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ee eet ere Tee dela, vira reportagem, vira documento, vi Dee a med CCS Cn eee CUCM Re a) Dee ce eT CT ec ete Cm) Cee eee eo ar Et ee kee ea Santos Silva: Os barbaros submetidos) Pere ue En eer See Ta ee se me a Re eR Cee Cn Cee eee es ect ae CER eee ecu Ome Ce meta ROOT Rs por meio de cartas diretas ao cronista ou por n Crem R ec iC men ee eee ue ee RC ele Pe Ce a ne Me] OU Se Ue ri a en er Cee cee ee ee eee cu OM ack er One) em nae Ru ea eee eee ue iteattatedi se Cronistas Brasileiros Contempordneos Anon Manoel dos Santos Silva (Org.) (© 2010 by Arcane Hance doe Santos Siva ‘Dados Internacionis de Catlogacbo mo Publica (IP) SUMARIO. APRESENTAGAO Luiz Renato de Souza Pinto As cronicas do segundo semestre de 2008. Daniela Aparecida da Costa Operadores eruditos nas erdnicas de Carlos Heitor Cony Operadores eruditos na erénica “O Galo de Sécrates” Maria José Terezinha Malvezzi Ubaldo Ribeiro: Prioridades Discursivo-Literirias.. Joao Ubaldo Ribeiro: a vor da ilha. Ricardo Sobreira Bfeitos de sentido e pa ‘ fcio de Loyola Brandao, ai s 109 Bfeitos de sentido do ae 4 Presente da memi Zs Saaz éria ea morte em crdnicas de I A crbnica: um género brasileiro? {As erdnicas de viagem ¢ as erénicas mem sobre a passagem do tempo ¢ sobre as mem¢ ‘As crénicas “quase” narrativas.. Cronsta brasileroscontemporinecs| ” de Moacyr 151 152 60 APRESENTAGAO- Este livro contém estudos sobre a obra de autores bra- porineos, que regularmente publicam_ suas crdnicas em periddicos editados em Sao Paulo ¢ Rio de Janeiro, quase todas reproduzidas em outros jornais do pais. Com a José Simao, esses autores so reconhecidos nacionalmente como romancistas ou con- tistas ou ensaistas: Carlos Heitor Cony, Ignacio de Loyola Brandao, Moacyr Scliar, Joao Ubaldo Ribeiro, Ana Miranda ¢ Contardo Calligaris. Boa parte dos textos aqui estudados ou referidos vieram a luz no decorrer dos primeiros anos do século XX! ou porque nao houve interesse editorial, nao esto em livro. Alguns que estio em livro, como acontece com os presentes em O Conselheiro come, de Joao Ubaldo Ribeiro, e em Deus- dard, de Ana Miranda, haviam sido publicados em jornal no finzinho do século XX. Os autores dos capftulos deste livro realizaram os trabalhos no periodo em que frequentaram, como mestrandos ou dou- torandos, os cursos do Programa de Pés-Graduagio em Letras da UNESP, campus de Sio José do Rio Preto. Mover: Global, 2004, hs IA. A. M.S. Andlive do texto literdrio: orientagbes r Edigoes, 1981 Cronstasbrasieiros contempordneos| Antonio Mntel dor Soe Siva (Ong) O TEMPO, A MEMORIA E A MORTE EM CRONICAS DE IGNACIO DE LOYOLA BRANDAO. A produgio cronistica brasileira esté ligada ao préprio sur- gimento da profissio de escritor sua consolidacio ao longo da Hist6ria Literdria do Brasil. José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Mario de Andrade, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade sao alguns dos nomes consagrados em nossa literatura que, por algum motivo, dedicaram-se & crdnica jomalistica. Além desses nomes, podemos destacar a figura de Rubem Braga, 0 maior expoente da crénica no Brasil, que, 20 contrério dos demais, dedicou-se exclusivamente a esse g No contexto contemporiinco, intimeros nomes i A produgio lireréria exercem a fungao de cronistas. Hatoum, Moacyr Scliar, Luiz Fernando Verissimo, Joio Ubaldo Ribeiro, Ignacio de Loyola Brandio, sao alguns dos escritores consagrados que tém seus textos nas paginas dos su- plementos culturais de grandes jornais do pais. Alguns desses autores, a exemplo de Moacyr Scliar, criam, a partir de pe- quenas noticias do cotidiano, histérias bem-humoradas Programa de Pés-Graduagi José do Rio Preto, SP Doutorando em Teoria d que podem ser