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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS


CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Isabelle Cristina Doble de Souza

Uso do fogo no sítio arqueológico Abrigo do Jon: Um estudo das estruturas de


combustão da Área 2

Florianópolis
2022
Isabelle Cristina Doble de Souza

Uso do fogo no sítio arqueológico Abrigo do Jon: Um estudo das estruturas de


combustão da Área 2

Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao curso de


Licenciatura em Ciências Biológicas do Centro de
Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa
Catarina como requisito parcial para a obtenção do
título de Licenciada em Ciências Biológicas.

Orientador: Prof. Dr. Lucas de Melo Reis Bueno


Coorientador: Prof. Dr. Nivaldo Peroni

Florianópolis
2022
Isabelle Cristina Doble de Souza

Uso do fogo no sítio arqueológico Abrigo do Jon: Um estudo das estruturas de combustão da
Área 2

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do título de Licenciada e
aprovado em sua forma final pelo Curso de Ciências Biológicas.

Florianópolis, 29 de novembro de 2022.

___________________________
Profa. Dra. Daniela de Toni
Coordenadora do Curso

Banca examinadora

____________________________
Prof. Dr. Lucas de Melo Reis Bueno
Orientador

Profa. Dra. Myrtle Pearl Shock


Universidade Federal do Oeste do Pará

Ma. Francini Medeiros da Silva


Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - DF

Florianópolis, 2022.
Este trabalho é dedicado aos povos originários do Brasil.
AGRADECIMENTOS

Pensar na conclusão da graduação e na minha trajetória no curso de Ciências


Biológicas é pensar nas muitas “mãos” que me moldaram e me apoiaram até aqui. Pensar
nestas pessoas é pensar em gratidão. Sou grata à minha avó, por ser meu maior exemplo de
força, resiliência e bondade, por me apoiar e por sempre me incentivar com suas palavras de
amor e fé. Sou grata aos meus pais, por todo amor, por me proporcionarem a melhor criação
que eu poderia ter, por incentivarem meus estudos, apoiarem meus sonhos, me darem todo
suporte para que eu pudesse estar a quilômetros de casa me dedicando exclusivamente à
Biologia e por se orgulharem de mim. Agradeço especialmente a minha mãe, por dedicar
grande parte da sua vida a construir a mulher que sou, por me preparar e incentivar a voar
cada vez mais longe, por me amparar, me amar mais que tudo e por ser o motivo das minhas
melhores risadas. Sou grata ao meu irmão, por ser meu confidente, por me incentivar, alegrar
meus dias e compartilhar a vida comigo desde sempre. Sou grata à minha tia fada-madrinha,
por nunca me deixar desistir, por ser minha melhor ouvinte e acalmar minhas crises, por todo
amor e por me presentear com a alegria de Ana Clara. Sou grata ao meu tio-padrinho, por
todo amor, por me incentivar, se orgulhar de mim e por trazer mais amor à minha vida com
Yan e Luara. Sou grata também ao Scooby, por ser o melhor cachorro que esse mundo já viu,
por me proporcionar tantos momentos de alegria e amor e também ao Jaxx, que chegou a
pouco trazendo mais afeto aos meus dias de escrita deste trabalho. Muito obrigada família, eu
os amo imensamente e não seria nada sem vocês. É tudo por vocês!!!
Sou também extremamente grata à família que eu escolhi para mim, aquelas e aqueles
que posso chamar de amigas e amigos! Sou grata por aquelas com quem compartilhei muito
da minha vida e com quem deixei parte do meu coração em São Paulo: Victória, por ser meu
exemplo de calma, por compartilhar tantos momentos, conversas, risadas, primeiras
experiências e por me apoiar sempre; Hamannda, pelas conversas infinitas, risadas, desabafos
e incentivos; Macedo, por ouvir meus áudios longos e absurdos, por compartilhar histórias,
risadas, acalmar minhas crises e me incentivar sempre. Sou grata também por aquelas que
Florianópolis me apresentou e que me acolheram, me proporcionaram momentos de afeto,
risadas, acalento e compartilhamento: Escarlet, por não me deixar desistir, por poder
compartilhar meu eu mais profundo, pelas horas de conversa e por me ensinar tanto;
Monique, por ser a melhor colega de laboratório e projeto, por me aconselhar e orientar e
sempre estar disposta a me ajudar; Marianna, por me acolher com abraços, pelas conversas e
por me fazer rir com suas histórias; Victoria, por compartilhar os momentos de militância e a
vontade de mudar o mundo, por me ensinar tanto e pelos muitos conselhos; Júlia, por me
inspirar artisticamente e por ser exemplo de dedicação; Nayara, por me inspirar com seu amor
e dedicação, por compartilhar tantos momentos de encantamento pela biologia; Luiza H.,
pelos melhores hummus, risadas e por também ser um exemplo de dedicação; Haddad, por me
ensinar, acolher e amparar tanto e por todo afeto mesmo que de longe; Iroko, por poder
compartilhar crises, devaneios, músicas, afeto, risadas e desventuras; Luiza K., por
compartilhar nossas igualdades e diferenças, pelo afeto e tantos trabalhos juntas; Luana, por
compartilhar nossas coincidências, pelas conversas, risadas e afeto; João, por ser a melhor
dupla de estágio, pelos desabafos, risadas e por compartilhar tantos momentos nesses últimos
meses; Analy, por compartilhar o sonho da biologia junto comigo. Sou grata também ao
grupo mais diverso ao qual poderia fazer parte por me mostrarem diferentes versões do
mundo, pelos momentos de desabafo, ensinamentos, risadas, trabalhos e diversão, obrigada
feiticeiras. Amo todas e cada uma de vocês!
Sou grata também por todas e todos que constroem os laboratórios do qual faço parte,
o LEIA e o ECOHE, por me acolherem e serem exemplos de pesquisadoras e pesquisadores.
Toda minha admiração pelo trabalho de vocês! Agradeço especialmente meu orientador e
meu coorientador, Lucas e Nivaldo, por me guiarem pelos caminhos da ciência e contribuírem
imensamente com a minha formação como bióloga e pesquisadora.
Sou grata a Universidade Federal de Santa Catarina por ter mudado os rumos da
minha vida e pela minha formação como profissional, cidadã e pessoa. Obrigada a todas as
professoras, funcionárias e pesquisadoras por edificarem esse espaço público, de qualidade,
educação e fomento à pesquisa. Agradeço também a Biologia, por dar sentido à minha
existência, instigar minha curiosidade sobre a vida e fazer-me compreender e respeitar suas
mais diversas formas.
Por fim, mas não menos importante, agradeço meus guias e orixás por me trazerem tão
longe, me abençoarem com saúde, proteção e sabedoria. Axé!
Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais.
Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de
fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas.
Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com
tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega
fogo. (Galeano, 1991)
RESUMO

Foi realizada a análise de diferentes estruturas de combustão de uma das áreas do sítio
arqueológico Abrigo do Jon, localizado na região da Serra do Lajeado (Tocantins),
observando aspectos como forma e composição, com especial atenção para análise das
amostras de vestígios vegetais carbonizados relacionadas a essas estruturas. Para isso, foi
realizado um levantamento a partir da documentação primária oriunda das etapas de
escavação do sítio, com o intuito de listar as amostras de vestígios vegetais carbonizados
relacionadas às estruturas, além da triagem e análise dessas amostras. Foram processadas e
analisadas um total de 58 amostras provenientes de diferentes tipos de coleta, distribuídas
entre as três estruturas de combustão e com conteúdo de vestígios vegetais carbonizados que
foram separados em cinco categorias diversas, sendo elas: material vegetal carbonizado
lenhoso, material vegetal carbonizado não lenhoso, coquinho, semente e material vegetal não
identificado. As três estruturas foram comparadas quanto ao tipo de material vegetal
carbonizado apresentado, quantidade de fragmentos por amostra, peso das amostras e relação
entre o tipo de coleta e o tipo de material apresentado. Para além disto, foi realizada a
caracterização das estruturas considerando seu formato e inserção no contexto arqueológico.
O processamento e análise das amostras tem como intuito contribuir com futuros estudos
antracológicos desta coleção de vestígios que apresentam grande potencial para a
compreensão do processo de ocupação do Planalto Central Brasileiro e, possivelmente, para o
povoamento inicial da América do Sul.

Palavras-chave: Arqueobotânica; Vestígios vegetais carbonizados; Estrutura de combustão;


Planalto Central Brasileiro.
ABSTRACT

The present study analyzed three different combustion structures in one of the areas of the
Abrigo do Jon archaeological site, located in the Serra do Lajeado region (Tocantins),
observing aspects such as shape and composition, with special attention to the analysis of
samples of charred plant remains related to these structures. For this, a survey was carried out
from the primary documentation from the excavation stages of the site, in order to list the
samples of charred plant remains related to the structures, in addition to the screening and
analysis of these samples. A total of 58 samples from different types of collection were
processed and analyzed, distributed among the three combustion structures and with content
of charred plant remains that were separated into five different categories, namely: woody
carbonized plant material, non-woody carbonized plant material, coconut, seed and
unidentified charred plant material. The three structures were compared in terms of the type of
charred plant material presented, amount of fragments per sample, sample weight and the
relationship between the type of collection and the type of material presented. In addition, the
characterization of the structures was carried out considering their format and insertion in the
archaeological context. The processing and analysis of the samples is intended to contribute to
future anthracological studies of this collection of remains that have great potential for
understanding the process of occupation of the Brazilian Central Plateau and, possibly, for the
initial settlement of South America.

