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Capitulo XX RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ‘ACONTRATUAL DO ESTADO POR COMPORTAMENTOS ADMINISTRATIVOS 1. Introducdo. I. Responsabilidade e sacrficio de direto. Il. Originalidade da respon sabilidade piblica. 1V.A responsabilidade do Estado e o Estado de Direito.V. Evol a0 da responsabilidade por atos administrativas. VE. Fundamentos da responsabilc dade do Estado, VI. Questées capitais sobre a responsabilidade estatal. VIII. Os sujeitos que comprometem 0 Estado. IX. Caracteres da conduta lesiva ensejadora de responsabilidade. X. O dano indenizdvel. XI. Excludentes da responsabilidade do Es- tado. XH. A responsabilidade do Estado no Brasil. I Introdugaio 1, Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigago que Ihe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos a esfera juridicamente garantida de outrem e que Ihe sejam imputdveis em decorréncia de comportamentos unilaterais, licitos ou ilicitos, comissivos ou omissivos, materiais ou juridicos. 2, Como qualquer outro sujeito de direitos, o Poder Piblico pode vir a se en- contrar na situagéio de quem causou prejutzo a alguém, do que Ihe resulta obriga- do de recompor os agravos patrimoniais oriundos da agao ou abstengao lesiva. Esta nogio €, hoje, curial no Direito Piblico. Todos os povos, todas as legis- Jagdes, doutrina e jurisprudéncia universais, reconhecem, em consenso pacifico, 0 dever estatal de ressarcir as vitimas de seus comportamentos danosos. Estados Unidos e Inglaterra, tiltimos refratérios & tese, acabariam por assumi-la em 1946 ¢ 1947, respectivamente, embora sem a extensio que seria de desejar, posto que ainda apresenta caracteres algo restritivos. II. Responsabilidade e sacrificio de direito 3. E importante esclarecer que 0 problema da responsabilidade do Estado nao ode nem deve ser confundido com a obrigagao, a cargo do Poder Publico, de in- xisTRATIVO oa ‘CURSO DE DIREITO ADMINISTRAT? a ordem juridica Ihe confere o acrificando certos intetesser ressfio patrimonial. A degq. denizar os particulares naqueles casos em que a ¢ de investir diretamente contra o direito de terceiros, $4 Privados e convertendo-os em sua correspondente ¢xP! Propriagto €oexemplotpeo desta sO mba, S— que incluem, além dela, intimeros out nto, he vio tempordria ~, consoante correta ¢ a requisigao, a chamada ocupay indenizagdo deve ser prev arguta observagdo do publicsta Mauricio Zockun, a indenivigh 11, Francis-Paul Bénott, Le Droit Administratf Francais, Pris, Dalloz, 1968, p. 677. 12, Traité Elémentaire de Droit Adminisiratif cit, 3*ed., vol, p. 614. & ee o CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO 30. & mister acentuar que a responsabilidade por “falta de servigo", falha do servigo ou culpa do servigo (faute du service, seja qual for a tradugdo que se Ihe Ge) nto é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, a0 contrério ddo que entre nds e alhures, As vezes, tem-se inadvertidamente suposto. E respon. Sabilidade subjetiva porque baseada na culpa (ou dolo), como sempre advertiu o Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.'* Com efeito, para sua deflagragao nao basta a mera objetividade de um dano relacionado com um servigo estatal. Cumpre que exista algo mais, ou seja, culpa (ou dolo), elemento tipificador da responsabilidade subjetiva. 431. E muito provavel que a causa deste equivoco, isto €, da suposi¢ao de que a responsabilidade pela faute du service seja responsabilidade objetiva, deva-se a ‘uma defeituosa tradugao da palavra faure. Seu significado corrente em Francés é 0 de culpa, Todavia, no Brasil, como de resto em alguns outros paises, foi inadequa- { iento do dever legal na adogiio de providéncias obrigatsrias. Faltando, entretanto, este cunho de injuri cidade que adyém do dolo, ou da culpa tipificada na negligéncia na imprudéncia ou na impe- ricia, no ha cogitar de responsabilidade piblica, Sa conduziria a absurdos. E que, ci , em principio, ‘0S os interesses da coletividade. Ante qualquer 0, como um assalto em via piblica, uma enchen- 60, Finalmente, quadra advertir que a responsabilidade por comportamentos omissivos nao se transmuda em responsabilidade objetiva nos casos de “culpa pre- sumida”, pois, se 0 Poder Paiblico provar que nao houve omissio culposa ou dolosa, descaberd responsabilizé-lo; diversamente do que ocorre na responsabilidade obje- tiva, em que nada importa se teve, ou nfo, culpa: responderé do mesmo modo. Com efeito, nos casos de “falta de servigo” é de admitir-se uma presungdo de culpa do Poder Piiblico, sem 0 qué o administrado ficaria em posigo extremamer te fragil ou até mesmo desprotegido ante a dificuldade ou até mesmo impossibil dade de demonstrar que o servigo nfo se desempenhou como deveria. O adminis- trado nio pode conhecer toda a intimidade do aparelho estatal, seus recursos, suas ordens intemnas de servico, os meios financeiros e técnicos de que dispde ou neces- sita dispor para estar ajustado as possibilidades econdmico-administrativas do Es- tado. Ora, quem quer os fins nao pode negar os necessarios meios. Se a ordem jurf- dica quer a responsabilidade piblica nos casos de mau funcionamento do servigo, no pode negar as vias de direito indispensdveis para a efetiva responsabilizagao do Estado — 0 que, na verdade, s6 ocorrerd eficientemente com 0 reconhecimento de Sg i acai ‘cuRSO DE DIRETTO ADMINISTRATIVG 0 Pablico, pois, como fe culpa do Poder | COMO repre, Hs npoteses ocora versio do Ons da pry ; to, que ne en ‘ogo, Razodvel, porta = ; rio do qu passa coma esponstilidad do Sado py, 61. Ao contrio do a esponsabilidade por comportamentos omissigg portamentos comissivos, elo dingulo passive da relagdo (a dg lesa ide ps zo nao se examina nem se deci i f ae ee aridicamenteprotepida), mas pelo Palo A da relagao. Eze, aansaracteres da omissio estatal que indicardo Se id ono responsabilidad. Nio se pode, portanto, enfocar todo 0 problema da esponsabilidade do Ex, do por comportamentos unilaterais a partir da pr na Seal a seja, daquele que sofreu um “dano injusto”. E que, tratando-se aro edad PO compe. doecets etal omissivo,o dano nfo é obra do Estado. Por tsa cae respons, Tarp seo seu comportamento omissivo eracensurade PS'0 Dito, Fora gy, quando couber, a responsabilidade serd de outrem: €o Pr prio agente do dao, 'responsbildade estatal epontaré apenas, consoante reiteradamente vino, afirmande se 0 Estado nao agiu para impedir o dano, embora estivesse juridca, anne obrieado a obstélo, ot se, tendo agido, atuou insuficientemente, poran, abaixo dos padres a que estava, de direito, compelido. 