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Ifi e o Papel Do Brasil 2018
Ifi e o Papel Do Brasil 2018
FINANCEIRAS
INTERNACIONAIS
COM PARTICIPAÇÃO
DO BRASIL :
SEU PAPEL ATUAL
AUTORES
ADHEMAR MINEIRO
FÁTIMA MELLO
KJELD JAKOBSEN
BRASÍLIA | 2018
APOIO
EQUIPE INESC Técnico de Informática
Pablo dos Santos Lages
Conselho Diretor Auxiliares Administrativos
Enid Rocha Andrade da Silva Adalberto Vieira dos Santos
Júlia Alves Marinho Rodrigues Eugênia Christina Alves Ferreira
Luiz Gonzaga de Araújo Isabela Mara dos Santos da Silva
Márcia Anita Sprandel Josemar Vieira dos Santos
Pedro de Carvalho Pontual
Auxiliar de Serviços Gerais
Conselho Fiscal Roni Ferreira Chagas
Ervino Schmidt
Iliana Alves Canoff Estagiários/as
Romi Márcia Bencke Lucas Daniel Rodrigues de Souza
Suplente: Lucas de Alencar oliveira Lucas Miguel Salomão Meireles
Thaís Vivas
Colegiado de Gestão
Iara Pietricovsky de Oliveira
José Antonio Moroni
APOIO INSTITUCIONAL
Coordenadora da Assessoria Política
Nathalie Beghin
Charles Stewart Mott Foundation
Gerente Financeiro, Administrativo e de Pessoal Christian Aid
Maria Lúcia Jaime Embaixada da França
Assistente da Direção Fastenopfer
Ana Carolina Soares Fundação Avina
Ana Paula Felipe Fundação Heinrich Böll
Marcela Coelho M. Esteves Fundação Ford
GDF – CDCA / Secretaria da Criança
Assessoria Política
GDF – SEDESTMIDH /Trabalho, Desenvolvimento Social,
Alessandra Cardoso
Carmela Zigoni Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos
Cleomar Souza Manhas ICS - Instituto Clima e Sociedade
Grazielle Custódio David IBP – Center on Budget and Policy Priorities
Leila Saraiva Pantoja Instituto C&A
Márcia Hora Acioli Kindernothilfe - KNH
Matheus Peres Machado Magalhães Open Society Foundations
Yuriê Baptista César Oxfam Brasil
Assessoria Técnica Pão para o Mundo
Dyarley Viana de Oliveira União Europeia
Assessoria de Comunicação
Silvia Alvarez
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Educadora Social
Thallita de Oliveira Endereço: SCS Quadra 01 - Bloco L, nº 17, 13º Andar
Cobertura - Edifício Márcia
Contadora CEP 70. 3037-900 - Brasília/DF
Rosa Diná Gomes Ferreira
Telefone: + 55 61 3212-0200
Assistente de Contabilidade E-mail: inesc@inesc.org.br
Ricardo Santana da Silva Página Eletrônica: www.inesc.org.br
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 4
1. A CRISE DE 2008 ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................5
2. A ESTRUTURAÇÃO DO G20 E O PAPEL DOS EMERGENTES NA SAÍDA DA CRISE.................................................................................. 10
2.1 O G20 E AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTERNACIONAIS ............................................................................................................................................................. 13
LISTA DE QUADROS:
QUADRO 1. APOIO DAS IFIs AOS SEUS CLIENTES ANTES E DURANTE A CRISE (US$ BILHÕES) ..................................................................... 13
QUADRO 2. OS PRIMEIROS PROJETOS APROVADOS PELO NBD ................................................................................................................................................................... 20
QUADRO 3. PROJETOS DO BID ......................................................................................................................................................................................................................................................................... 27
QUADRO 4. FUNDO MUNDIAL PARA O MEIO AMBIENTE (GEF) ...................................................................................................................................................................... 42
QUADRO 5. FINANCIAMENTO CLIMÁTICO DOS BANCOS MULTILATERAIS PARA O DESENVOLVIMENTO EM 2015 .......................... 43
AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTERNACIONAIS
COM PARTICIPAÇÃO DO BRASIL: SEU PAPEL ATUAL
INTRODUÇÃO
1. A CRISE DE 2008
A primeira década do século XXI representou movimento iniciado a partir de fins dos anos de
mudanças substantivas no padrão de funciona- 1980 e que durou mais de 20 anos, período de
mento do capitalismo, que marchou célere por forte hegemonia neoliberal em escala mundial.
