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Amaury Dissertação FINAL Identidade de Genero Na Literatura
Amaury Dissertação FINAL Identidade de Genero Na Literatura
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
Recife
2015
AMAURY VERAS NETO
Recife
2015
AMAURY VERAS NETO
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
Profa. Dra. Rosângela Tenório de Carvalho (Orientadora)
Universidade Federal de Pernambuco
___________________________________________________________
Profa. Dra. Zélia Granja Porto (Examinadora Externa)
Universidade Federal de Pernambuco
__________________________________________________________
Profa. Dra. Lívia Suassuna (Examinadora Interna)
Universidade Federal de Pernambuco
As nossas lutas diárias. A todo momento embates
surgem para a conquista do poder. Ora somos
perpassados dum poder e nos colocamos numa situação
que nos favorece, ora somos colocados em situações
desfavoráveis, às vezes pelo mesmo poder que nos fez
maiores outrora. Forças atuam o tempo inteiro num ir e
vir incessantes, que muitas vezes nos deixam
nauseados, mas não temos nunca, se o nosso objetivo
for a mudança do status quo, a opção de ficar de fora
dessa dança infindável. Não se pode fugir. Se a
queremos bela, depende do quanto sabemos dançá-la,
do quanto podemos impressionar com nossos passos e
piruetas, sabendo os momentos certos de conduzir e nos
deixar conduzir. Pois é só inscrito num contexto, e
sabendo suas regras - ora comungando-as, ora
subvertendo-as -, que podemos modificá-lo.
É nessa dança interminável que esta dissertação
se inscreve: não só com o objetivo de empoderar aqueles
que fazem parte dele, mas também, com o objetivo de
tentar mostrar alguns jogos de poder, de denunciar
quando esses jogos apontam para as desigualdades e
tentar criticá-los. Apenas isso. Tarefa pequena, modesta
e fina. Assim como são os discursos e os poderes aqui
estudados.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer aos meus pais e irmãs, pelo apoio incondicional. Aos
meus amigos, pois nem quando eu me aguento, eles me aguentam.
À professora Rosângela Tenório de Carvalho, por ser a melhor orientadora do
mundo.
Às professoras que leram o meu projeto de qualificação: professora Lívia
Suassuna, a professora Zélia Granja Porto e ao professor Durval Muniz. Grato pelas
críticas e sugestões.
Aos professores das disciplinas, que deram os alicerces para a minha
formação como mestre.
Aos meus colegas de turma pelo convívio e aprendizado conjunto.
Ao programa de pós-graduação, todos os funcionários, professores e
técnicos, pois eles de forma direta ou indireta auxiliaram em minha formação. À
banca de qualificação, pois as contribuições ajudaram a fazer um texto final melhor.
À Capes, pois sem o incentivo (a bolsa) eu provavelmente não terminaria a
dissertação.
E, finalmente, aos meus amores, pois sem eles minha vida seria sem graça.
Lo ideal no es fabricar herramientas sino construir bombas porque, una vez que se
han utilizado las bombas construidas, ya nadie las puede usar. Y debo añadir que mi
sueño personal no es construir bombas, pues no me gusta matar gente. Sin
embargo, me gustaría escribir libros-bomba, es decir, libros que sean útiles
precisamente en el momento en que uno los escribe o los lee. Acto seguido,
desaparecerían. Serían unos libros tales que desaparecerían poco tiempo después
de que se hubieran leído o utilizado. Deberían ser una especie de bombas y nada
más. Tras la explosión, se podría recordar a la gente que estos libros produjeron un
bello fuego de artificio. Más tarde, los historiadores y otros especialistas podrían
decir que tal o cual libro fue tan útil como una bomba y tan bello como un fuego de
artifício.
(Foucault, numa entrevista a estudantes americanos. Diálogos sobre o poder.)
RESUMO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................13
2 LITERATURA INFANTIL COMO LUGAR DE ENUNCIAÇÃO DO DISCURSO DE
GÊNERO E SEXUALIDADE .....................................................................................20
2.1 Enunciados sobre literatura infantil e o seu papel formativo ....................20
2.2 Estudos recentes sobre literatura infantil associados ao discurso de
gênero e sexualidade...........................................................................................26
3 MODELO ANALÍTICO – ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ...........33
3.1 Gênero e sexualidade: o debate Teórico .....................................................34
3.1.1 Os discursos feministas de gênero ............................................................34
3.1.2 Sexualidade e poder ..................................................................................37
3.1.3 Representação ..........................................................................................41
3.2 Análise do discurso .......................................................................................44
3.2.1 Discurso e interdiscurso ............................................................................44
3.2.2 Análise cultural ..........................................................................................48
3.2.3Os corpora de análise.................................................................................50
4 O CENÁRIO DO DISCURSO DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA LITERATURA
INFANTIL ..................................................................................................................52
4.1 Os temas transversais no currículo da educação básica e a questão da
saúde do corpo ....................................................................................................52
4.1.1 O Melhor método anticoncepcional para adolescente é a escola..............57
4.2 Os movimentos sociais e o debate de gênero e sexualidade ....................65
5 COM A DELICADEZA NECESSÁRIA – OS DISCURSOS DE GÊNERO E
SEXUALIDADE NA LITERATURA INFANTIL .........................................................71
5.1 Tem Gente ......................................................................................................71
5.2 Amor de Ganso ..............................................................................................83
5.3 Pra que serve uma barriga tão grande .........................................................88
5.4 O Menino Nito .................................................................................................96
5.5 Emmanuela ...................................................................................................106
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: COM A DELICADEZA NECESSÁRIA E AS
DESNECESSÁRIAS INDELICADEZAS .................................................................116
REFERÊNCIAS............................................................................................................................121
13
1 INTRODUÇÃO
1
Tecnologia do sexo; um dispositivo histórico que fabrica corpos e subjetividades. Vide capítulo
“Sexualidade e Poder”.
14
Moreira diz que essas mudanças ocorridas naquela década foram influenciadas, do
ponto de vista dos estudos no campo curricular, pelos estudos culturais, pelo pós-
modernismo e pelo pós-estruturalismo. Segundo o autor,
2
Governar os corpos no sentido dado por Foucault como um tipo de poder que levou ao
desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes
(FOUCAULT, 1979).
16
Nesta seção vamos mostrar o debate sobre a literatura. Iremos nos posicionar
sobre essa formação discursiva apresentando algumas considerações nossas e
doutros, observando alguns discursos que a perpassam. Seguiremos com o modo
como vem sendo tratada a literatura: ora um contra-discurso, ora como um discurso
de reprodução da cultura, ora um discurso neutro.
21
A Literatura possui um locus singular. Barthes (2013) nos mostra que nela se
é permitido dizer o que noutros lugares da nossa sociedade não se permite:
podemos dizer de modo diferente, “livre” das forças sociais e duma língua que nos
impulsiona a falar, que nos “obriga a dizer” fascista. Ali falamos de modo diverso,
nos libertamos da “autoridade da asserção” e do “gregarismo da repetição”, para
“trapacearmos” a língua com a língua e dizemos mais e diferente, ouvindo-a fora do
poder; esplendorosa, a literatura revoluciona, permanente, a linguagem, sem, claro,
se desvencilhar do lugar fechado que é esta.
Segue Barthes nomeando a literatura como combate. Combate contra a
própria língua, contra as forças coercivas da nossa sociedade. E essa luta só será
ganha se lutarmos no interior da própria língua; trabalhando não a mensagem - o
que se quer dizer tem menor importância -, mas sim os jogos de palavras, a forma
da língua: o “como se diz”.
Utopia. Outro aspecto trabalhado por Barthes. Através de sua representação
do real (Mimesis), a literatura tem uma “função utópica”; apesar de seu objeto ser a
realidade, ela é “obstinadamente” irrealista; ela procura e deseja o impossível: o
utópico. A literatura muda o mundo. Muda não de qualquer forma, não de qualquer
jeito - muda com a palavra. E essa palavra é utilizada dum modo específico:
carregada e múltipla. Barthes recorre a Ezra Pound para nos dizer que literatura é
linguagem carregada de significado e que a Grande Literatura é, simplesmente,
aquela que utiliza a linguagem carregada do máximo significado possível. Vemos a
importância do símbolo e do como ele significa, do como ele preciosamente diz; dum
modo jamais dito e, dessa forma, nos faz sair, transcender a realidade e questionar
o mundo com outros olhos - olhos humanizados pela literatura, olhos que saíram do
mundo-agora e estão noutros lugares livres das forças que nos impulsionam a ser o
mesmo. “Deslocando-se”; transportando-se – às vezes precisando nos abjurar do
que já dissemos – para lugares diferentes do poder “gregário” e “opressor”.
De tão singular, Barthes ainda vai nos dizer que, se tivesse que escolher uma
única disciplina para estar presente no currículo escolar, seria a disciplina literária,
ela “não fetichiza” os saberes, lhes dá um caráter indireto e precioso, trabalhando
nos “interstícios da ciência”, pois, segundo ele, “a ciência é grosseira, a vida é sutil,
e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa” (2013, p. 19) e fala
ainda mais: “todas as ciências estão presentes no monumento literário”, fazendo,
nesse sentindo, que a literatura seja detentora dum efeito de verdade mais precioso
22
que o da própria ciência. Barthes observa como Pablo Picasso vai chegar a dizer –
em sua célebre frase – que “A arte é uma mentira que nos revela a verdade”, a
ciência torna-se menor para as Artes – e dessa forma também para a Literatura –,
as Artes passam a possuir o locus da verdade. Verdade mais verdadeira que a da
própria ciência, pois esta já errou várias vezes, já mentiu diversas vezes; a literatura
não. Ela é atemporal; é universal.
