenas as propriedades econdmicas, mas também as simbélicas (0 capital cultural) so distribufdas de for- ma desigual. Defende que ¢8SHERIG0@S)&GHT0)as eSeolas COnTBUER Para a manutengao do controle social, na medi judam a manter a desigualdade dessa distribuicao de capital simbélico, Apple Preocupa-se particularmente em efff@ndSeeOMOlalSdueaeao ape hal economia e, nesse sentido, articula reproducao com producao. .\ re- produgao econémica é, portanto, produzida também no interior da escola pela forma como homens e mulheres vivem os mecanismos de dominac@omoreinialCiaReSUASAEMGAUEEPIss0 nao quer dizer quea base da desigualdade deixe de ser econ6mica, mas que aseontradicbes econdmicas (sociais e politicas) sio mediadas nas situacdes de vida concreta dos sujeitos da escola. No movimento de ampliar a nogao de reproducao, de modo que ela dé conta de questies culturais, Apple langa mao de dois conceitos fundamentais, e articulados, da teoria marxistaSgeMOMIM COIS A hegemonia é tomada na leitura qué(iRajamonelWilliamsifae de SGFBHTB, referindo-se a um G@EjURESORBAnIzAdOeMOMInanIeUeSER- M4, WILLIAMS; Raymond. The long revolution, London: Harmondsworth, Penguin Books, 1961 ‘TEORIAS DE CURRICULO a tidos que sao vividos pelos sujeitos como uma espécie de senso comum, Algo que satura todo o espaco social e mesmo nossas consciéncias. Algo total que passa a corresponder & realidade da experiéncia social viven- Giada e que se torna mais poderoso como compreensio do mundo a medida que ¢ vivenciado como sentido de realidade. @@SI0BIaDna tradicao marxista de que parte o autor, pode sESHRTGACGRO 2 espécie de falsa consciéncia que obriga toda a sociedade a enxergar © mundo sob a éptica de um grupo determinado ou sob a éptica das classes dominantes. As ideologias sao um sistema de crengas partilha- Gas que Hoe permite thar SEN TO MONE, ECT ae aE RUSSIA GRCSEMNGGEISASTA mundo. Nesse sentido, quando hegeménicas/ocultam as contradigoes sociais. A partir desses conceitos, as preocupacdes de Apple podem ser reescritas: como os curriculos escolares (re)criam a hegemonia ideo- l6gica de determinados grupos dentro da sociedade. 110 entender como essa hegemonia é recriada, o autor advoga a necessidade de olhar mais detidamente para a escola, 0 que nao era feito pela quase totalidade dos reprodutivistas. Estudar as interag6es cotidianas nas salas de aula, 0 corpus formal do conhecimento escolar expresso no curriculo e a acao dos professores eram os elementos que permitiriam identificar como as relagdes de classe sao reproduzidas econémica e culturalmente pela escola. Obviamente, tais preocupagoes s4o muito diferentes daquelas que deram origem as teorias curriculares cienti- ticas. A pergunta central nao é“o que ou como ensinar”, mas por que alguns aspectos da cultura social sao ensinados como se represet'ta>~ se A aE a Gmanuintns ds lnghina ee dees ‘GPERSSPARIOONUNIOLUANSOEIEUAME? Ou, posto de outra forma, quais as relagdes entre 0 “conhecimento oficial” e 0s interesses do- Gninantes da sociedade? Por conhecimento entenda-se nao apenas 0s contetidos de ensino, mas as normas e os valores que também cons- tituem o curriculo. No movimento de responder a tais questées, Apple reformula o conceito de curriculo oculto, definido por Philip Jackson, nos anos 1960, para dar conta das relacdes de poder que permeiam o curriculo. = LOPES + MACEDO Defende que subjaz ao curriculo formal, e ao que acontece na escola, um curriculo oculto, em que se escondem as relagdes de poder que estio na base das supostas escolhas curriculares, sejam elas em relacao a0 conhecimento (capitulo 3), sejam no que diz respeito aos procedi- mentos que cotidianamente sao reforcados an im curriculares. Na perspectiva técnica do fazer curricular que descrevemos no infcio deste capitulo, ha um 6timo exemplo de curriculo oculto inscrito na Prépria forma como os curriculos s40 organizados € pensados. Ao optarem por modelos sistémicos para a definicao do que e do como ensinar, tais perspectivas assumem o fazer curricular como questao