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TENDENCCIAS EPISTEMOLOGICO-TEORICAS DA PESQUISA EDUCACIONAL ALVINO MOSER Doutor em Filosofia e Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da UFPR A presente comunicacdo pretende ser uma abordagem metatedrica ou metametoldgica sobre a pesquisa educacio- nal. E por conseguinte, um discurso que procura analisar as pesquisas educacionais em sua estrutura interna indi- cando as tendéncias sobretudo tedrico-epistemolégicas. Para isso considerara a cientificidade do método proposto, a estrutura da pesquisa e, enfim, as tendéncias epistemo- ldégicas e tedricas. Como 6 um metadiscurso guiar-se-4 este pelos critérios de validade (logicidade) e de adequagao a realidade. 1 — O MODELO CIENTIFICO DA PESQUISA A consideracgéo de que existe um modelo préprio cien- tifico da pesquisa leva a muitos equivocos. Se ha um mo- delo, os outros modelos deveriam ser-lhe semelhantes ou ser redutiveis a ele? Qual o modelo a escolher e a ter como critério? Quando se fala em modelo, entende-se, em primeiro lugar, que eixste um conjunto de estruturas, isto 6, um conjunto de regras logicamente consistentes, coe- rentes e soliddrias que “representariam” a realidade ou que ‘‘definiriam”, no caso, o método cientifico. Em segundo lugar, entende-se por modelo um universo em que essa estrutura seria realizada. Portanto, modelo de método é Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 87 uma realizac&o concreta das regras que sao exigidas teori- camente. A estrutura teérica enunciaria, baseado na ldgica, as relagdes abstratas; o modelo seria sua realizagdo. Ha, como se viu a representacgéo tedrica e esquematica da realidade e a realizacdo concreta. Ora, nao existe um modelo cientifico de método de pesquisa. Ha diversos modelos que se estruturam no cor- rer da historia e que procuram sua justificacaéo ldégica, mostrando-se consistentes, coerentes e completos, e pela validagéo pragmatica. Esta consiste em justificar a pes- quisa, ou melhor, o modelo de pesquisa, pelos seus resul- tados. Contudo, preferimos dizer que ha uma idéia diretriz, uma idéia orientadora da pesquisa e que o modelo meto- dolégico se constitui através da historia de acordo com a posicgéo de FEYERABEND de que “em ciéncia tudo vale”.' A idéia orientadora é a propria idéia de cientificidade que pode ser vista como descrigéo e contemplagao (theo- ria) da realidade, como explicacaéo e previséo do curso dos fenémenos baseados no interesse de intervencéo e domi- nio da natureza: “saber 6 poder’’ segundo BACON?, ou como transformagao da realidade pela praxis. A essas orienta- cdes correspondem modelos meiodoldgicos diferentes. Se- gundo MAX SCHELER® saber seria de dominacgaéo sobre a natureza (Herrschaft) que corresponde ao trabalho; o saber de formacéo (Bildungswissenschaft) que 6 fornecido pelo interesse hermenéutico e pela comunicagao; e o saber de libertagdo ou salvacdo (Erlésungswissenschaft) que se subordina ao interesse de autonomia e de transformacao. A esses trés modelos de saber correspondem, na edu- cacao os trés modelos de pesquisa: a pesquisa de cardter neopositivista e pesquisa fenomenoldgica e etnometodolo- gica e a pesquisa de carater dialético e a pesquisa acao. A pesquisa qualitativa pode se mover nos trés campos. IFEYERABEND. Contra 0 Método. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976. 