cerca de 20 anos desde meados dos anos de 1980. Esse movimento, por um lado, refletiu uma
A crise da economia internacional iniciou-se a nova política do Federal Reserve (FED), o Banco
partir de 2007 e eclodiu mais abertamente no Central dos Estados Unidos, que combinou bai-
segundo semestre de 2008, marcando o cenário xas taxas de juros e de inflação com alta liquidez
internacional com a agudização das turbulên- no país, em contraste com a subida abrupta das
cias financeiras, especialmente nas economias do taxas de juros a partir do governo Reagan, que
centro nevrálgico do capitalismo, como os EUA, foi um dos detonadores da crise das dívidas
a Europa Ocidental e o Japão. Ela representou externas no início dos anos de 1980.
uma importante virada de página na história do Por outro lado, foi também um processo
funcionamento da economia mundial. de inovações nos mercados financeiros e da
A crise do mercado imobiliário dos EUA não liberalização das movimentações financeiras
foi só o estopim de uma crise financeira de grandes em escala mundial, ampliando os horizontes
proporções, mas também o fim do ciclo expansi- dos aplicadores/especuladores, além de au-
vo baseado no dinamismo dos mercados finan- mentar significativamente a competição entre
ceiros, que parecia estar desenhado no próprio as instituições financeiras, inclusive entre as
1 Em um texto de 2001 (BUITER, Willem; LANKES, Hans Peter. “International Financial Institutions – Adapting to a World of Private Capital Flows”), um
técnico do Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento (Buiter) e outro do FMI (Lankes) afirmaram: “Os mercados financeiros globais
testemunharam profundas mudanças ao longo das últimas poucas décadas. Isso incluiu o forte crescimento dos fluxos privados de capitais para
os países em desenvolvimento. Os fluxos líquidos de capital de longo prazo subiram de US$ 48 bilhões em 1980 (58% do total de fluxos de longo
prazo) para US$ 239 bilhões em 1999 (82,6% do total de fluxos de longo prazo)”.
2 “Touros”, no jargão do mercado financeiro, são os aplicadores que apostam permanentemente na alta, enquanto os “ursos” seriam os aplicadores
que apostam na baixa dos mercados.
3 “Hedge funds” são investimentos de alto risco e praticamente sem controles externos.
4 Na verdade, boa parte disso relaciona-se com a diferença entre o valor estimado dos ativos financeiros antes do início da crise e a estimativa de
seu valor após a queda dos mercados nesse período, sendo, portanto, boa parte da perda apenas uma estimativa.
5 Para se falar rapidamente em números, só no dia 13 de agosto de 2007 (uma segunda-feira), de modo a mostrar que o dia 13 não impacta só nas
sextas-feiras, os vários bancos centrais desses países teriam colocado US$ 72 bilhões à disposição dos mercados ávidos por liquidez, sendo US$
65 bilhões absorvidos apenas pelo Banco Central Europeu.