técnica, cientifica, ocultando a dimensao ideolégica gana harmonia social dai advinda ¢ um importante principio que oculta as relagdes de poder e as desigualdades sociais. Em outras Palavras, pode-se dizer que ha um curriculo oculto a todo curriculo organizado segundo os moldes sistémicos das perspectivas técni- cas. O mesmo movimento de ocultagao da contradigao é reiterado em muitas outras manifestagGes curriculares vividas nos curriculos de muitas disciplinas, Antes de passarmos a outro grande siléncio da teoria curricular que, como acabamos de ver, produz sentidos ocultos, 6 importante dlestacar queas teorias da reprodugao e, especialmente, as formulagdes de Michael Apple foram revistas nessas tiltimas décadas. Mesmo de- fendendo a escola como espaco de produgao (e nao apenas de repro- dugao), trata-se de uma producdo que somente se podia fazer no sentido de atender as necessidades do capital. Com a entrada em cena das teorias da resisténcia, denunciando o aprisionamento da conscién- cia da classe trabalhadora que est na base do pensamento reproduti vista e das categorias hegemonia e ideologia tal como utilizadas, 0 cardter contradit6rio da propria reprodugao é acentuado. A resisténcia devolve ao sujeito a possibilidade, dificil e laboriosa, de mudar a his- TEORIAS DE cuRRICULO 3 t6ria inviabilizada pelas teorias da reprodugao. Tal movimento ser enfocado no capitulo 8. Defendo que ndo se pode, com sentido, desenhar uma experiéncia educacional Leo}. Quais so minhas objecdes a essa ideia? Uma é que nfo se pode preiizer, com alguma certeza, a resposta daquele que nos escuta. A fala, ¢ estou pensan- do nos professores aqui, nao é escutada apenas no contexto no qual é falada (ainda que isso as vezes ocorra), mas tanibémt nos contextos em que é ouvida. Estes 1itimos so 05 contextos das vidas individunis dos ouvintes. Eles sto muito, ainda que nit totalmente, diferentes daqueles dos professores. ALE refle- momentaneas revelam esse fato, ofto da individualidade.* ‘Nao sdo apenas as perspectivas marxistas das teorias da reprodu- cdo que criticam as abordagens técnicas de curriculo. Poder-se-ia mesmo dizer que os questionamentos a tais aa sio,em ins de medida, funcdo de um novo contexto social I, ‘ nDSSE Sa AERTS TEED Ns Europa e nos Estados Unidos, surgem os movimentos de @SHEGuIEED que também ganham forga no Brasil ao longo da década de 1970, Cai Hi, no entanto, fragilidades proprias das abordagens téenicas. Ainda que marcadas por preocupa- bes de natureza eminentemente pratica — como fazer —, elas nio conseguem dar conta da realidade vivida nas escolas. A implementa- ao dos curriculos continua a ser um problema para o qual essasabor- dagens nao fornecem solugio. 15, PINAR, William, Autobiography, politics and sexuality. New York: Petr Lang, 199. p, 125. Texto original de 1979 4 LOPES + MACEDO Crescem, assim, (QGHEGaS HO CONCEIOHeelitO de CunneuIOROMe a prescricao seja do que deveria ser ensinado, seja de comportamentos: GPERAOSTOSANNOS. Tesricos do TGAFCAGEAGIOKIG argumentam vm favor de um curriculo aberto a experiéncia dos sujeitos edefendem uma definicao de curriculo para além do saber socialmente preserito SISEEMGMINAO|PIOSESMCANED Propoem que a ideia de um docu- mento pivestabelecide seia-substitnida pos uma CORE pSSOUSEREDD- ‘beativielades eapazes de permitit a0 alumo compreender seu proprio TRURGGEMIAD Em certa medida, essas preocupagées também se fazem presentes no pensamento critico, no qual, no entanto, a énfase no social despreza o individual. Para os teéricos de matriz fenomeno- logica, essa énfase torna o pRASAMmentO eHticoldesmobilizant, na medida em que enreda o individuo numa estrutura social da qual ele nao pode sair. CSGIGEBibe ¢, sem diivida, uma das. importantes@iiifleneias pane as concepgGes de curriculo focadas na compreensao do mundo-da-v. da dos individuos que convivem no espaco da escola. Ainda que in- fluenciado pelo marxismo, Freire constréi uma (@QHaISEEEEm para a qual muito GIMBGRiiaFEROMENOIOBiamexistencialisme. Na Peda- .gogia do