2BACON, Francis. Novum Organon. Os Pensadores, Sao Paulo, Victor Civita, 1973. SSCHELER, Max in ALBERT, K. Pedagogische Philosophie. Darmstadt, 1984 88 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 2 — A ESTRUTURA DA PESQUISA Em sintese e esquematicamente a pesquisa pode ser vista como o estudo de um problema ao qual se busca uma solugéo seguindo os passos do método cientifico. Para essa solugdo langam-se hipdéteses que procuram se aproximar do problema por meio de métodos e técnicas determinadas. As hipdteses e os métodos e técnicas sao determinadas pelos polos epistemoldgico e teérico. Ou, em forma de esquema: Polo |, Teorico 2.1 — A determinacaéo do problema é um recorte da realidade cuja forma é feita pelos condicionamentos tedri- co-epistemologicos. Ha, contudo, nas pesquisas educacio- nais uma inclinac&o de se deixar invadir pelo academismo tedrico. Quer-se uma pesquisa rigorosamente cientifica e surgem entéo pesquisas que mais sao sofisticagéo do mé- todo: é o que denominariam de métodofrenia ou de meto- dismo académico. E como se vestindo alguém de terno, gravata borboleta se transforma-se 0 manequim de gésso em ser real e valioso. Sao a inutilidade das sofisticagées: ha quem diga que o mestrado realiza seus objetivos quando a pesquisa se apresenta de acordo com o figurino. Realidade [reo | -[ mame [=| [son | 2.2 — Pretende-se, nesse caso, salientar que a pes- quisa se processa no contexto tedrico e epistemoldgico. Mas o resultado so pesquisas que contentam o ego do pesquisador ou que apenas contribuem para seu conforto e sua seguranca pessoal no emprego, como satisfacdo de exigéncias burocraticas, e formais, e respondem a pergun- tas que ninguém faz. Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 89 2.3 — Além do contexto tedrico-epistemoldgico a pes- quisa deve responder ao contexto social e comunitédrio, dos momentos econémicos e politico da realidade. “A vida de um homem 6 inttil se nao for benfazeja a seus seme- lhantes”, diz Descartes na 6.° parte do Discurso do Método’, em 1637. Concordamos plenamente com a afirmacgao de HORKHEIMERS que aquele que vé os males da humanidade hoje e deixa para amanha a sua soluc&o, renuncia desde agora a mesma humanidade. Dai a importancia das pesqui- sas-acao e participantes. Determinado o problema, € preciso que as hipdteses surjam como resposta a realidade e nado como antecipacao preconceituosa de projeto politico, como acontece em pesquisas educacionais. Donde a necessidade de uma boa revisdo de literatura e de uma boa formagao légica. O conhecimento do estado da questao nos permite con- tinuar as pesquisas a partir de onde os outros pararam, evitando a volta a solucdes ultrapassadas e a transforma- cao da pesquisa em simples levantamento ou surveys. Por outro lado, nao ha duvida que a ldégica pode levar a uma simples esterelidade formal, ou ao encadeamento de ra- ciocinio desligados da realidade, ou de tautologias. A cri- tica a infecundidade da ldgica nao é original de Hegel, mas jé Descartes a faz denunciando a esterelidade das maquinas de guerra dos silogismos dos classicos medie- vais nas Regulae, no Discurso do Método e nos Principia Philsophiae. O que Descartes pretendia era uma ldgica inventiva ou criativa. Sabemos, por Einstein e Popper® que nao existem leis ou regras que nos proporcionam a criati- vidade. Esta 6 mais fruto do estudo da perseveranca da familiaridade com o problema, da inteligéncia e da intui¢ao. ADESCARTES. © Discurso do Método. Os Pensadores, Sao Paulo, Victor Civita, 1973 SHORKHEIMER, Max. Os Pensadores. Sao Pauli, Victor Civita, 1973 POPPER, K.R. A Légica da Descoberta Cientifica. Sao Paulo, Belo Horizonte, Itatiaia, Edusp, 1974 i 90 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 Porém, a confrontacéo sistematica da experiéncia com a ldgica é que constitui a ciéncia, na célebre definigdo de Jacques MONOD’. Nao ha duvida de que a ldégica consta de proposigées tautolégicas, contudo a estruturagéo do trabalho de acordo com as regras ldgicas