Keywords: Archeobotany; Charred plant remains; Combustion structure; Brazilian Central


Plateau.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Sítio arqueológico Abrigo do Jon . ......................................................................... 23
Figura 2 - Localização, topografia e intervenções do sítio Abrigo do Jon ............................... 24
Figura 3 - Identificação das áreas e unidades de escavação no sítio ........................................ 24
Figura 4 - Representação dos diferentes elementos de anatomia vegetal do lenho visualizados
nos três planos de corte fundamentais da madeira ................................................................... 32
Figura 5 – Material vegetal carbonizado lenhoso ..................................................................... 35
Figura 6 - Gráfico apresentando os tipos de material vegetal carbonizado por estrutura de
combustão ................................................................................................................................. 35
Figura 7 – Fragmento de coquinho identificado como pertencente à espécie Acrocomia
aculeata .................................................................................................................................. 36
Figura 8 - Gráfico apresentando o peso dos diferentes tipos de material vegetal carbonizado
relacionados às estruturas de combustão .................................................................................. 37
Figura 9 - Estrutura circular de blocos de pedra relacionada à estrutura de combustão 1 ....... 39
Figura 10 – digitalização de croqui da base do nível 5 de escavação das unidades N19/N20
L71/L72 evidenciando o topo da estrutura 1. ........................................................................... 40
Figura 11 - Artefato apresentando um enegrecimento e lustro em evidência no centro da
estrutura 1 ................................................................................................................................. 40
Figura 12 – Digitalização de croqui do nível 6 de escavação da unidade N19L72 evidenciando
a base da estrutura 1.................................................................................................................. 41
Figura 13 - Estrutura de combustão 2 evidenciada no perfil lste da unidade N20L73............. 42
Figura 14 – Digitalização de croqui do perfil leste da unidade N20L73 evidenciando a
estrutura 2 ................................................................................................................................. 42
Figura 15 - Estrutura de combustão 3 evidenciada no perfil sul da unidade N20L72 . ........... 43
Figura 16 – Digitalização de croqui do nível 9 de escavação da unidade N19L72 evidenciando
o topo da estrutura 3. ................................................................................................................ 44
Figura 17 – Inserção das estruturas de combustão nas unidades de escavação da Área 2 ....... 44
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Lista de amostras relacionadas às estruturas de combustão 1, 2 e 3 ...................... 26


Quadro 2 - Relação de todas as amostras oriundas de estruturas de combustão da Área 2 com
as amostras selecionadas para processamento e análise ........................................................... 29
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Localização e datação das estruturas de combustão da Área 2 ............................... 25


Tabela 2 - Quantidade de amostras analisadas em cada estrutura de combustão relacionadas ao
tipo de coleta............................................................................................................................. 33
Tabela 3 - Quantidade aproximada de fragmentos das categorias de material vegetal
carbonizado analisados distribuída pelo tipo de coleta ............................................................ 38
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AP Antes do Presente
AVC Amostra de volume constante
cm Centímetros
E1 Estrutura 1
E2 Estrutura 2
E3 Estrutura 3
ECOHE Laboratório de Ecologia Humana e Etnobotânica
LEIA Laboratório de Estudos Interdisciplinares em Arqueologia
m Metros
m² Metros quadrados
NP Número de Proveniência
RA Rocha de arenito
RS Rocha de siltito
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 16
1.1 O CONTEXTO DO PLANALTO CENTRAL BRASILEIRO ................................ 17
1.2 SOBRE FOGOS E FOGUEIRAS ............................................................................ 18
1.3 ARQUEOBOTÂNICA NO BRASIL E A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DOS
VESTÍGIOS VEGETAIS CARBONIZADOS ......................................................................... 19
1.4 OBJETIVOS ............................................................................................................. 21
1.4.1 Objetivo Geral......................................................................................................... 21
1.4.2 Objetivos Específicos .............................................................................................. 21
2 MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................. 22
2.1 ÁREA DE ESTUDO ................................................................................................ 22
2.2 SELEÇÃO DAS AMOSTRAS ................................................................................ 26
2.3 TRIAGEM E CLASSIFICAÇÃO DAS AMOSTRAS ............................................ 29
2.4 CARACTERIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS DE COMBUSTÃO.......................... 32
3 RESULTADOS ....................................................................................................... 32
3.1 ANÁLISE DAS AMOSTRAS DE MATERIAL VEGETAL CARBONIZADO .... 32
3.2 CARACTERIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS DE COMBUSTÃO.......................... 38
4 DISCUSSÃO ........................................................................................................... 45
4.1 ANÁLISE DO MATERIAL VEGETAL CARBONIZADO ................................... 45
4.2 POSIÇÃO E CONTEXTO DAS ESTRUTURAS ................................................... 46
4.3 ATRIBUTOS ESTRUTURAIS E TIPOS DE MATERIAIS DAS FOGUEIRAS... 47
5 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 48
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 50
APÊNDICE A – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 686 ............. 53
APÊNDICE B – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 686 ............. 54
APÊNDICE C – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 696 ................... 55
APÊNDICE D – Fragmento de lenho presente na amostra de p 700 ...................... 55
APÊNDICE E – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 701 ................... 56
APÊNDICE F – Fragmento de semente presente na amostra de NP 703 ............... 57
APÊNDICE G – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 706................... 58
APÊNDICE H – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 709................... 58
APÊNDICE I – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 713 .................... 59
APÊNDICE J – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 775 .............. 60
APÊNDICE K – Fragmento de semente presente na amostra de NP 775 .............. 61
APÊNDICE L – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 782 ............. 62
APÊNDICE M – Fragmento de semente presente na amostra de NP 797 .............. 63
APÊNDICE N – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 828 ................... 64
APÊNDICE O – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 829................... 64
APÊNDICE P – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 834 ............. 65
APÊNDICE Q – Fragmentos de lenho presentes na amostra de NP 842 ............... 66
APÊNDICE R – Semente presente na amostra de NP 845 ..................................... 67
APÊNDICE S – Fragmentos de lenho presentes na amostra de NP 855 ................ 68
APÊNDICE T – Fragmento de semente presente na amostra de NP 863 ............... 69
APÊNDICE U – Sementes presentes na amostra de NP 863 .................................. 70
APÊNDICE V – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 873 ............ 71
APÊNDICE X – Fragmento de material vegetal carbonizado não lenhoso presente
na amostra de NP 891 ............................................................................................... 72
APÊNDICE Y – Fragmento de material vegetal carbonizado não lenhoso (fruto ou
semente) presente na amostra de NP 974 ............................................................... 73
16

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa intitulada Uso do fogo no sítio arqueológico Abrigo do Jon: Um estudo


das estruturas de combustão da Área 2 tem como intuito realizar a análise de aspectos
característicos de estruturas de combustão de uma das áreas do sítio arqueológico Abrigo do
Jon, localizado no Tocantins, assim como a análise e caracterização de amostras do material
vegetal carbonizado provenientes da escavação destas estruturas. A partir disto, este trabalho
apresenta a comparação entre as amostras oriundas de três estruturas com diferentes datações
radiocarbônicas, utilizando caracteres descritivos da anatomia vegetal do material e fazendo a
intersecção entre estudos arqueológicos e botânicos.
Este trabalho é resultante da continuidade de projetos de iniciação científica que
foram desenvolvidos através de uma parceria do Laboratório de Estudos Interdisciplinares em
Arqueologia (LEIA) com o Laboratório de Ecologia Humana e Etnobotânica (ECOHE) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com o intuito de desenvolver estudos com a
coleção arqueológica gerada durante as escavações do sítio arqueológico Abrigo do Jon de
forma interdisciplinar, combinado conhecimentos das áreas da biologia e da arqueologia. No
primeiro ciclo de iniciação científica foram realizados processos de organização da
documentação primária das etapas de escavação do sítio e levantamento de bibliografia sobre
a temática da arqueobotânica, o que gerou o interesse em desenvolver projetos com os
vestígios vegetais inseridos na coleção arqueológica, considerando a grande quantidade de
material e o nível de preservação destes. No segundo ciclo de iniciação científica escolhi
trabalhar com os vestígios vegetais carbonizados, visto que já haviam projetos dentro do
laboratório realizando estudos com os vestígios vegetais não carbonizados e havia uma
quantidade considerável de material identificado como carvão vegetal na coleção
arqueológica, a partir disso, foram realizados processos de curadoria destes materiais neste
segundo ciclo de iniciação científica. Estes dois ciclos de pesquisa anteriores ao presente
trabalho proporcionaram o desenvolvimento de atividades de campo e laboratório que
desenvolveram meu interesse em realizar meu trabalho de conclusão de curso dentro da
mesma temática, além de contribuir com dados para uma pesquisa mais ampla sobre o tema
intitulada “Pessoas no movimento: povoamento, abandono e territorialidade no processo de
ocupação do Planalto Central Brasileiro”, a qual vem sendo realizada com o apoio do
Laboratório de Estudos Interdisciplinares em Arqueologia (LEIA) da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) e financiamento da The Wenner-Gren Foundation.
17

O presente texto se inicia com o tópico O contexto do Planalto Central Brasileiro,


que introduz o contexto em que o sítio arqueológico Abrigo do Jon está inserido, trazendo um
conjunto de dados sobre a cronologia de ocupação da região a partir de estudos anteriores
realizados neste e em outros sítios da região. Em sequência, o tópico Sobre fogos e fogueiras
aborda brevemente a relação dos estudos arqueológicos sobre o fogo e a contribuição que as
pesquisas a respeito de fogueiras e seus vestígios podem trazer para o campo da arqueologia.
Por fim, o tópico Arqueobotânica no Brasil e a importância da análise dos vestígios vegetais
carbonizados encerra a introdução abordando estudos arqueobotânicos, sobretudo acerca da
antracologia brasileira, e da relevância da análise do material vegetal carbonizado para a
compreensão de contextos arqueológicos.
O desenvolvimento da pesquisa é composto pela descrição dos Materiais e Métodos,
Resultados, Discussão e Conclusão dos dados obtidos. Os Materiais e Métodos compreendem
todas as atividades desenvolvidas ao longo do trabalho, desde a seleção das amostras a serem
analisadas à digitalização de croquis correspondentes às estruturas de combustão estudadas.
Nos Resultados e Discussão são expostos e discutidos com embasamento teórico os dados
obtidos através dos processos metodológicos adotados, expondo e comparando os dados das
estruturas de combustão desde a caracterização dos materiais vegetais carbonizados
relacionados a elas até seu formato, localização e datação. Por fim, são expostas na Conclusão
as considerações acerca do panorama pesquisado e apresentado no texto, assim como
sugestões para a continuação das pesquisas com o material analisado e os desafios e
realizações relacionadas ao desenvolvimento deste estudo.