Frente ao pânico que se seguiu à crise finan- reuniões do G20, em que os tradicionais encontros
ceira de 2008, os governos dos principais países de autoridades monetárias e financeiras seguiram,
elaboraram uma resposta. Um dos principais ele- porém ao lado de reuniões de chefes de Estado e
mentos dessa resposta se deu pela articulação de Governo, simultaneamente ou não. Isso passou
do chamado G20.6 A crise alterou a natureza das a acontecer a partir da reunião de Pittsburgh, nos
6 Dados os limites para a administração da crise, mesmo para as maiores economias capitalistas, foi articulado um espaço concertado dos chefes
de governo desses países, mais um conjunto de países emergentes, que já se articulavam como um espaço entre autoridades monetárias e
financeiras (ministros de finanças e presidentes de bancos centrais) desde a crise asiática de 1997. Os países que compõem o grupo são: Alema-
nha, África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, EUA, França, Índia, Indonésia, Inglaterra, Itália, Japão,
México, Rússia, Turquia e a representação da União Europeia.
7 Disponível em: MINEIRO, Adhemar; e CASTRO, Clarisse. “O Brasil e o G20 Financeiro”, Rio de Janeiro, Rebrip/Oxfam, junho de 2011, mimeo.
Quadro 1. Apoio das IFIs aos seus clientes antes e durante a crise (US$ bilhões)
Aumento dos
empréstimos:
2005 – 2007 2008 2009 2010
2009 – 2010 versus
2005 – 2007 (%)
Fonte: BERENSMANN, Kathrin; WOLFF, Peter. The role of international financial institutions in macroeconomic crisis – Improving the architecture of the
World Bank and the IMF for managing shocks in developing countries. Deutsches Institut für Entwicklungspolitik, Bonn, Discussion Paper 33/2014.
8 Vide, por exemplo, BEKERMAN, Marta; DULCICH, Federico; MONCAUT, Nicolas. Transformações recentes da economia chinesa: impactos sobre
suas relações comerciais com a América Latina. In: Revista Tempo no Mundo, Ipea, vol. 5, n. 1, abr. 2013, pp. 5-43.
Desde a crise de 2008, os Brics – bloco forma- oficialmente lançado durante a VII Cúpula do Brics,
do por Brasil, Rússia, Índia, China e África do em Ufá, na Rússia, em julho de 2015.
Sul – passaram a atuar de forma coordenada A adoção do desenvolvimento sustentá-
na agenda econômico-financeira e nos fóruns vel como foco principal do NBD foi fortemente
internacionais dos quais participam, como o influenciada pelo crescente consenso que essa
G20, tendo se tornado atores de peso na arena agenda alcançou na comunidade internacional.
global. Os cinco países dos Brics abrigam quase Desde a conferência de Rio 92, passando pelo
a metade da população e da força de trabalho ciclo de conferências das Nações Unidas nos
global. O território somado entre os membros anos de 1990 e desembocando na Rio+20 em
do bloco ocupa um quarto da área do plane- 2012 e na COP 21, com o Acordo de Paris em
ta. De igual modo, o PIB do bloco tem peso 2015, bem como com a emergência de novos
percentual expressivo e crescente na riqueza mecanismos de financiamento por meio de
mundial. Os membros dos Brics possuem vastos fundos ambientais e climáticos (veja o quadro
recursos naturais, tais como florestas, minérios, 2), o imperativo do desenvolvimento sustentável
terras, água e variadas fontes de energia. Suas tornou-se uma resposta do Brics às expectativas
economias dependem cada vez mais da ex- globais e, em larga medida, uma forma de dife-
tração e exploração intensiva desses recursos. renciação do NBD em relação às IFIs tradicionais
Recentemente, em especial a partir da VI dominadas pelas potências do Norte.9
Cúpula do Brics, realizada em Fortaleza (CE), em Embora o mandato do NBD esteja explici-
julho de 2014, o bloco passou a criar instrumentos tamente focado no desenvolvimento sustentá-
que apontaram para a existência de um projeto vel, é precisamente nesta agenda que o bloco
mais estruturado de seus integrantes, como foi o apresenta suas maiores vulnerabilidades, a
caso do Arranjo Contingente de Reservas (sigla em começar pela ausência de uma clara definição
inglês: CRA) e do Novo Banco do Desenvolvimen- do significado deste conceito nos documen-
to (NBD), este com um capital inicial de US$ 100 tos e nas diretrizes publicados até agora pelo
bilhões e destinado a fortalecer a coordenação NBD, embora os países membros fundadores
política e a financiar projetos de infraestrutu- sejam signatários de um amplo conjunto de
ra e desenvolvimento sustentável. O banco foi tratados, normas e declarações internacionais
9 O Acordo de Paris, que foi negociado por representantes de 195 países e adotado por unanimidade em dezembro de 2015, é um enorme
avanço da comunidade internacional na solução da mudança climática. Disponível em: <http://www.adb.org/sites/default/files/institutional-
-document/189560/mdb-joint-report-2015.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2018.