oprimido, seu principal livro, datado de 1970, Freire” parte da contraposigao classica do marxismo entre opressores e oprimidos para analisar a educagao como bancaria e antidialégica em raciocinio que Gap rONimal dos WHOS Ae prOUeA 0. Propde uma SUSBOBBASEr- da no didlogo e, nesse sentido, vai além da andlise das formas.de _-funcionamento da ideologia e da hegemonia, defendendo a passibil Pe Ue a ceteaeto se Cont PONMEPMOUEEAD, Para tanto, é preciso repensi-la para além da transmissao hierarquica e organizada de co- mhecimentos: como interacao entre sujeitos que se dé no mundv. | ssa interagao comega na propria decisdo dos contetidos em toro dos quais 0 didlogo se estabelece. Poder-se-ia dizer que, nessa obra, Freire apre- senta uma alternativa as concepedes técnicas do curriculo, propondo (PRORIMIeMOSparamelaboracso curricularcapazes de tentar integrar 16, FREIRE, Paulo, Padagogie do oprimid, Rio de Janeino: Paz e Tera, 1987 TEORIAS DE CURRICULO 35 ‘0 mundo-da-vida dos sujeitos as decisdes curriculares. Ni capitulo 2, abordaremos tais procedimentos. No campo da teoria curricular em ambito internacional, o concei- to d&@UEP, proposto por @illiamPinaP’ em 1975, 6a aiSnelevante: contribuigdo da fenomenologia para a ampliagao do conceito de cur- jculb. CAMEIOLEOMOEHMIE: & clefinido, pelo autor, como um pro- cesso mais do que como (ia 6OiS) COMO Mins NgaS COMO NmNSeNGGD SParkiculare uma esperanea publica. O curriculo é uma conversa com- plicada de cada individuo com o mundo e consigo mesmo. Conside- rando que a experiéncia educacional dos sujeitos ¢ parte de sua situa- io biografica, o curriculo deve proporcionar ao sujeito entender a natureza dlessa experiéncia. E através dela, e nao apenas dela, que o sujeito se move biograficamente de forma multidimensional. Trata-se de um método constituido de quatro momentos — regressivo, pro- gressivo, analitico e sintético — pelo qual se busca explorar a relagio entre 0 temporal eo conceitual. A experiéncia dos sujeitos 6 fonte dos dados, gerados por associagao livre, com os quais a situagao educacio- nal deve lidar. ‘O momento regressivo é um retorno ao passado, nao um passado concreto ou literal, mas abstrato, conceitual, subjetivo. No que respei- ta ao curriculo, implica regredir as experiéncias escolares com o obje~ tivo de reviver 0 passado sem a preocupagao em ser l6gico ou critico. Basta escrever as experiéncias, tornanclo-as presentes e conceptuali- zando-as. O momento progressivo é aquele destinado ao que ainda nao esta presente, um momento em que o sujeito lida com o futuro, associando livremente seus interesses intelectuais. No terceiro momen- to, o analitico, é feita a descricao do presente que inclui a resposta do sujeito ao passado e ao futuro. Trata-se de uma fotografia do presente que, juntamente com a foto do passado e do futuro, permite a inter- pretagao do presente vivido. Essa interpretacao nao pode ser feita de forma racional, seguindo um esquema analitico hierarquico ou tem- poral, mas visa a perceber as inter-relacdes complexas entre presente, n. Autobiography, putes and sexuality, New York: Peter Lang, 1994 38 LOPES + maceDO passado e futuro. Por fim, 0 momento sintético, no qual o sujeito deve ser capaz de responder qual o sentido do presente para si, qual, por exemplo, a contribuigéo da atividade escolar no seu presente como sujeito (intelectual e fisicamente falando). Do regressivo ao sintético, © sujeito desenvolve sua capacidade de arriscar, abrindo-se ao desco- nhecido. O conhecimento altera o sujeito ao mesmo tempo que é por ele alterado, significado. Do ponto de vista do curriculo, praticamente nao se pode falar de uma matriz fenomenol6gica no Brasil, embora a obra de Joel Mar- tins possuia algumas reflexdes que podem ser apropriadas pelo cam- po. O fato de tal matriz ter tido pouca penetragao nos estudos curri- culares no Brasil ndo significa, no entanto, que a cultura produzida na escola ou aquelas trazidas por alunos e professores para o seu in- terior como parte importante do curriculo