62. E-corretissima, portanto, a posi¢ao sempre ¢ de ‘hd muitos lustros susten. tada pelo Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello ~ que serviu de fundamenog de norte para os desenvolvimentos contidos neste trabalho -, segundo quem a responsabilidade do Estado € objetiva no caso de comportamento danoso comiss- vo e subjetiva no caso de comportamento omissivo. Com efeito, a ligdo perfeita do citado Mestre esté sintetizada com absoluta preciso nas seguintes palavras: “A responsabilidade do Estado por omissio s6 pode ocorrer na hip6tese de culpa andnima, da organizagio ¢ funcionamento do servigo, que nio funciona ou funciona mal ou em atraso, e atinge os usustios do servigo ou os nele interessados”. Jé, a responsabilidade objetiva tem lugar em hipétese distinta, como expe o mencionado autor: “A responsabilidade fundada na teoria do risco-proveito pressupde sempre ago positiva do Estado, que coloca terceiro em risco, pertinente a sua pessoa ou a0 seu patriménio, de ordem material, econdmica ou social, em beneficio da inst- tui¢do governamental ou da coletividade em geral, que o atinge individualmente, e alenta contra a igualdade de todos diante dos encargos ptiblicos, em Ihe atribuin- do danos anormais, acima dos comuns inerentes a vida em sociedade. “Consiste em ato comissivo, positivo, do agente pablico, em nome e por con ado Estado, que redunda em prejuizo a terceiro, consequéncia de risco decorren- uma presungio juris notavelmente dificil para 0 20, Até& 20 edo falévamos que a presungo de culpa exstiia “em inimeras situs & falta de servigo. Hoje, coforme consta do texto, entendemos que existe em qualquer situaso de fl de servi. que existe em qualquer situs XX--RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO 6 m vista 0 proveito da institu gasua agH0, Fepita-se,praticado tendo e te i nais de omissiio negativa. de al ou da coletividade em geral Jan samem embargo do quanto se disse, ent cous de responsabilidae por omis nos rv, deve-se considerar que vig aio. Dessarte, 0 lesado nao nece Pailin embargo, Se a entidade publi 0 gover- tendemos que ~ reitere-se e enfatize-se ~ 0, isto é, em que a responsabilidade é fora uma “presuncdo de culpa” do Poder ita facer a prova de que exisin culpa ow (0 m publica provar que sua omissao — propiciatéria dano - no decorreu de negligéncia, imprudéncia ou impericia chipcteses de culpa) ou de dolo, ficard excluida a responsabilidade. 63. Os acontecimentos suscetiveis de acarretar responsabilidade estatal por omissio ou atuacao insuficiente sZo os seguinte 1. fato da natureza a cuja lesividade 0 Poder Piblico nao obstou, embora de- yesse fazé-lo. Sitva de exemplo 0 alagamento de casas ou depésitos por forga do empogamento de aguas pluviais que no escoaram por omissi0 do Poder Ptiblico fm limpar 0s bueiros e galerias que Ihes teriam dado vazio: 2. comportamento material de terceiros cuja atuagao lesiva nao foi impedida Jo Poder Publico, embora pudesse ¢ devesse fazé-lo. Cite-se, por exemplo, 0 fssalto processado diante de agentes policiais inertes, desidiosos, «) Danos dependentes de situagdo apenas propiciada pelo Estado 64, Ha determinados casos em que a ago danosa, propriamente dita, no & efetuada por agente do Estado, contudo é 0 Estado quem produz a situagdo da qual o dano depende. Vale dizer: sao hipsteses nas quais é 0 Poder Puiblico quem constitui, por ato comissivo seu, os fatores que propiciardo decisivamente a emer- géncia de dano. Tais casos, a nosso ver, assimilam-se aos de danos produzidos pela propria agao do Estado ¢ por isso ensejam, tanto quanto estes, a aplicagio do principio da responsabilidade objetiva. Com efeito, nas hipéteses ora cogitadas, uma atuagio positiva do Estado, sem ser a geradora imediata do dano, entra decisivamente em sua linha de causagio. O caso mais comum, embora nao tinico (como ao diante se vera), € 0 que deriva da guarda, pelo Estado, de pessoas ou coisas perigosas, em face do qué o Poder blico expée terceiros a risco. Servem de exemplos o assassinato de um presidiario por outro presididrio; os danos nas vizinhangas oriundos de explosdio em depésito militar em decorréncia de um raio; lesdes radioativas oriundas de vazamento em central nuclear cujo equipamento protetor derrocou por avalancha ou qualquer outro fendmeno da natureza etc. Com efeito, em todos estes casos o dano liga-se, embora mediatamente, a um comportamento positivo do Estado. Sua atuagao é 0 termo inicial de um desdobramento que desemboca no evento lesivo, incindivel- mente ligado aos antecedentes criados pelo Estado. 21. Ob, vol. cits. p. 487. (0 DE DIRETTO ADMINISTRATIVO ox curs Orisco a que terceiros silo expostos pelo Estado nao ‘Pode deixar de Ser assy, mmido por quem o eriou, Depositos de explosives, centrais nucleares,recinigsq, fare de animais, io Fontes potenciais de possiveis danos a tereeitos, pelo per das. Manicémios, presidios, igualmente, por manteyen {20 das coisas ali conserva 7 Pes aay ” struidores, representam pa é pessoas suscetiveis de atos agressivos ou destruid p Para tereign uum risco de produgao de danos. ‘Uma vez que a Sociedade niio pode passar sem estes estabelecimentos, ininy, {dos em proveito de todos, € natural que ninguém em particular sofra © gravame jg danos eventualmente causados pelas coisas, animais ou pessoas que neles se encon, travam sob custédia do Estado. Dai que os danos eventualmente surgidos em decor, réncia desta situagdo de risco e por forga da proximidade de tais locais ensejarig responsabilidade objetiva do Estado. Com efeito, esta é a maneira de a comunidade social absorver os prejuzos que incidiram apenas sobre alguns, 0$ lesados, mas que foram propiciados por organizacées constituidas em prol de todos. Alias, no caso de danos oriundos de servigos e instalagOes nucleares de qualquer natureza, 0 art. 21, XXIII, letra “c”, da Constituigdo expressamente estabelece que “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existéncia de culpa”. 