A voz de Barthes, de Picasso é a voz de muitos outros: quando nos referimos
à literatura é lugar comum inserir dentro dela certas características que a colocam
num lugar de prestígio com relação a outras instituições ou categorias de nossa
sociedade. Ela é intrinsicamente – e universalmente – contestadora. Ela é
humanizadora, detentora duma verdade mais preciosa que a da própria ciência. Um
contra-discurso.
Até que ponto pode-se falar da literatura como contra-discurso? Para tratar
desse ponto recorremos aos debates que Foucault levantou, quando em algumas
poucas vezes, discutiu sobre a literatura. É importante destacarmos que Foucault,
num primeiro momento de suas produções intelectuais, colocava a literatura num
lugar de destaque.Como afirma Machado (2000), só depois da “Arqueologia do
saber”, Foucault começa a demonstrar em suas produções, em entrevistas etc. uma
mudança do modo como ele vê, não só a literatura, mas o próprio ato da escrita,
chegando a afirmar que “a militância política é mais importante do que dar aulas e
escrever livros, que jamais gostou da escrita literária, que não pensa que a escrita
tenha uma grande eficácia (...)” (2000, p. 124). O deslumbramento pela literatura tão
comum deixa de permear as ideias do filósofo – e também as nossas – depois de
suas investigações – e de nossas leituras – arqueológicas e genealógicas.
É este Foucault, descrente da instituição literária, que cochicha - e cochichará
- em nossos ouvidos quando escrevemos linhas profanadoras da literatura que
“humaniza”, “salva” e “contesta”. Quando a tratamos como uma instituição. Não
podemos negar o que é da instituição literária. De fato, ela parece estar num lugar
diferente doutras instituições da nossa sociedade. Parece que nela há possibilidades
diferentes de se dizer. Como afirma Barthes, a literatura é de fato um lugar onde a
linguagem age de forma diversa – diversa do modo que costumamos utilizá-la na
maioria doutros contextos –, onde a linguagem fala de modo singular.
Parece, também, que na literatura se pode dizer algo diferente. Nela há a
possibilidade de se falar coisas que não são faladas normalmente: existe uma
23
chance de se dizer o que não se é permitido em contextos normais. Mas até que
ponto tudo o que é dito da literatura realmente a coloca num lugar privilegiado? Até
onde a literatura é intrinsecamente contestadora? Humanizadora? Há, na atualidade,
uma movimentação intelectual em torno de questões relacionadas à produção do
sujeito humano tendo como objeto de discussão discursos sobre o esgotamento do
humanismo nacional-burguês com sua arte de narrativas, tais como aquelas
disseminadas nos textos literários, para construção do sujeito, ou seja, a educação
como autoformação da espécie (SLOTERDIJK, 2000). Contudo, esse debate ainda
não retirou da literatura, em sua institucionalidade, o poder como discurso implicado
na formação humana.
Primeiro ponto a considerar: as instituições têm um conjunto de
características que a fazem única. Elas são singulares, assim como os discursos
que a perpassam. A literatura não é diferente, ela possui características que a fazem
diversa doutras instituições; que delimitam o seu lugar - que apontam os limites
fronteiriços entre essa instituição e outras: é preciso, para sua manutenção, a
demarcação de características que a fazem “diferente”, legitimando-se, assim,
perante a sociedade, perante outras instituições.
Mas não é porque ela possui essas características únicas – claro que dentro
duma regularidade discursiva – que podemos dizer que a literatura está fora, que ela
é transcendental e que salvará as pessoas duma sociedade opressora. A medicina,
por exemplo – que, literalmente, salva vidas – para Foucault, possui várias
características que a assemelham a outra instituição da nossa sociedade que tem a
função de enclausuramento: as prisões.
O que está em jogo, para nós, não são as características intrínsecas dos
discursos e das instituições, mas sim sua materialidade: como se comporta um dado
discurso num determinado momento histórico? Nenhuma regularidade discursiva,
mesmo aquelas aparentemente tão inocentes e com bons propósitos
humanizadores, podem ser mesmo inocentes e humanas em todos os contextos que
elas se inserem. Muitas vezes, mesmo querendo salvar vidas, a medicina já se
apresentou como um discurso poderoso, sob determinados sujeitos, marcando-os
por suas doenças, por sua raça etc. Toda instituição e discursos aparentemente
“libertadores” podem, em determinados momentos, ser extremamente “perversos”,
enquanto outras “claramente perversas” podem ser “libertadoras”.
24
Sob essa perspectiva de Foucault, não podemos achar um fio condutor que
ligue todas as produções ditas, hoje, literatura, sem que, ao fazermos isso,
estejamos voltando nossos olhos-do-hoje ao passado, tentando, através do que
Foucault chamou de hipóteses retrospectivas, dizer, com nossas ideias, ideologias,
teorias, o que fazem certas obras serem literatura ou não. Parece impossível ligar
todas as obras e discussões.
Também nos parece que a literatura é uma categoria recente, um termo valor
que garante legitimidade pela sua condição de sê-la. Como vimos anteriormente,
existe um discurso muito forte de que sendo literatura, o texto possui um efeito de
verdade mais valioso que o da própria ciência (BARTHES, 2013, p. 19).
Assim, a pergunta do que é literatura para nós é irrelevante, já que não
buscamos classificar e categorizar quais obras podem ser nomeadas de literatura.
Associamo-nos a Foucault quando em seus escritos Linguagem e Literatura, vai
criticar quando colocam a questão - o que é literatura-, dizendo que os que fazem
essa pergunta, não se colocam numa posição a posteriori, por alguém que se
interroga dum passado exterior e estranho, mas sim como se a questão tivesse uma
origem secreta na própria literatura. E complementa:
[...] não estou convencido de que a literatura seja tão antiga assim.
Há milênios, algo que retrospectivamente, costumamos chamar de
literatura, existe com certeza. Mas é precisamente isso que penso
ser necessário questionar. Não é tão evidente que Dante, Cervantes
ou Eurípedes sejam literatura. Certamente, hoje fazem parte da
literatura, pertencem a ela, mas graças a uma relação que só a nós
diz respeito: fazem parte de nossa literatura, não da deles, pela
excelente razão que a literatura grega ou latina não existe. Em outras
palavras, se a relação da obra de Eurípedes com a nossa linguagem
é efetivamente literatura, sua relação com a linguagem grega
certamente não era (FOUCAULT, 2000, p. 139).
26
Com isso queremos enfatizar o modo particular como iremos lidar com os
livros de literatura estudados: serão tratados como categorias da nossa sociedade,
serão vistos de modo profano e material. Queremos analisar os discursos que
perpassam pelos livros de literatura sem nenhuma pena de estar infringindo uma
obra literária. Vamos olhar para a literatura como uma instituição; com os mesmos
olhares que Foucault olhou para as prisões, para o hospício, para a escola:
observando os jogos de poder, observando os discursos, observando quando essas
legitimam alguns discursos em detrimentos doutros.
A literatura é, para nós, um lugar de enunciação de discursos com a
singularidade do discurso estético, do belo. Nesse sentido, tem potência para que os
seus discursos penetrem forte e profundamente, que disputem com outros discursos
na constituição dos indivíduos sem ao menos percebermos o que realmente ela quer
dizer, com o que realmente ela joga, fazendo com que nossos sentidos sejam
treinados numa estética, que não estetiza sem sair do mundo que estamos, e
constrói nossos gostos e sentimentos, marcados por discursos que, revestidos duma
bela roupagem literária, nos contamina e nos produz.
Santos;
Silva,
Rosemaria
J. Vieira
Portal de Artigo 2011 Revista Era uma vez uma XAVIER
periódicos Científico Estudos princesa e um Filha,
da Capes Feministas príncipe...: Constantina
V.19(2), p. representações de
591(13). gênero nas narrativas
de crianças.
3
Vale ressaltar que não foi nosso objetivo realizar uma investigação minuciosa sobre os trabalhos
com a temática geral “gênero e sexualidade”. Dessa forma, não lemos os resumos dos 236
trabalhos e, sim, daqueles que trazem a temática da literatura associada às questões de gênero e
sexualidade.
30
faz uma análise dos textos de Gilka Machado observando os valores estéticos
feministas. Já o segundo trabalho realiza uma pesquisa etnográfica numa escola do
Rio de Janeiro onde investiga como são os tratamentos dados pela escola com
relação à educação sexual.
Não conseguimos ter acesso ao quantitativo de artigos cadastrados no portal
do Instituto dos Estudos de Gênero. Mas as revistas que fazem parte desse acervo
são: Revista Estudos Feministas; Cadernos Pagu; Caderno Espaço Feminino;
Revista Gênero; Labrys; Revista Ártemis; Revista Latino-Americana de Geografia e
Gênero; Revista Mátira; Sinergias; e algumas edições de revistas que publicam
números especiais voltados para a área de gênero e sexualidade. Quando
colocados os descritores “Literatura Infantil” ou “Literatura Infanto-juvenil” ou “Livro
infantil” ou “Livro Infanto-juvenil”, não foi encontrado nenhum artigo. Quando
colocado o descritor “Educação Sexual”, foi encontrado apenas um único artigo de
Helena Altmann: “Educação sexual e primeira relação sexual: entre expectativas e
prescrições”, que teve por objetivo realizar uma pesquisa etnográfica com algumas
meninas duma escola do Rio de Janeiro, questionando como as meninas idealizam
sua primeira relação sexual e como a escola lida e intervém sobre esse assunto.
