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O setor de satide e 0 desafio da intersetorialidade SINOPSE 0 sexo de side pasou, nos dinos "ant nos, por um procete attic de tan Teréncia de poder €o Governo central para ct sgvernos municipal e de redrecionamerts a {flo do stor pbc, A FUNDAP parispos dese proceso por meio de aes insta bes gevtoras do setor de sade, programas de Tormagio e pesquisa &,porant, um or as titaconale fem, natainene, uma vsso do Rose Marie Inojosa Luciano A. Prates Junqueira movimento, configurada nessa vinci. Com base nesta visto, pretende-se identifier e abor- dar um dos destios que se apreseneam hoje esto plies inteseroralidede. Procuram-se faizes desee desafo m0 movimento do setor de ‘86de, nfo como nia fonte dessa discusi0, mas pels anus pecaliaridadese ionelsmo, que pe ‘item dat consisténca a uma proposta de mu- dang da gestio pablia de carter mais amplo, Seer foe Some a ntmiscpa e, cane A Fo feng Seance de FoNBae ‘peperanias oat ts Peas pet ohms Sees eee” =a See, {pi utara Re rid Sere: "6 | eadernos cap VELHOS E NOVOS DESAFIOS A trajecbria do setor de sade é singu- tarnahistéria das politicas pblicas do Bra- sil, tanto por ter capitaneado a proposta de descentralizagio do poder até onfvel local, como porenvolver uma esratégiadeinclu- so da paricipasio dos cdadios nas deci- ses do setor. Enqiuanto projeto de trnsformacio so- cial, o modelo de sade proposto pelo mo- vimento sanitirio que dew origem 20 Siste- ma Unico de Satde (SUS) era ambicioso: universlzar a suide como direto do cida dave deverdo Estado; descentralizaropo- deraté onivel local promovendo a partici paso do cidadio nas decsdes do setor; € garantir a integralidade do atendimento, soperando a dicotomia prevengio/cura € abrigando uma concep¢do muito ampla de sade, entendida como bem-estarfisico, psiquico ¢ social Isso tudo num cendriocontraditério. De am lado, havia o movimento de redemo- cratizasio, que permitiu 0 ressurgimento de principiosfederativos hi muiro adorme- idos, ¢ © fortalecimento do discurso da participasto; de outro, havia a situagio de dependéncia miitua entre o Estado e a rede privada de satide © 08 interesses privados radicados nas grandes estruturas estatais. Nio foram, portanto, poucos os dess- fios quesecolocaram aimplantaciodoSUS, ou surgiram no seu decorrer. Alguns deles foram bem-solucionadosou encaminbados Eocaso, por exemplo, da descentralizasio ‘entre niveis de governo. Na saiide, promo- veu-se o deslocamento de poder do Gover- no federal para os estaduaise, depois, para (0s municipais; caminho seguido por outras, freas, como a assisténcia social e a educa- sdo. Agora, trata-se de aprofundar esse movimento, deslocando poder para parcei- r0s da sociedade civil E 0 caso também da participagio do idadio, cujas possibilidades foram amplia- das com as conferéncias ¢ os conselhos de saide, Naturalmente que a apropriagioe 0 direcionamento destes dependem das con: digdes para o exercicio da cidadania, que tém seu préprio ritmo. Hi desafios, resultantes de situages malsolucionadas, como a relagio piiblico/ privado, que continuam constituindo um fator impeditivo a realizacéo do modelo de atengio a sate proposto pelo SUS. A rede deservicos de sade que ofereceintemaszo hospitalar é constitulda por 80% de estabe- lecimentos privados lucrativos e nfo-lucra- tivos € 20% de estabelecimentos publicos; entretanto, oSUS trataa rede privada como seforse complementara rede publica, Como pode ser complementaro queé tio flagran- temente hegeménico? A reversio de tal si- ‘tuacio,cultivada pelo proprio Poder Publi- co nos anos 60, implicaria investimentos clevados na rede pitblica, que nfo foram feitos Hi, ainda, a questio do financiamento, ‘que tem mobilizado - ou melhor, imobili- zado ~ parte da gestio da politica de satide. Essa questio € subproduto de posigoes € decisdes contraditérias da sociedade, do Governo ¢ também do proprio seror, que faz um discurso de atencio a sate e conti- nua “mergulhado” no pagamento da assis- téncia médica curatva Este artigo pretende enfocar, paricular- mente, o desafioda articulaciointersetoral, or supor que sua compreensio pode con- tribuir para a reflexdo e para a discussio de alguns problemas do modelo que hoje ori- enta a politica de saide no Brasil ‘A TRAJETORIA DO SETOR DE SAUDE E ‘SEUS MITES ParaoSUS, asatide faz pare doconccito de qualidade de