nao sejam objeto de atencio. Além da obra de Freire, j4 destacada, as pesquisas sobre a escola de- senvolvidas em diferentes perspectivas, das etnografias da sala de aula e das instituigdes aos estudos no cotidiano, exemplificam a forca da dimensio ativa do curriculo no Brasil. Tais pesquisas serao tratadas no capitulo 7. uuscam reconceptualizar o curriculo, ndem superar a ideia de que o curriculo é algo formal ou escrito a ser implementado numa realidade escolar. Por diversas razées, no entanto, ao invés de uma reconceptualizacao do curricul tigeiramente diferentes entre si, muitos nomes foram sendo propostos para onivel vivido: em agao, informal, interativo, como pratica, ativo, experencial. ‘TEORIAS DE CURRICULO 7 Ocaminho que optamos por seguir neste primeiro capitulo nos a a outras defini- Bes como, por exemplo, curriculo nulo, a tarefa ficaria ainda mais complicada. O que pretendemos agora, para finalizar este capitulo e ajudar na leitura do restante do livro, é tentar Nao se trata apenas de integrar esses niveis, mas de pensar sem cles. Faremos isso a par- tir de aportes tedricos, trazidos pelo pés-estruturalismo para os es- tudos curriculares, que apontam para outra definicao de curriculo que cumpre destacar. Os primeiro ,,como o fundamento que subjaz aos fendme- nos, sob pena de retomar a ingenuidade criticada nas posturas realis- tas. Além disso, o estruturalism< EEE ea eoaED (GID A estrutura invaridvel, no tempo e através dele, funcionaria, portanto, como uma natureza imutavel do mundo, algo que poderia ser comparado a ideia de natureza humana, (GeaEATEAARA Para o estraturtismo, a ingus- gem é um sistema de signos, compostos por significante (som ou pa- lavra) e significado (seu conceito) que guardam, entre si, uma relacio simbitririe, Namedida em que a linguagem nao representa a realidade. =a O que nos permite atribuir um significado a um significante € a sua diferenga em relagdo a outros significantes que constituem o sistema linguistico. Assim, o termo aluno nao tem cor- respondéncia necessdria com algo que existe na realidade; a ideia de que ele esté associado a um dado contetido seria uma ilusao. Aluno s6 pode ser entendido em relacao a professor ou a aluna ou a pessoa nado escolarizada, ou seja, em relagio a sua diferenca. Em cada uma dessas relagdes, cria-se um significado para aluno. + LOPES MACEDO Com a critica a estrutura, 0 pés-estruturalismo é obrigado a des- conectar totalmente a ideia de significado do significante. Nao ha re~ lagGes estruturais entre dois significantes, nao ha relagdes diferenciais fixas entre eles e, portanto, nao ha significados a eles associados. Cada significante remete a outro significante, indefinidamente, sendo im- possivel determinar-lhe um significado; este ¢ sempre adiado. Todo significante 6, portanto, flutuante e seu sentido somente pode ser de- finido dentro de uma formagao discursiva hist6rica e socialmente contingente. A questao fundamental se torna: como eem que condigies um determinado discurso é capaz de constituir a realidade? No que se refere ao termo aluno, por exemplo, o que interessa é como a ideia dealuno é construfda na intersegao entre varios discursos e como esses discursos se inserem em uma sociedade especifica. f isso que 0 torna real, Para entender esse proceso, 0 pés-estruturalismo recupera a dimensao diacrénica eliminada da discussao estruturalista. Tal questao explicita uma imbricada relagao entre discurso —e conhecimento como parte do discurso — e poder. Nao se trata da maxima moderna de que deter conhecimento confere poder, mas de compreender o poder como fungao do discurso. A capacidade de uni- ficar um discurso 6 em si um ato de poder, de modo que as metanar- rativas modernas precisam ser vistas como tal e nao como expresso da realidade. De forma semethante, pode-se entender os discursos pedagégicos e curriculares como atos de poder, o poder de significar, de criar sentidos e hegemonizé-los. Assumindo as preocupagdes pés-estruturais, muitos questiona- mentos poderiam ser postos