5.1 O Fundo Monetário Internacional (FMI) implementar uma série de ajustes na econo-
mia, particularmente políticas de austeridade,
O Fundo Monetário Internacional é uma flutuação do câmbio, condução mais firme da
das duas instituições financeiras criadas na política monetária, abertura para comércio
Conferência de Bretton Woods, nos EUA, em e investimentos, privatizações de empresas
1944, por 44 países que adotaram sua Carta públicas, abandono de políticas industriais e
de Obrigações e Direitos. Hoje, o FMI tem 189 de desenvolvimento conduzidas pelo Estado,
membros e tornar-se membro ou retirar-se da desregulações diversas, entre outras medidas.
instituição é uma decisão exclusiva de cada É esse poder de condicionar a concessão de
país. Quando um país se filia, contribui com empréstimos a ajustes estruturais de interesse
uma “cota de inscrição”, que se junta ao fundo de empresas multinacionais que, ao longo dos
do qual os membros podem sacar recursos na anos, tornou o FMI o “inimigo público número 1”,
forma de empréstimos. O valor da cota define principalmente de governos progressistas e dos
quanto um membro pode tomar emprestado e movimentos sociais, pois além do poder do Fundo
também determina seu poder de voto. de forçar o país em questão a se comprometer com
Os empréstimos têm a finalidade de auxiliar as condições do ajuste, por meio da ameaça de não
os membros que enfrentam dificuldades com sua disponibilizar os empréstimos, as fontes privadas
balança de pagamentos, ao exibir déficits que seus internacionais de crédito também se negam a
próprios recursos não conseguem mais saldar. conceder créditos se o Fundo não der o seu aval.
Quando isso ocorre, o país membro tem o direito Esse vínculo entre o Fundo e os bancos privados
de sacar imediatamente 25% de sua cota. Se tal ficou claro durante a crise da dívida externa dos
montante não for suficiente para resolver seus países em desenvolvimento nos anos de 1980,
problemas, pode solicitar um montante maior de quando se verificou que os valores devidos por
até três vezes o valor da sua cota para pagar no diferentes países ao FMI e ao Banco Mundial eram
prazo de três a cinco anos ou, em casos excepcio- muito inferiores às dívidas com bancos privados.
nais, em prazos até maiores. Os empréstimos são O processo decisório do FMI tem no topo
pagos acrescidos de taxas de serviço e de juros. o “Board of Governors”, composto por represen-
Para solicitar o referido montante, o gover- tantes da área econômica dos países membros e
no do país em questão deverá apresentar uma que se reúnem normalmente uma vez por ano.