classificadas como pequenas narrativas; outros, como Jodo Ubaldo Ribeiro, buscam na produsio de ngenciada por uma fonia que, muitas a o sarcasmo, comentar fi ira ¢, finalmente outros, a exemplo de Igné Brandao, nao se preocupam em dar ao text que poderfamos c conferido pelo j remetem as memérias, a fa pontuais qu do cotidiano, sem a preocupagio de > narrativo a esses fatos. O objetivo do presente trabalho é isar algumas das crénicas de Brando, demonstrando Antes, € pre um pequeno niimero de cré semestre de 2008, precisamente entre os meses de le que Brandac corpus. O primeito deles ¢ 0 fato de qui ; " 2 a semanal do “Caderno 2”, do jornal O Estado de S. Importa ressaltar que boa parte dos fatos representados nas crénicas se passa na Fi nna cidade de Berlim, onde Brandao de 2008. Além de mostrar a cidade em seu atual context cronista procura rememorar alguns dados muito pon pano de fundo”, podemos observar certo tom memo- a, além de uma consciéncia aguda da transitoriedade das coisas ¢ da finitude humana. Isso é reiterado em outras crdnicas dedicadas a amigos de jornalismo mortos recentemente. alguns exemplos de crdnicas bem-humoradas, classificadas como entio, nosso corpus em tres grupos: 1) as crénicas de viagem que tém como pano de fundo algumas cidades europeias, es- pecialmente Berlims 2) as crénicas memorialistas em que, a partir da escolha de uma personagem conhecida pelo cronista, se faz. uma série de reflexes sobre 0 passado ¢ 0 presente; 3) as crdnicas historietas em que temos a presenga de intimeros dislogos, alguns bem-humorados, mas sem tensio dramitica. Hi uma excesio no corpus: a cronica “Juro por Deus que sou casado!”, publicada em 24/10/2008, nao se encaixa em nenhum dos tipos elencados em nosso trabalho, aproximando- se, contudo, das crénicas memorialistas. Faremos, entio, uma pequena exposigao das principais caracteristicas da crdnica de Ignécio de Loyola Brandi evando em consideragao as idcias que alguns criticos cém da crénica. Porém, enfatizaremos as duas crénicas em aparece 0 elemento humoristico. Sao elas: “Depende do ponto de vista’ icada em 08/08/2008, “Visoes de taxistas”, publicada cm 19/09/2008. Antes de entrarmos na andlise das crénicas, faremos um breve apanhado sobre crénica no Brasil, referindo algumas proposigdes tedricas de Afranio Coutinho ¢ de Jorge de Si. A crénica: um género brasileiro? ‘A crénica um género considerado por muitos ~ talvez in devidamente — como eminentemente brasileiro ¢ q is 0 cariter col uma de suas caracteristicas prin cronista é aquele escri Certamente, quando 0 leitor abre uma pagina em q figura o nome de um escritor consagrado por stua produgio li- espago reduzido de jornal, mais 4s, pode acontecer € acontece em terdria, espera encontrar, nu “pérola” litersri imimeros momentos. Entretanto, néo podemos esquecer que a exnica é produzida em um espago pequeno e, principalmente, que o cscritor ocupa aquele espago como um “colaborador do jornal, tendo que se submeter ao ritmo de produgio a que todo 0 resto do corpo editorial esté, por sua vez, submetido. Isso significa que (...) acrénica surge primeiro no jornal, herdando sua precariedade, esse seu lado efémero de quem sce no comeco de uma leitura ¢ morre antes ‘que se acabe um dia, no instante em que 0 transforma as paginas em papel de embrulho, ou guarda os recortes que mais Ihe interessam im arquivo pessoal Nese contexto, a crnica também assume essa transitoriedade, di- rigindo-se inicialmentea leitores apressados, que leem nos pequenos intervalos da Cronistasbrasieioecontemporineos| Aatnio Manoel ds Sans Siva (Org) transporte ou no raro momento de trégua que a televisio Ihes permite. (SA, 1992, p.10). Entretanto, ainda que submetido a tais presses, 0 es- ctitor, algumas veres, consegue