1.1 O CONTEXTO DO PLANALTO CENTRAL BRASILEIRO

Atualmente, o Planalto Central Brasileiro representa a região onde dispõem-se as


datas mais antigas de ocupação humana do leste da América do Sul, assim sendo área de suma
importância para as discussões acerca do povoamento inicial sul-americano. Há na região
evidências de ocupação desde o final do Pleistoceno (BUENO; BETARELLO; LIMA, 2019).
Para além dessa questão, há evidências de uma ocupação continuada desta região ao longo do
Holoceno, apesar das variações climáticas indicando ocorrência do incremento de eventos de
aridez.
A região do Médio Tocantins, particularmente, se destaca quanto a dinâmica de
interação entre comportamento humano e variações ambientais. De acordo com as pesquisas
realizadas nesta região é possível definir uma cronologia de ocupação regional com início na
18

transição entre o Pleistoceno e o Holoceno e que se desenvolve ao longo de todo Holoceno, de


forma inconstante e heterogênea.
As datações utilizadas para construção desta cronologia estão distribuídas entre sítios
arqueológicos a céu aberto e sítios em abrigo sob-rocha (BUENO; BRAGA; BETARELLO,
2017). Há até o momento seis datas entre 9.000 e 10.500 anos AP (antes do presente) para
seis sítios distintos da região (MORALES, 2007; BUENO, 2007; BUENO; FEATHERS;
DeBLASIS, 2014; BUENO; BETARELLO; LIMA, 2019). Quatro destes sítios estão a céu
aberto e dois em abrigo sob-rocha. O Abrigo do Jon é um dos sítios arqueológicos em abrigo
sob-rocha que contribui para essa cronologia, estando localizado na Serra do Lajedo, área
central do estado do Tocantins.
Em vários sítios a céu aberto escavados na região obteve-se datas que apontam
claramente para três períodos de ocupação, um no Holoceno Inicial (9.000 e 10.500 AP), um
no Holoceno Médio (5.000 a 6.000 AP) e outro no Holoceno Recente (1.000 e 2.500 AP). No
entanto, ao escavar e pesquisar os abrigos sob-rocha obteve-se datas entre 7.000 a 9.000 AP
compreendidas exatamente no intervalo definido pelos sítios a céu aberto entre Holoceno
Inicial e Médio (BUENO; BRAGA; BETARELLO, 2017; BUENO; BETARELLO; LIMA,
2019). Essa configuração levou os pesquisadores a formular a hipótese de que talvez não
tenha havido, nessa área, um processo de abandono regional no Holoceno Médio, conforme
proposto para outras áreas do Planalto Central Brasileiro por Araujo e colaboradores
(ARAUJO et al., 2005), mas sim uma reorganização na dinâmica de uso do espaço, com
seleção de novas áreas para ocupação mais efetiva e abandono daquelas ocupadas
previamente.
Apresentando datas para todos estes intervalos, o Abrigo do Jon tem papel de
destaque nesta discussão.

1.2 SOBRE FOGOS E FOGUEIRAS

Dentro da história da humanidade, a queima de madeira é a prática mais antiga de


obtenção de energia de forma direta (MELO JÚNIOR; MAGALHÃES, 2015), podendo ser
empregada para o desenvolvimento de atividades cotidianas das populações pretéritas
relacionadas ao fogo pela sua diversidade de funções, como a cocção de alimentos,
aquecimento, iluminação, proteção e produção de artefatos, assim como aquelas atividades
relacionadas ao fogo para a manutenção de seu funcionamento, como a seleção e aquisição de
combustível, a preparação, manutenção e abandono de fogueiras (AZEVEDO; COPÉ;
SCHEEL-YBERT, 2013). A produção do fogo e de fogueiras está relacionada ao propósito de
19

seu uso e à forma de seu preparo, sendo resultado de gestos culturais e tradicionais
(AZEVEDO; SCHEEL-YBERT, 2016).
As características da estrutura de uma fogueira, como os elementos que a constituem,
sua forma e posição, influenciam o processo de combustão e suas alternativas de uso, não
sendo aleatórios ao processo de produção do fogo (AZEVEDO; SCHEEL-YBERT, 2016).
Estruturas de combustão que apresentam fragmentos de rochas de tamanhos e natureza lítica
diversa em conjunto com material vegetal carbonizado e vestígios faunísticos, por exemplo,
podem ser associadas diretamente com a produção de alimentos e são alvo de estudos
arqueológicos com viés etnológico (MELO JÚNIOR; MAGALHÃES, 2015).
Quando se trata da composição e inserção dos vestígios vegetais carbonizados nestas
estruturas de combustão, pode-se fazer aferições sobre o propósito de uso de tais estruturas,
assim como sobre o paleoambiente. Quando os carvões são encontrados em assembleias
concentradas na matriz sedimentar de um sítio arqueológico, uma das hipóteses a ser
considerada é a de que estes são originários de fogos e fogueiras confeccionadas em locais
previamente limpos antes do último uso ou que tenham tido um curto período de utilização
(SCHEEL-YBERT et al., 1996). Apesar desses carvões serem amostras pouco significativas
para a representação da diversidade da vegetação como um todo, proporcionam um caráter
confiável para interpretações paleoetnobiológicas e paleoetnobotânicas (MELO JÚNIOR;
MAGALHÃES, 2015).

1.3 ARQUEOBOTÂNICA NO BRASIL E A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE


DOS VESTÍGIOS VEGETAIS CARBONIZADOS

A arqueobotânica é uma disciplina formada da intersecção entre a arqueologia e a


botânica, que tem como objeto de estudo vestígios vegetais provenientes de contextos
arqueológicos (FORD, 1979) e que desenvolve estudos sobre as interações dos grupos
humanos com as plantas, fornecendo significativas contribuições para a arqueologia quanto à
interpretação das relações de pessoas com o meio ambiente (MOTA; SCHEEL-YBERT,
2019). Os restos vegetais encontrados em contextos arqueológicos podem fornecer
informações acerca dos diversos usos das plantas por populações humanas e podem ser
caracterizados, de acordo com seu tamanho, em macrovestígios, aqueles visíveis a olho nu, e
microvestígios, aqueles que a identificação só é possível com o uso de microscópio (FORD,
1979, apud SILVA; SHOCK; SCHEEL-YBERT, 2015).
Os macrovestígios vegetais incluem diversos órgãos vegetais, como frutos, sementes,
folhas, caules e outros (FORD, 1979, apud SILVA et al, 2013), e podem ser encontrados
20

preservados de diversas formas, dependendo do contexto arqueológico (SILVA et al., 2013).


A preservação destes vestígios depende das características de cada planta e do contexto em
que estão inseridos, sendo mais comumente encontrados dessecados ou carbonizados
(JONES; COLLEGDE, 2001). Fatores ambientais como aridez, encharcamento do solo,
acidez e congelamento favorecem a preservação dos vegetais em sítios arqueológicos
(SILVA; SHOCK; SCHEEL-YBERT, 2015). Nos trópicos, onde o clima quente e úmido
combinado com a acidez do solo favorece baixos índices de preservação de vestígios
botânicos e faunísticos (STAHL, 1995, apud SILVA; SHOCK; SCHEEL-YBERT, 2015), os
macrovestígios vegetais se preservam no registro arqueológico principalmente através da
carbonização (PEARSALL, 1995).
Por estes motivos, uma das principais disciplinas dentro do campo da arqueobotânica
é a antracologia, que desenvolve estudos sobre a análise e interpretações de carvão com base
na anatomia da madeira (VERNET, 1992), fornecendo dados sobre paleoambiente,
transformação de paisagens e o uso, cultivo e manejo de plantas para os mais diversos fins
pelos povos passados (MOTA; SCHEEL-YBERT, 2019).
Carvões estão entre os vestígios mais frequentes na maioria dos sítios arqueológicos
(SCHEEL-YBERT, 2013), são comumente utilizados para realização de datações
radiocarbônicas de contextos destes sítios (SILVA; SHOCK; CARNEIRO, 2020) e podem ser
encontrados relacionados a estruturas de combustão ou feições (concentrados) ou dispersos
nas camadas arqueológicas (MOTA; SCHEEL-YBERT, 2019). Os carvões dispersos podem
ser fonte de representação da paisagem, enquanto os concentrados, frequentemente resultante
de fogos, fogões e fogueiras, são importantes fontes de informação acerca do uso específico
da lenha para diversas atividades e a seleção intencional de diferentes espécies vegetais para
tais atividades (SCHEEL-YBERT, 2013).
Outra disciplina que também se mostrado relevante para os estudos arqueobotânicos
é a carpologia, que desenvolve estudos com a análise e identificação de sementes e frutos e
contribui para interpretações sobre o paleoambiente vegetal e uso das plantas por populações
humanas (SCHEEL-YBERT; SOLARI, 2005).
No Brasil, a arqueobotânica e a antracologia são disciplinas mais recentes e pouco
exploradas quando comparadas aos estudos realizados com outros tipos de materiais
arqueológicos (SILVA et al., 2016), porém, o desenvolvimento e aprimoramento de
metodologias de coleta, amostragem e análise de vestígios vegetais tem possibilitado uma
abertura para novas perspectivas de estudos nestas áreas de conhecimento (SILVA; SHOCK;
CARNEIRO, 2020). Neste sentido, o estudo de vestígios vegetais carbonizados no sítio
21

arqueológico Abrigo do Jon pode contribuir para os estudos mais amplos sobre a intervenção
humana sobre a paisagem da região, além de auxiliar na compreensão da dinâmica de uso do
espaço e nas atividades realizadas no sítio pelos povos que o ocuparam.