“carta de intenções” ao FMI, que, na prática, é Abaixo dessa instância estão os 24 diretores-exe-
um plano de reformas macroeconômicas, por cutivos que formam o “Conselho Executivo”. São
meio do qual o Fundo orienta o solicitante a eles que decidem questões sobre a concessão de
Período Número US$ (bilhões) Número US$ (bilhões) Número US$ (bilhões)
6.1 Corporação Andina de Fomento (CAF) Comunidade Andina de Nações (CAN). Este
acordo de integração abarcava a participação
Denominada informalmente de “Banco de da Bolívia, do Chile, da Colômbia, do Equador,
Desenvolvimento da América Latina”, a CAF foi do Peru e da Venezuela.
fundada em 1970 para dar suporte financeiro No entanto, atualmente, a CAF tem papel e
ao Pacto Andino, estabelecido um ano antes e participação mais amplos, ao incorporar 20 paí-
que, em 1996, mudou sua denominação para ses e 14 bancos como acionistas. Entre os países
O tema das salvaguardas nos bancos mul- internacional assimilasse o debate sobre os “limi-
tilaterais remete ao debate mais amplo sobre o tes do crescimento”, foi nos anos de 1980, com
papel dessas instituições no financiamento ao o Relatório Brundtland sobre o “nosso futuro
desenvolvimento e sobre os impactos dos mo- comum”, que os espaços para tal debate passaram
delos de desenvolvimento promovidos por esses a se alargar, tendo culminado na realização da Rio
bancos sobre as populações, as comunidades e 92 e no chamado ciclo social de conferências das
os sistemas de vida afetados pelos projetos, pelos Nações Unidas ao longo dos anos de 1990, que
programas e pelas políticas dessas instituições. constituíram as bases para a forte legitimidade
Remete também à evolução do debate sobre as do chamado desenvolvimento sustentável.
dimensões socioambientais do desenvolvimento Desde então, tal conceito tem sido objeto de
e de como as velhas e novas IFIs têm assimilado assimilação e também disputas de significado entre
esse debate ao longo das últimas décadas. os mais diversos atores – Norte versus Sul, setor
A crescente importância das salvaguardas so- privado, ONGs, movimentos sociais, populações
ciais e ambientais e de transparência e participação afetadas. Como parte desse processo, as instituições
social nessas instituições é motivada por diversos financeiras multilaterais passaram gradativamente
fatores. O mais importante diz respeito ao fortale- a absorver o desenvolvimento sustentável em suas
cimento da resistência, da organização coletiva e diretrizes; porém, com frequência, em movimentos
das demandas dos afetados pelos projetos, pelos contraditórios, com idas e vindas, respondendo a
programas e pelas políticas dessas instituições. interesses e perspectivas diversas. Embora cada
Desde os anos de 1980, as organizações e os movi- instituição tenha respondido à demanda por sal-
mentos sociais passaram a constituir, em inúmeros vaguardas de um modo particular, conforme se
países, espaços coletivos – tanto em nível local observa a seguir, existem padrões comuns a todas,
quanto nacional e global – para debater, resistir e tanto às “velhas” quanto às “novas”.
incidir sobre os rumos dos financiamentos dessas
instituições, de modo a ora bloquear projetos ora 7.1 Salvaguardas do Grupo Banco Mundial
adequá-los às suas demandas e necessidades.
Outro fator é a trajetória de crescente legiti- O debate sobre salvaguardas sociais e am-
midade que a agenda social e ambiental passou a bientais, transparência e participação social
ter no sistema ONU e nas instâncias multilaterais. nas IFIs ganhou corpo nos anos de 1980 e sua
Se, desde os anos de 1970, o Clube de Roma já evolução está relacionada à crescente legitimi-
havia apontado a importância de que o sistema dade que tais temas paulatinamente alcançaram
17 Criada em 1995, a Rede Brasil foi o principal espaço coletivo de articulação de organizações da sociedade civil brasileira para mobilização e inci-
dência sobre os projetos, os programas e as políticas dos bancos multilaterais.
36 O documento claramente afirma que o AIIB “objetiva trabalhar de uma maneira cooperativa”, fornecendo consultoria e fiscalização do seu corpo
técnico, suplementada por consultores especializados, “com o objetivo de apoiar seus clientes no sentido de integrar considerações de impactos
e riscos sociais e ambientais em seus projetos”.