pros textos bastante ricos em imagens e figuras de linguagem que acabam superando © seu carter de efemeridade e se tornam_belos exemplos de como as crénicas podem ter caracteristicas literdrias ou a tariedade*. Nesse sentido, & crdnica poderfamos dar o apelido de “texto camaleao”, j4 que ele assimila ¢ mimetiza em seu espaso caracteristicas de outros géneros literétios, tais como © conto, a prosa pottica etc. Afrinio Coutinho, em sua obra, A literatura no Brasil (1968, p.120), classifica as crénicas em cinco grupos: a) crdni que se aproxima, por suas caracteristicas do conto; b) crénica metafisica, ye traz em sua éstrutura reflexdes sobre os homens ¢ acontecimentos, apro- ximando-se de temas filos6ficos; c) a crdnica poema-em-prosa, cujas caracteristicas se aproximam da prosa poética; d) crénica comentirio, também chamada de crénica bazar ou cronica de Jaits divers devido ao niimero de acontecimentos presentes em sua estrutura; ¢) ctdnica informagéo, que traz pequenos co- ‘mentirios e a divulgacao de fatos, diferenciando-se do tipo terior por sua impessoalidade. Por essa categorizacao efetuada 1, podemos notar que a crénica, embora seja es- tudada como um género em si mesmo, também é vista como a condigo livrdra, ido, Nesse sentido, 0 texto jornalistico rec critio quanto mais se aproximar de o um género géneros textuais, tais como 0 conto ou a poesia. A crbnica de Igndcio de Loy Brandi, se cotejada c peciais. Em se tratando de fiegi0, Loyola foi reconhecido p: experimentalismo da linguagem literdria e ganhou notoriedade na década de 70, icagio de Zero’. Ji nas crdnicas, percebemos que no uma preocupagio de Loyola em aproximar a linguagem lizada por ele na esfera jornalistica, daquela que ele utiliza em seus textos ficcionais, Nesse sentido, suas crénicas podem ser classificadas como crénicas em seu sentido mais literal predomindncia da linguagem coloquial, utilizagio de uma guagem préxima a linguagem prosaica, nio aproximagio de outros géneros textuais e presenga de uma grande variedade de assuntos. Outro fator interessante é a de que 0 narrador das crénicas de Loyola Brandio ¢ 0 proprio escritor, ou seja, ele, a0 contririo de Moacyr Scliar, nao eria um narrador com tancia narrativaindependente que narra uma pequena histria m tensio dramética que dé ao texto um cardter de mi- As historietas de Loyola sio, na verdade, a jungio de uma série de didlogos esparsos entre 0 cronista ¢ outras pessoas, sendo que, a partir de tal jungio, cronista, cria um tema que predomina ¢ organiza os textos. Vejamos, entio, cada uma de ossas classificagdes, aqui clencadas, das erdnicas de Ignacio de Loyola Brandio, As erénicas de viagem e as erénicas memorialistas: ‘uma reflexdo sobre a passagem do tempo ¢ sobre as memérias As crdnicas de viagem so um grupo de quatro crénicas em ue 0 escritor faz uma série de comentétios sobre sua viagem 4 Europa. Nestas crénicas, publicadas entre agosto e setembro de 2008, Loyola comenta comportamentos ¢ curiosidades Sobre alguns locais da Alemanha, além de fazer uma pequena referéncia 3 sua visita & cidade de Praga, na Reptiblica Tcheca, onde visitou a antiga casa de Franz Kafka. Além de apontar as curiosidades que marcam as diferengas entre a cultura europeia €a cultura brasileira, Loyola também demonstra um tom de memorialismo, enfatizando, principalmente, uma viagem feita a0 mesmo lugar em meados dos anos 1980. Na crdnica de 01/08/2008, inticulada “Como estaré ‘minha’ cidade?”, essa visio de meméria fica bastante evidente, sobretudo, quando 0 autor fala de sua viagem a Praga: “Vou rever Praga, onde estive luma vez, nos anos 80, no velho regime, acompanhado de meus melhores amigos berlinenses, Victor ¢ Marta Klagsbrun, na €poca exilados bra "A partir do atestado do