Quando colocado o descritor “Literatura”, foram encontrados 30 artigos dos
quais os listados no quadro acima foram utilizados para compor o corpora desse
mapeamento. O artigo de Lia Scholze vai trabalhar dentro da perspectiva da Análise
Crítica do Discurso, tomando por base os pressupostos dos Estudos Culturais, e tem
por objetivo examinar as representações sobre a mulher em romances produzidos
por escritoras gaúchas contemporâneas. O texto de Cunha e Silva, “A Educação
feminina do século XIX: entre a escola e a literatura”, vai utilizar como fonte os textos
clássicos da literatura nacional e analisar seu papel na formação da mulher,
considerada ideal, no século XIX. Esses foram os artigos encontrados de maior
relevância para a nossa pesquisa.
No portal de periódicos da Capes foram encontrados 259 trabalhos com o
grande tema gênero e sexualidade. Com a adição dos descritores “livro infantil”,
“literatura infantil”, “livro infanto-juvenil”, “literatura infanto-juvenil” foi encontrado
apenas um artigo de interesse da pesquisa: “Era uma vez uma princesa e um
príncipe...: representações de gênero nas narrativas de crianças” que possui dois
eixos teórico-metodológicos: uma pesquisa bibliográfica, com coleta, seleção e
análise de livros infantis com temáticas da sexualidade, gênero e diversidade. E uma
31
O que está posto pela autora é que nesse caminho sãoconstruídas várias
epistemologias feministas que fazem parte de uma ampla rede discursiva, no campo
do conhecimento, identificada como crítica cultural, teórica e epistemológica, das
quais fazem parte Psicanalise, Teoria Crítica Marxista, Hermenêutica,
Desconstrutivismo e Pós-Modernismo. Nessas perspectivas, o foco dominante, em
suas singularidades, é uma crítica a racionalidades que não dão conta de pensar a
diferença. Acrescenta que esse é um caminho potencialmente emancipador (RAGO,
2013, p. 24).
É dessa rede discursiva que se produzem estudos da mulher sob um enfoque
que considera a mulher como uma identidade “construída social e culturalmente no
jogo das relações sociais e sexuais, pelas práticas disciplinadoras e pelos
discursos/saberes instituintes” (RAGO, 2012, p. 29).Segundo Rago (2012), foi nessa
rede discursiva e de forma mais concreta na visão de identidade que a categoria
gênero encontrou um terreno favorável para ser abrigada. Essa categoria não só
desnaturaliza as identidades sexuais como postula a dimensão relacional do
movimento constitutivo das diferenças sexuais. Nessa direção as questões da
sexualidade devem ser tratadas como um efeito de discursos.
4
Para Foucault, entendido como um conjunto heterogêneo; uma rede em que os discursos, as
instituições, as decisões regulamentares, leis, enunciados científicos, proposições filosóficas etc se
relacionam.
39
outros estudos que têm fundamental importância para o debate atual. Temas como
Socialização das condutas de procriação e a Psiquiatrização do prazer perverso,
realizadas em lugares e tempos diferentes, levaram a resultados diversos.
3.1.3 Representação
Ele ainda complementa dizendo que não se trata duma história da verdade ou
do falso, mas sim a história da veridição; um tipo de história que tenta buscar como
os discursos se articulam, para proclamar que certas coisas são verdadeiras e
outras não.
Representação e Estereótipo
5
Provérbio retomado por Shakespeare em seu livro O Mercador de Veneza, ato I, cena III
45
ANÁLISE DO DISCURSO
ACONTECIMENTO DISCURSIVO
INTERDISCURSO
FUNÇÃO AUTOR
ANÁLISE CULTURAL
50
Para que serve uma barriga tão grande?- Publicado em 2003 pela editora
FTD, pela série “Arca de Noé”, conta a história dum bezerrinho e suas ânsias
pela chegada dum novo bebê na casa.
Embora Foucault realize seus estudos num dado momento histórico, num
lugar específico: Europa, pelos séculos XVIII e XIX, XX partindo de acontecimentos
discursivos específicos observando descontinuidades que o discurso sobre o sexo
teve ao longo da modernidade nesse local específico, é fonte de inspiração para
nossa pesquisa no Brasil, com acontecimentos discursivos ocorridos a partir da
década de 1990,sobretudo relacionados ao campo da educação.
Escolhemos essa época e esse campo do saber não por acaso: parece haver
algum tipo de deslocamento – próximo e depois das mudanças ocorridas no
currículo da educação brasileira nos anos de 1990 com o novo Projeto curricular
Nacional – com relação aos modos de enunciação do discurso de gênero e
sexualidade que Foucault defendeu em sua tese.
6
Parâmetros Curriculares Nacionais.
54
7
AIDS ou SIDA é a sigla correspondente à Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida.
8
Programa Nacional do Livro Didático.
9
Programa Nacional Biblioteca da Escola.
55
presença ou não dos temas transversais nas obras; passa-se a adotar livros que
tragam as questões de gênero e sexualidade, não só aqueles propriamente
didáticos, como livros de literatura infantil10.
É nesse contexto que é produzida a “Coleção Explorando o Ensino” e que
particularmente merece uma atenção quanto ao modo de enunciação do discurso
sobre o sexo. Planejada em 2004 e divulgada a partir 2006 pela Secretaria de
Educação Básica do Ministério da Educação; tem por objetivo “auxiliar professores e
educadores da educação básica, oferecendo-lhes um material científico-pedagógico
com novas formas de abordar os diversos conhecimentos”, contribuindo também,
segundo o documento, “com a formação continuada dos professores” (BRASIL,
2010).
Como lugar de enunciação material oficial (planejado pela Secretaria de
Educação Básica do Ministério da Educação), esta coleção comporta vários textos
de professores e/ou pesquisadores da referida área (já que esse material possui
diversos volumes como de matemática, literatura, ciências etc.); tem por objetivo
divulgar seus volumes nas escolas públicas do Brasil para dar um “suporte” às
práticas pedagógicas dos professores. É um material que possui um efeito de
verdade, já que quem o institucionaliza é o Estado e ainda é escrito por
professores(as) de Universidades Federais do Brasil.
São vários os volumes das diversas áreas: química, matemática, biologia etc.
e, cada um, possui vários artigos sobre algum tema específico dessas áreas do
conhecimento focados para alguma problemática da educação, em particular
voltados para a prática pedagógica ou como lidar com essa área na escola. É
importante mencionarmos que os artigos dialogam com propostas curriculares,
materiais didáticos, livros desenvolvidos ou adotados pelo estado e, também, com
os temas transversais.
Refletimos sobre os enunciados de um volume específico: Literatura em um
artigo intitulado O professor como mediador das leituras literárias.Com a função
autor de orientar o modo de ver e pensar o tema da sexualidade na escola afirma-se
que
10
Basta observarmos, por exemplo, o PNBE temático que seleciona obras para temas específicos e
urgentes da nossa sociedade.
56
11
Fundação Oswaldo Cruz.
61
[...] Isso acaba virando uma situação sem volta. A maioria larga os
estudos. Grande parte delas não os retoma posteriormente,
principalmente porque têm mais filhos. Daí em diante, tudo fica mais
difícil, arrumar um bom emprego e cuidar dos filhos sozinhos. É o
ciclo da pobreza (GRANADO apud PETRY, 2001).
É quase apocalíptico o fim que se é dado àquelas mulheres que não seguem
uma sexualidade tal – planejada, depois do casamento, com no máximo dois filhos,
depois de terminar os estudos e estando empregada etc. Se é delegada toda uma
situação de calamidade: elas moram em lugares de desprestígio social, estão
desempregadas, não terminam os estudos; e ainda mais: contribuem para uma
espécie de “Ciclo da pobreza”. Há de se perceber que não está em jogo, apenas, o
bem-estar pessoal; mas sim toda uma mecânica populacional que é posta em risco
aos menores descuidados dos membros desta comunidade: se os cuidados não
forem tomados e não se seguir toda uma sexualidade ideal e saudável; a própria
sociedade parece estar fadada a uma pobreza sem fim: a um ciclo de pobreza.
E vemos que o discurso de sexo é também um discurso de classe: se é
comumente associada à sexualidade o nível de escolaridade; são constantes as
menções às classes sociais dos indivíduos: além de se associar que o nível de
escolaridade interfere diretamente na fecundidade das mulheres; se afirma, também,
que a depender da classe social, o modo pelo qual as mulheres têm seus filhos vai
ser diverso; diverso e errado; delegando àquelas que pertencem às classes sociais
mais favorecidas o status de, em sua maioria, praticarem uma sexualidade mais
adequada; “A gravidez nas classes mais baixas é complicada pela falta de estrutura
e pela situação socioeconômica dessas pessoas” (GRANADO apud PETRY, 2001),
a gravidez pode ser (apesar de ser usado o verbo “é” na citação, sem a relativização
que estamos utilizando agora; “pode ser”) “complicada” quando as mulheres têm
certa idade, gravidez de risco: motivos biológicos. Para esse discurso, gravidez
62
“complicada” é aquela tida por mulheres de classes mais baixas – o social moldando
os corpos?: o discurso do sexo é também um discurso de classe, que por sua vez, é
também o discurso da educação: existe uma malha que relaciona tanto a classe dos
indivíduos com seu grau de instrução e com uma sexualidade ideal.
O discurso de sexo é também um discurso de raça. Não pela sua presença,
mas pela sua ausência-presente. Não se cita, em nenhuma dessas pesquisas sobre
a sexualidade, a raça dos indivíduos entrevistados: para tais pesquisas não importa
a raça/cor das mulheres; mas sim sua classe, seu nível de instrução, sua moradia.