vida. A propria defnigo de satide, que 0 movimento sanitério abrigou para se contrapor ao modelo de assisténcia & doenca, requer a consideracio de outras politcas, como as de educacio, habitacio, renda e, mesmo, a politica econdmica, Assim, a qualidade de vida, entendida como “possibilidade de melhor redistri- buigdo - usufruto ~ da riqueze social tecnolbgica auferida por um dado sgrupa- mento humano” (Akerman, 1996, p. 9), no depende do oferecimento isolado de sum dado servigo, mas da oferta de um con- junto de condigdes de vida e de trabalho ‘que respeite as especificidades de areas ¢ ‘grupos populacionais, nfo podendo ser pa- dronizado sequer para 0 municipio como tum todo. Em busca da implementacio desse con- ceito de saéde que se desenvolveu a pro posta de criagio de distritos sanitérios, Se- ‘gundo essa proposta, a definigzo e gestio da politica de sate se dé em espacos geo- agrificos homogéneos em que vive € traba- ha uma populagio com um perfil peculiar, cujas necessidades e demandas devem ori- centar a aco piiblica, especialmente plane- jada para as suas condigdes, de modo @ ampliar a redistribuigdo eo usufrato da r- ‘queza da sociedade. ‘© conceito de distrito sanitfrio esteve presente na base te6rica do SUS, proposto pelomovimentosanitirio desde osanos 70. Nessa época, entretanto, havia uma ques- ‘Wo prioritria a ser superada: a desarticula- sfo setorial, que era aguda e cuja solugio ‘aaarnos wrap 7 Seatlrce 191 hye ene nga foramen dcepende Neplenea sors ‘Grong Soe sete, vasa i implicava a centrlizagio das decisdes n0 Governo federal. Do ponto de vista do cidadio, a desar- ticulagio do setor de sade apresentava-se da seguinte forma: em determinado bairro, havia um pequeno posto de vacinacio mu- nicipal, um centro de satide estadual ¢ um posto de assistencia médica federal, perten- cente 20 Instituto Nacional de Assisténcia ‘Médica da Previdéncia Social - Inamps, ou seja, havia diferentes gestdes e, portanto, objetivos distintos. O cidadao “batia em todas essas portas” para conseguir algum atendimento. Seo seu fio estivesse saudé- vel, levava-o ao centro de saiide para con: tole, Se estivesse doente, 20 posto de assis téncia médica do Insticuto de Assisténcia Médica a0 Servidor Pablico Estadual - Tamepe, desde que estivesseinscritona Pre- vidéncia Social. Se fosse uma emergéncia ou caso de intemnagio, socorria-se de um pronto-socorrodo sistema do Tamspe—que ‘comprava servigos do setor privado~ou,s€ nao era previdenciério, de tm hospital pé blico municipal ou estadual. Cada unidade sinba sua propria légica, que ndo era a do atendimento das necessidades © demandas do cidadio, ainda que estas estivessem re- duzidas apenas 3 dtica do atendimento & doenga. Em outras politicas pblicas, ocor- reu fendmeno semethante, resultado de décadas de desarticulacio da aga0 dos dife- rentes niveis de governo ¢ da tradicio centralizadore do Governo federal.” Anecessidade de superar essa desarticu- lagdo levou a um primeiro movimento de descentralizasa0, que, em muitos casos, se limitoua um processo de desconcentraczo, isto é, transferéncia de poder para niveis periféricos dentro de uma mesma esfera de {governo, Em alguns casos, contudo, secre- tariasestaduaise municipaisreorgenizaram- sc em virtude da transferéncia de poder do nivel federal de governo para o estadual, coma descentralizacio de fungBes e recur- sos do Inamps, ¢ da desconcentragio de poder da prépria organizacio cstadual para o nivel periférico, visando analisar ¢ plane- jar o atendimento das peculiaridades de adeno ‘grupos populacionais especificos,nasdiver- ss regibes. ‘Um significativo movimento nesse sen- ‘ido, anterior 20 SUS, mas sob oideério do movimento sanitirio, ocorreu em Sio Pau. lo, no Governo Montoro. Nesse perfodo, foram criados 62 escritérios regionais de sate (Ersa), tendo por finalidade explicit “aconsecucio de um novo modelo de assis: tencia a satide da populagio da area de abrangéncia, mediante: aintegracio, hierar- quizacio ¢ regionalizagio dos servigos de satide que 0 comptem ¢ a integracio dos recursos de satide, em nivel federal, estadu al e municipal, existentes na sua fea de abrangéncia” (Sto Paulo, 1986, p. 840). Embora tena ocorrido no ambito do Governo estadual, esse movimento previa a mobilizacio de recursos estaduais e mu- nicipais que operavam a rede de prestagio de servigos, tendo por horizonte a munici palizacZo: “a construgio da nova secreta- ria significoudesmontar uma estratura ver- ticalizada e compartimentalizada em coordenadorias, muitas vezes voltedas tarefas cartoriais, deixando em segundo planoaatividade-fim da Pasta(...)” (Yunes, 1987, p. 5) Outros governos estaduais também se cengajaram nesse processo. A FUNDAP as sessorou, além da Secretaria de Estado da SaGide de Sto Paulo, as secretarias estaduais desatide do Cears? e do Parand,! em 1988, a Secretaria de Estado da Satide do Espi ito Santo,t em 1989, Em todosesses casos, as organizasbes foram redefinidas devido t reorientagio do modelo de saide. 