oferece a possi- bilidade de estabelecer relagdes de dependéncia entre fenémenos e varidveis. Essa correlagéo e essas covariancas permitem a apreensdo da génese dos fendmenos, sua com- posic¢&o e conjuncao e sua possivel evolucdo. Ora, génese, composi¢ao e evolugao oferecem espago para uma inteli- gibilidade adequada que 6 propria do nivel operatério, ca- racteristico da ciéncia. Outrossim, pela propria operaciona- lizagéo, que permite a explicagdo e previsdo dos fenéme- nos, pode-se melhor planejar a intervencdo e a transforma- cao da realidade estudada. Se a ciéncia é o confronto da ldgica com a experién- cia, cabendo a ldgica fornecer as bases da inteligibilidade operatoria, 0 resultado do contacto com a realidade 6 o que se denomina de experiéncia. O contacto é feito por meio de instrumentos empregados com procedimentos e técnicas adequadas, que sao ditados pelos polos tedérico e epistemoldgico. 3 — TENDENCIAS TEORICO-EPISTEMOLOGICAS E nesse dominio que se notam as divergéncias e as maiores discussées. E intuito dessa comunicacao analisar as tendéncias que se observam na pesquisa educacional Antes de mais nada, dir-se-A que 4 epistemologia cab2 a vigilancia sobre a qualidade do saber produzido, pois que estuda as condigdes de acesso e de validade do saber. Nessa instancia é que se produz a ruptura com o senso comum e a introdugao da dimensdo cientifica propriamente dita. A epistemologia portanto, examina e determina os modos que formalizam a ldgica da descoberta e a ldgica 7MONOD, Jacques. © Acaso e a Necessidade. Petrépolis, Vozes, 1969 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 91 da prova. O préprio recorte do objeto de pesquisa ou o problema é constituido ou construido epistemolégicamen- te. A pesquisa nao pode ser a simples acumulagao de dados que resultaria no que BUNGE® denomina de datais- mo. Por sua vez, a descoberta das hipdteses de solugdo do problema sao determinados pela postura epistemold- gica adotada, assim como a propria légica de prova. Ora, hé na pesquisa educacional trés tendéncias epis- temolégicas basicas: 1 — A TENDENCIA DIALETICO-MARXISTA A ciéncia nao pode ser apenas contemplativa; trata-se de transformar a realidade. E esse o objetivo que orienta as pesquisas. Como a dialética designa “a relagao exis- tente entre dois momentos de um todo que se condicionam mutuamente, em que o todo é determinado pela relacao entre os dois momentos e estes, ao mesmo tempo, pelo todo” (Réd)", o problema a ser pesquisado nao pode ser visto isoladamente, cortado abstratamente da totalidade, mas em sua relacéo com esta mesma totalidade. Contudo, ha diferentes abordagens dialéticas, embora todas sejam aparentadas: MARX'° (dos Manuscritos, da Ideologia Alema, da Economia Politica, do Capital), EN GELS", LENIN'? ou LEFEBVRE’® para citar algumas verten- tes. Para todas essas abordagens a realidade é vista de modo dinamico, em devir. Estudar historicamente um fato é inseri-lo num processo de mudanga. Para resumir uma das abordagens dialéticas, apresen- tamos um dos esquemas possiveis. O método consiste em considerar: BUNGE, Marlo. Iniciaci66n a ta ciencia. Barcelona, Ariel, 1967. 9ROD, Wolfgang. Filosofia dialética Moderna. Brasilia, UNB. 1OMARX, K. Os Pensadores. Sao Paulo, Victor Civita, 1973. TENGELS. A dialética da natureza. Mexico, Grijalbo, 1967. 12LENIN. Materialismo e empirio cuticismo. (1908). México, Grijalbo, 1967 1SLEFEBVRE, Henri. Logique formelle, logique dialectique. 2.ed., Paris, 1964. 92 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 1.°) Unido dos contrarios. 2°) Notar a diferenca entre esséncia e aparéncia. 3.°) Ha um essencialismo dinamico na realidade. 