Há um silêncio sobre como são as práticas sexuais das mulheres brancas, negras,
pardas, indígenas, amarelas etc.
Até então, a nossa tentativa está próxima do ensaio dalgumas perguntas;
estamos tentando esboçar algum tipo de rede discursiva – através da seleção
dalgumas reportagens específicas, visto que não seria possível citar todas aquelas
que possuem o tema estudado, pois, pela natureza do trabalho proposto, seria
inviável – sobre o discurso da sexualidade na educação: tentando investigar o como
se processa o discurso da sexualidade na educação; por que se afirma que a
sexualidade deve ser trabalhada na escola? Tal tentativa se deve ao fato que o
nosso objeto de pesquisa – saber por que (e como) se diz (e se coloca) que os livros
de literatura infantil seriam um meio de se trabalhar a sexualidade na escola –
demanda. Ora, para saber “porque se diz que os livros infantis são um bom modo de
se trabalhar o tema da sexualidade na escola”, precisamos saber, primeiro, porque
se diz que se deve trabalhar a sexualidade na escola. Questão de ordem. Assim
sendo, estamos buscando os discursos que colocam a sexualidade e a educação
lado a lado, vendo o como se coloca, onde se fala. Estamos buscando o
interdiscurso: analisando os discursos próximos e que complementam e formam
uma rede discursiva: vendo os sujeitos que falam e são falados; o modo como se
fala, do que não se fala, como se relacionam suas falas.
Interessa agora tratar de alguns outros de documentos, textos e discursos,
com o objetivo de tentar investigar um pouco mais a malha discursiva que se forma
à nossa frente. Logo em seguida, começaremos a relacionar as nossas conclusões
primárias aos documentos oficiais que instituem a sexualidade na educação –
finalmente aquilo que nos propusemos na introdução deste trabalho.
Os textos citados anteriormente, várias outras reportagens, pesquisas
(científicas ou não) e estudos foram realizados para afirmar verdades sobre o sexo e
63
12
SPE (sigla).
64
E outras que parecem preocupar-se a longo prazo com o futuro do Brasil com
essa queda brusca. Numa parece se ver com bons olhos as baixas taxas de
natalidade; noutra nem tanto. Observamos nessas reportagens que se estabelece
uma íntima relação entre a escola, o nível de instrução, a sexualidade dos indivíduos
e classe dos indivíduos. Quase sempre esses quatro elementos são citados nas
reportagens.
As mulheres são sempre os indivíduos centrais de quase todas as pesquisas
que envolvem a sexualidade, a escola e a gravidez: são elas que devem negociar
com seus parceiros para a utilização dos métodos contraceptivos; são elas que
devem realizar o planejamento familiar e decidir o melhor momento de terem os
filhos; a figura paterna se faz muito ausente nas questões que envolvem a escola e
a sexualidade.
Uma rede discursiva – um tanto disforme – está começando a se formar à
nossa frente sobre como são colocadas as questões da sexualidade na escola:
primeiro, para se legitimar, parece haver um tipo de tendência a se utilizar de
discursos científicos, de dados estatísticos, de todo tipo de dado que tente dar à
sexualidade um tom imparcial: como que se for para falar de sexo, seja necessário
um certo distanciamento; uma certa impessoalidade. Tais características podemos
associar ao fazer científico ou à ciência. E a sexualidade, dum jeito ou doutro,
parece estar sempre permeada dalgum modo pela ciência.
Vamos insistir em um aspecto: no tipo de linguagem utilizada para se falar da
sexualidade parece haver uma certa constante na utilização dalguns termos que,
predominantemente, são inseridos em contextos das ciências naturais e biológicas:
soa estranho falar de “fecundidade” e “Gravidez Complicada”, quando o que está em
jogo não é uma certa situação biológica das pessoas, mas sim sua classe social,
seu nível de instrução. Aparentemente existe essa insistência por, acreditamos, uma
necessidade de dar credibilidade aos textos: parece que quanto mais os textos se
aproximam duma linguagem científica, melhor. Quanto mais se citam textos
científicos – e não qualquer texto científico13–, mais facilmente haverá uma validação
social: mais serão atestadas as verdades suscitadas por aquele falante. Por tais
motivos, acreditamos que a utilização desse vocabulário nesses textos não seja por
13
Não qualquer: os mais comumente citados não são aqueles advindos das ciências humanas, mas
sim das ciências naturais, biológicas e até exatas: parece haver um prestígio maior nessas ciências
e não nas outras.
65
Segundo Rago (2013), esse tipo de marcha traduz por um lado uma
regularidade com as práticas de passeatas na história do feminismo e ao mesmo
tempo inova pela forma como se apresenta:
é exemplo da força dos movimentos gaye lésbicos mas é também exemplo de como
as temáticas de sexualidades alternativas àheterossexualidade vêm sendo
absorvidas pela indústria cultural e pela indústria do turismo.
A última Parada Gay teve forte questionamento dos sectores religiosos
representados no Congresso Nacional. A imagem que segue foi aquela que mais
trouxe ao debate da sociedade brasileira a questão gay e o conservadorismo.
Essas questões que estão nas mídias com amplo acesso a crianças, jovens e
adultos não permitem que deixemos de considerar que não há mais como fugir ao
debate. Vale ressaltar que nesse debate tem havido retrocesso em relação ao
Estatuto de Família e ao Plano Nacional de Educação. Nesses dois importantes
documentos de orientação do discurso sobre gênero e sexualidade há de fato o
retorno ao preconceito a outras formas de família e de modos de viver as
sexualidades.
71
14
Levando em consideração a comparação entre essa e as outras figuras esboçadas na imagem: em
nossa sociedade possuir cabelos longos ou curtos é uma marca comumente atrelada a
características do gênero feminino ou masculino.
73
Figura 4 - A família
No menor plano, ao centro, encontra-se a figura duma outra criança, dado seu
sorriso largo e sua baixa estatura em comparação com as demais.Essa figura tem
os cabelos na nuca: uma menina; a caçula e, não por acaso, está no menor plano da
representação da família. Está à direita da última figura que faltamos descrever: a
mulher, a mãe da casa.
Representada como a figura menos volumosa (talvez por seu recato; por sua
impossibilidade de espalhar-se), com os cabelos longos e retos, sua altura é bem
menor que a do homem e um pouco maior que a do primogênito. Seu lugar é à
esquerda do pai e seu semblante é o mais curioso de todas as outras
representações: o homem é claramente neutro; não podemos nem ver sua boca,
apenas seu bigode: reto; imparcial. As duas crianças possuem linhas claras dum
sorriso largo; pueril. Mas a mulher possui uma linha obscuramente desenhada;
imprecisa. Talvez um sorriso de canto de boca ou um sorriso contido; talvez uma
expressão de quem está passando mal ou confuso; talvez esteja segurando uma
expressão de raiva sob um sorriso falso. Não dá para saber ao certo o que está
sendo representado em seu semblante; e fica a dúvida: por que à mulher é
reservado um semblante sem uma delineação exata? Por que em todas as outras
74
Aparentemente esse livro parece ser destinado não apenas às crianças, mas
a todos os membros da família. E não uma família qualquer: aquela constituída
duma maneira específica: com pais, avós, primos etc., pois, tal como a quarta-capa
diz, estes estão “sempre presentes” (?). É um livro para ser lido tanto por crianças,
quanto por adultos. “A partir de seis anos”. Um livro de família. Para família. Se
voltarmos para o seu logo, também poderíamos supor como seria a família a qual
este livro se refere: aquela que tem no seu núcleo o Homem central, o primogênito à
sua direita, a sua filha em menor plano e a mulher e seu impreciso semblante.
E o livro tem um objetivo poético: resgatar os momentos registráveis que se
passa junto com os familiares. Não de qualquer modo – talvez como um diário, ou
um registro qualquer –, mas sim de forma lírica, realista e inesquecível. O lirismo é
relativo à literatura, ao belo: a uma preocupação estética. Já o realista é relativo à
verdade, ou seja, não serão abordadas nenhuma mentira ou ficção: serão as coisas
tal como são (por conseguinte, podemos inferir que aquela família que descrevemos
seria o real, a verdade). Mas com beleza que só um texto literário poderia produzir,
fazendo com que esses momentos sejam registrados de modo inesquecível. A
verdade e o belo: a literatura como a expressão da própria realidade, transformando-
a em algo memorável.
O nascimento dum novo membro da família: esse é o momento inesquecível.
Narrado em primeira pessoa, o livro traz o filho dum casal contando suas
impressões sobre o nascimento do seu irmão mais novo. Através duma narrativa
que ora parece rimar, ora não, o livro mostra o estranhamento inicial duma criança
15
Logo após esse texto, possui um pequeno texto dizendo que a indicação da faixa etária é apenas
uma sugestão e que a escolha deve respeitar o interesse, o gosto e a maturidade de cada criança.
75
Figura 5 - O casal
Nessa imagem podemos ainda perceber que existem vários livros empilhados
no canto da imagem. E um livro se destaca dos demais: um livro que tem como capa
a imagem dum bebê. Provavelmente um manual de pueril cultura: para representar o
preparo necessário dos pais para receber novos membros na família. Provavelmente
a última leitura da Mãe: é o livro que está no topo, entreaberto. Todos os livros se
77
encontram do lado da mãe, como se ela tivesse acabado de colocar do lado para
receber o pai: a mulher tricota e lê sobre bebês. É importante também percebermos
a importância que é dada a tais livros: se institucionaliza aqui a normalização de
consultar esses manuais para que se tenha uma gravidez saudável e que se crie
bem as crianças.