65. Em tiltima instincia, estas hipéteses de danos ora cogitadas nao se distan. ciam muito dos casos em que o prejuizo é causado diretamente pelo Estado. E que a lestio deriva de uma situagao criada pelo proprio Estado. E 0 proprio Poder Pi. blico que, embora sem ser 0 autor do dano, compoe, por ato seu, situagio propicia A eventualidade de um dano. 66. Assim, a explosio de um paiol onde estejam armazenadas munigdes de guerra, ainda que haja sido provocada por um raio (forca da natureza), ensejard responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a pessoas ou bens at zinhados do sinistro. ‘A fuga de internos em manicOmio ou presidio que se homiziem nas vizinhan- ¢gas e realizem violéncias sobre bens ou pessoas sediados nas imediagdes ou que nelas estejam acarretard responsabilidade objetiva do Estado. 67. Cumpre, apenas, esclarecer que a responsabilidade em tais casos eviden- temente esta correlacionada com 0 risco suscitado. Donde, se a lesio sofrida nao guardar qualquer vinculo com este pressuposto, nao haverd falar em responsabili- dade objetiva. Entao, se os evadidos de uma prisio vierem a causar danos em locais afasta- dos do prédio onde se sedia a fonte do risco, 6 Sbvio que a lesiio sofrida por tercei- ros ndo estar correlacionada com a situagdo perigosa criada por obra do Poder Pablico. Nesta hipstese s6 cabera responsabilizar 0 Estado se o servigo de guarda dos delinquentes niio houver funcionado ou houver funcionado mal, pois seri caso de responsabilidade por comportamento omissivo, e nao pela geragao de risco oriundo de guarda de pessoas perigosas. 68, Por razbes ¢ critérios idénticos aos que vém sendo expostos, a responsi lidade objetiva por danos oriundos de coisas ou pessoas perigosas sob guarda 40 Da a XX- RESPONSABILIDADE p) sr YONTAL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO os aplica-se, também, em relaca gtado 690 a0s que se im deteto Fre on muta our deen EMEA ot gard, Assim, {adam dos presiirios estéexposto a ym ee Fesponde de uma prisio onde convivem infratores. ws Sarem prisioneitos, 5 Reversamente, 0 Estado um ow alguns pres {io ée rse0€ 0 Taio. Com efeit, Fresidos. Responsabilidade poder ioridades no houvessem tomad ‘om, ito é as de implantar para fates defensivos. A guarda de coisas ou pessoas perigosas, co €ahip6tese mais comum, mas niio é a tiniea de situacao criada pelo Estado e propiciatse; Poder Pablico expoe terceiro a stuagto igual érotalmente assumido pelo Estado, Sirva de exemplo o acidente de transit : scende concomitantemente para 0s dois angulee de se, sa eeatik a defeito se deva a curto-crcuito provocado hd poucos segundoe pes nee dente sobre 0 sistema central de controle dos seméforos). Nao nd coun aot de “alta de servigo” para cuja composig : sitar, aqui, ade composicao seria necesséria a culpa ou dolo do Poder Paiblico. Com efeito, em situagdes deste jaez aplica-se a responsabilidade abjetiva, pois 0 Estado expés terceiros ao risco oriundo do acatarnento do sinal luminoso. objetivamente, pois nforme se observou inicialmente, Prefiguradora de danos dependentes ia da lesdo. Hé outros casos em que 0 Imente inevitavel onde o risco de dano X. O dano indenizdvel 69, Inobstante o quanto se expOs, cumpre advertir que nio é qualquer dano relaciondvel com os comportamentos comissivos ou omissivos do Estado que da margem a indenizacio. Para que nasca o dever ptiblico de indenizar é mister que 0 dano apresente certas caracteristicas. (a) A primeira delas é que 0 dano corresponda a leso a um direito da vitima. Quem nfo fere direito alheio nfo tem por que indenizar. Ou, dito pelo reverso: quem nao sofreu gravame em um direito nao tem titulo juridico para postular denizagao. Isto 6, importa, como disse Alessi, dantes citado, que 0 evento danoso implique, ademais de lesfio econdmica, lesao juridica. 70, Nao hé confundir dano patrimonial, dano econdmico, com dano em direito. O primeiro ¢ qualquer prejuizo sofrido por alguém, inclusive por ato de tercei- "9, consistente em uma perda patrimonial que elide total ou parcialmente algo que Stem ou que se tera, ‘CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO 6 segundo, ademais de significa subtrago dew Bem u constr imp, fente a que se \ 4-To, atinge bem a que se faz jus . afeta odin, diente a que se venha a té-lo, tinge fj 0 afta ale. Incwe sobre algo que idera como pertinente ao lesadg. a ordem juridica consi Togo, 0 dano assim considerado pelo Direito, 0 dano ensanchador de respon, sabilidade, é mais que simples dano econdmico. Pressupde sua existéncia, mas Feclama, além disso, que consista em agravo a algo que a ordem juridica reconhe. ce como garantido em favor de um sujeito. lo a mera deterioragao patrimonial sofrida por biragdo de um interesse ou de uma vantagem imamente. Importa que se trate de um bem reconhecendo-o como um 71. Nao basta para caracteriz4- alguém. Nao é suficiente a simples subt {que alguém possa fruir, ainda que legitiman tr juridico cuja integridade o sistema normativo proteja, direito do individuo. Por isso, a mudanga de uma escola piblica, de um museu, de um teatro, de uma biblioteca, de uma repartigdo, pode representar para comerciantes e profissio. nais instalados em suas imediagSes evidentes prejuizos, na medida em que Ihes subwrai toda a clientela natural derivada dos usuétios daqueles estabelecimentos transferidos. Nao ha diivida de que os ‘comerciantes ¢ profissionais vizinhos terio sofrido um dano patrimonial, inclusive 0 “ponto” ter-se-4 destarte desvalorizado, Mas nao haverd dano juridico. Pela mesma razio nao configura dano juridico 0 dano econémico sofrido pelos proprietarios de residéncias sitas em bairro residencial que se converte, por ato do Poder Piiblico, em zona mista de utilizagdo. Nao haverd negar a deteriorago do valor dos iméveis de maior luxo. A perda da tranquilidade e sossego anteriores tem reflexos imediatos na significagéo econémica daqueles bens, mas inexistia direito 3 persisténcia do destino urbanistico precedentemente atribuido aquela area da cidade. 