1.4 OBJETIVOS

1.4.1 Objetivo Geral

Analisar diferentes estruturas de combustão de uma das áreas do sítio arqueológico


Abrigo do Jon, observando aspectos como forma e composição, com especial atenção para
análise dos vestígios vegetais carbonizados. Com isso pretende-se realizar um estudo
comparativo entre estruturas e colaborar com futuras análises antracológicas mais específicas
deste material.

1.4.2 Objetivos Específicos

A) Realizar o levantamento e seleção das amostras identificadas como vestígio


vegetal carbonizado relacionadas às estruturas de combustão 1, 2 e 3 da Área 2 do sítio
arqueológico Abrigo do Jon a partir da documentação primária oriunda das etapas de
escavação do sítio;
B) Triar as amostras identificadas de modo a separar o material vegetal carbonizado
de outros tipos de material arqueológico;
C) Analisar e separar os vestígios vegetais carbonizados em categorias botânicas de
acordo com a anatomia e morfologia do material, com o intuito de facilitar
identificações específicas futuramente;
D) Quantificar, mensurar e pesar os vestígios vegetais carbonizados contidos nas
amostras identificadas;
E) Digitalizar e caracterizar as estruturas de combustão presentes na área de estudo,
com relação à forma, tamanho e organização espacial;
F) Contribuir para a interpretação sobre a formação do sítio e dinâmica de uso do
espaço do Abrigo do Jon ao longo do tempo.
22

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 ÁREA DE ESTUDO

O Abrigo do Jon é um sítio arqueológico em abrigo sob-rocha de área comprida e


estreita, com 60m de comprimento por 10m de largura, que se desenvolve paralelamente ao
paredão da Serra do Lajeado, área central do estado do Tocantins, próximo a cidade de
Palmas. Possui piso relativamente plano, com área delimitada por uma declividade no terreno
e pela cobertura florestal que limita a área abrigada (BUENO; BRAGA; BETARELLO,
2017). As escavações realizadas neste sítio foram iniciadas em 2012 como parte do projeto
“Tecnologia e Território. Dispersão e diversificação no povoamento do Planalto Central
Brasileiro” e foram retomadas em 2019 pelo projeto “Pessoas no movimento: povoamento,
abandono e territorialidade no processo de ocupação do Planalto Central Brasileiro”, ambos
coordenados pelo Prof. Dr. Lucas de Melo Reis Bueno.
Em 2012 foi feita uma malha de mapeamento do sítio, onde foi definido um eixo
Leste-Oeste passando por toda a extensão do sítio, intercalado por linhas ortogonais Norte-Sul
(BUENO; BRAGA; BETARELLO, 2017). A partir disso foram selecionadas duas áreas para
realizar as escavações. A área 1 está localizada em uma porção mais alta e estreita do abrigo,
em frente a uma parte do paredão que apresenta algumas figuras rupestres, já a área 2 está
localizada em uma área abrigada mais extensa, com o piso mais plano e paredes mais
intensamente pintadas (BUENO; BRAGA; BETARELLO, 2017). Com ambas as etapas de
escavação, tanto a de 2012 quanto a de 2019, foram abertas ao total 15 unidades de escavação,
sendo 6 unidades na área 1 e 9 unidades na área 2.
A área 2, inicialmente composta pelas unidades de escavação N20L72 e N19L72,
apresentou uma diversidade de vestígios arqueológicos e um bom grau de preservação destes,
onde apareceram vestígios cerâmicos, líticos e material vegetal carbonizado e não
carbonizado (BUENO; BRAGA; BETARELLO, 2017). Em função destas características
foram abertas mais sete unidades de escavação, totalizando uma área com 9m². Ao longo da
escavação desta área foram identificadas três estruturas de combustão distintas em diferentes
níveis, compostas principalmente por blocos de pedra e material vegetal carbonizado.
A estrutura de combustão identificada como estrutura 1 está inserida na unidade de
escavação N19L72, foi identificada já na primeira etapa de escavação (2012) e as datações
realizadas a partir de carvões retirados da estrutura indicam datas entre 1100-1200 anos AP. A
presença desta estrutura, assim como a identificação de estacas de madeira na mesma unidade,
motivou a ampliação da área de escavação em outra etapa de campo que ocorreu no mesmo
23

ano, aprofundando a escavação em quadras contíguas àquelas onde fora identificada a


estrutura 1. A partir disto, foi evidenciado o perfil sob esta estrutura, o que resultou na
identificação de nova estrutura, definida como estrutura 3. Apenas a estrutura 1 foi
parcialmente escavada nas etapas de campo de 2012, resultando em uma série de amostras de
coleta individual de material vegetal carbonizado. Já a estrutura 2 foi exposta no perfil leste
da unidade N20L73, estando inserida nas unidades N19/N20L73, sendo parcialmente
evidenciada ao longo da escavação realizada em uma das etapas de campo de 2012 e exposta
a partir do nível 4 de escavação, com datação entre 330-380 anos AP. Por ter apenas uma
pequena parte de sua área evidenciada, esta estrutura não foi integralmente escavada durante
as etapas de campo de 2012, resultando em poucas amostras oriundas de retiradas do perfil.
Por fim, a estrutura de combustão 3 foi evidenciada no perfil sul da unidade N20L72 em 2012
e está localizada nas unidades N19/N20L72, sendo escavada apenas nas etapas de campo de
2019 e a datação realizada com os carvões desta estrutura indicam datas entre 8160-8240 anos
AP (BUENO; BRAGA; BETARELLO, 2017). Estas informações sobre localização e datação
das estruturas de combustão estão inseridas na Tabela 1.

Figura 1 – Sítio arqueológico Abrigo do Jon

Fonte: acervo do LEIA.


24

Figura 2 - Localização, topografia e intervenções do sítio Abrigo do Jon

Fonte: elaborado por Thiago Pereira.

Figura 3 - Identificação das áreas e unidades de escavação no sítio

Fonte: elaborado por Thiago Pereira.


25

Tabela 1 - Localização e datação das estruturas de combustão da Área 2


Estrutura Localização Datação

Estrutura 1 N19L72 1100 - 1200 anos AP

Estrutura 2 N19/N20L73 330 - 380 anos AP

Estrutura 3 N19/N20L72 8160 - 8240 anos AP

Fonte: elaborada pela autora.

Para a escavação foi utilizado um método que articula a identificação de níveis


naturais e artificiais. A separação entre os níveis foi feita com base na matriz sedimentar em
conjunto com a disposição dos vestígios, caso nenhuma modificação fosse identificada após
5cm mudava-se de nível para obter um maior controle estratigráfico. As escavações destas
unidades geraram uma rica coleção de material arqueológico, chamando a atenção para a
diversidade de vestígios e a quantidade e grau de preservação de vestígios botânicos
carbonizados ou não.
Artefatos e vestígios com características particulares foram coletados
individualmente, tanto nas etapas de campo realizadas em 2012 quanto em 2019, sendo
identificadas como coleta individual. Coletas específicas de sedimento em feições e
estruturas foram identificadas como coleta integral, considerando que a amostra não passou
por nenhuma etapa de peneiramento, coletas de material que passaram pelo processo de
peneiramento com a peneira de malha de 4.75mm unicamente foram identificadas como
coleta geral e coletas de todo material retido durante as etapas de peneiramento através da
utilização de peneiras granulométricas de malhas de 4mm, 2mm, 1mm e 0.5mm foram
identificadas como coletas de amostra de volume constante (AVC), todas estas coletas foram
realizadas de forma sistemática em 2019 e pontual em 2012. Todas as amostras coletadas
receberam um Número de Proveniência (NP), permitindo a identificação da localização direta
dos vestígios no sítio. Esses números foram registrados em fichas de nível, fichas próprias de
NP e nas etiquetas de identificação das amostras, além disso, foram feitos croquis a cada etapa
de abertura e fechamento dos níveis de cada unidade de escavação, assim como do perfil de
cada unidade, de forma a gerar uma rica documentação primária proveniente das etapas de
campo. Todo material coletado foi devidamente identificado e acondicionado, sendo
posteriormente transportado até o LEIA na UFSC para que pudesse ser analisado.
26

2.2 SELEÇÃO DAS AMOSTRAS

Inicialmente, toda a documentação primária gerada durante as etapas de escavação


dos anos de 2012 e 2019 foi digitalizada e os dados contidos nesta foram organizados em
formato de planilhas digitais (p. ex. Excel), o que possibilitou a identificação das amostras de
material vegetal carbonizado relacionadas com as estruturas de combustão localizadas na
Área 2. Após identificadas, as amostras foram listadas em uma nova planilha, de maneira a
indicar o NP, o tipo de coleta, a unidade de escavação e o nível de onde são provenientes,
além da estrutura com a qual estão relacionadas. As amostras adicionadas nesta nova planilha
foram aquelas relacionadas às estruturas de combustão 1, 2 e 3. A partir desta listagem, foram
selecionadas as amostras a serem analisadas. Foram selecionadas todas as amostras de carvão
provenientes de coleta individual e geral e, além destas, foram selecionadas algumas amostras
de coleta integral. Devido ao prazo para realização das análises, a grande quantidade de
amostras de coleta integral e a complexidade do processamento dessas amostras foram
selecionadas de forma aleatória pelo menos uma amostra de coleta integral de cada estrutura,
com o intuito de obter ao menos uma amostra que representasse de forma mais ampla o
contexto em que o material vegetal carbonizado estava inserido. Os dados das amostras
selecionadas para análise foram transferidos para uma nova planilha. A listagem das amostras
identificadas e selecionadas foi compilada no Quadro 1.