Ainda nessa imagem podemos perceber outro aspecto bem interessante: a
criança não participa da cena. Ela está fora do quadrinho. Apenas observa curiosa e
não muito feliz o que acontece. Está sentada, assistindo a tudo com seus braços
rodeando suas pernas dobradas. Olha de fora, como uma criança que não pode
ouvir ou participar da conversa de adultos. Está em menor plano, no canto da
imagem, acuada e fora de cena. Curioso que a criança é o personagem principal da
história: quem conta e narra a história sob seu olhar. Mas, nessa imagem – vale
ressaltar que é a única que não tem qualquer relação com o texto –, ela não entra.
Essa é a única imagem do pai durante todo o livro. E nessa sua única aparição, o
filho não participa da cena. Apenas olha desconfiado e acanhado para seus pais.
Por que? Talvez porque não seja para crianças assuntos como gravidez. Apesar de
tratar desse tema, o livro nunca menciona uma explicação sólida sobre. Em dois
momentos parece se ensaiar algum questionamento sobre a gravidez da mãe.
Figura 6 - Na gravidez a comilona
A explicação dada aqui para o estranho modo como a mãe está aparentando
e vem se comportando é que virou criança de novo e com fome de marmelada.
Dizem, segundo o narrador, que gente grande após nascer, crescer e virar adulto,
vira criança mimada. Criança mimada é aquela que precisa de bastante cuidados e
vigilância: uma mulher grávida. Parece não ser por acaso a comparação da mãe a
uma criança comilona e mimada: a mulher ao estar grávida, para esse discurso,
precisa ter cuidados mais e diferenciados, precisa ser tomado cuidado com o seu
corpo indefeso, tal como a criança.
Em muitas pesquisas que se faz sobre a sexualidade da população, se coloca
dentro dum mesmo grupo a saúde da mulher e da criança; se faz, no mesmo
trabalho, uma pesquisa tanto da sexualidade dum quanto doutro: são sexualidades
que parecem merecer maior atenção. Foucault, em sua “A vontade de saber”, fala
que a mulher tem uma sexualidade saturada, com um corpo detento duma patologia
intrínseca. Este corpo orgânico seria posto em comunicação com o corpo social
(cuja fecundidade deve ser regulada), com o espaço familiar (devendo ser o
elemento substancial e funcional) e com a vida das crianças (que a produz e deve
garantir, através duma responsabilidade biológico-moral) (FOUCAULT, 1988, p. 115)
Vemos que esses aspectos do corpo da mulher parecem ser representados
dalgum modo: o Livro de Puericultura na primeira imagem, garantindo a sua
fecundidade regulada e bem direcionada. O espaço familiar garantido pela sua
presença: o homem em nenhum momento parece participar da gravidez da mulher e
nem do como o filho lida com ela: ao homem parece ser delegada a função de
prover o lar (em sua única representação no livro, ele aparece de roupas de
trabalho, enquanto a mulher com roupas de casa), e a mulher deve ser responsável
tanto pela funcionalidade da família, como pela vida da criança: é ela que instrui a
criança sobre sua situação atual e sobre a chegada dum novo membro.
A sexualidade da criança, por sua vez, é uma sexualidade limítrofe, ao
mesmo tempo natural e contra a natureza, uma sexualidade perigosa e preciosa a
qual deve ser dada grande atenção: todos (pais, professores, psicólogos, médicos
etc.) devem dar atenção a esta sexualidade.
Essas duas sexualidades merecem atenção; nelas se é guardado o futuro da
nação, como vimos em capítulos anteriores; práticas sexuais não adequadas podem
promover um “ciclo de pobreza”, podem mexer numa mecânica populacional e
colocar em risco o futuro da sociedade. Em outro momento também se é colocada a
79
mas a mãe apenas calças e vestidos curtos. Em apenas uma representação a mãe
aparece com os braços descobertos.
Figura 7 - As roupas
retos. Já o homem seria o provedor do lar, aquele que não é responsável pela
criação direta dos filhos, ausente, mas, ao mesmo tempo, o centro da família, aquele
que paga as contas e trabalha formalmente.
Assim, se constrói uma identidade cultural do que seria ser mãe: aquela que
lê livros de pueril cultura, que tricota, usa roupas compostas e confortáveis, trabalha
apenas em casa, cuida dos filhos, não de qualquer modo, de acordo com as
condutas morais e sociais: e esta conduta moral direciona a forma como são
passados os conhecimentos: jamais se é contado de forma direta como e porque a
mãe está grávida. Aparentemente as crianças só podem saber das coisas através
de metáforas e da linguagem indireta. A barriga da mãe é “uma janela bem fechada”.
E aqui vemos como também se é construída a identidade cultural da criança: aquela
de sexualidade ambígua e que deve ser tratada com cuidado.
Ao nos propormos a realização duma análise histórica relacional, precisamos
observar outras edições dos livros analisados. Contudo em alguns livros não foi
possível conseguir várias edições, mas “Tem Gente”, conseguimos a primeira edição
e a mais recente.
Antes de falarmos da segunda e mais recente edição do livro, precisamos
contextualizar a primeira edição. Ela é de 1993. Ou seja, antes das reformas
curriculares que de fato institucionalizaram os temas transversais e a sexualidade,
com o nome de “Orientação Sexual”, no currículo das escolas públicas do Brasil.
Porém esse livro vem dentro dum contexto em que já se debatiam as questões de
gênero e sexualidade para jovens e crianças. O livro é originalmente colocado na
coleção “Em Família” e tem por objetivo, como vimos anteriormente, resgatar
momentos familiares com lirismo, realismo e torná-los, assim, inesquecíveis. Ora,
para legitimar o tratamento de certas questões de gênero e sexualidade – colocadas
em discurso como sendo questões tabu na sociedade –, a editora insere este
material, na rede discursiva, como um livro “de família”, um livro respeitável e
realista. Um livro que, apesar de tratar de questões tão polêmicas, pode ser lido por
toda a família, pois não é direto, é lírico e assim realista. É interessante que o livro
apesar de tratar da gravidez como algo quase sublime – descrevendo a barriga da
mãe como uma janela fechada, e sua mudança de comportamento devido a ela ter
se tornado criança mimada –, ele se diz realista. Talvez o termo não seja empregado
para dizer as coisas tal como são – que os pais precisam transar para ter seus filhos
e que o menino sai pela vagina –, mas sim como a realidade social gostaria que
82
fossem ditas as coisas aos seus filhos: o real não é relativo ao natural, mas sim ao
que se legitima como verdade dentro dum grupo social.
A segunda edição, por sua vez, é feita em outro contexto discursivo. E cria
um marco, um acontecimento discursivo. O ano de publicação da segunda edição é
2005, anos após as mudanças curriculares. O conteúdo do livro é exatamente o
mesmo da sua primeira edição: a narrativa é a mesma, os desenhos são os
mesmos, dispostos exatamente do mesmo modo como foi a primeira edição. Além
dalgumas diferenças de diagramação e de fonte, não há qualquer mudança
significativa nessas duas edições. A não ser por um pequeno detalhe:a segunda
edição é colocada, dessa vez, em outra coleção, agora na “Biblioteca Marcha
Criança”.
Biblioteca é relativo a livros, conhecimento escolar, estudo. Mas não é
qualquer biblioteca, é a biblioteca “Marcha Criança”, ou seja, aquela que direciona o
jovem para algo, aquela que condiciona o corpo a um ritmo e a um movimento.
A quarta-capa do livro também é diferente; dessa vez não possui mais aquele
texto lírico e entusiasta da família: possui um pequeno resumo do livro – sem
83
Essas são umas das poucas palavras que existem no livro: de fato a obra é
composta basicamente de ilustrações que realmente dizem tanto sem palavras;
falam por si: eloquentes e calorosas. Imagens que contam, basicamente, a história
de amor entre um ganso e uma galinha mãe de três pintinhos. Os personagens são
animais humanizados, com características humanas. Aparentemente trata-se de
mais uma história do amor impossível; do amor proibido. Como tantas outras:
Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Fernando e Isaura. Porém essa chama-se “Amor
de Ganso”. Não “Ganso e Galinha”, ou, pelo menos, “Amor de Ganso e de Galinha”.
É “Amor de Ganso”, apenas o ganso. Apesar do verbo amar ser transitivo direto:
aquele que precisa dum complemento para fazer sentido; ou seja, que precisa dum
ser ou coisa amado, o ganso aparece só na capa do livro dentro dum coração: é o
amor apenas dele; intransitivo: amar sem objetivo; sem reciprocidade, sem um outro
alguém: amor de ganso. Claro que, no caso do título deste livro, amor é substantivo,
seguido da locução adjetiva “de ganso”; não é qualquer amor: nessa obra existem
85
Figura 10 - O protagonista
aparentemente nessa fábula construída com imagens, é ser excluída, é algum tipo
de marginal da sociedade dos gansos. E podemos ver que esses gansos são algum
tipo de centro da sociedade: eles têm acesso à comida, têm acesso a abrigo e ao
entretenimento – o lago. E os gansos se incomodam com aquela presença dentro
dos seus espaços de socialização, questionam ao protagonista ganso e lhes pedem
para escolher entre a galinha negra e seus filhos e a comodidade da sociedade
ganso.
Claro que o herói, homem, de classe média e branco, escolhe o amor – o
título do livro: “Amor de Ganso” – e resolve partir e continuar a proteger sua galinha
e seus filhos. O protagonismo masculino em ação: o homem, o herói que resolve os
problemas.