fato de que ird para Praga, Loyola faz um salto temporal, em que evidencia as lembrangas de sua tiltima estada na mesma cidade. Logo a seguir retoma uma pequena histéria, que ele mesmo afirma estar publicada, € na qual ele conta a sua busca pela casa de Kafka: Ja contei em meu livro O verde violentow 0 m minha busca da casa de Kafka em Praga. ia em guias, nem mapas. Pery a, desconversaram. Kafka nao benquisto no regime anterior, aquele que des moronou. O dado j X faz comentérios sobre a palestra que proferiré a respeito de crdnicas: Sigo de wem com Marcia ¢ Maria Rita para terei no dia 05 de agosto uma leitura/conversa no Instituto Ibero Americano com estudantes © professores, com moderagio de Sabine Ei O tema seré o da cr6nica, um género bra Esse tom de meméria se repete nas outras crénicas de viagem, especialmente no texto publicado em 12 de setembro de 2008 sob o titulo de “Turistas perderam os olhos”. Nessa crénica, Loyola faz uma série de apontamentos sobre o passaco € 0 futuro, dando énfase & visita que fer ao Altes Museum, onde contemplou 0 busto de Nefertiti, comenta sobre 0 antigo regime da Alemanha Oriental, pretexto para a reflexio sobre a maldade humana. Nesse sentido, podemos afirmar que, além de memorialista, a cronica de Loyola é uma “colagem” jentérios que, em alguns textos, se tornam uma espécie de crdnica reflexiva, na qual o escritor chama a atengio Cronista brasileroscontemporineos| Antonie Manat ox Sana Sia (Ore) Para o cardter efémero e transitério das coisas. Vejamos um trecho da crénica supracitada: Nio hé contemplagdo [da arte]. A cena chega a ser grotesca. Os modernos perderam os olhos, 0 prazer de ver. Frente urna de vidro que protege © busto, centenas de pessoas colocam-se para serem fotografadas (...) A viagem é depois num monitor. O que significa A cr6nica tem certo tom de questionamento sobre o q realmente fazemos. O que significa a arte? Para que viaja Pelo prazer de estar em um lugar diferente com uma cultura diferente ou por que precisamos mostrar nossa viagem. aos outros? Nesse sentido, a crdnica dé uma énfase & ideia de um mundo arruinado, onde as pessoas jd nao sio mais humanas, pois desvalorizam as coisas que nos fazem humanos; entre esses elementos 0 autor elege a arte como tema de sua reflexio. ‘A meméria é 0 elemento privilegiado nas cronicas me- morialistas em que Ignacio de Loyola Brandao relembra scus primeiros tempos de jornalista em Sao Paulo para, a partir dai, refletir sobre a vida. Se nas erdnicas que se passam na Alemanha h4 o dado memorial esse dado se acentua bastante nas croni que chamamos memorialistas. Nelas, Loyola relembra da Sio Paulo dos anos 1950, onde ele acabava de chegar de sua terra natal, Araraquara e, também, de outros fatos acerca de sua vida de escritor. As crdnicas “A arte de Paulo Mendonga” ¢ “O camario & grega que desejei” se destacam pela temitica semelhante: as memérias que Loyola possui de personagens ¢ lugares de uma Sio Paulo que jé nio existe depois das mu dangas a0 Nacrénica “A artede Paulo Mendong: Brando faz. uma homenagem 20 amigo Paulo Mendonca, ngo dos anos. tro da Esco antigo professor de Histéria d o escritor era editor da revista Planeta. A partir de al acerca da vida de Mendonga e, também, de sua c faz uma geragio de homens que, de acordo com sua opinio, esto extingao: “[Paulo era] Daquelas pessoas raras, de uma gerac: igualmente rara que cultivava 0 saber, a filosofia, a hist6ria, (...)" No fim da cronica, apés narrar um tiltimo en: Mendonga, Loyola afirma que “A vida, depois de certa idade, uma colegio de perdas”, numa clara alusio & constante morte de amigos numa reflexio sobre a efemeridade da vida. uanto na cronica “A arte de Paulo Mendonga” Lo discorre acerca de um amigo, na crénica “O camario 3 