72, Nao se deve supor que nos casos referidos descabe indenizacao por serem licitos os comportamentos causadores do dano. J4 se mencionou que hé responsa- bilidade estatal tanto por atos ilicitos como por atos licitos. No caso de comportamentos comissivos, a existéncia ou inexisténcia do dever de reparar nao se decide pela qualificago da conduta geradora do dano (ilicita ou licita), mas pela qualificagdo da lesio softida. Isto é, a juridicidade do comporta- mento danoso nao exclui a obrigago de reparar se o dano consiste em extingao ou agravamento de um diteito. Donde, ante atuagdo lesiva do Estado, o problema da responsabilidade resol- ve-se no lado passivo da relagdo, nao no lado ativo dela. Importa que o dano seja ilegitimo — se assim nos podemos expressar; nao que a conduta causadora o seja. Daf que nas hipéteses focalizadas inexiste responsabilidade por inexistir agra- vo a um direito, isto 6, porque foram atingidos apenas interesses econdmicos, em- bora também eles Iicitos (mas sem possuirem a consisténcia de dircitos ou sequer dos chamados “‘interesses legitimos”, da doutrina italiana). O dano juridicamente reparavel nem sempre pressupde um dano econdmico. Pode ter havido tinica ¢ exclusivamente um dano moral. Um ato lesivo ao patri- 701 RESTONSABILIDADEPATRINONIAL EXTRACONTRATUAL A O ESTADO ows oral de outrem monio a Savas oo Scarreta consequéncias econémicas detrimento- et ee ea entretantoné cabtvele Oulras vezes no terd este efeito, Em umae outra hi : Tesponsabilizaga ae expres: @ ‘aga0 por dano moral. - ea eet RAH (no art. 5», X) indcalzarse por eae ou mora as pessoas, sem dist, s ttimidade, da vida privada, da honve ou de tne em da as, sem distinguir se o a é oe Ae ou de Direito Privado. '8TaVo provém de pessoa de Direito Puiblico 73. Ha ainda outro trago necessario a qualificagao do dano. (b) Para ser indenizével cumpre que o dan direito, seja certo, vale dizer, ndo apenas eventual, prey somo forroydeads pe werinne | possivel, Tanto poderd ser atual Nele se engloba o que se perdeu e 9 i el X le se deixou d F caso no houvesse ocottido 0 evento lesivo), Pinan acer 74, Estes dois caracteres do dano sao indi i que surja responsabilidade do Estado, s SPensdveis, Além disso, sao suficientes ~ quanto a categorizagao do dano — para ensejar a responsabilidade estatal em certos casos: nos de lestio por comportamentos ici. tos, quer sejam atos ou fatos, comissivos ou omissivos, Reversamente, so necessdrios, mas néo bastantes, para caracterizar dano re- pardvel nos casos de responsabilidade estatal Por comportamentos licitos, vale dizer, atos ou fatos comissivos (porque nos comportamentos omissivos a respon. sabilidade depende da ilegitimidade da omissao). A configuraco do dano reparavel na hip6tese de comportamentos estatais licitos requer que, ademais da certeza do dano e da lesio a um direito, cumulem-se as seguintes duas outras caracteristicas: especialidade e anormalidade. em qualquer caso, para 75. Dano especial é aquele que onera a situagdo particular de um ou alguns individuos, nao sendo, pois, um prejufzo genérico, disseminado pela Sociedade. Corresponde a um agravo patrimonial que incide especificamente sobre certo ou certos individuos, e no sobre a coletividade ou genérica e abstrata categoria de pessoas. Por isso nfo esto acobertadas, por exemplo, as perdas de poder aquisitivo da moeda decorrentes de medidas econdmicas estatais inflacionérias. 76. Dano anormal & aquele que supera 0s meros agravos patrimoniais peque- nos ¢ inerentes 8s condigdes de convivio social. A vida em Sociedade implica a aceitagdo de certos riscos de sujeico a moderados gravames econdmicos a que todos esto sujeitos, ocasional transitoriamente, conquanto em escala varidvel e na dependéncia de fatores circunstanciais. S40 pequenos nus que nao configuram ano anormal. Por esta raziio descabe responsabilidade do Estado pela simples intensificagao 4a poeira numa via publica objeto de reparagao, inobstante tal {ato provoque, co- ™o 6 natural, deterioragdo mais répida da pintura dos muros das casas adjacentes. aa [CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO Idem com relagao a transitéria e breve interrupgao da rua Pat conserto de canali. zag8es, cujo feito seréobstar ao acesso de veiculos as casts de Sev PrOPrietirios, © que os obrigard, eventualmente, a0 incOmodo de alojé-los ‘tio, com possiveis despesas geradas por isto. me . Assim também, nao configurariam dano moral ele egitimas, embo- ra as vezes constrangedoras, como a revista, desde que efetuada sem excessos ‘exatérios, por agentes policais ou alfandegérios em alguma Pessoa, Sa Por cau. tela, seja por suspeita de que porta consigo arma, bem ou produto que nao poderia portar ou que, na circunstincia, ser-Ihe-ia defeso trazer consigo. XI. Exeludentes da responsabilidade do Estado 77. Nos casos de responsabilidade objetiva o Estado s6 se exime de responder se faltar 0 nexo entre seu comportamento comissivo ¢ 0 dano. Isto é: exime-se apenas se no produziu a lesio que Ihe € imputada ou se a situagdo de risco incul- cada a ele inexistiu ou foi sem relevo decisivo para a eclosio do dano. Fora dat responder sempre, Em suma: realizados os pressupostos da responsabilidade ob- jetiva, nfo ha evasio possivel. 