Essa história parece uma tentativa de renegociar a relação entre o novo
patriarcado (isto é, o homem sensível) e a moderna “mulher sozinha” com os valores
tradicionais da família, contudo, mantém o protagonismo masculino como aquele
que age, socorre, protege, e o feminino passivo, que sofre a ação mesmo de
solidariedade.
Observa-se que em todos os livros analisados há um esforço de tentar
organizar as questões de gênero e sexualidade em torno dos valores da família;
talvez uma tentativa de reafirmar o modelo de família da modernidade.
88
Mais um livro com uma temática voltada para as relações internas familiares:
a criação dos filhos, gravidez, relações familiares entre mãe e filho, a chegada de
novos membros na família. Os temas e enunciados presentes nesse livro se
assemelham bastante com os enunciados presentes nos outros livros: “Tem Gente”
e “Emanuela”.
Este livro tem inspiração numa fábula clássica da cultura ocidental:
Chapeuzinho Vermelho – logo em sua primeira página já observamos uma das
referências: quando a mãe-vaca segura um livro da fábula. Dentre as várias versões
que existem no mundo 16, poderíamos dizer que se trata duma história que conta
quando uma menina que usa um capuz vermelho vai levar alguma espécie de
alimento para a avó doente. Desobedecendo sua mãe e seguindo outro caminho, ela
conversa com um estranho: o lobo mau. Este, após ter uma conversa com a menina,
descobre para onde ela vai e a induz a seguir um caminho mais longo, dando tempo,
16
A versão dos irmãos Grimm, a versão de Charles Perrault; entre outras.
89
assim, dele chegar primeiro à casa da avó, para devorá-la e tomar seu lugar na
cama. Chapeuzinho Vermelho após chegar à casa, estranha a voz e aquela figura
que deveria ser sua avó e faz as famigeradas perguntas: “Por que seus olhos estão
tão grandes?”, “Por que seus dentes estão tão grandes?”, entre outras, respondidas
pelo lobo de modo reticente –querendo talvez ganhar tempo, ou adquirir a confiança
e a calma da personagem – “para lhe ver melhor, minha netinha” etc. Até realizar a
última e derradeira pergunta “por que seus dentes estão tão grandes”, que ele
responde: “Para te comer”, a devorando em seguida. Há versões em que o lobo
oferece a carne e o sangue da avó para a menina e, após ela ter se alimentado,
pede para que ela retire sua roupa e jogue na fogueira antes de devorá-la. Em
outras mais amenas, como as dos Irmãos Grimm, a chapeuzinho é salva por um
quinto personagem17: o caçador ou o lenhador, um homem que luta contra o lobo
mal e retira da barriga dele a avó e a chapeuzinho: transformando a história
naquelas de finais felizes.
A história da Chapeuzinho Vermelho – que com os irmãos Grimm
posteriormente poderíamos dizer que vira um “Conto de fada”18 – pertence a um
gênero textual característico pelo seu caráter fabuloso e mítico: a fábula; nela,
animais falam; são explicadas questões naturais através dum imaginário popular. É
um gênero que normalmente apresenta um teor moral; que pretende ensinar um
valor duma determinada cultura ou repassar algum conhecimento importante duma
determinada sociedade. Na fábula de chapeuzinho não é diferente: se quer ensinar
muitas coisas duma cultura específica: que crianças não devem falar com estranhos,
que devem obedecer às ordens de seus pais e as consequências desses pequenos
delitos podem ser bastante desastrosas, caso sejam desobedecidas.
Além da moral, as fábulas passam também aspectos culturais duma
determinada sociedade que a produz sem que necessariamente se tenha uma
intenção explícita de se passar este ensinamento – como, na verdade, qualquer
texto produzido no âmbito cultural; assim, a fábula da chapeuzinho também passa
que as meninas devem tomar cuidados com os lobos maus que elas irão ter que
lidar durante suas vidas: sobre como podem ser assediadas numa cultura
17
Os personagens da história seriam basicamente a Chapeuzinho Vermelho, a mãe, a avó e o Lobo
Mau.
18
Os contos de fadas seriam uma espécie de variação da fábula, pois partilham de muitos elementos
coincidentes desse gênero: são narrativas curtas que transmitem certos conhecimentos e valores
culturais, possuem um caráter fabuloso, onde animais falam, criaturas fantásticas aparecem etc.
90
Figura 13 - A mãe
Fonte:Strauzs(2003, p. 4 e p. 5).
A mãe é representada, mais uma vez nesses livros, como uma figura calma,
sorridente e passiva – uma vaca – aquela que faz suas tarefas do lar calma e
resiliente. Ela cozinha, cuida dos filhos; observa enquanto eles tomam banho, lê
histórias para dormir e serve a comida na mesa, para todos comerem. A figura da
mãe é associada à figura duma dona de casa: uma boa mãe – aquela que o filho
94
deseja que não desapareça é aquela figura que sempre está à sua disposição para
cuidar e encher de mimos; fazer-lhes a comida etc.
Fonte:Strauzs(2003. p. 12 e p. 13).
ela cozinha, costura, faz tricô, serve a comida, cuida das crianças. Nesse livro, está
representado todas essas atribuições típicas duma mulher dentro do pensamento
patriarcal.
Figura 16 - Representações da mãe 3
Fonte:Strauzs(2003, p. 6 e p.7).
é ela quem cuida dos filhos, porém não é ela que provê o lar, não é ela que sai para
trabalhar fora de casa. Ela é a figura calma que alimenta e educa os filhos, porém
não é a figura que sustenta a família.
Este livro segue, também, num sentido parecido com relação aos outros livros
analisados; os enunciados presentes têm muito em comum: as relações familiares,
convívio familiar, relações internas familiares, criação dos filhos, relação entre os
membros da família, cuidado com o lar. Neste livro, porém, percebemos que houve
um deslocamento dos demais: enquanto que nos outros livros, que tratavam das
questões internas familiares19, o pai da família nunca estava presente: sempre era a
mãe a responsável por criar os filhos, por educá-los, por cuidar do lar; parecendo
que não é do homem a responsabilidade por tais tarefas,nesse livro o homem
19
O livro “Tem Gente” e o livro “Para quê uma barriga tão grande?”, ambos trazem enunciados sobre
as questões familiares.
97
aparece. E não só aparece como também participa da história: tem falas, e ajuda a
educar a criança. E isso gera um enunciado diferente dos outros livros que possuem
as relações familiares como principal tema. Aqui irá se trabalhar, também, a
construção da masculinidade. Essa história é também a história dum menino
aprendendo a ser homem.
O livro conta a história dum menino chamado Nito. Nito porque ele de tão
lindo todos o chamavam “Bonito”, de tanto chamá-lo assim, o apelidaram de Nito.
Nito tinha um “probleminha” (com as palavras da autora): chorava por
qualquer coisa. Todos brigavam com ele por chorar tanto. Não adiantava: ele
continuava a chorar por qualquer motivo. Até um dia em que o pai chamou o menino
Nito e lhe falou muito sério que ele estava virando um rapazinho e que por isso já
não podia chorar à toa. Continua dizendo que homem que é homem não chora; e
que o menino seria macho, logo aquele chororô deveria parar de agora por diante. O
menino, calado e assustado, apenas pensou no que o pai disse e resolveu engolir
todos os choros que tivessem pela frente. E ficou em sua mente as lições do pai
“Homem que é homem não chora”, que ele “era macho” e “acabou o chororô”.
Assim, ele engoliu vários e vários choros. “Uma média de vinte por dia”. Todos
estranharam pois o menino, antes altivo, parou de correr, pular e brincar. Não
sabendo o que estava acontecendo, os pais chamaram o médico para examinar a
criança. Doutor Aymoré20 (o único personagem com nome da história) pergunta ao
menino o que está acontecendo que ele está tão triste. O menino explica que após a
conversa do pai, ele passou a engolir todos os choros. Então o médico manda o
menino “desachorar” todo o choro engolido e pede para a mãe trazer duas bacias
grandes. O menino estranha perguntando se realmente poderia chorar, já que ele
era homem. O Doutor explica que é exatamente por ele ser homem que não deve
engolir os choros: todo homem possui lágrimas e elas são feitas para rolar no rosto.
Qualquer rosto: de homem, mulher, criança e gente de idade. Logo após explicar, o
médico manda ele chorar. O menino chora mais do que as duas bacias. Vendo-o
chorar, a mãe chora, o pai chora e até o médico chorou. Depois o menino ficou
curado e o pai, no mesmo dia, conversa com o filho emocionado, dizendo-lhe que
ele deve chorar sempre que quiser, mas não chorar sem razão. E continua dizendo
que chorar é bom. Às vezes deixa a gente mais homem. Após se abraçarem o
20
Aymoré foi uma nação indígena não-tupi que habitava a costa do Brasil.
98
menino Nito aprende a lição e, entre um choro e outro – com razão – cresce um
menino muito feliz.
Como já havíamos falado logo no começo, esse texto representa certo
avanço com relação aos outros livros analisados até o momento: aqui se estabelece
uma relação entre pai e filho. Nos outros livros a figura do pai era quase
completamente ausente da criação dos filhos: no livro “Tem gente” no único
momento em que o pai aparece a criança fica de fora da cena. No livro “para que
serve uma barriga tão grande” em nenhum momento se é citado ou aparece
representado em alguma ilustração.
Aqui, além de aparecer, o pai interage com o filho; participa da educação do
filho. E ambos ainda protagonizam um dos momentos mais bonitos desse livro:
quando se abraçam por um longo período e sentem as batidas do coração um do
outro.