4°) A quantidade produz a qualidade. A dialética introduz a negatividade quando a tese opée sua negacao, a antitese, que deverd ser superada na sin- tese que é a negacao da negacao. Contudo, séo muitos os que se dizem dialéticos e nao assumem uma postura adequada e coerente. Ao ler certas comunicagées tem-se a impressdo de que se trata de um conjunto de antitese: faltam sinteses. Sem duvida alguma, a dialética constitui uma trajetoria interpretativa de grande valor, quando bem conduzida. Cum- pre notar que José A. Giannotti afirma que aquilo que se pretende apresentar como dialética, muitas vezes, nado passa de uma “‘antologia do bestialégico nacional”. E ne- cessario que se estude a fundo o método que se procura empregar, para nao se ficar em situagdes vagas e incoe- rentes. Se passarmos do materialismo dialético, para materia- lismo histérico entaéo teriamos que pesquisar a sociedade como dividida em classes em luta e determinadas econo- micamente. E onde entra a educacdo vista como o locus em que a classe dominante se sobrepée (alguns dizem “escraviza”) a classe dominada. 2 — O METODO FENOMENOLOGICO Embora poucos facam esta relacdo, 0 método fenome- nologico é a radicalizagao do método cartesiano. Alias uma das obras da Husserl tem 0 titulo “Meditacdes Cartesia- nas”. I4HUSSERL, Ed. Meditages cartesianas. Paris, 1931 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 93 A fenomenologia parte da consideragdo de que 0 ho- mem, como ser no mundo, nao possui uma consciéncia transparente como o pretendia DESCARTES. “Toda cons- ciéncia € consciéncia de algo”, 6 o que denomina de inten- cionalidade. Diante dessa consideragaéo, vé-se que 0 su- jeito conhecedor, consciente, nao 6 dado, é preciso cons- trui-lo ou recuperd-lo Por sua vez, 0 mundo também nao se acha a disposicado para ser decifrado, é determinado pela consciéncia que o vé de modo reflexo. Donde se seguem as regras do método fenomenoldgico: 4.) Todo saber se processa segundo uma estrutura noético-ncematica, isto 6, ha uma estrutura da faculdade conhecedora, noesis, que possui uma historia, e uma estrutura no préprio objeto que é conhecido (noema é o que é visto pela noesis, mas em perspectiva, de modo como que reflexo). 2°) Sendo assim é preciso que 0 objeto seja atingido, como que nele mesmo (em pessoa) e para isso é preciso ir as coisas em si mesmo, Zu den Sa- chen Selbst, por uma descrigao mais préxima possivel. O que se obtém variando-se ao ponto de vista e aqueles que descrevem o fendmeno. 32) Para ir as coisas em si, é preciso também que 0 sujeito se desnude, se purifique e se livre dos conhecimentos, pré-saber, que possui do objeto. Segue-se a regra de eliminagao dos preconceitos, que DESCARTES enunciava: “julgar sem precipi- tacéo e sem prejuizos”: 6 a VORAUSSETZUN GLOSIGKEIT. 4°) Finalmente, é preciso que o sujeito se torne um puro olhar, um olhar sem posicao e sem amarras: é a regra de o exercicio de redugao, da epoché, que faz do fenomendlogo um eterno iniciante O método fenomenoldgico sofre as influéncias do exis- tencialismo e uma das melhores apresentagdes se encon- 94 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 tra no Prefadcio da Fenomenologia da Percep¢ao de Merleau PONTY’*, sendo essa obra uma das melhores ilustragdes do préprio método. Citamos também a obra de BRUYN*®, La perspectiva humana en sociologia que apresente o mé- todo em sete passos, comparando-o com a observacao participante. O método fenomenoldgico faz assim aparecer o signi- ficado dos atores envolvidos na acao, prestando-se abor- dagens qualitativas e etnometodoldgicas. 