grega menagem nao apenas ao amigo, que desejei”, o escritor escolhe o restaurante Gigetto para contar suas mem@rias sobre a vida cultural da Sao Paulo do fim da década de 50. O cronista, por meio de um tom memorialista, descreve o restaurante, além de enumerar os famosos que frequentavam, entre eles Eva Wil melhor, embora © cronista, na época um jovem jornali recém-chegado do interior, nao tivesse dinheiro para comer dos. Entretanto, havia 6s pratos mais comentados ou sol nessa época, para ele, a alegria do encontro com os amigos. O lima nostélgico é reafirmado no fim da créniea, quando Cromista brasileiroscontemporneos| Antoni Mansel dos Soe Siva (Or) rativa a partir de virios didlogos concatenados que da © escritor faz uma homenagem ao restaurante que reabria em outro enderego: Fiquei emocionado ao ver que hoje no Gigetto Posso comer pratos que me foram inacessiveis ‘como © camario A grega, o estrogonofe, 0 ¢s- Paguete com frutos do mar, a 2uppa inglesa eas I folhas. E que nio peso para reviver aquele desejo atroz que me devorava ¢ me levava a dizer: tum dia poderei vir aqui comer o que quiser ¢ trazer 05 amigos. As memeérias do restaurante se junta a lembranga de uma €Poca em que o cronista, cercado pelos amigos, sonhava com tum tempo melhor. Todavia, quando esse tempo melhor chega, fica a nostalgia pela passagem do tempo e pelas mudangas que vida impoe a cada um de nés. Como pudemos verificar nessa pequena abordagem da Produgao de Loyola, tanto as crénicas escritas em sua viagem pela Europa quanto as crénicas que possuem um tom de memé6ria dao énfase 2 mesma temética: a consciéncia das mu- dangas impostas pelo tempo, a nostalgia por um tempo consi- derado melhor, a certeza da transitoriedade das coisas e a visi um tanto pessimista de um mundo que, segundo 0 cronista, nao é mais o mesmo. As crénicas “quase” narrativas Em algumas crénicas, Loyola cria uma es texto uma unidade tematica, Entretanto, esses “embrides” de narrativa nao podem ser classificadas como minicontos devi 2 auséncia de foco narrativo, 0 que exclui, por conse; tensio dramdtica que caracteriza 0 conto. Nessas créni elemento que ganha importincia é 0 tema, jé que, por mi uma temitica tinica, o cronista mostra os intimeros pontos de vista dela decorrentes. Na crénica “Depende do ponto de vista”, publicada 08/08/2008, o tema da crénica é a biblioteca do cronista ¢ reacao dos visitantes a0 conhecé-la. Na crénica, a perplexidade diante da quantidade de livros gera as mais inusitadas afir- mativas, demonstrando que cada pessoa, na sua esfera cultural, tem uma opiniio a dar sobre a quantidade de livros. E. inte- ressante notar que cada pessoa, ao julgar 0 cronista, 0 faz a partir de sua propria experiéncia, como o jovem estudante que se surpreende com fato de o escritor ler um livro de mais de 700 paginas em apenas um més. Vejamos: Um estudante que veio me entrevistar, per- guntava ¢ olhava para as estantes. Quando terminou, desligou o gravador. Pediu licenga para ver um livro, A histéria de Lee Oswald, de Norman Mailer. — P6, 768 paginas. O senhor leu inteiro? Li = Demorou quantos anos? — Um més! = Nao pode ser, impossivel. O senhor teria de ler. Fez as contas mentalmente. CCronstasbrasileroscontempordineos| Anono Mate dos Sano: Six (Org) ~ Teria de ler umas 26 ou 27 paginas por dia, Ninguém consegue isso. ~ Por qué? — O méximo que leio sio trés paginas, depois me dé dor de cabega, fica embaralhada, Outro visiante, um vidraceiro, pergunta: “Que colecio! © senhor tem algum para troca?”, como se uma colegio de livros fosse como uma colegio de figurinhas em que se trocam as repetidas. Destaca-se ainda a afirmagio do es- tudante que acha que s6 compreende o mundo quem conhece a matematica: Outro [estudante] queria saber se eu