Conforme mencionado anteriormente, durante a etapa de 2012 não houve coletas


integrais de sedimento, nem coletas totais do material da peneira de 4mm de forma
sistemática, apenas pontualmente, assim, as amostras de 2012 correspondem, basicamente, a
amostras de proveniência individual. Isto tem um impacto importante na comparação entre
estruturas no que se refere ao tamanho dos fragmentos de carvão e, possivelmente, à
diversidade de espécies representadas.

Quadro 1 - Lista de amostras relacionadas às estruturas de combustão 1, 2 e 3


(continua)
NP Coleta Unidade Nível Estrutura Amostra Selecionada
681 Individual N19L72 5 1 Sim
682 Individual N19L72 5 1 Sim
683 Individual N19L72 5 1 Sim
684 Individual N19L72 5 1 Sim
685 Individual N19L72 5 1 Sim
27

(continuação)
NP Coleta Unidade Nível Estrutura Amostra Selecionada
689 Individual N19L72 5 1 Sim
690 Individual N19L72 5 1 Sim
695 Integral N19L72 5 1 Não
696 Individual N19L72 5 1 Sim
697 Individual N19L72 5 1 Sim
698 Individual N19L72 5 1 Não
699 Individual N19L72 5 1 Sim
700 Individual N19L72 5 1 Sim
701 Individual N19L72 5 1 Sim
702 Individual N19L72 5 1 Sim
703 Individual N19L72 5 1 Sim
704 Individual N19L72 5 1 Sim
705 Individual N19L72 5 1 Sim
706 Individual N19L72 5 1 Sim
707 Individual N19L72 5 1 Sim
708 Individual N19L72 5 1 Não
709 Individual N19L72 5 1 Sim
711 Geral N19L72 5 1 Sim
712 Individual N19L72 5 1 Sim
713 Individual N19L72 5 1 Sim
714 Individual N19L72 6 1 Sim
715 Individual N19L72 6 1 Sim
716 Individual N19L72 6 1 Sim
719 Individual N19L72 6 1 Não
720 Individual N19L72 6 1 Não
721 Individual N19L72 6 1 Não
731 Individual N19L72 6 1 Sim
732 Individual N19L72 6 1 Sim
733 Individual N19L72 6 1 Sim
734 Individual N19L72 6 1 Não
751 Individual N19L72 6 1 Sim
752 Individual N19L72 6 1 Sim
753 Individual N19L72 6 1 Sim
754 Individual N19L72 6 1 Sim
774 Integral N19L72 6 1 Não
776 Individual N19L72 7 1 Sim
28

(conclusão)
NP Coleta Unidade Nível Estrutura Amostra Selecionada
777 Individual N19L72 7 1 Sim
778 Individual N19L72 7 1 Sim
782 Individual N19L72 7 1 Sim
797 Integral N19L72 7 1 Sim
801 Integral N19L72 7 1 Não
747 Individual N19L72 6 1 Sim
748 Individual N19L72 6 1 Sim
749 Individual N19L72 6 1 Sim
750 Individual N19L72 6 1 Sim
783 Individual N19L72 7 1 Sim
735 Individual N19L72 6 1 Sim
686 Integral N19L73 6 2 Sim
775 Integral N19L73 7 2 Sim
974 Geral N20L73 Perfil 2 Sim
828 Individual N19L72 9 3 Sim
829 Individual N19L72 9 3 Sim
832 Integral N19L72 9 3 Não
834 Individual N19L72 9 3 Sim
835 Individual N19L72 9 3 Sim
842 Individual N19L72 9 3 Sim
844 Integral N19L72 9 3 Não
845 Integral N19L72 9 3 Sim
850 Individual N19L72 10 3 Não
851 Individual N19L72 10 3 Sim
852 Integral N19L72 10 3 Não
855 Individual N19L72 10 3 Sim
863 Integral N19L72 10 3 Sim
866 Individual N19L72 11 3 Não
873 Integral N19L72 11 3 Sim
886 Individual N19L72 11 3 Não
891 Individual N19L72 11 3 Sim
894 Individual N19L72 11 3 Não
856 Individual N19L72 10 3 Não
822 Individual N19L72 9 3 Sim
Fonte: elaborado pela autora.
29

As amostras de NP 695, 774, 801, 832, 844, 850 e 852 são amostras de coleta
integral e não foram selecionadas pelos motivos citados anteriormente. Já as amostras de NP
698, 708, 719, 720, 721, 734, 866, 886, 894 e 856 não foram encontradas dentro da coleção
arqueológica do LEIA, o que impediu que fossem analisadas.

O Quadro 2 apresenta a relação de todas as amostras coletadas em campo


provenientes das estruturas de combustão com as amostras selecionadas para processamento e
análise em laboratório neste trabalho. Para além das amostras de coleta integral que não foram
selecionadas para processamento, algumas amostras de coleta individual não foram
identificadas dentro da coleção do laboratório, impossibilitando a triagem e análise das
mesmas.

Quadro 2 - Relação de todas as amostras oriundas de estruturas de combustão da Área 2


com as amostras selecionadas para processamento e análise
681, 682, 683, 684, 685, 689, 690, 696, 697,
699, 700, 701, 702, 703, 704, 705, 706, 707,
709, 711, 712, 713, 714, 715, 716, 731, 732,
1
733, 735, 747, 748, 749, 750, 751, 752, 753,
Estruturas

Amostras selecionadas 754, 776, 777, 778, 782, 783 e 797.


Amostras não selecionadas 695, 698, 708, 719, 720, 721, 734, 774 e 801.
2 Amostras selecionadas 686, 775 e 974.
822, 828, 829, 834, 835, 842, 845, 851, 855,
3 Amostras selecionadas 863, 873 e 891.
Amostras não selecionadas 832, 844, 850, 852, 856, 866, 886 e 894.
Fonte: elaborado pela autora.

2.3 TRIAGEM E CLASSIFICAÇÃO DAS AMOSTRAS

As amostras identificadas como macrovestígios vegetais carbonizados e relacionadas


a alguma das três estruturas de combustão da Área 2 passaram por um primeiro processo de
triagem com a intenção de separar os materiais vegetais carbonizados de outros tipos de
materiais arqueológicos. Após este processo, as amostras foram novamente triadas e
classificadas, considerando os vestígios vegetais carbonizados maiores do que 2mm, visto que
os fragmentos de carvões lenhosos menores do que isso não possuem as características
necessárias para classificação (SILVA et al., 2016). No primeiro processo de triagem, os
materiais contidos nas amostras foram separados em cinco categorias, sendo elas:
macrovestígios vegetais carbonizados, macrovestígios vegetais não carbonizados, lítico,
cerâmica e fauna. Na segunda etapa de triagem, os macrovestígios vegetais carbonizados
foram separados em: material vegetal carbonizado lenhoso, material vegetal carbonizado não
30

lenhoso e material vegetal carbonizado não identificado. Dentro da categoria material vegetal
carbonizado não lenhoso foram criadas duas subcategorias separadas, sendo elas: coquinho e
semente 1 (SILVA et al., 2016).
As amostras de coleta individual passaram por um processo de triagem onde após a
etapa de separação do material nas diferentes categorias de material vegetal carbonizado
citadas no parágrafo anterior, os diferentes tipos de vestígios vegetais carbonizados foram
pesados utilizando uma balança de precisão, tiveram seus fragmentos quantificados e foram
medidos o maior e o menor fragmento da amostra com o auxílio de um paquímetro, onde
foram medidos a altura e a largura dos fragmentos seguindo a disposição dos vasos, os
materiais identificados como coquinho e semente não foram medidos, considerando que cada
órgão vegetal possui uma metodologia de mensuração diferente.
As amostras de coleta integral foram peneiradas em peneiras granulométricas de
malhas de aço de diferentes tamanhos, sendo elas 4mm, 2mm, 1mm e 0.5mm, com o intuito
de separar os vestígios vegetais carbonizados do sedimento contido na amostra. Foi
selecionado para análise o material que ficou retido nas malhas de 4mm e 2mm. Após a etapa
de peneiramento, o material passou por uma primeira etapa de triagem com o auxílio de uma
lupa de mesa de capacidade de aumento de 8x, com o intuito de separar os vestígios vegetais
carbonizados de outros materiais arqueológicos contidos na amostra. Assim como as amostras
de coleta individual, os vestígios vegetais carbonizados que ficaram retidos nas peneiras de
4mm e 2mm também foram separados em diferentes categorias de material vegetal
carbonizado, foram pesados com auxílio da balança de precisão, tiveram seus fragmentos
quantificados e foram medidos o maior e o menor fragmento da amostra. Dada a grande
quantidade de fragmentos nas amostras integrais, para otimização do tempo de análise das
amostras, após a etapa de separação dos fragmentos nas diferentes categorias de material
vegetal carbonizado, estabeleceu-se que a contagem dos fragmentos fosse feita até a
quantidade de 300 fragmentos em cada categoria (SCHEEL-YBERT, 2005), e as amostras em
que a quantidade de fragmentos por categoria ultrapasse este número fossem identificadas.
Para análise dos macrovestígios vegetais carbonizados foi utilizado um microscópio estéreo
com capacidade máxima de aumento de 200x e para a classificação destes vestígios foi
consultada bibliografia especializada (SILVA; SHOCK; SCHEEL-YBERT, 2015; SCHEEL-
YBERT, 2004; SCHEEL-YBERT; GONÇALVES, 2017).