Ao longo das últimas décadas e, em espe- matéria ambiental e climática, como é o caso da
cial, a partir da Conferência das Nações Unidas evolução da crescente premência de acordos sóli-
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio dos ao longo das sucessivas COPs – Conferências
92), realizada em 1992, convenções, declarações das Partes signatárias da UNFCCC –, que aprova-
e tratados internacionais sobre meio ambiente e ram marcos e compromissos como o Protocolo
sustentabilidade passaram a vigorar e a mobilizar de Kyoto37 e o Acordo de Paris38 (diferente do
recursos para a implementação dessa agenda. É Protocolo de Kyoto, o Acordo de Paris é universal e
o caso do conjunto de documentos aprovados envolve todas as partes da Convenção do Clima).
na Rio 92: Convenção-Quadro sobre Mudanças É o caso também da grande mobilização de
Climáticas (em inglês: UNFCCC), Convenção sobre governos, das sociedades, da opinião pública e
Biodiversidade, Agenda 21, Convenção de Com- dos atores públicos e privados no caminho para
bate à Desertificação, Declaração de Princípios a Rio+20, que objetivava atualizar o estado dos
sobre Florestas e Declaração do Rio sobre Meio compromissos assumidos 20 anos antes no Rio
Ambiente e Desenvolvimento. Outro exemplo e que desembocaram na revisão dos Objetivos
é o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, de Desenvolvimento do Milênio, transformando-
na sua sigla em inglês), criado no início dos anos -os em um conjunto mais amplo e detalhado de
de 1990 como um dos mais importantes me- metas – os Objetivos do Desenvolvimento Sus-
canismos de financiamento para a viabilização tentável –, cuja intenção seria articular iniciativas
dos compromissos estabelecidos pelos Estados globais, nacionais e locais em torno das dimen-
nacionais na agenda sobre sustentabilidade. sões sociais e ambientais da sustentabilidade.
Desde então, a comunidade internacional Entre os mecanismos criados nesse am-
tem ampliado cada vez mais o consenso sobre biente de crescente consenso da comunidade
a necessidade de novos mecanismos de finan- internacional sobre a necessidade de compro-
ciamento, fundos e compromissos globais em missos efetivos na agenda ambiental e climática
As mudanças que aconteceram na década e papel na crise, explicitou também que novos recur-
meia desse novo século apontaram para o esgo- sos viriam com uma participação maior de países
tamento do modelo de estrutura e operação das que, até o momento, tinham pouca capacidade
agências financeiras multilaterais organizado a par- de influência sobre essas instituições e que, agora,
tir do fim da Segunda Guerra Mundial. A orientação condicionavam os novos aportes a uma maior
de condicionalidades, especialmente o desenho de relevância na tomada de posição interna naquelas
modelos de estrutura e gestão macroeconômica instituições, como foi o caso dos países do Brics,
associados aos recursos das agências, em especial mas – dentro desse grupo, particularmente – o
o FMI e o Banco Mundial, dando o tom das demais, papel da China. A partir do novo poderio chinês,
passou a ser evitada pelos países tomadores a partir que também se expressava na área financeira, não
das crises dos anos de 1990, resultantes da orien- apenas se colocou mais fortemente a questão das
tação de liberalização das contas de capitais, o que “condicionalidades externas” versus soberania na
ocasionou o processo acentuado de especulação concessão de recursos, no interior das agências
contra as moedas nacionais ao longo daquela déca- tradicionais, como começou a se desenvolver toda
da e uma sucessão de crises financeiras nos países uma nova estrutura de suporte e financiamento
tomadores de recursos. (a iniciativa Chiang Mai dos bancos centrais asi-
No caso da maior parte dos países, a capa- áticos e o Acordo Contingente de Reservas no
cidade de agir de forma independente das IFIs âmbito dos Brics aparecem como opção ao FMI,
tradicionais, aproveitando a liquidez internacio- enquanto agências como o AIIB e o NDB aparecem
nal e o acesso a recursos privados, implicava tam- como “complementares” às agências financeiras
bém trabalhar com um volume alto de reservas tradicionais). A montagem dessa nova estrutura,
internacionais, o que acabou sendo a opção da permeada pelos interesses chineses, mas também
maioria. Assim, as agências financeiras multila- de resistência à visão que tinha acarretado as crises
terais perderam boa parte de sua capacidade de de balanço de pagamentos nos anos de 1990 e,
influência via empréstimos, embora o FMI e o portanto, defendendo uma menor intervenção
Banco Mundial tenham se mantido com um papel do ponto de vista de limitação das estratégias
relevante de formulação e difusão de posições. nacionais pelas IFIs, obriga também a repensar a
A crise financeira de 2007 a 2009 voltou a dar atuação das tradicionais.