tinh livros de matemitica, de geomettia, respondi que nao. O maximo que eu tinha era A histéria Universal tos Algarismes, de George Ifiah, em dois volumes fascinantes. Um livro que eu Ieio um pouco de cada ver, degustando... = Ecomo pode entender a vida sem estudar ma- tematica? — E quem disse que entendo a vida? — Os escritores nao entendem? E como es- crevem? —Para entender. — Mas ndo vai entender se nao souber mate- mitica, Cada uma das afirmagGes demonstra uma visio de mundo subordinada a esfera cultural de cada personagem, as crengas ¢ valores subordinados a esse conhecimento. Essa jungio de —onque éuma,yeler ia las visdes culturais que se encontram, cada us a sua diferenga, na perplexidade diante de uma colegio livros ganha a dimensio de uma estratégia do cronista para de- gularidade, eraduzida isas que o cerca. da testa. Entre 0 couro cal ‘os olhos. Essa veia fica bem no meio, Vai secando € a pessoa -m de tomar cuidado com Nio levar uma pancada, nao deixar a ( Pois € Minha sogra esté com Alz monstrar que cada homem tem a sua ‘em sua visio sobre as Essa mesm sural e de perspectivas dife rentes é demonstrada na erdnica “Visio de taxistas” aud no dia 19/09/2008. Nesta erénica, além da questao da cultural desses trabalhadores, soma-se a ideia de uma culura almanaque que eles possuem, o que é demonstrado de maneir: em suas opi leia de visio er A veia dela comegou a secar de baixo para la passou a esquecer as coisas mais antigas. Sé lembra das recentes. Se a veia comega a seca de cima para baixo, a pessoa esquece as coisas recentes, depois perde as antigas. E assim que funciona, . Os taxistas acham que domi bem-humorada pelo cro determinados assuntos pelo simples fato de ter ouvido alguém dizer. A questio que fica no ar é: até que ponto todos Aliado a alguns conhecimentos reais da doenga, Loyola demonstra que o taxista tem uma série de crengas que nio Possuem nenhum fundamento cientifico, fazem parte das idcias do taxista sobre a doenga. A prépria abordagem do mo- torista mostra nio a tentativa de tirar uma diivida, mas a ne- cessidade de @ conversa € mostrar que pretensamente conhece o assunto. O cronista reitera esse trago dos taxistas 20 fetomar uma antiga cronica em uma ocasido em que Loyola estava doente: pelo taxista que, preocupado com a satide da sogra, fiz uma descrigao bastante inusitada do mal de Alzheimer: Ainda ontem, um outro taxista estava nervoso, preocupado. Alguma coisa o incomodava. Uma para trds: hora, ele no resis =O senhor sabe 0 que é Alzheimer? = Sci, um doenca. Grave = Parece Lembrei-me de um caso ocorrido em 1996. (.) Fui ao Incor buscar o resultado de uma resso- nnancia magnética, 0 médico queria exa minha circulagio cerebral. Dentro do tix © envelope, porque nao tem quem nio =O senhor sabe como & —A pessoa vai perdendo a meméria, CCronstas brasileiro contempordneos| Axon Manoel dos Snes Sia (Ore) Bui lendo e estremeci. 14 estava, et aneurisma na artéria cerebral dircita palido, paralisado, eu sabia 0 que era ane O taxista percebeu meu transtorno: = Sei ler exames. Meu ponto é aqui em frente do HC e do Incor. Convivo aqui com médic com analistas, laboratoristas, eles me dio dicas. Leio e digo ao senhor Encreguei, ele dew uma olhada =O senhor esté étimo. Estive. Até chegar ao médico 15 minutos depois ¢ ele confirmar: é aneurisma, mesmo, vai es- colher entre operar ou ficar com uma granada na cabesa, pronta a estourar € a matar. Por meio desse didlogo, Loyola desmente a pretensa sa- bedoria dos taxistas, deixando no ar uma leve ironia que bei © sarcasmo. ‘Além dessas caracter{sticas temsticas, as crénicas de Igndcio de Loyola Brandio tém outras que podemos classificar como caracteristicas formais; sio clas: uso de um tom coloqui que segundo Jorge de Sé (1992, p.11) € um trago das cronicas outro dado importante na produgio cronistica de Loyola tem aver coma sintaxe utilizada pelo escritor: ha, em suas crénicas, a predominancia de periodos coordenados assindéticos, 0 que dé dinamicidade a leitura, caréter de textos que sio lidos de mancira apressada, entre um afizer ou outro. dinea de textos Critica , p.19), chama a atengio para os tragos que lustrar sua afirmagio, Barthes faz a seguinte sup. amigo perde um ente amado ¢, para demonstrar a compaixio, lima carta. Se essa carta tiver apenas a expressio fria das con- doléncias nao conseguirs ex todos os seus sent Eneretanto, se esta carta for munida de certas condigées, cla tor se tornado um documento que exprime sua proximidade em relagio & dor do amigo. Barthes conclui que as ditas certas condigdes, em literatura, nada mais sao do que as variagdes procedimentais que permitem A obra sobreviver ao tempo. Esse fendmeno é chamado pelos formal —do mesmo modo que contos, poemas ¢ romances — também. ” Possui a capacidade de ter essa variagio formal, essa capacidade de ser tornar eterna, embora seja um género feito para 0 co- tidiano do jornal. Todavia, apesar desse cardter de transito- riedade, algumas crdnicas de alguns cronistas sobrevivem tempo € permanccem como um atestado de um géner talmente bi Lancamos, entio, a seguinte questa Ignicio de Loyola Brandio tém a capacidade de sc lizarem como produtos literérios? Embora €m erro, a nosso ver, as crdnicas de Lo} sentido estrito do termo: linguagem coloqui para ser lido com rapidez, auséncia de figurativizagio e ni Depend do ponto de vista. O Fntado de. Paulo, Sa0 Pa ag0. 2008, Caderno 2, p. 16 ee —_. Devolv: lo, 22 ago. 2008, aproximagio da crénica com outros géneros como conto as farem delas documentos ccopo, receba um euro. O Eitado de S. Paulo, Sto Pati- p. 18, poesia. Tais caracterf ~ Escolhendo comida a dedo. O Eitado de. Paulo, Sao Paulo, 29 trios que morrem com o joral no qual circula ago. 2008, Caderno 2, p. 18, Desse modo, as crénicas de Ignicio de Loyola Brandio, em muitas ocasi6es tematizam a transitoriedade € mutak so, clas mesmas, um atestado da transitoriedade e da morte que estio submetidos esses textos se nao sio “salvos” pelo se Ieior. Isso, no entanto, no exclui de maneira alguma a capa~ cidade que essas crénicas possuem de refletir sobre a mem« sobre a efemeridade e sobre a morte, estando af a sua forca: a reflexio despretensiosa. Chegados a esse ponto, podemos afirmar que, en- quanto intimeros cronistas brasilciros se caracterizaram pela capacidade de transformar algumas de suas produgées em textos que se aproximam da poesia, do conto ou da reflexio metafisica, Igndcio de Loyola Brandio se caracteriza por ser itor cuja producio jornalistica nao tem nenhuma pre- tensio a literatura. Ainda que nao tenham os tragos poéticos, as crénicas de Loyola sio um exemplo bastante claro do género licidade de assuntos numa conversa que beira a infor- lade de uma conversa entre amigos. de escritor. O Fitado 05 set. 2008, Caderno 2, p. 14. ga que desejei. O Eitado de S. Pel 1 ou. 2008. Cademo2,p. 16. os ws que sou casado! O Exado de $. Paulo, S50 Paul 24 out. 2008, Cader igen CHCLOVSKI, V. A a Teoria da Literature: form: 56. COUTINHO, A. (1 Editorial Sul American: SA, J de. Crénica. 4. ed. S30, mo procedimento. In: EIKHENBAUM, B. istas russos. 4, ed. Porto Alegre: 1978, p.39- Uieratura no Brus. 3. ed. v. 6, Rio de Janeiro: 1968, p ih ica, 1992, mal Bibligrafia BARTHES, R. Critica e verdade. 4, d. Sio Paulo: Perspectiva, 1999. BRANDAO, I. L. “Como estars minha cidade?, O Extado de S. Paulo, Sio Paulo, 01 ago. 2008. Caderno 2, p. 14. CCromista Brasileiros contempordneos Astnio Mano dx Snr Sia (Org)

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