1
O processo de separação dos materiais vegetais carbonizados nestas categorias foi elaborado e proposto pela
Dra. Myrtle Pearl Shock, que foi quem estruturou os procedimentos de análise do material arqueobotânico em
laboratório.
31

Na etapa de classificação dos macrovestígios vegetais carbonizados, as sementes e


frutos inteiros ou fragmentados foram identificados a partir de suas características
morfológicas. Os frutos identificados como coquinhos apresentam parede celular lignificada,
o que proporciona uma maior resistência, rigidez e impermeabilidade, garantindo que estes
vestígios sejam melhor preservados em sítios arqueológicos, além disso, coquinhos possuem
uma superfície brilhante quando carbonizados (SILVA; SHOCK; SCHEEL-YBERT, 2015), o
que auxiliou na sua identificação. Os fragmentos carbonizados não identificados que
apresentaram células de parênquima em sua estrutura foram adicionados à categoria de
material vegetal carbonizado não identificado. Células parenquimáticas estão presentes em
diversos tecidos de diferentes partes da planta, exercendo funções diversas (RAVEN et al.,
2014) e apresentando formato poliédrico e podendo aparecer sozinhas ou associadas a outras
estruturas do vegetal (SILVA; SHOCK; SCHEEL-YBERT, 2015). Dessa forma, esta
categoria inclui diferentes órgãos vegetais e foi utilizada quando os fragmentos não puderam
ser identificados em outras categorias.
Para a caracterização das amostras de lenho carbonizado foi realizada a análise dos
fragmentos de carvão no microscópio, onde foram feitas observações dos três planos
fundamentais de corte da madeira: transversal, longitudinal tangencial e longitudinal radial
(SCHEEL-YBERT, 2004) (Figura 4). Nestes três planos de corte foram observados caracteres
qualitativos que permitem a identificação do material como lenho, como a presença e
disposição de raios e vasos (SCHEEL-YBERT, 2004). Nos fragmentos em que a observação
dos três planos de corte não foi possível sem intervenção, foi realizada a quebra manual ou
com auxílio de uma lâmina de aço descartável. A morfologia dos fragmentos também foi
considerada para a caracterização como lenho, como por exemplo a presença de estruturas de
nó do vegetal.
32

Figura 4 - Representação dos diferentes elementos de anatomia vegetal do lenho visualizados


nos três planos de corte fundamentais da madeira

A) Planos de corte da madeira. Fonte: modificado pela autora de Scheel-Ybert, (2004). B) Fotos de fragmento
de lenho analisado nos diferentes planos de corte, apresentando a disposição de vasos e raios. Fonte: acervo da
autora.

2.4 CARACTERIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS DE COMBUSTÃO

Durante as etapas de escavação, como parte da documentação primária, foram feitos


croquis da base de cada nível, de todas as estruturas e das feições identificadas.
A partir dessas representações foi possível identificar as estruturas de combustão e
analisar o formato, as modificações entre níveis e os elementos presentes nestas estruturas.
Para facilitar a consulta a este material e de forma a contribuir para a caracterização das
estruturas de combustão, as representações foram escaneadas e aquelas referentes às
estruturas de combustão 1, 2 e 3 da Área 2 foram digitalizadas utilizando o software Adobe
Photoshop. Foram selecionadas para digitalização as representações de perfil das estruturas,
assim como as representações de nível em que foi indicado o topo e a base da estrutura de
combustão.

3 RESULTADOS

3.1 ANÁLISE DAS AMOSTRAS DE MATERIAL VEGETAL CARBONIZADO

Foi realizada a triagem das amostras identificadas como material vegetal carbonizado
relacionadas às escavações das estruturas de combustão 1, 2 e 3 da Área 2 do sítio
arqueológico Abrigo do Jon. As estruturas de combustão estão inseridas principalmente em
33

duas unidades de escavação da área em questão, a N19L72 e N19L73, e as amostras triadas e


analisadas são provenientes de diferentes níveis de escavação destas unidades. A seleção do
material a ser triado e analisado resultou em um total de 58 amostras, sendo 50 amostras
provenientes de coleta individual, 6 amostras de coleta integral e 2 amostras de coleta geral,
frisando que nem todas as amostras oriundas das estruturas de combustão foram selecionadas
para processamento e análise. Após passarem pelo processo de peneiramento, as amostras de
coleta integral foram triadas separadamente de acordo com o tamanho da malha em que o
material ficou retido, obtendo-se duas amostras para cada NP de coleta integral, uma amostra
com os materiais retidos na malha de 4mm e uma amostra para a malha de 2mm. As amostras
de coleta individual, em sua maioria, apresentaram poucos fragmentos de material vegetal
carbonizado, porém fragmentos em grandes dimensões, o que fez com que estas amostras não
precisassem passar pelo processo de peneiramento e facilitasse a triagem do material contido
nas amostras. Por fim, as amostras de coleta geral apresentaram grande volume de sedimento
e precisaram passar pelo processo de peneiramento, todo material retido na malha de 2mm foi
triado em conjunto.
Em relação a quantidade de amostras analisadas relacionadas a cada estrutura de
combustão, a estrutura 1 foi a que conteve a maior quantidade, com 43 amostras, sendo a
maior parte amostras de coleta individual, enquanto a estrutura 2 conteve apenas 3 amostras,
sendo duas delas de coleta integral e uma de coleta geral, por fim, a estrutura 3 conteve 12
amostras analisadas, sendo a maioria também proveniente de coleta individual. Esses
resultados combinados com a quantidade de amostras por tipo de coleta estão presentes no na
Tabela 2.

Tabela 2 - Quantidade de amostras analisadas em cada estrutura de combustão relacionadas


ao tipo de coleta
Nº total de
Estrutura Coleta individual Coleta integral Coleta geral amostras
1 41 1 1 43
2 0 2 1 3
3 9 3 0 12
Fonte: elaborada pela autora.

Apesar da estrutura 1 acumular a maior quantidade de amostras, a estrutura 3 contém


as amostras com maior quantidade de fragmentos, com mais de 1.503 fragmentos de material
vegetal carbonizado de diferentes categorias, o que totaliza 46,5% de todo material analisado.
34

A quantidade de fragmentos analisados provenientes das amostras das estruturas 1 e 2 se


assemelha, com cerca de 863 para a estrutura 1 e 869 para estrutura 2, totalizando 26,7% e
26,9% do material analisado respectivamente. Ainda referente a quantidade de fragmentos por
amostra, as amostras que apresentaram quantidade de fragmentos superior a 300 foram as
amostras de coleta integral de NP 686, 775, 797, 845, 863 e 873 e os fragmentos pertenciam a
categoria de material vegetal carbonizado lenhoso.

No que se refere ao tipo de material vegetal carbonizado, os vestígios vegetais


carbonizados lenhosos (Figura 5) foram predominantes nas três estruturas de combustão. Na
estrutura 1, 37 amostras apresentaram vestígio vegetal carbonizado lenhoso, totalizando cerca
de 774 fragmentos, além disso, 3 amostras apresentaram fragmentos de coquinho, 2 amostras
continham sementes, 3 amostras continham material vegetal carbonizado não lenhoso e 7
amostras apresentaram material vegetal carbonizado não identificado.
No que diz respeito à estrutura 2, as três amostras apresentaram vestígio vegetal
carbonizado lenhoso, com cerca de 735 fragmentos, 2 amostras apresentaram coquinho, 2
amostras continham sementes, as 3 amostras continham material vegetal carbonizado não
lenhoso e 2 apresentaram material vegetal carbonizado não identificado.
Referente à estrutura 3, 10 amostras continham vestígio vegetal carbonizado lenhoso,
com um total de mais de 1.237 fragmentos, 6 amostras continham fragmentos de coquinho, 2
amostras apresentaram sementes, 4 amostras continham material vegetal carbonizado não
lenhoso e 4 amostras apresentaram material vegetal carbonizado não identificado. Os dados
da quantidade de fragmentos por categoria de material vegetal carbonizado relacionados às
estruturas de combustão estão presentes no gráfico da Figura 6.

Nas três estruturas, a maioria dos fragmentos de coquinho foi identificada como
pertencente à espécie Acrocomia aculeata, conhecida popularmente como Macaúba (Figura
7).
35

Figura 5 – Material vegetal carbonizado lenhoso

Fonte: acervo da autora.

Figura 6 - Gráfico apresentando os tipos de material vegetal carbonizado por estrutura de


combustão

Fonte: elaborado pela autora.


36

Figura 7 – Fragmento de coquinho identificado como pertencente à espécie Acrocomia


aculeata

Fonte: acervo da autora.

No que se refere ao peso das amostras, assim como no quesito quantidade de


fragmentos, a estrutura 3 foi a que apresentou as amostras mais pesadas, em seguida a
estrutura 1 e por último a estrutura 2. A categoria de material vegetal carbonizado que
apresentou maior peso foi a de vegetal carbonizado lenhoso, enquanto a categoria que
apresentou menor peso foi a de sementes, que inclusive demonstraram dimensões tão
pequenas que seu peso não pode ser aferido pela balança. Na Figura 8 é apresentado um
gráfico com os dados sobre o peso das amostras relacionadas a cada estrutura estudada.
37

Figura 8 - Gráfico apresentando o peso dos diferentes tipos de material vegetal carbonizado
relacionados às estruturas de combustão

Fonte: elaborado pela autora.

A respeito do tipo de coleta, a maior parte dos fragmentos analisados são provenientes
de coleta integral, apesar da maioria das amostras serem referentes à coleta individual. As
amostras de coleta integral também apresentaram maior diversidade de tipo de material
vegetal carbonizado, contendo fragmentos que representassem as cinco categorias analisadas,
como demonstrado na Tabela 3. As amostras de coleta individual continham os fragmentos de
maior dimensão e em melhores condições de preservação, já as amostras de coleta integral
possuíam fragmentos de tamanhos diversos, com maioria de dimensões inferiores a 4mm, isso
pode ser explicado pelo método de coleta, considerando que nas amostras de coleta individual
os fragmentos maiores são mais fáceis de serem recolhidos com as mãos e as nas amostras de
coleta geral os fragmentos maiores são aqueles que ficam retidos na peneira de malha de
4.75mm, enquanto nas amostras de coleta integral todo o material é coletado e não passa por
peneiramento, dessa forma contento fragmentos menores.
38

Tabela 3 - Quantidade aproximada de fragmentos das categorias de material vegetal


carbonizado analisados distribuída pelo tipo de coleta
Quantidade aproximada de
Coleta Tipo de amostra fragmentos
Coquinho 2
Semente 1
Geral Vegetal carbonizado lenhoso 357
Vegetal carbonizado não identificado 47
Vegetal carbonizado não lenhoso 38
Coquinho 6
Semente 1
Individual Vegetal carbonizado lenhoso 589
Vegetal carbonizado não identificado 42
Vegetal carbonizado não lenhoso 56
Coquinho 58
Semente 9
Integral Vegetal carbonizado lenhoso 1800
Vegetal carbonizado não identificado 90
Vegetal carbonizado não lenhoso 129
Fonte: elaborada pela autora.