0 Governo do Estado do Cearé, por cexemplo, redefiniu 0 escopo da instituiséo ‘gestora da satide integrando duasorganiza- Ges, a Secretaria de Estedo da Satide © & Fundagio de Satide do Estado ~ Fusec, a partirdo modelode saide. Areorganizagio ‘ransformou as duas instituigdes, que até centio gerenciavam separadamente hospi tis ecentros de satide, renovando a pritica de gestio, independente da formalizacio ‘de um novo aparato organizacional. Nesse processo, foi redefinido 0 papel dos vinte departamentosregionais desatide, integran- do, de forma descentralizada, 0 gerencia- ‘mento das redes ambulatorial ¢ hospitalar {FUNDAP, 1988, p. 88). © Govemo do Parani, por sua vez, re- ‘sionalizow a estrutura da Secretaria de Esta- do da Saide, tendo em vista a mudanga de papel do nivel estadual de governo ¢ 0 es- tabelecimento de novas relagBes entre o Es- tado eas prefeituras, orientadas pela redefi- nigzo do modelo assistencial (FUNDAP, 19882). A regional-piloto, organizadacom a assessoria da FUNDAP, foi a de Maringé, ‘com28 municipios. O seu modelo foi adap- tado ¢ estendido ao restante do Estado. Em 1989, pesquisa realizada para o Consetho Nacional dos Secretiriosde Esta- do da Sefide ~ Conass* mostrou que os programas do Sistema Unificado e Descen- tralizado de Saiide (Suds) ~ precursor do SUS ~estimularam ou reforgaram as inicia- tivas de descentralizacio da geréncia dos servigos, quer no ambito da administragio estadual, com a regionalizacio, quer no Ambito intergovernamental, com 0 movi- mento de municipalizacio, A diversidade de situagbes de gestio de satide nos gover- ‘os estaduais © de municipalizagio ficou evidenciada nesses encontros regionais. Em tum deles, representantes da Secretaria de Estado da Saide do Rio de Janciro defen- deramamunicipalizaao do gerenciamento dos sistemas locais de satde, saltandoa eta- pa da regionalizacio, que, na pratica, seria luma solusdo mais coerente com © novo ‘modelo, Na verdade, em alguns casos, as secretarias estaduais de sade, depois de receberem atribuigdes do Governo federal, particularmente em relagio a0 controle da ‘contratagio de servicoscomplementares do setor privado, tiveram dificuldades em repassi-las aos municipios. Se do ponto de vista do gerenciamento identificavam-seesses problemas, quanto20 atendimento,assecretariasestaduaisde sat de avaliaram, naguele momento, que a descentralizacio estava possibilitando a reorientagiodsa apropriasdodos servigos de saiide pelo usuirio, levando-o a utilizar como “portas de entrada” os ambulatérios da rede piblica € ndo mais os hospitais pri- vados, com duas vantagens: perspectiva de atendimento mais adequado para 0 cidadzo € economia de recursos para o sistema (FUNDAP, 1989b, p. 23). Mas, nesse momento, as reformas do setor satide ainda estavam intra-referidas, isto €, voltadas, sobretudo, para resolver 2 dicotomia do atendimento’ sate do cida- dio, particularmente no tocante 3 assistn- cia médica ¢ hospitalar. Era de se esperar que esse movimento ‘ganhasse maior consisténcia com a efetiva ‘municipalizagio, pois da maneiracomovi nha ocorrendo, com a tentativa de criago de distritos sanitirios pelo Governo esta- dual, este softia as dificuldades naturais de tum gestor que tentava mudar seu perfil de ptestador de servigos dirctos 4 populagto para coordenador regional. Entretanto, esse movimento de regionalizago no pode ter seu significado desprezado, prin- cipalmente no que se refere 208 profisio- iis de satide, que estiveram nos governos estaduais nesse periodo de mudanga vvivenciaram os primeiros passos do pro- cesso de descentralizagio. Iniimeros de- Jes, em especial os sanitaristas, foram tra- balharpara os municipios, quandoda muni-

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