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Processo Autos nº 0013844-88.2017.8.13.0517

Autora: Maria Luiza Pereira

Réu: Banco Bradesco S.A.

SENTENÇA

Vistos, etc.

Trata-se de ação de restituição de valores e indenização por dano moral, com


pedido de tutela provisória de urgência antecipada, proposta por Maria Luiza
Pereira em face do Banco Bradesco S.A.

Em suma, consta da petição inicial que a Autora percebe benefício


previdenciário; que, em julho de 2017, ela tentou contratar empréstimo junto a
instituição financeira, mas teve seu pedido negado por ausência de margem;
que foi informada de que já teria contratado cartão de crédito junto ao
Requerido; que nunca recebeu qualquer cartão “Bradesco Consignado”; que
nunca lhe foi enviada qualquer fatura; que nunca fez compras com o referido
cartão.

Ao final, requer a Autora a procedência da ação, para fins de declaração da


inexistência do empréstimo consignado e da RMC, bem como a restituição em
dobro dos descontos realizados e a indenização em danos morais, no
montante de R$ 30 mil reais. Em sede liminar, pugna pela cominação de
obrigação de não fazer, para que o Requerido se abstenha de reservar
margem consignável.

A exordial veio acompanhada dos documentos de f. 29/36.

Decisão de 02 de agosto de 2017, reservando a apreciação da tutela provisória


de urgência para depois da contestação e deferindo a gratuidade da justiça (f.
37).
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Citado o Réu para audiência de conciliação em 05 de setembro de 2017, esta


restou frustrada (f. 39).

Contestação às f. 41/52. Preliminarmente, o Ré arguiu a ausência de interesse


de agir. No mérito, sustentou que a Autora contratou o cartão de crédito 6363-
6800-8837-0140, Elo Nacional Consignado INSS; que o valor contestado
representa margem; que, em caso de utilização do cartão, a margem é
descontada em folha ou benefício; que, caso o valor da fatura seja superior à
margem consignável, o titular deve quitar o saldo devedor, sob pena da
incidência de juros

Impugnação à contestação às f. 87/91.

Decisão de concessão da tutela provisória de urgência à f. 94.

Interposto agravo de instrumento pela Requerida em face da aludida decisão.

Audiência de instrução e julgamento realizada em 12 de dezembro de 2018 (f.


123). Frustrada nova tentativa de conciliação, colheu-se o depoimento pessoal
do Autor.

Alegações finais da Autora às f. 155/156.

Alegações finais da Requerida às f. 157/160.

Vieram os autos conclusos para sentença.

Passo a fundamentar e a decidir, em atenção ao comando do art. 93, inciso IX,


da Constituição da República (CR).
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Rejeito a preliminar de carência de interesse processual.

O interesse de agir é condição da ação – para alguns, e pressuposto


processual, para outros – relativo à necessidade e à utilidade do provimento
judicial perseguido. Segundo a teoria da asserção, a presença de determinada
condição da ação deve ser aferida em abstrato, a partir da narrativa dos fatos
trazida na peça inaugural. No presente caso, a resistência da Ré à pretensão
jurídica da Autora, confirmada pela apresentação e peça defensiva, é suficiente
para caracterizar a necessidade e a utilidade do provimento judicial perseguido.
Indefiro a preliminar suscitada.

Presentes as condições da ação e os pressupostos para a constituição e o


desenvolvimento válido e regular do processo, passo diretamente ao exame do
mérito.

Indubitável que a relação entre as Partes é regida pelo Código de Defesa do


Consumidor (CDC), considerando que o Autor e a Ré enquadram-se,
respectivamente, nas definições de “consumidor” (art. 2º) e de “fornecedor” (art.
3º).

O art. 14 daquele diploma normativo prevê a responsabilidade objetiva do


fornecedor por eventuais defeitos na prestação de serviços, a qual pressupõe a
identificação de ação ou omissão imputada ao fornecedor, o sofrimento de
danos pelo fornecedor e o nexo de causalidade entre aquela ação ou omissão
e estes danos.