O pai fala com a criança, toca e abraça. Um abraço forte. Daqueles de sentir
mesmo o outro. Ele ainda fala, relativiza o que é “ser homem”: diz que homens
podem chorar sim e que às vezes isso pode até os fazer mais homens. E após dizer
isso, ele abraça o filho.
99
O menino chora, mas chora por coisas de “menino”: chorou porque o avião
quebrou, chora porque se cortou, porque fez o curativo, porque levou injeção,coisas
100
que fazem “meninos” chorar. Ele é chorão, mas ele não é chorão porque se
emocionou com um fim de filme, ou porque se emocionou com uma música, ou
porque sua boneca quebrou; aos homens são dados outros motivos para se chorar e
mesmo que ele chore, deve chorar - segundo palavras do próprio pai – com motivo;
com razão: o homem pode ser sensível, porém ele precisa ter um motivo, uma razão
prática para sê-lo.
Na parte do livro que o menino Nito finalmente chora depois de tanto tempo
guardando choro, todos choram. Porém não de qualquer modo:
Devemos observar que a mãe é a única que chora apenas “junto”, que chora
sem motivo. O pai chora, mas chora porque ficou sentido. Ele tem uma razão para
chorar. O médico chora, mas ele chora de emoção. Também possui uma razão de
chorar. Até o menino Nito tem vários motivos para ter chorado tanto. Porém a mãe, a
única que é mulher nessa história, é também a única a chorar sem motivo. Ela
apenas chorou junto com o menino. Sem qualquer razão, sem que precisasse
colocar um porquê. Chorou junto e pronto. Parece que às mulheres é delegado o
direito de chorar sem motivos. Se é ressaltado isso, inclusive, pela própria narração
da história no fim do livro: “A partir daí, entre uma e outra choradinha, com razão, o
menino Nito cresceu um menino muito, muito, mas muito feliz” (ROSA, 2011. p. 16).
Os homens choram. Mas choram com razão; com motivo.
É curiosa a metáfora que a autora faz, no livro, de quando o menino começa a
engolir choros: ele cria uma espécie de represa que impede que as águas (que
seriam as lágrimas e os choros) de correrem o seu curso normal num rio bem largo.
101
Figure 1
médicos: o branco. Todos os homens possuem seus cabelos bem curtos e a barba
rente.
Já a mulher do livro – a mãe –, por sua vez, usa sempre vestidos e cabelo
cortado na nuca. É interessante perceber que a única mulher da história puxa a
paleta de cores das roupas para outra direção: ela veste roxo. Roxo terroso. Um
roxo que não destoa das demais cores, mas a diferencia. E não é qualquer cor. É
roxo. Uma cor que muitas vezes é ligada ao feminino; a mulher. Ela é a única
personagem que pode vestir essa cor. O menino Nito, mesmo diferente, é diferente
dentro do universo de cores que normalmente se é atribuído ao masculino: amarelo,
azul, verde. O pai sempre sóbrio apenas veste verde terroso e branco para o
trabalho.
Homens choram, mas vestem roupas de homens, com cores que homens
podem usar, com cabelos que homens usam.
104
baixo à esquerda e esta, por sua vez, olha para o filho que está no plano mais baixo
e no centro. Este olha para frente e abraça os pais.
Se compararmos essa representação da família com a representação feita no
logo da coleção “em família” do livro “Tem gente”, vamos distinguir certas diferenças
e semelhanças. Em ambos o homem e pai da família sempre aparece no plano mais
elevado; a mulher à esquerda e os filhos em menor plano. Essa parece ser uma
constante na representação da família: aparentemente existe uma hierarquia em que
o pai assume o topo seguido da mãe e filhos. Porém, nessa representação, vemos
algumas diferenças: primeiro que o pai olha para a mãe e abraça ela e o filho.
Parece haver mais cumplicidade; o pai sorri, a mãe e o filho também. A família aqui
parece ser diferente daquela de “Tem gente”: parece ser uma família mais unida, em
que todos os membros participam da criação dos filhos, que se ajudam – eles se
olham, se tocam – e possuem alguma cumplicidade.
Porém, esse livro ainda possui um ranço da família tradicional. Se faz
questão de representar o pai com roupas de trabalho, enquanto que a mãe não:
mais uma vez o homem aparece como provedor do lar, aquele que trabalha para
sustentar a família e a mulher cuida da casa e dos filhos.
Na figura 23, observamos o pai da família com uma roupa diferente de todas
as outras que ele apareceu durante a história: ele possui uma gravata ao redor do
106
pescoço, uma camisa de botão branca de manga comprida, uma caneta no bolso:
roupas de quem acabou de chegar do trabalho.
Se constrói a figura da mãe e da mulher da seguinte forma: é aquela que usa
vestido, que pode usar roxo, cabelo longo, que não trabalha, que pode chorar sem
motivos e está num plano inferior ao homem,enquanto o homem é aquele que até
pode chorar, mas com uma boa razão, aquele que trabalha, que usa roupas de
cores sóbrias, que tem o cabelo curto, aquele que está plano mais elevado.
Apesar de quebrar com alguns preceitos de gênero, todos esses enunciados
citados anteriormente estão presentes na rede discursiva que compõe esse livro e
constrói sujeitos através de suas representações do masculino, do feminino e da
família.
5.5 Emmanuela
experiência dele no hospital com a mãe prestes a ter a criança. Depois de três dias a
mãe retorna para casa com a menina. Ele diz que a casa ficou muito alegre e que só
às vezes brigava com João porque ele corria na frente para fazer as coisas que a
mãe pedia afim de ficar mais perto da neném. Ele conta duma canção de ninar
criada pela mãe e recitada por eles e do seu espanto do quanto a menina crescia
rápido. Tão rápido que ele suspeitava que ela crescia à noite enquanto todos
estavam dormindo, então ele, numa certa noite, fica acordado até tarde para checar
se isso é verdade. No meio do caminho para o quarto de Emmanuela, ele percebe
que a mãe ainda está acordada na cozinha e a vê chorar com um papel na mão. Ele
se esconde e, após a mãe ir embora, pega o papel; nele continha as palavras com
letra de máquina “Comunicação entre os átrios e defeito nas válvulas
atrioventriculares.” Ele não entende o que significa isso, mas percebe que é algo
sério, já que sua mãe não é dada a choro.
No outro dia ele indaga a mãe porque ela estava chorando e ela responde
que Emmanuela está muito doente. Ele diz que sentiu algo esquisito por dentro e
seus olhos encheram de lágrimas. Ela fala que é um problema sério no coração e
que se os médicos não conseguirem curá-la, ela vai “ter que voltar pra casa do
Papai-do-céu”.
Depois de um tempo a mãe procura Rafael e explica que os médicos não
estão conseguindo curar Emmanuela. O tempo foi passando até o momento decisivo
que seria a operação da menina. Eles ficaram com a avó quando a mãe e o pai
levaram-na para o hospital; depois dum longo período a notícia: a criança havia
morrido.
Rafael pergunta à mãe o que vai acontecer; a mãe responde que será igual a
uma sementinha de feijão: eles irão plantá-la na terra e ela vai nascer de novo no
jardim de Papai-do-céu. Ele pergunta o que vai acontecer quando ele sentir
saudade; ela responde que é fácil: é só olhar para o céu e ver o sol. Quando o raio
de sol bater em seu corpo, é Emmanuela brilhando. João, o filho mais novo, corre
para fora de casa e grita que sua irmã está lá; quando a mãe e Rafael chegam está
ele de braços abertos dançando nos raios do sol e chama Rafa para brincar também
com a irmã. Rafa o abraça forte.
Ele conta ainda que certa vez João estava triste porque não havia sol no dia e
a mãe, para consolá-lo, diz que Emmanuela era também uma flor. Após cinco anos
que a “moça bela se mudou”, Rafael conta que certa vez um colega de João estava
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contando que alguém tinha morrido. A sua reação foi rir. O menino estranha e diz
que ele não deveria rir; que a morte é coisa séria e tentou ser duro. E pergunta da
irmã dele, o indagando se ela também não havia morrido.
João para, olha para ele, para o céu, torna a sorrir e responde com calma:
“Não, minha Emmanuela virou luz”
Um texto comovente, singelo e belo. Percebemos que há uma preocupação
com o fazer artístico que em nenhum outro texto parece ter existido. O texto tem um
enredo mais amarrado, tem personagens cativantes e de certa complexidade; tem
comprometimento social.
Enquanto que em todos os outros livros se trabalha com arquétipos, tipos
sociais: a mãe, o filho etc.,nesse livro não: os personagens parecem ter uma história
por trás; são personagens que possuem um psicológico; são únicos, têm nomes,
profissões, atitudes, têm personalidade e respondem de forma específicas aos
acontecimentos.
A mãe não é o tipo sensível que chora por qualquer motivo; não é aquela
figura apenas maternal “toda feita de colo e de leite” – como no livro “Pra que serve
essa barriga tão grande” –, ela é também mãe, mas é também enfermeira, é uma
mulher que não chora por qualquer bobagem, é uma mulher que briga com o marido
por ele não trabalhar, é uma mulher que, por ser mãe e por ser mulher, parece não
perder uma identidade própria em benefício de promover suas outras identidades de
mãe e mulher; não é porque ela possui essas duas identidades que ele deixa de ser
um personagem com densidade.