78. A culpa do lesado — frequentemente invocada para elidi-la — nfo é, em si ‘mesma, causa excludente. Quando, em casos de acidente de automéveis, demons- tra-se que a culpa nao foi do Estado, mas do motorista do veiculo particular que conduzia imprudentemente, parece que se traz. tona demonstrativo convincente de que a culpa da vitima deve ser causa bastante para elidir a responsabilidade estatal. Trata-se de um equivoco. Deveras, 0 que se haverd demonstrado, nesta hipstese, é que o causador do dano foi a suposta vitima, e nao o Estado. Entio, 0 que haverd faltado para instaurar-se a responsabilidade é 0 nexo causal. Isto apa- rece com nitidez se nos servirmos de um exemplo extremo. Figure-se que um vei- culo militar esteja estacionado e sobre ele se precipite um automével particular, sofrendo avarias unicamente este tiltimo. Sem os dois veiculos nao haveria a coli- sdo e os danos nio se teriam produzido. Contudo, é de evidéncia solar que 0 ve'- culo do Estado niio causou o dano, Nao se deveu a ele a produgio do evento les Ou seja: inexistiu a relado causal que ensejaria responsabilidade do Estado. 79. De conseguinte, a culpa do lesado nao é relevante por ser culpa, mas sé -lo-4 unicamente na medida em que através dela se pode ressaltar a inexisténcia de comportamento estatal produtor do dano. O problema nao se modifica nos casos em que o alheamento estatal em relagdo & autoria do dano carega de tanta evidén- cia. Tudo se resolverd, sempre, por investigar-se se houve ou se faltou nexo causal entre a atuagdo do Estado e 0 dano ocorrido. A perquirigo é que seri mais aturada nnos casos obscuros, mas seu objeto é o mesmo: verificar se a lesio foi ou nao de- terminada por comportamento do Estado, : 80. O que se vem de dizer nao interfere com o problema das concausas. Com efeito, pode ocorrer que 0 dano resulte de dupla causagio. Hipéteses haveré em Ra que cada qual haja partici : do evento. qual haja participado para a produgo 81. Nos casos ora cogitados (de tesponsabilidade objetiva), eventual invoca- gao de forga maior — forga da natureza itresistivel - ¢ relevante apenas na medida em que pode comprovar auséncia de nexo causal entre a atuagdo do Estado e 0 dano ocorrido. Se foi produzido por forga maior, entao nao fi produzido pelo Estado. O que exime o Poder Pablico de responder é sempre a nao configuracio dos pressupostos. Por isso é que iou situagio perigosa, mesmo quan. o dano assim produzido. O porqué da incorrere como dado objetivo relevante, a saber: ter agido da por outrem. 82, Consoante se disse, a responsabilidade subjeiva 6 aplicével quando o Es- tado, devendo evitar um dano, evitdvel, omite-se, faltando ao dever legal de agir com a diligéncia, prudéncia e pericia capazes de empecer a lesio produzida por terceiro ou por fato da natureza. Logo, exime-se de responsabilidade se nao hove culpa ou dolo. A fortiori exime-se de responsabilidade quando 0 dano é inevitavel, sendo baldos quaisquer esforgos para impedi-lo. Por isso, a forga maior — acontecimento natural iresistivel -, de regra, é causa bastante para eximir 0 Estado de responder, Pensamos que © mesmo nfo sucederé necessariamente ante os casos fortuites. Se alguma falta técnica, de razdo inapreenstvel, implica omissto de um comporta, mento possivel, a impossibilidade de descobri-la, por seu carter acidental, nao clide 0 defeito do funcionamento do servico devido pelo Estado. XIL. A responsabilidade do Estado no Brasil 4) Introdugdo 83. No Brasil jamais foi aceita a tese da irresponsabilidade do Estado, Ama- * Cavalcanti, eminente Ministro do STF e consagrado tratadista, j4 em 1904 registrava: “(..) no Brasil nunca se ensinou ou prevaleceu a irresponsabilidade do Estado Pelos atos lesivos dos seus representantes. Se nfo havia nem hi uma disposigao de Ici geral, reconhecendo e firmando a doutrina da responsabilidade civil do Estado, Nem por isso menos certo que essa responsabilidade se acha prevista e consignada Gidiversos artigos de leis e decretos partculares;e, a julgar pelo teor das suas Aecisdes e dos numerosos julgados dos Tribunais de Justiga e das decisdes do pré- i ‘CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO prio Comtencioso Administrative, enquanto existiu, € oe ce conclu ane to Fia aceita no pafs tem sido sempre a do reconhecimento da SIvely 0 Wsponsabilid, de, a0 menos em principio; ainda que deixando juntanete i ee SP a frequentes excegdes, em vista dos fins ¢ interesses SuUPETTONSS: que 0 Estado repre. senta ¢ tem por missio realizar em nome do bem comum. : a verdade de fato, sabida de todos, ¢ sobre a qual nao ha. “Tal é, com efeito, veria mister insist.” 0 ilustrado jurista citado raz. colagio relango de Ruy Barbosa no qual o sumo estudioso apostila averbagdes do mesmo teor, fazendo notar que nossa evo. lugao jurfdica, repassada de elementos liberais, jamais permitiu ingressasse nos Pretérios brasileiros esta prerrogativa regalenga, de tal sorte que “os julgados, na magistratura municipal, na estadual, na federal, repetidos ¢ uniformes em agdes de perdas e danos, vao dia a dia aumentando 0 tesouro opulento dos arestos, que fazem talvez de nossa jurisprudéncia, a esse respeito, a mais persistente e copiosa de todas” Seabra Fagundes anota que Jotio Luiz Alves dé noticia, mesmo antes do Cédi g0 Civil, da existéncia do principio da responsabilidade do Estado e faz. a aguda observacio de que a Lei federal 221, de 20.11.1894, ao tratar da competéncia do Judiciério para julgamento das questdes oriundas de compensacées, reivindica- des, indenizacao de prejuizos ou quaisquer outras propostas pela Unido contra particulares e vice-versa, admitia implicitamente a obrigagao estatal de indenizar prejuizos causados aos administrados.”