as tradicdes curriculares que viemos abordando. Por ora, vamos nos fixar naquilo que se vincula central- mente & pergunta 0 que é curriculo? Numa perspectiva antirrealista, 0 curriculo nao é coisa alguma. Como jé se anunciava ao longo deste capitulo, cada uma das tradigdes curriculares é um discurso que se hegemonizou e que, nesse sentido, constituit o objeto curriculo, em- prestando-lhe um sentido préprio. Tais tradigdes nao captam, de dife- rentes maneiras, um sentido para o termo. Elas 0 constroem, criam um sentido sobre o ser do curriculo. Sao um ato de poder, na medida em que esse sentido passa a ser partilhado eaceito. Aceitar, como fizemos, TEORIAS DE CURRICULO a que essas tradig6es definem o ser do curriculo nao implica assumi-las como metanarrativas ou como produtoras da verdade sobre o curri- culo, Ao contrario, a postura pés-estrutural nos impele a perguntar como esses discursos se impuseram e a vé-los como algo que pode e deve ser desconstruido. }, que serdo discutidos respectivamente nos capitulos 3 ¢9, entre outros. Nos conceitos de curriculo que vienos abordando até agora, tais termos foram sempre mencionados: 9 Se, no entanto, a tealidade é constituida pela linguagem, nem cultura nem conhecimento podem ser tomados como espelho da realidade material. Ao contririo, eles também precisam ser vistos como sistemas simbélicos e linguisticos contingentes. Nao sdo um repertério de sentidos dos quais alguns sero selecionados para compor o curriculo. Sao a propria produgio de sentidos que se dé em muiltiplos momentos e espagos, um dos quais denominamos curriculo. (GREED. Ele constr6i a realidade, nos governa, constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos. Trata-se, portanto, de um discurso produzido na intersega0, entre diferentes discursos sociais e culturais que, ao mesmo tempo, reitera sentidos postos por tais discursos e os recria. Claro que, como essa recriacao esté envolta em relagdes de poder, na intersecdo em que ela se torna possivel, nem tudo pode ser dito. 2 LOPES « MaceDo Oeentendimento do curriculo como pritica de signi ¢riagao ou enunciagdo de sentidos," curticulo formal, vi ‘aco, como ” torna inéqua distinges como vido, oculto. Qualquer manifestagao do curriculo, qualquer episédio curricular, a mesma coisa:a producio de sentidos, Seja escrito, falado, velado, o curriculo é um texto que tenta direcionar © “leitor”, mas que o faz apenas parcialmente. 19, MACEDO, E. Curricula como es 2 . lo como espago-tempo de fronteira cultural. Revista Brasil de Educepe, S80 Paulo, x. 1m. 32, p, 285-296, 2006, See Capitulo 2 Planejamento Conforme explicitado no capitulo anterior, a agao de planejar 0 curriculo se confundiu, por muitos anos, com a prépria nogao de cur- riculo. A teoria do curriculo se dedicava & proposicao dos melhores modelos ou métodos de planejamento curricular. O estudo do curri- culo era o estudo das formas de planejé-lo. Trata-se de uma tradicao que inaugura os estudos curriculares, mas que é bastante forte até hoje. Neste capitulo, vamos abordar alguns modelos ou métodos de plane- jamento curricular. Para escolhé-los, levamos em consideragdes sua importancia hist6rica, especialmente tendo em conta o planejamento de curriculo no Brasil. e Trata-se de uma selegdo marcada pela racionalidade tyleriana, sem dtivida, a mais pregnante no que concerne ao planejamento cur- ricular. No Brasil, até meados dos anos 1980, praticamente todas as propostas curriculares sao elaboradas segundo o modelo de elaboracao curricular de Tyler Também as publicagdes sobre (planejamento de) curriculo trazem essa marca, sendo adaptagoes de textos norte-ameri- canos ligados a essa tradigao. Iniciamos o capitulo exploranco em detalhes, devido a sua relevancia, 0 préprio modelo de elaboragio curricular de Tyler. Complementamos essa discussio explorando a tecnologia de construcao de objetivos (que se desenvolveu a partir de Tyler) e atualizando-a com uma discussao sobre curriculo centradoem_

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