O mesmo serve para os outros personagens. A figura do pai, por exemplo, é a
única representação, dentro de todos os livros que analisamos, que o homem não
faz o arquétipo de provedor do lar: no livro “Amor de Ganso”, o homem é quem
alimenta a mulher e os filhos; no livro “Pra que serve essa barriga tão grande”, o pai
nem aparece; mas a mãe não trabalha fora de casa, ficando subtendido que ela é
sustentada por alguém, situação parecida ocorre no livro “Tem gente”. Já no livro
“Menino Nito”, o pai é o único que aparece representado com roupas formais; como
de alguém que acaba de voltar do trabalho. Em todos esses livros há uma
naturalização tão grande que o homem é que deve trabalhar e sustentar o lar que
nunca se é questionado, nas relações entre mãe e filho, uma possível ausência da
mãe nos momentos que ela vai ao trabalho.
110
tarefas. Ninguém parece ser maior que outro, ninguém parece ter funções mais
importantes ou diferentes do outro; eles, nessa imagem parecem ser iguais.
Claro que ainda se constrói identidade de gênero para a mulher e o homem: o
homem veste azul e macacão, enquanto a mulher veste amarelo e rosa. Porém,
apesar dessa determinação de gênero, eles são iguais. Outra figura importante é a
27:
Mais uma vez observamos outra representação que destoa das demais
analisadas nos outros livros: aqui a mulher se encontra no centro, ao redor dela
estão os filhos e o marido. Vale perceber que ao centro estão as duas mulheres da
casa: o marido abraça a mulher com um braço e com o outro ele ajuda a carregar a
menina “Emmanuela”; o homem é representado pela primeira vez, dentro dos livros
que analisamos, com uma aparente preocupação de auxiliar a mulher, em dar
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suporte. O homem nunca aparece nessa posição: aquele que dá suporte; nos livros
que analisamos ele é sempre o centro; e todos os outros membros parecem
depender dele para (sub)existir.
Enquanto os outros livros seguiam uma constante de sempre representar o
pai em maior plano, com a mulher em menor plano à sua esquerda e o primogênito
à direita do pai quase no mesmo plano da mãe e, quando existia uma menina, ela
está sempre em menor plano e nem ao lado do pai, aqui não se aplica essa regra: a
mulher está ao centro com a filha: todos se voltam para elas para ajudar e cuidar; o
primogênito (Rafael) é o que está mais afastado; todos parecem ter uma
cumplicidade na criação da menina e parecem ajudar a segurá-la e criá-la.
Um ponto importante na história é que a mãe é quem sai para trabalhar e
sustentar a casa e o pai é quem fica em casa cuidando dos filhos. Em todos os
outros livros esse tipo de arranjo familiar não era apresentado: sempre a mãe parece
ser responsável pela criação dos filhos enquanto o pai, quando retratado, parece ser
o responsável pelo sustento. Esse tipo de representação construída por Emmanuela
contribui para a construção de identidades de gêneros mais subversivas, identidades
que quebram com um discurso patriarcalista e machista.
Porém é importante observarmos como é colocada a questão do pai ficar em
casa para trabalhar:
Sabia que as coisas estavam ainda difíceis. Tinha oito anos, mas via a mãe
sair pra trabalhar no hospital e o pai ficar triste em casa pintando quadros e
cuidando de tudo. Difícil para artista arranjar emprego no país (OLIVEIRA,
2003, p. 8-9).
Apesar do pai ficar em casa cuidando dos filhos, parece que ele fracassa
como homem ao fazer isso: ele fica triste e tem diversas brigas com a mulher.
Enquanto que nas outras histórias não há tristeza quando a mulher escolhe ficar em
casa para cuidar dos filhos e não trabalhar ou não conseguir emprego. E em
nenhum momento parece gerar conflitos familiares; no livro Emmanuela aparece,
ainda, como um tipo de anormalidade e como um motivo para o homem ficar triste e
gerar brigas com a mulher: parece não ser normal, nem ideal o homem ficar em
casa para trabalhar. Ele ainda justifica que a sua falta de emprego é dado a
dificuldade de se conseguir empregos para artistas. A mulher não precisa, nos
outros textos, justificar em momento algum a sua falta com o trabalho, ao menos se
é mencionado que elas poderiam trabalhar; parece completamente naturalizada a
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escolha da mulher em ficar em casa para cuidar dos filhos. O homem quando faz
isso é motivo para brigas, é motivo para tristeza e desequilíbrio na família.
mulher sai para trabalhar e o homem fica em casa cuidando dos filhos e dos
afazeres domésticos.
Porém na figura 4 vemos algo curioso: a mulher, mesmo grávida (e muito
grávida: ela precisa apoiar a panela em sua barriga que está demasiada crescida),
serve a comida enquanto o homem pinta. Apesar da mulher estar grávida, apesar de
ter que passar o dia trabalhando, é ela que serve a comida, deixando, ainda
subtendido que é ela também que cozinhou a comida. E o homem? Pinta. É curioso
que no texto não fica claro que a mulher faz os afazeres domésticos; na primeira
edição não há qualquer imagem que suscite que a mulher faça as coisas na casa:
fica subtendido que quem faz é o homem: ele conversa com os filhos, leva eles para
o hospital: parece participar efetivamente da criação e dos cuidados com o lar; é
mencionado no texto que é o pai que fica em casa e cuida de tudo enquanto a mãe
vai para o hospital trabalhar como enfermeira.
Outro ponto que nos chama a atenção é quando o filho mais novo, João,
pergunta à mãe como Emmanuela foi parar dentro da barriga da mãe; ela responde
que “Emmanuela tinha saído da casa de Papai-do-céu para morar na barriga dela e
que lá morava um monte de crianças que vinham nascer na barriga das mães”
(OLIVEIRA, 2003, p. 9). Rafael reprime mentalmente João por fazer essa pergunta,
diz que João é fogo e que dá sorte da mãe ser carinhosa com as perguntas dos
dois. Ele ainda diz que teve vontade de contar a história da “semente que o pai
coloca na mãe pra fazer a gente nascer” (OLIVEIRA, 2003, p. 9), mas resolveu não
falar nada. Vemos aqui, primeiramente, um enunciado construído através do
discurso religioso para justificar o ato da criação. Em muitos dos outros livros parece
que sempre há uma ligação religiosa (católico-cristã) com as questões familiares: a
família parece sempre uma dádiva; algo divino. Nesse livro não é diferente: para se
resolver várias questões se recorre a Deus e à religião. Segundo ponto: não se
explica nem de longe como é a concepção das crianças; criam-se metáforas que
são dadas de acordo com a faixa etária da pessoa que vai receber a informação:
Rafael por ser mais velho já havia escutado a história da “sementinha”;o irmão por
ser mais novo escuta uma história ainda mais inverossímil. Porém, em todos os
outros livros que analisamos, que têm por temática a chegada de novos membros na
família (“Tem gente” e “Pra que serve essa barriga tão grande”), simplesmente é
desconsiderada essa questão, como se uma criança não tivesse essa curiosidade.
Nesse livro se coloca essa questão e ainda usa a metáfora da sementinha, que,
115
Numa reportagem realizada pela Folha de São Paulo em 200121, sobre uma
cartilha realizada pela Prefeitura de Curitiba de educação sexual, “Eu, Adolescente
de bem com a vida”, se fala duma polêmica causada: especialistas da área
aprovaram, enquanto sofre críticas da Igreja Católica. No corpo da reportagem,
numa seção específica intitulada “Linguagem” é realizada uma entrevista com o
Bispo auxiliar de Curitiba que rebate “uma cartilha com uma linguagem dessas não é
muito pedagógica”.
Primeiro é importante atentarmos para a importância que é dada ao discurso
religioso. Como ele ainda está presente e legitima as posições tradicionais e
conservadoras da nossa sociedade: o repórter querendo buscar embasamento para
fundamentar a “polêmica”, vai entrevistar dum lado o Bispo, doutro, técnicos da
Secretaria de Saúde. E fundamenta as críticas negativas ao material com a posição
de entidades religiosas que não concordam com esse tipo de material.
Segundo e mais importante: a linguagem. O quanto a linguagem é importante
para nossa sociedade. É criada uma seção específica na reportagem que é o lugar
da crítica do Bispo. E ele faz sua maior crítica justamente ao tipo de linguagem
empregada na cartilha.
É nesse movimento que a coleção “Explorando o Ensino: Literatura” parece
seguir quando fala que “Por meio da literatura infantil é possível tratar desses
assuntos com a delicadeza necessária” (BRASIL, 2010, p. 49-50): parece haver uma
necessidade de não se aplicar à sexualidade uma linguagem direta quando esta é
destinada ao público infantil no meio escolar. E mais: a literatura infantil aparece
como uma possível solução para isso; pois é literatura e esta, em teoria, possui uma
linguagem indireta, metafórica.
Parece que esse movimento de valorizar a literatura infantil para se trabalhar
a sexualidade nas escolas entende que a literatura, assim como a sexualidade da
criança, é ambígua, indefinida - metafórica.
E esse movimento evidencia, basicamente, que a linguagem mais adequada,
para se falar de sexualidade, parece deixar de ser a acadêmica, formal e imparcial; a
linguagem da ciência: os lugares legitimados na modernidade para se falar da
sexualidade humana deixam de ser a Igreja para se tornarem o divã do psicanalista,
21
SOARES, Reginaldo. Texto escolar "moderno" causa polêmica. acessado em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0504200131.htm, 20/10/2015 às 15h.
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REFERÊNCIAS
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ANDRADE, Telma Guimarães Castro. Tem gente. São Paulo: Scipione, 2005.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 40. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012c.
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
Na PósModernidade.Lisboa: Afrontamento.1998
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez. 1995, pp. 71-99.
SILVA, Tomaz Tadeu da. O currículo como Fetiche: a poética e a polícia do texto
curricular. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
STRAUZS, Rosa Amanda. Para que serve uma barriga tão grande?. São Paulo:
FTD, 2003.