* De fato, é pacifico entre os doutrinadores brasileiros que a tese da responsabi: lidade do Estado por atos lesivos sempre frequentou com sucesso os Tribunais brasileiros, sob aplausos constantes da doutrina nacional. Por isso Aguiar Dias, 0 grande mestre na matéria, pode dizer, referindo-se ao art. 1.634, pardgrafo tnico, do Cédigo Civil de 1916: “Acresce que nao é novidade alguma o que estabelece, ‘no tocante a responsabilidade pessoal do funcionério, porque a solidariedade deste com 0 Estado, em todo e qualquer caso de prejuizo que cause e empenhe a respon- sabilidade da Fazenda, é indeclindvel, constituindo até objeto de reiterada consi gragio do nosso legislador (...)". precitado Amaro Cavalcanti coleciona numerosas disposigdes normativas, tais 0 Decreto 1.930, de 26.4.1857, relativo aos danos causados por estrada de ferro; 0 Decreto 9.417, de 25.4.1885, também interessante & matéria; 0 Dectelo 1,663, de 30.1.1894, art. 552, 0 Decreto 4.053, de 24,6,1891, art. 538, concernen- tes & indenizagao por prejutzos decorrentes de colocagdio de linhas telegrficas; 08 22. Responsabilidade Civil do Estado, nova ed, atualizada por José de Aguiar Dias, . I, Rio Janeiro, Bors6i, 1957, p. 617. Por José de Aguiar Dias, 23. Ob. cit, p. 612. 24. O Controle dos Atos Adminisirativos pelo Poder Judicidrio, 3 ed., Rio de Janeiro, Forens® 1957, p. 205. ts dicidrio, 3 ed., Rio de Janeiro, 25, “Responsabilidade civil do Estado”, RDA 11/27. RoR Ss oo ESPONSABILIDADE PATRIMONIAL NTRACONTRATUAL DO ESTADO. 969 pecretos 1,692-A, de 10.4.1894, art, 8,62 da responsabilidade da Unio ligada ace aig ae je mals ee ) Evoluedo normativa da responsabitidade do Estado no Brasil $4, O certo € que jamais se pos em ai sem diivida, entre ns, a i " vi . a tese da responsabilida- de do ESN Sempre aceita como principio amplo, mesmo A falta de dispesigao especifica. Resta ver em que termos o foi e qual sua evolu F aitsiaimente prevalecew, Como, de resto, sucedia no Exterior, a tese da culpa civil -stado respondia quando funcionério seu, atuando no exercicio da fungio, procedia de modo cul 0 ; Iposo, por negligéncia, imprudéncia ou impericia Evoluiu, ao depois, para a nocao de falta de servigo, para finalmente aceilar aseag de vezes, a responsabilidade objetiva. Esta Progresso caminhou, a cotio, frente da legislagdo. A doutrina, sobretudo, e parte dos juizes sustentaram teses avanga. das em relaco aos termos do Direito Positivo, procurando extrair, mediante inter pretagao sistematica da ordenagao Juridica, posicdes bastante evoluidas. 85. Ao tempo do Império, a Constituigao de 1824, em seu art. 179, XXIX es- tabelecia que: “Os empregados piblicos so estritamente responsdveis pelos abu- sos e omissdes praticados no exercicio de suas fungSes e por niio fazerem efetiva- mente responsAveis aos seus subaltemos”. Equivalente dispositivo encontrava-se no art. 82 da Constituigao de 1891 Ditos preceptivos, todavia, jamais foram considerados como excludentes da responsabilidade do Estado e consagradores apenas de responsabilidade pessoal do agente. Pelo contrério: entendia-se haver solidariedade do Estado em relagio 20s atos de seus agentes. Confira-se a respeito Pimenta Bueno.” 86. Com o advento do Cédigo Civil, a matéria, desde 1917 (época em que entrou em vigor © Cédigo de 1916), néo admitiria duivida alguma, em face de seu art, 15, segundo 0 qual: “As pessoas juridicas de Direito Pablico sio civilmente responsaveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrario ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo 0 direito regressivo contra os causadores do dano”. Inobstante 0 teor do dispositivo indicava claramente o carter subjetivo da responsabilidad ptiblica, vale dizer, seja por culpa civil, seja por falta de servigo,”” {fentao sob seu império e mesmo antes, a tese da responsabilidade objetiva con- tava com adeptos entre doutores da maxima suposicio, como Ruy Barbosa, Pedro Lessa e Amaro Cavalcanti, estes tiltimos, magistrados dos mais ilustres. Filadelfo 26. Direito Piiblico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1850, pp. o a Bebhaaty 27. 36 0 atual Cédigo, naturalmente em sintonia com toda a evolucio consti tucional que viria Seyi em seu at 4, contmpl esponsabildade spss de dito pico em ermos pre to regressivo contra os eausadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dole ll m CURSO DE DIREITO. ADMINISTRATIVO Azevedo, eminente Ministro do STF e partidério da tse, fe amplo Teosocamen, to sobre o tema em erudito voto proferido na Ap. cfvel 7.264, tO) 1 0- os (RDA 1/565), quando aquela egrégia Corte confirmou condenagi lenizar danos causados por movimento militar sedicioso, embora 0 fizesse com funda. mento na teoria da falta de servigo ou culpa administrativa. 87. Em 1934, 0 Decreto 24.216 pretendeu restringir a responsabilidade do Estado, excluindo-a nos easos em que 0 ato do agente administrativo tivesse carg. ter criminoso, salvo se 0 Poder Ptiblico competente 0 mantivesse No Cargo apés q verificagiio do fato. A norma em apreco, todavia, teve duracio efémera, pois a Constitui 1934, promulgada um més depois, aos 16 de julho de 1934, a fulminou ao estatuir, no art. 171, que: “Os funciondrios piblicos sio responsdveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuizos decorrentes de negligéncia, omissio ou abuso no exercicio dos seus cargos’ ‘A Carta de 1937, no art, 158, reproduziu o mesmo dispositive. 88, A grande alteragio legislativa concemente & responsabilidade do Estado ocorreu a partir da Constituigao de 1946, O art. 194 daquele diploma introduziu normativamente, entre nés, a teoria da responsabilidade objetiva, isto é, a poss bilidade de o Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na auséncia de ‘qualquer procedimento irregular de funciondrio ou agente seu, & margem, pois, de qualquer culpa ou falta de servigo. Dispunha o preceptivo citado: “As pessoas juridicas de Diteito Piblico Interno sao civilmente responséveis pelos danos que os seus funcionérios, nessa qualidade, causem a terceiros, “Pardgrafo tinico. Caber-Ihes-4 agdo regressiva contra os funcionstios causa- dores do dano, quando tiver havido culpa destes.” 