À luz das regras legais de distribuição do ônus probatório (art. 373 do


CPC/2015), ao consumidor cabe a prova dos fatos constitutivos de seu direito
e, portanto, dos elementos da responsabilidade civil objetiva acima descritos,
enquanto ao fornecedor incumbe demonstrar os fatos modificativos, impeditivos
ou extintivos daquele direito, ou seja, as circunstâncias que afastem a relação
de causa-efeito subjacente à caracterização de sua responsabilidade.
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Ante a decisão de inversão do ônus da prova, enquanto regra de instrução, à


instituição financeira requerida incumbia provar a celebração do negócio
jurídico celebrado.

Estas são as premissas que orientarão o exame dos fatos.

A controvérsia reside no fato de ter a Autora contratado, ou não, cartão de


crédito consignado junto ao Banco Réu.

Em seu depoimento pessoal, a Requerente afirmou haver levantado


empréstimo de R$ 6.000,00 (seis mil reais) junto à instituição financeira
Requerida e haver recebido um cartão de crédito. Ressalvou não haver sido
comunicada da forma de pagamento do mútuo e não haver utilizado o cartão
magnético.

Não obstante a confissão da Autora sobre a pactuação de negócio jurídico com


a Ré, este deve ser reputado nulo para todos os efeitos legais.

Com efeito, está-se diante de consumidora analfabeta, que apôs sua digital em
todos os documentos pertinentes dos autos.

Nesse cenário, a obrigação sub judice apenas poderia haver sido contraída por
meio de escritura pública ou de instrumento particular subscrito a rogo por meio
de procurador regularmente constituído para esse mister.

Ocorre que a Ré não comprovou a satisfação de qualquer dos pressupostos


em questão. Ao contrário, não juntou, à sua peça defensiva, qualquer
instrumento contratual devidamente assinado. Apenas apresentou cópia de
fatura e sumário executivo do regulamento bancário de utilização de cartão de
crédito consignado, documentos estes insuficientes para fazer prova da
validade do negócio.
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Acerca da nulidade de contrato de empréstimo consignado celebrado com


consumidor analfabeto sem a observância das formalidades legais, assim já
entendeu o E. TJMG:

APELAÇÃO - AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO C/C


INDENIZATÓRIA - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO -
DESCONTOS EM CONTA - BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO - ANALFABETO - ASSINATURA A
ROGO MEDIANTE INSTRUMENTO PÚBLICO -
NECESSIDADE - AUSÊNCIA - NULIDADE - DANOS
MORAIS IN RE IPSA - CONFORMAÇÃO - AMEAÇA À
SUBSISTÊNCIA - QUANTUM INDENIZATÓRIO

- Malgrado possua plena capacidade civil, a pessoa


que não saiba ou não possa ler e escrever só pode
contratar validamente por meio de instrumento
público ou de assinatura a rogo em instrumento
particular, mediante procuração pública, sendo
insuficiente a simples aposição de sua impressão
digital no termo que encerra a avença.

- Não comprovado, pelo credor, que o negócio


jurídico obedeceu aos preceitos formais cominados
pela legislação civil, deve ser declarado nulo o
contrato cuja invalidação se pleiteia, bem como
ilegais os descontos em conta nele ancorados.

- A constrição patrimonial involuntária por meio de


prolongados descontos abusivos em verbas
previdenciárias de caráter alimentar de pessoa idosa, de
condição econômica humilde e analfabeta extrapola o
mero dissabor e vulnera a integridade moral da vítima,
que vê seu sustento pessoal ameaçado.

- A indenização por danos morais deve ser fixada em


patamar que corresponda à lesão sofrida, considerando
as peculiaridades do caso concreto, segundo os critérios
de razoabilidade (Apelação Cível 0065878-
95.2016.8.13.0607, j. 14/07/2020).

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE


INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - CONTRATO FIRMADO
POR ANALFABETO - ASSINATURA "A ROGO" POR
PROCURADOR - INEXISTÊNCIA - CONTRATO NULO -
DEVOLUÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS -
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NECESSIDADE - DANOS MORAIS - NÃO


OCORRÊNCIA.