algum papel relevante às IFIs tradicionais, mas ago- A manutenção de uma liquidez elevada nos
ra em um novo ambiente. A criação do G20, que mercados financeiros mundiais depois da crise de
– aportando recursos – voltou a dar musculatura ao 2008, turbinada pela política de juros baixos (pró-
FMI e ao Banco Mundial para que tivessem algum ximos a zero) e pela expansão da oferta de moeda
46 ESTEVES, Paulo; GOMES, Geovana Zoccal; TORRES, Gabriel. The New Multilateral Development Banks and the Socio-environmental Safeguards.
BRICS Policy Center, Quarterly Brief, BPC Policy Brief – v. 6, n. 4, november 2016.
47 ESTEVES, Paulo; GOMES, Geovana Zoccal; TORRES, Gabriel. Juntando a China com a vontade de comer: bancos de desenvolvimento e políticas e
salvaguardas socioambientais. PONTES – vol. 12, n. 9, nov. 2016.
48 Fórum de Diálogo BNDES e Sociedade Civil. Investimentos Externos do BNDES – documento de subsídio para o Fórum de Diálogo sobre Investi-
mentos Externos do BNDES, nov. 2015.
REFERÊNCIAS
BEKERMAN, Marta; DULCICH, Federico; MON- ESTEVES, Paulo; GOMES, Geovana Zoccal; TORRES,
CAUT, Nicolas. Transformações recentes da Gabriel. The New Multilateral Development
economia chinesa: impactos sobre suas re- Banks and the Socio-environmental Safe-
lações comerciais com a América Latina. In: guards. Brics Policy Center, Quarterly Brief,
Revista Tempo no Mundo, IPEA, vol. 5, n. 1, BPC Policy Brief – v. 6, n. 4, november 2016.
abr. 2013, pp. 5-43.
ESTEVES, Paulo; GOMES, Geovana Zoccal; TOR-
BERENSMANN, Kathrin; WOLFF, Peter. The role RES, Gabriel. Juntando a China com a vonta-
of international financial institutions in de de comer: bancos de desenvolvimento
macroeconomic crisis – Improving the e políticas e salvaguardas socioambientais.
architecture of the World Bank and the PONTES, vol. 12, n. 9 – nov. 2016.
IMF for managing shocks in developing
countries. In: Deutsches Institut für En- Fórum de Diálogo BNDES e Sociedade Civil. Inves-
twicklungspolitik, n. 33, Discussion Paper. timentos Externos do BNDES – Documento
Bonn: 2014. de subsídio para o Fórum de Diálogo sobre
“Investimentos Externos do BNDES”. Nov. 2015.
BUITER, Willem; LANKES, Hans Peter. Interna-
tional Financial Institutions – Adapting MINEIRO, Adhemar; CASTRO, Clarisse. O Brasil e
to a World of Private Capital Flows. EBRD, o G20 Financeiro. Rio de Janeiro: REBRIP/
2001, mimeo. OXFAM, jun. 2011, mimeo.