3.2 CARACTERIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS DE COMBUSTÃO

A caracterização das estruturas de combustão foi um procedimento essencial para a


compreensão da dinâmica da Área 2, da distribuição e localização destas estruturas entre os
níveis das unidades escavadas e a interpretação do contexto do qual as amostras são
provenientes.
Em relação à estrutura de combustão 1, está localizada na unidade N19L72, sua
escavação foi iniciada nas etapas de campo de 2012 e teve continuidade nas etapas de 2019.
Está relacionada a uma estrutura circular de blocos de pedra (Figura 9) que foi evidenciada na
base do nível 4 de escavação (Figura 10), cerca de 20cm de profundidade. Os blocos estão
distribuídos de forma a definir um formato circular, mas são encontrados também no interior,
forrando toda a área interna deste círculo. Exatamente na parte central do círculo há um
artefato que se distingue dos demais pela sua coloração, brilho e cor, apresentando um
enegrecimento e lustro produzidos, possivelmente, por uma exposição continuada ao fogo
39

(Figura 11). A base desta estrutura foi identificada no meio do nível 6 quando foi finalizada
sua retirada na etapa de escavação de 2019 (Figura 12). A estrutura apresentou diversas
amostras de coleta individual de material vegetal carbonizado provenientes do interior e da
periferia da estrutura. As últimas rochas retiradas da estrutura de blocos apresentaram carvão
na parte inferior, o que indica que se tratava de uma estrutura de combustão, o que se
confirma também pela presença de uma pequena quantidade de cinzas e uma quantidade
considerável de carvões sobre e entre as rochas.

Figura 9 - Estrutura circular de blocos de pedra relacionada à estrutura de combustão 1

Fonte: acervo do LEIA.


40

Figura 10 – Digitalização de croqui da base do nível 5 de escavação das unidades N19/N20


L71/L72 evidenciando o topo da estrutura 1

Estrutura de blocos evidenciada ao centro da representação com a presença de artefato enegrecido ao centro,
estacas de madeira presentes na área, regiões de bioturbação e mancha cinza com presença de carvões próxima a
estrutura de laje fixa.
Fonte: elaborado pela autora a partir de croquis da documentação de campo.

Figura 11 - Artefato apresentando um enegrecimento e lustro em evidência no centro da


estrutura 1

Fonte: acervo do LEIA.


41

Figura 12 – Digitalização de croqui do nível 6 de escavação da unidade N19L72


evidenciando a base da estrutura 1

Representação da base da estrutura 1, identificada como E1, circundada por estrutura de fossa e apresentando
fragmentos de material lítico presentados pela coloração cinza). Fonte: elaborado pela autora a partir de croquis
da documentação de campo.

No que diz respeito à estrutura de combustão 2, foi identificada também durante as


etapas de escavação de 2012, tendo início no nível 3, mas sendo melhor evidenciada nos
níveis 4 e 5 do perfil leste da unidade de escavação N19L73 e N20L73 (Figura 13). Esta
estrutura não foi integralmente escavada durante as etapas de 2012 e 2019, sendo que as
poucas amostras relacionadas a ela se tratam de retiradas feitas do perfil. A estrutura
apresentou uma grande concentração de carvões, o que a caracteriza como estrutura de
combustão. Com a exposição do perfil leste é possível perceber que a estrutura apresenta
formato côncavo (Figura 14). Pelas indicações do perfil não há rochas delimitando uma área
específica, mas esta é uma informação limitada tendo em vista que ela só foi documentada no
perfil. Com relação à presença de rochas, é possível identificar uma na área interna na
estrutura, exatamente acima do pacote de carvões. Esta estrutura não apresentou cinzas
durante sua escavação nas etapas de 2012 e 2019 ou em suas amostras provenientes de
retiradas do perfil.
42

Figura 13 - Estrutura de combustão 2 evidenciada no Perfil Lste da unidade N20L73

Fonte: acervo do LEIA.

Figura 14 – Digitalização de croqui do perfil leste da unidade N20L73 evidenciando a


estrutura 2

Representação do perfil da estrutura 2 evidenciando material lítico e concentração de carvões. Fonte: elaborado
pela autora a partir de croquis da documentação de campo.
43

Referente à estrutura de combustão 3, esta foi exposta no perfil sul da quadra


N20L72 em 2012 (Figura 15) e escavada durante a etapa de 2019, estando localizada alguns
níveis abaixo da estrutura 1. Tem seu topo evidenciado entre os níveis de escavação 8 e 9
(Figura 16) e sua retirada foi finalizada no nível 11. A estrutura apresenta uma grande
concentração de material vegetal carbonizado, o que fez com que precisassem ser feitas
diversas retiradas durante sua escavação, além de indicar se tratar de uma estrutura de
combustão. Junto a esta estrutura foi identificada a presença de troncos carbonizados e
fragmentos de coquinho não carbonizados, além disto, apresentou uma grande quantidade de
cinzas

Figura 15 - Estrutura de combustão 3 evidenciada no Perfil Sul da unidade N20L72

Fonte: acervo do LEIA.


44

Figura 16 – Digitalização de croqui do nível 9 de escavação da unidade N19L72


evidenciando o topo da estrutura 3

Estrutura 3 delimitada apresentando estaca de madeira, fragmentos de lítico e tronco carbonizado. A unidade
apresentou blocos de rocha de arenito e blocos de rocha de siltito, também foi representada uma feição
identificada como F2. Fonte: elaborado pela autora a partir de croquis da documentação de campo.

A Figura 17 apresenta a inserção das três estruturas de combustão na Área 2 do sítio


arqueológico Abrigo do Jon.

Figura 17 – Inserção das estruturas de combustão nas unidades de escavação da Área 2

Fonte: modificado pela autora de foto do acervo do LEIA.


45

4 DISCUSSÃO

4.1 ANÁLISE DO MATERIAL VEGETAL CARBONIZADO

O resultado da análise do material vegetal carbonizado proveniente das amostras


relacionadas a estruturas de combustão da Área 2 do sítio arqueológico Abrigo do Jon revelou
um conteúdo em ótimo estado de preservação, com fragmentos em quantidade e tamanho
ideais para realização de análises antracológicas (SCHEEL-YBERT; GONÇALVES, 2017).
Porém, a realização de análises de identificação taxonômica se torna dificultada com a
ausência de uma coleção de referência para consulta, considerando que a determinação
taxonômica dos carvões é feita pela comparação de sua estrutura anatômica com aquela do
lenho de espécies atuais conhecidas e para isso bancos de dados de anatomia do lenho, assim
como artigos sobre anatomia do lenho de espécies atuais e atlas de anatomia da madeira são
essenciais para realização de tais estudos (SCHEEL-YBERT; GONÇALVES, 2017). No
entanto, existem poucos materiais de referência relativos à anatomia de madeiras tropicais,
tendo alguns trabalhos para a Colômbia mas poucos para o Brasil quando consideramos a
biodiversidade de espécies brasileiras, por mais que a arqueobotânica e suas disciplinas
estejam em expansão a ausência de equipamentos específicos para análise de vestígios
vegetais e falta de um profissional especializado nesta área para guiar o desenvolvido
trabalho, assim como a inacessibilidade a estes materiais de referência físicos, dificultaram a
realização de tais análises.
Para além do material vegetal carbonizado lenhoso, as amostras apresentaram
fragmentos de coquinhos e sementes, que apesar de representados em poucas quantidades
quando comparados aos fragmentos de lenho podem estar associados ao contexto de uso das
fogueiras.
No que se refere ao tipo de coleta, as amostras de coleta integral apresentaram maior
quantidade e variedade de vestígios, quanto ao tamanho e tipo de material, expondo que este
tipo de coleta é o que traz maior representatividade do contexto arqueológico da amostra. Este
fato é salientado quando consideramos que nas amostras de coleta integral foi coletada a
maioria das sementes, materiais de pequenas dimensões que dificilmente são coletados em
outros tipos de coleta. Referente à coleta individual, as amostras desse tipo apresentaram
fragmentos de lenho de grande dimensão e em melhor estado de preservação, mostrando-se
essenciais para coleta de materiais para análise antracológica, apesar de pouco representaram
o contexto das amostras. As amostras de coleta geral também apresentaram boa
representatividade do contexto arqueológico.
46

Relacionando as estruturas ao tipo de coleta, a estrutura 1, integralmente escavada,


apresentou maior número de amostras de coleta individual, o que justifica a menor quantidade
de fragmentos, quando comparada a estrutura 3 que também foi integralmente escavada. As
amostras de coleta individual da estrutura 1 apresentaram uma melhor preservação e maiores
dimensões dos fragmentos das amostras. A estrutura 2, apesar de não ter sido totalmente
escavada e apresentar apenas poucas amostras provenientes de retiradas do perfil, apresentou
uma grande quantidade de fragmentos provenientes de amostras de coleta integral, o que
também permitiu a coleta sistemática de vestígios de pequeno porte nesta estrutura. Por fim, a
estrutura 3 apresentou a maior variedade de amostras quando considerado o tipo de coleta,
contendo amostras de coleta integral que representam bem o contexto arqueológico e
apresentam maior variedade de tipos de materiais vegetais carbonizados, além de amostras de
coleta individual, que contêm fragmentos em melhor estado de preservação.
A análise do material oriundo das três estruturas demonstrou também uma aparente
preferência por lenhas sadias e sem sinais de podridão, o que leva a aferir que este material
provavelmente foi coletado de duas maneiras: recolhimento seletivo de vegetais caídos ou
derrubada de árvores (AZEVEDO; SCHEEL-YBERT, 2016), isto considerando o aparente
nível de preservação das amostras e grau de análise realizado com os instrumentos disponíveis
para realização deste trabalho.