3 — O METODO NEO-POSITIVISTA OU EXPERIMENTAL (EMPIRICO. FORMAL) A pressuposigao basica é objetividade e a epistemo- logia neo-positivista afirma que todo conhecimento vem direta ou indiretamente das informacdes sensoriais. A realidade é aquilo que os sentidos nos apresentam, desde que as informag6es possam ser controladas intersubjeti- vamente. Sao, portanto, informagées vindas da percepgao e nao introspecgao. As percepgdes podem ser amplificadas e apuradas pelos instrumentos. Nesse caso os critérios d2 verdade serao as indicagdes praticas sobre os procedimen- tos concretos a empregar para decidir se uma proposig¢ao 6 verdadeira ou falsa. Portanto, os procedimentos metodolégicos consistem na observagao direta e controlada, seja por meio de ins- trumentos que ampliam os sentidos, seja por meio de instrumentos de coleta de dados como questionarios, for- mularios e entrevistas. Os dados coletados serao anali sados quantativa e estatisticamente. Assim aperfeigoaram-se os métodos quantitativos. Pre- tende-se pela quantificagao precisar os conceitos, propiciar descricaéo rigorosa, estabelecer classificagédes adequadas, 1SMERLEAU-PONTY. Fenomenologia da Percepeio. Os Pensadores. Séo Paulo, Victor CivCita, 1974 16BRUYN. La Perspectiva umana en sociologia. Buenos Aires, Amorrortu, 1966 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 95 afinar as hipéteses para que sejam exatas e possam ser submetidas a testes rigorosos. Pela quantificagao aperfei- coam-se os dados qualitativos. Mas a quantificagao é obti- da por meio das medidas que fornecem ordem pelas clas- sificagées, seriais e métrica, da qual resultam escalas e variaveis nominais, ordinais e por intervalos. Contudo, 0 essencial nao é a medida, mas a inteligi- bilidade matematica; 0 operatério, como se disse anterior- mente. A matematica serd definida como a ciéncia da ordem e da medida (Descartes). A operagao que nos faz ver como os conceitos e os fenédmenos sao estruturados nos da acesso a sua compreensdo. Por isso ha um pro- vérbio francés segundo o qual: “Penser, c'est mesurer; raisonner, c’est calculer”.'” Nao chegamos a isso, mas se se entender a ciéncia como descrigao, explicagao e pre- visdo, as medidas oferecem bases para a analise descri- minante; por sua vez, os calculos estatisticos de regres- sao simples, regressao miltipla, correlagdo simples e cor- relagéo multipla poem a claro 0 comportamento e a gé- nese das variaveis, permitindo uma explicagao e previsao dos fendmenos que propiciam intervengdes adequadas. Desse modo, as pesquisas quantitativas e experimentuis oferecem solugdes claras e precisas para os problemas. Baseadas nessa eficdcia, os que as adotam julgam-se os cientistas arquetipos. Porém, sob o pretexto de uma certa cientificidade podem gerar uma atitude de pseudo-neutrali- dade e de conservadorismo estatico. Tendéncias Teoricas Coordenando 0 polo epistemoldgico esta a teoria vista aqui como articulagéo das proposicoes e leis cientificas; € a sua estruturagado sistematica. Pela articulagao as leis se unem num encadeamento em que se constituem unidade soliddria, em que ha sustentacéo mutua. O saber se acu- 17La Philosophie, Les Dictionnaires Marabout Université. Parvir Moderne. Paris. Gerard et C2 1972 (3 vols.) 96 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 mula e se compée segundo esquemas légicos e possivel- mente axiomaticos, em que de principios mais gerais se deduzem as leis e as proposigées conseqiientes de vali- dade e de aplicagdo mais restrita, segundo o esquema. a fato = £ aa al ae t £ 1 lei = £ Eases fy a) sald A teoria = t € a representacao da teoria fs T, num sistema de confluéncias. pastel 1 ee ~ t £ 2 rae ree fg, Seale £1 16 “As teorias séo redes estendidas para capturar 0 que chamamos “mundo” para racionalizd-lo, explicd-lo e domina- lo”22 Ha vérios modos de considerar a teoria: 1 — Como resultado conseguido a partir dos fatos e leis, por meio de uma generalizagéo cada vez mais crescente. Nesse caso a teoria é legitimada a posteriori, pela indugdéo de generalidades a partir de fatos particulares. A teoria seria uma simples generalizagao cumulativa e seu papel na pesquisa seria bastante reduzido. 