89, Equivalentes disposigdes e com redagio semelhante foram consagradas na Carta de 1967 e na Emenda 1, de 1969. O art. 105 do Diploma de 1967 estatuiu: “As pessoas juridicas de Direito Pablico respondem pelos danos que seus funcionérios, nessa qualidade, causem a terceiros, “Parégrafo tinico. Caberé agio regressiva contra 0 funciondtio responsivel, nos casos de culpa ou dolo.” A diferenga da Constituigao de 1946, expressamente referiu-se ao cabimento de ago regressiva também nos casos de dolo do funcionério, no que, de resto confirmava a interpretagao que sempre se dera ao art. 194 da Lei Magna de 1946. ‘A Carta de 17 de outubro de 1969 (Emenda | A Constituigao de 1967) repro- duz, no art. 107, o mesmo dispositive consagrador da possibilidade de responsabi- lidade objetiva do Estado ¢ a acdo regressiva contra o funcionsrio nos casos de culpa ou dolo, conforme estatui o pardgrafo tinico, Sao os seguintes seus termos: Pee ee a XX - RESPONSABILIDADE PATRIMO} INIAL EXTRACON 'ACONTRATUAL DO ESTADO on «Art, 107. As pessoas juridicas fi ne sino, nest quaitade cass ne® Pt pos dams 4 spardgrato tnico. Cabers ago repr a os casos de culpa ou dolo,” Por sa VeZ, a Constituigao de 1988, em juridicas de Direito Pablico e as de Dit “blicos responderao pelos danos que seus Rroeiros, assegurado o direito de regresso e ouculpa”. Convém salientar, finalmente, que o art. 5°, X, j6 refer inala mais sutras regerptcnenenespei salman temos so os seguintes: “Sao invioléveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizacao pelo dano material ou moral deeorrente de sua violagio”. Como dantes se disse, o texto nio distingue se 0 viola- doré pessoa de Diteito Privado ou de Direito Palco: logo, compreende a ambas. © Codigo Civil de 2002, em seu art. 43, reproduz a mesma orientagao estam- pada no Texto Constitucional, havendo, todavia, omitido a referéncia que este faz 3s pessoas juridicas de direito privado prestadoras de servigo piblico. Nao é de estranhar. Ao contrério do Cédigo anterior, o atual, toda vez que se abalanga a refe- firalgo da esfera do direito piblico, incorre em alguma impropriedade ou omissio, 90. Para que haja a responsabilidade pablica importa que o comportamento derive de um agente piiblico. O titulo juridico da investidura nao é relevante. Bas- ta que seja qualificado como agente pablico, é dizer, apto para comportamentos imputaveis ao Estado (ou outras pessoas, de Direito Puiblico ou de Direito Privado, prestadoras de servigos piblicos, quando atuarem nesta qualidade). Importa, ou- trossim, que 0 dano tenha sido produzido por algugm gracas a esta qualidade de agente ptiblico, e nao em situagao alheia ao qualificativo em causa. A condigo de agente, no sentido ora indicado, nao se descaracteriza pelo fato de este haver agido impulsionado por sentimentos pessoais ou, por qualquer modo, estranhos 2 finali- dade do servigo. Basta que tenha podido produzir o dano por desfrutar de posigao juridica que Ihe resulte da qualidade de agente atuando em relagéo com o servigo piblico, bem ou mal desempenhado, Ssiva contra o funcionério responsével, SeU art. 37, § 6, estabelece: “As pes- rcito Privado prestadoras de servigos agentes, nessa qualidade, causarem a ‘ontra 0 responsdvel nos casos de dolo ©) Responsabilidade subjetiva ou objetiva como regra no Direito vigente 91. Desde a Constituigao de 1946 nao hd nem pode haver discussiio quanto & Possibilidade da responsabilizacdo objetiva do Estado, ante o teor inrefragavel dos textos mencionados. Vem a talho rememorar comento do autorizado Seabra Fagundes: “Para bilidade da Fazenda Paiblica, com base no Direi- ances Ga ferindo d Constituigao de 1946), ‘© anterior & atual Constituigdo (o autor estd se ref ¢rapreciso que se somassem as seguintes condigdes: ae CCURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO “a) ter o representante praticado o ato no exereicio da fungao ou a pretexto de exercé-la; : “p) ser ilegal 0 ato por omissdo de dever expressamente prescrito, ou por vio. lacdo ativa do direito; “c) do ato advir dano a alguém. “Do segundo destes requisitos j4 nfo é de cogitar, em face do art. 194 da Constituigao. Adotada, como foi nesse texto, a teoria do risco criado, j4 no im- porta a ilegalidade do ato, conquanto, via de regra, a responsabilidade decorra de atos ilegais. Desde que haja um dano haverd lugar & indenizagao, resulte esta de violagdo da lei ou nao. Salvo, é claro, as excegdes que possam ter raizes na prépria Constituigao.”* 92. O que pode ser objeto de testilha doutrindria ¢ jurisprudencial é a questao de se saber se 0 teor dos arts. 194 da Constituigdio de 1946, 105 da Carta de 1967, 107 da Carta de 1969 e 37, § 6, da Constituigao de 1988 apenas agasatha a res- ponsabilidade objetiva, tomando-a suscettvel de ser aplicada em alguns casos, de par com a responsabilidade subjetiva, cabivel em outros tantos, Ou se a responsa~ bilidade objetiva torou-se regra irrecusdvel na generalidade dos casos. Partidarios do primeiro entendimento sao Caio Técito — que entende cabfvel a responsabilidade objetiva nos casos de dano anormal, decorrente de atividade lici- ta do Poder Piblico, mas lesiva ao particular” -, Alfredo de Almeida Paiva, Gon- galves de Oliveira e Themistocles Cavalcanti, conforme noticia 0 mestre citado. Em posig&o oposta esto Aguiar Dias,” Seabra Fagundes,"' Mario Mazagio, que foi quem ofereceu, como constituinte de 1946, 0 texto do art. 194,” Hely Lo- pes Meirelles* e muitos outros, todos considerando que desde o Texto Constitu- cional de 1946 a responsabilidade objetiva € a regra no Direito brasileiro. 93. Com efeito, diivida alguma pode prosperar quanto ao cabimento da res- ponsabilizagao objetiva no caso de atos licitos causadores de prejuizo especial ¢ anormal aos administrados. Assim também no caso de danos oriundos do chamado “ato das coisas”, quando as lesGes ao patriménio privado decorrerem, por exem- plo, de explosdes em arsenais piiblicos ou de modo geral em bens ou servigos a cargo do Estado, ainda que estes sejam devidos a casos fortuitos. De outra parte, hi largo campo para a responsabilidade subjetiva no caso de tos omissivos, determinando-se, entdo, a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta de servico, seja porque este no funcionou, quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionow tardiamente. 