4.2 POSIÇÃO E CONTEXTO DAS ESTRUTURAS

A posição e contexto de estruturas de combustão em sítios arqueológicos se mostram


como elemento chave para a compreensão do uso e organização do espaço dos assentamentos
(AZEVEDO; SCHEEL-YBERT, 2016). Quando comparada a Área 1, a Área 2 do sítio
arqueológico Abrigo do Jon apresenta uma maior quantidade de estruturas de combustão, o
que pode ser justificado pelo conjunto de elementos de sua estrutura como o piso plano e uma
área sob abrigo mais extensa (BUENO; BRAGA; BETARELLO, 2017). A maior
concentração de pinturas no paredão desta área também pode ser relacionada a concentração
de atividades nesta parte do sítio.
Referente às datações das estruturas, relacionado a estratigrafia das unidades, a
datação da estrutura 2 é a única de não apresenta resultado coerente com o nível estratigráfico
em que está inserida, o que poderia colocar em questão sua confiabilidade, podendo a amostra
estar descontextualizada e vinculada a uma amostra possivelmente relacionada à bioturbação
(BUENO; BRAGA; BETARELLO, 2017). No entanto, o caráter côncavo da estrutura poderia
representar uma explicação para esta associação entre “data recente” e profundidade de
47

proveniência da amostra. Para encaminhar esta questão, novas amostras foram selecionadas e
enviadas para datação.

4.3 ATRIBUTOS ESTRUTURAIS E TIPOS DE MATERIAIS DAS


FOGUEIRAS

A respeito das questões estruturais, as três estruturas apresentaram base côncava, mas
quando comparadas no perfil é possível perceber diferenças significas entre as três, sendo que
a estrutura 2 apresenta maior concavidade aparente quando comparada às outras duas. As
bases de forma côncava expõem que houve um processo de escavação do solo para
construção da fogueira, além de provavelmente manter o fogo em posição central na estrutura,
o que permitia o controle do avanço das brasas e seu uso diversas vezes (DRON et al., 2003
apud. AZEVEDO; SCHEEL-YBERT, 2016). Além disso, esse tipo de estrutura apresenta
atingir maiores temperaturas em menos tempo e com menor quantidade de lenho, realizando a
transferência de calor entre as entre fogueiras de base côncava e outros materiais igualmente
através da condução e da irradiação (MARCH et al., 1993 apud. AZEVEDO; COPÉ;
SCHEEL-YBERT, 2013). Na irradiação o calor é transmitido à distância de sua fonte a um
objeto, sendo responsável pelas atividades cocção, secagem, aquecimento e iluminação, por
exemplo, enquanto a condução é a transmissão de calor entre materiais que estão em contato
direto com o fogo (THÉRY-PARISOT, 2001 apud. AZEVEDO; COPÉ; SCHEEL-YBERT,
2013). Desta forma, as estruturas de combustão de base côncava apresentam maior
versatilidade e sua escolha reflete o uso de pouca quantidade de material vegetal e bom
desempenho na maioria das atividades, além de refletirem que sua escolha deve ser entendida
como cultural, realizada por um grupo que conhecia o desempenho de cada tipo de fogo e o
utilizava esperando determinados resultados (AZEVEDO; COPÉ; SCHEEL-YBERT, 2013).
Já a presença de conjuntos de pedras demonstrado nas estruturas 1 e 3 podem ser relacionados
a um tipo de estrutura denominado combustão coberta, em que a combustão dos materiais
ocorreria sobre uma base côncava e seria coberta por pedras, que concentram o calor, e
oferecem base para o aquecimento indireto de materiais (COUDRET et al., 1989 apud.
AZEVEDO; COPÉ; SCHEEL-YBERT, 2013).
Com relação ao tipo de material vegetal carbonizado relacionado às estruturas de
combustão, a presença de grande quantidade de material lenhoso está relacionada à espécie
vegetal utilizada para construção das estruturas, considerando fatores tafonômicos, muitas
espécies quando carbonizadas não se preservam na forma de carvão e transformam-se
rapidamente em cinzas (MELO JÚNIOR; MAGALHÃES, 2015), a quantidade de cinzas
48

também pode ser um indicador da intensidade do fogo em termos de temperatura. Além


disso, a presença de coquinhos e sementes junto com o lenho podem estra relacionados aos
usos das estruturas, considerando que estruturas que apresentam tais vestígios em associação
com fragmentos de rochas de tamanho e natureza lítica diversos são associadas pelos estudos
etnológicos à preparação de alimentos (MELO JÚNIOR; MAGALHÃES, 2015). Apesar
disso, estudos apontam que o uso do fogo para preparação de alimentos não está dissociado de
outras atividades, como o tratamento térmico de matérias-primas por exemplo
(GONÇALVES, 2003; BEUCLAIR et al., 2009; CABRAL, 2014).

5 CONCLUSÃO

O sítio arqueológico Abrigo do Jon apresenta grande potencial para contribuir em


pesquisas relacionadas a compreensão do processo de ocupação do Planalto Central Brasileiro
e, possivelmente, para o povoamento inicial da América do Sul, considerando principalmente
a rica coleção de vestígios vegetais, carbonizados ou não, e o grau de preservação destes
vestígios provenientes das escavações deste sítio.
Apesar da ausência de uma coleção de referência, de um docente especializado na
área da arqueobotânica para acompanhar o desenvolvimento do trabalho e instrumentos
específicos para realização de tais análises dificultar a realização de análises antracológicas
mais específicas, como a determinação taxonômica, o processamento e análises primárias dos
vestígios vegetais carbonizados tem grande possibilidade de facilitar o desenvolvimento de
futuros estudos antracológicos com este material, possibilitando a identificação de espécies
vegetais utilizadas para construção das estruturas de combustão e, a partir disto, realizar a
inferência sobre o paleoambiente e sobre os aspectos de uma economia de combustíveis para
o fogo de populações pretéritas que ocuparam o Abrigo do Jon. A separação dos diferentes
tipos de materiais vegetais carbonizados em categoriais iniciais, em conjunto com as
atividades de curadoria do material, como a contagem, mensuração de fragmentos e aferição
do peso das amostras tornaram possível uma diferenciação inicial das estruturas de
combustão, assim como a comparação destas entre si.
É possível inferir alguns traços do conhecimento tecnológico para produção de fogo
utilizado pelas populações pretéritas e possíveis atividades relacionadas ao uso do fogo por
estas populações a partir de características estruturais e de composição das estruturas de
combustão. Apesar das três estruturas apresentarem base côncava, a presença de diferentes
elementos pode ser utilizada diferenciá-las, como a estrutura de pedras que sugere processos
49

de aquecimento controlado de materiais e técnicas de controle da intensidade do fogo


(AZEVEDO; COPÉ; SCHEEL-YBERT, 2013), ou a presença de coquinhos e sementes em
maior quantidade em uma estrutura do que em outra pode aferir a relação desta estrutura com
atividades ligadas a cocção de alimentos.
A realização deste trabalho reflete a expansão das pesquisas arqueobotânicas no
contexto brasileiro e foi desenvolvido com a pretensão de continuidade da análise dos
vestígios vegetais carbonizados com estudos mais complexos e aprofundados futuramente.
50

REFERÊNCIAS

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53

APÊNDICE A – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 686

Fonte: acervo da autora.


54

APÊNDICE B – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 686

Fonte: acervo da autora.


55

APÊNDICE C – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 696

Fonte: acervo da autora.

APÊNDICE D – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 700

Fonte: acervo da autora.


56

APÊNDICE E – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 701

Fonte: acervo da autora.


57

APÊNDICE F – Fragmento de semente presente na amostra de NP 703

Fonte: acervo da autora.


58

APÊNDICE G – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 706

Fonte: acervo da autora.

APÊNDICE H – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 709

Fonte: acervo da autora.


59

APÊNDICE I – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 713

Fonte: acervo da autora.


60

APÊNDICE J – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 775

Fonte: acervo da autora.


61

APÊNDICE K – Fragmento de semente presente na amostra de NP 775

Fonte: acervo da autora.


62

APÊNDICE L – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 782

Fonte: acervo da autora.


63

APÊNDICE M – Fragmento de semente presente na amostra de NP 797

Fonte: acervo da autora.


64

APÊNDICE N – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 828

Fonte: acervo da autora.

APÊNDICE O – Fragmento de lenho presente na amostra de NP 829

Fonte: acervo da autora.


65

APÊNDICE P – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 834

Fonte: acervo da autora.


66

APÊNDICE Q – Fragmentos de lenho presentes na amostra de NP 842

Fonte: acervo da autora.


67

APÊNDICE R – Semente presente na amostra de NP 845

Fonte: acervo da autora.


68

APÊNDICE S – Fragmentos de lenho presentes na amostra de NP 855

Fonte: acervo da autora.


69

APÊNDICE T – Fragmento de semente presente na amostra de NP 863

Fonte: acervo da autora.


70

APÊNDICE U – Sementes presentes na amostra de NP 863

Fonte: acervo da autora.


71

APÊNDICE V – Fragmento de coquinho presente na amostra de NP 873

Fonte: acervo da autora.


72

APÊNDICE X – Fragmento de material vegetal carbonizado não lenhoso presente na amostra


de NP 891

Fonte: acervo da autora.


73

APÊNDICE Y – Fragmento de material vegetal carbonizado não lenhoso (fruto ou semente)


presente na amostra de NP 974

Fonte: acervo da autora.

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