18POPPER K. © Conhecimento objetivo. Sao Paulo. Itatlala — Edusp, 1974. Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 97 2 — Outros a colocam a teoria como base de defi- nigdes operacionais que delimitam os conceitos a essas operacdes. Ha uma redugao de alcance dinamico da teoria como explicagéo e descricao da realidade. A operacionalizacéo reduz a teoria a uma esquematizacdo forcada da realidade. E uma espécie de casamento do idealismo com o dominio sobre a realidade. 3 — De igual modo a concepgao da teoria como con- vengao ou como instrumento subtrai-lhe o dina mismo de previsdo e de adequagao a realidade. Por esta conceituagéo reduz-se a teoria a uma validade puramente légica estando sob o risco da circularidade e da validade formal desiigada da realidade. Outro modo de conceber a teoria é considerd-la como “um corpo de enunciados sistematico e auténomo de uma linguagem com suas regras e sua dindmica préprias que Ihe asseguram um cardéter de fecundidade” (BRUYNE e outros)? que permite a formulagao de objeto de pesquisa, que coordena, uma epistemologia, a formulagaéo das hip6- teses e procura a adequar os instrumentos e técnicas de pesquisa. Sem teoria nao ha ciéncia. As teorias se constituem sempre tendo como fundo um dos quadros de referéncia seguintes: positivismo, es truturalismo, funcionalismo e compreensdo. Esses quadros fornecem um espaco de organizacao das teorias, procuran- do dar-Ihes corpo coerente e consistente, conferindo-lhes um estatuto proprio. Da teoria e da epistemologia surgem as hipoteses explicativas e que, portanto, podem fornecer previsdes, para a solucdo da realidade. Ao mesmo tempo os métodos, técnicas e procedimentos sao tributdrias do polo epistemoldgico-teérico. 19BRUYNE e outros. Dinamica da Pesquisa em Ciéncias Sociais. 3.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1986. 98 Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 CONCLUSAO Concluindo, diriamos que a finalidade desta comuni- cacao foi apontar que as pesquisas deveriam apresentar uma estrutura ldgica que nem sempre se encontra nas pesquisas publicadas. Usando uma comparagao banal, nem sempre se sabe quais sao os gatos que se introduzem pela janela quando se abre a porta ao gato de estimacao: isto 6, nem sempre a adogado de um modelo de pesquisa é de- vidamente coerente nos seus diferentes pontos de articula- cao: problema, hipéteses, métodos, técnicas e tendéncias epistemoldgico-teéricas. Em segundo lugar, a presente exposigao pretende rea- firmar que em ciéncia o que vale é o pluralismo teorico- epistemolégico. Nao ha o método modelar; todas as pos- turas metodolégicas sao validas na medida em que nao se imponham dogmaticamente e que reconhecam seus |i- mites. Realizar uma pesquisa é ir a busca de solugdes de problemas relevantes e nao é um projeto de politica par- tidadria que iniciaria com um ato de fé. Nada em ciéncia é absolutamente verdadeiro. A verdade como horizonte, a capacidade de transcender os préprios limites, eis as condigées de uma mente aberta: buscar solugées de pro- blemas, jamais impor seu ponto de vista; convencer-se a si mesmo e deixar aos outros 0 espaco para que se con- vengam por sua vez. Eis um possivel programa de pesqui- sador. Educar, Curitiba, 6(1/2):87-99, jan./dez. 1987 99

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