1- Para que o contrato de empréstimo consignado


tenha validade jurídica é necessário que haja a
assinatura de um procurador constituído por mandato
público que tenha assinado "a rogo de" em local
próximo à impressão datiloscópica do contratante,
nos termos do art. 37 da Lei nº Lei nº 6.015/1973 e da
jurisprudência pátria.

2- Com a anulação do contrato de empréstimo


consignado, após a liberação da verba emprestada e da
ocorrência de descontos na folha de pagamento do
contratante, torna-se necessária a devolução dos valores
(emprestado e descontado), retornando à situação
pretérita à contratação, sob pena de enriquecimento
indevido (art. 182 do CC) (Apelação Cível 0065224-
29.2018.8.13.0352, j. 10/03/2020) (grifos nossos).

A nulidade do contrato implica, por lógica, que os descontos efetuados no


benefício previdenciário da Autora são indevidos, e lhe devem ser restituídos.

Tal restituição deverá ser efetivada em dobro, a teor do art. 42, parágrafo
único, do CDC, e em observância à jurisprudência do C. STJ:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO


INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENERGIA
ELÉTRICA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. O TRIBUNAL DE
ORIGEM CONCLUIU PELA INEXISTÊNCIA DE ENGANO
JUSTIFICÁVEL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO DA
CONCESSIONÁRIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos


recursos interpostos com fundamento no CPC/1973
(relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016)
devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na
forma nele prevista, com as interpretações dadas até
então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
(Enunciado Administrativo 2).

2. Consoante o art. 42, parág. único do CDC, a


penalidade da devolução em dobro na repetição do
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indébito é afastada pela ocorrência de erro escusável do


fornecedor.

3. Na hipótese dos autos, tanto a sentença como o


acórdão recorrido consignaram que o engano perpetrado
pela companhia de energia elétrica não foi justificável. A
pretensão de considerar escusável o erro no
enquadramento tarifário - atribuindo-o apenas à
divergência na interpretação da Lei - demandaria reexame
do conjunto fático-probatório, inviável nesta instância.
Julgados: AgInt no REsp. 1.250.347/RS, Rel. Min. OG
FERNANDES, DJe 21.8.2017; AgRg no AgRg no Ag.
1.269.061/RJ, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, DJe 13.10.2015; AgRg no REsp. 1.203.426/SP,
Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 28.11.2014.

4. Agravo Interno da Concessionária a que se nega


provimento (AgInt no REsp 1559753 / PE, j. 01/07/2019).

Inviável, in casu, afastar-se a penalidade legal sob o argumento de erro


escusável do fornecedor. A inexistência de consentimento válido, na forma da
lei, por parte de pessoa analfabeta caracteriza má-fé apta a fazer incidir o
disposto no supracitado art. 42 da codificação consumerista:

APELAÇÃO CÍVEL - EMPRÉSTIMO BANCÁRIO -


CONTRATAÇÃO VIA CAIXA DE AUTOATENDIMENTO -
ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO - PARTE
ANALFABETA - NÃO OBSERVÂNCIA DAS
FORMALIDADES LEGAIS - NULIDADE - REPETIÇÃO
DO INDÉBITO EM DOBRO - PROVA DA MÁ-FÉ -
DEVOLUÇÃO DOS VALORES SACADOS PELA
AUTORA - ÓBICE AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO -
DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO. - A contratação de
empréstimo bancário por pessoa analfabeta deve ser
feito por escritura pública ou através de procurador
constituído - Não observadas as formalidades legais,
tem-se como nulo o contrato de empréstimo discutido
nos autos - É abusiva a conduta do Banco que
disponibiliza a contratação de empréstimo por meio de
caixa de autoatendimento a todos os clientes, induzindo,
para dizer o menos, a seguida renegociação de
empréstimos anteriores, impondo, com isso, ao cliente,
consequências extremamente onerosas para si, o que se
agrava quando se trata de cliente humilde e analfabeto
- Há que se determinar a devolução em dobro das
parcelas descontadas em benefício previdenciário se
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foram elas descontadas com base em contratos que


foram declarados nulos - Se a parte pede que o Banco
devolva as parcelas pagas pelos empréstimos não
reconhecidos, não pode ela pretender ficar também com o
valor desses empréstimos, depositados em sua conta
pelo Banco, sob pena de enriquecimento ilícito - Configura
o dano moral e, por conseguinte, o direito à respectiva
indenização, os descontos de parcelas de empréstimos
feitos com base em contrato declarados nulos, por não
observância das formalidades legais, já que se tratava de
pessoa analfabeta, mormente quando tudo se deu em
razão de conduta abusiva da instituição financeira. (TJ-
MG - AC: 10000205899149001 MG, Relator: Evandro
Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento:
11/02/2021, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data
de Publicação: 12/02/2021) (grifos nossos)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE


RELAÇÃO JURIDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS - EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - ANALFABETO -
CONTRATO FIRMADO COM DIGITAL - AUSÊNCIA DE
MANDATÁRIO - NULIDADE - INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL - DEVER DE INDENIZAR - CONFIGURADO -
REPETIÇÃO DE INDÉBITO - MÁ-FÉ - CONSTATADA -
DEVOLUÇÃO EM DOBRO - POSSIBILIDADE. O contrato
de empréstimo firmado em instrumento particular por
analfabeto, sem que esteja representado por mandatário
investido em tal munus por instrumento público, é nulo.
Restando evidenciados os descontos irregulares que,
efetivamente, geraram redução dos vencimentos da parte,
prejudicando, inclusive, seu sustento, necessária a
imposição de condenação por danos morais. Tratando-se
de desconto promovido ao arrepio da indispensável
autorização do benefíciario, resta evidenciada a má-fé
requisito autorizativo da repetição em dobro, nos
termos do art. 42, § único, do CDC. (TJ-MG - AC:
10453170015334001 Novo Cruzeiro, Relator: Mônica
Libânio, Data de Julgamento: 24/06/2020, Câmaras Cíveis
/ 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/12/2020)
(grifos nossos).

O valor do indébito a ser restituído está sujeito à competente liquidação.


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Forçoso reconhecer, outrossim, a incidência dos danos morais, já que o fato de


a Requerente haver sido vítima de contratação ilícita e de o Requerido haver se
recusado a resolver o problema transcende o simples aborrecimento. Até
mesmo por aplicação da teoria do desvio produtivo, expressamente
consagrada pelo E. STJ.

À luz dos bens jurídicos tutelados e das violações perpetradas, da situação


econômico-financeira do Autor e da Requerida, do caráter pedagógico do dano
moral, da vedação ao enriquecimento ilício e da teoria bipartite do C. STJ,
tenho por bem fixar a indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00
(cinco mil reais).

Após a análise exauriente de mérito, CONFIRMO A TUTELA PROVISÓRIA DE


URGÊNCIA de f. 94.

Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/2015, JULGO


PROCEDENTE A PRETENSÃO INICIAL, para:

(a) Declarar a nulidade do empréstimo na modalidade cartão de crédito com


reserva de margem consignável, contraído perante a instituição financeira
Requerida;

(b) Condenar o Réu à restituição, em dobro, de todos os descontos efetuados


sob o negócio jurídico cuja nulidade ora se declara, conforme a ser apurado
nos autos da competente liquidação;

(c) Condenar o Réu ao pagamento de danos morais, no importe de R$


5.000,00 (cinco mil reais), atualizado monetariamente, pelos índices da
Contadoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desde o presente
arbitramento (Súmula 362 do C. STJ), e acrescido de juros moratórios mensais
de 1% (um por cento), desde a data do primeiro desconto ilícito efetivado
(Súmula 54 do E. STJ).
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A concessão de danos morais em valor inferior ao pleiteado não implica


sucumbência recíproca, para fins de condenação em verbas judiciais e
honorárias (Súmula 326 do C. STJ).

Condeno a Ré ao pagamento da integralidade das custas processuais e de


honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez) por cento do valor da
condenação (art. 85, § 2º, do CPC/2015).

Dê-se ciência nos autos do agravo de instrumento.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se com baixa e cautelas de praxe.

P.R.I.C

Poço Fundo, 24 de maio de 2021

Fernanda Rodrigues Guimarães Andrade Mascarenhas

Juíza de Direito

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