28. Ob. cit p. 215, 29. RDA 55/262 ess. 30. RDA 15/65 e ss. e Da Responsabilidade Civil, 1954, pp. 552 ss. 31. Ob. e loc. cits 32, Curso de Direito Administrativo, 6 ed., S40 Paulo, Ed, RT, 1977, p. 303, 33. Direito Administrativo Brasileiro, 38% ed, Sio Paulo, Malheiros Editores, 2012, pp. 714€ ss. é val Pera ais, € 9 lo Aranhi Meet do reputado mestre, em que, interpretande guando cabe tesponsabilidade objet tucional nsabilids a Ponsabilidade subjetiva gio posiiva do Estado, que coloca tereeing eos eevee Pressupse sempre go seu patrimonio, de ordem material, econe 0, pertinente & sua pessoa ou Jo governamental ou de coletiv a contra a igualdade de todos diane ™ geral, que o atinge individualmente, {jo danos anormais, acima dos comuns, “Consiste em ato comissivo, positiv aa cn rr fn 2 ii me op rente da sua ago, repita-se, praticado tendo cm vista mene ee Hi ramental ou da coletividade em geral. Jamais de oe sando dano a terceiro, nao se inclui na t = (© as disposigdes normativas do ‘andeira de Mello e colhida neste lo. 0 Texto Constitucion: a . ial, enuncia 'Va€ quando cabe resy inerentes na hipétese de culpa anénima, da orgau a i q i inne, sl a zagio ¢ funcionamento do servigo, que néo funcionou ou funcionou mal oncom atraso, ¢ atinge 05 usuarios do servico ou os nele interessados "™ Acrescentarfamos, apenas, em adendo a opinia . 10 expressada e transcrita, que, ademais dos casos de comport atin d 1803 famento comissivo (ato ou fato), deve-se incluir tam- bém entre as hip6teses de responsabilidade objetiva a responsabilidade por quais- quer eventos lesivos que resultam do “fato das coisas”, isto 6, em que o dano proceda de coisas administrativas ou que se encontrem sob sua custédia, De resto, e como dantes dissemos, no caso de danos decotrentes de servigos e instalagoes aucleares, a responsabilidade independe de culpa, conforme estabelece o art: 21, XXIII, “a”, da Constituicao. Entendemos, ainda, que so equiparaveis a hipstese de comportamento comissivo aqueles casos em que o Estado cria, através de ato positivo seu, a situacdo da qual emerge o dano. Referimo-nos a situagdes equipa- radas §s do exemplo, dantes referido, do seméforo defeituoso, por forea do qual dois veiculos se chocam, ¢ nem se pode dizer que o servigo funcionou mal se 0 defeito, determinado por um raio, ocorreu segundos antes do acidente. 95. O certo e inquestionavel, demais disso, & que se engaja responsabilidade estatal toda vez que 0 servigo apresentar falha, reveladora de insuficiéncia em re- lagio ao seu dever normal, causando agravo a terceiro. Neste caso, a responsabili- dade sera subjetiva. 4) Responsabilidade patrimonial do agente por danos a terceiros idic ireito Publi de Di- 96. Apés estabelecer que “as pessoas juridicas de Direito Pablico ¢ as de Di- teito Privado prestadoras de servigos piblicos responderdo pelos danos que seus 34. Ob. cit, vol. I, p. 487 (grifos nosso). on (CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO y", o art, 37, § 6°, conclui: “ agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros segirndo } diveto de regresso contra 0 responsive nos casos de doto ou culpa Hi, pois, expressa previsio de retomo da pessoa de Direito Piblico ou de Direito Privado prestadora de servigo piblico contra o agente causador do dang uma vez ocorrentes os seguintes requisitos: 1) tenham sido condenadas a indenizar terceiro por ato lesivo do agente; b) o agente responsivel haja se comportado com dolo ou culpa. Ocorte perguntar se 0 terceiro lesado por comportamento do Poder Paiblico poderia mover a aco de indenizagao diretamente contra 0 agente, prescindindo de responsabilizar o Estado ou quem Ihe faga as vezes, se poderia buscar responsabi, lizagdo solidéria de ambos, ou se o agente responde apenas perante 0 Estado, em ago de regresso, descabendo ao lesado acionar 0 individuo que 0 agravou, seja conjunta ou separadamente com o Estado. E bem de ver que no concernente & responsabilizagio do agente, o lesado estaria disputando a lide apenas no campo da responsabilidade subjetiva, dado que aquele s6 responderia na hipétese de dolo ou culpa. Estamos em que o vitimado quem deve decidir se aciona apenas 0 Estado, se aciona conjuntamente a ambos, ou se aciona unicamente o agente. Com efeito, nifo se pode extrair do dispositivo constitucional em pauta alguma impossibilidade do lesado voltar-se, ele préprio, contra o agente, pelas raz6es abaixo aduzidas. Todo sujeito de direito capaz 6 responsavel pelos préprios atos. Assim, aquele que desatende as obrigagdes que contraiu ou os deveres a que estava legalmente adstrito sofrerd a consequente responsabilizagio. Atua ilicitamente quem viola di- reito e causa dano a outrem. Cédigo Civil brasileiro, em seus arts. 186 e 927, substancia este preceito, que nao é apenas uma regra de Direito Civil, mas de Teoria Geral do Direito, ino- bstante encartados em diploma normativo concemente, mais que tudo, 3s relagdes, privadas. Rezam, respectivamente, os preceptivos em causa: “Aquele que, por ago ou omissio voluntéria, negligéncia ou imprudéncia, violar direito ¢ causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilicito”; “Aquele que, por ato ilicito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a reparé-lo”. De seu turno, o art. 942 prescreve: “Os bens do responsdvel pela ofensa ou viola- cdo do direito de outrem ficam sujeitos & reparago do dano causado; e, se a ofen- sa tiver mais de um autor, todos responder solidariamente pela reparacao”. Tais regramentos exprimem um canone genérico no que atina a responsabili- dade patrimonial, comumente chamada de responsabilidade civil. Nada ha de es- tranhdvel em que estes ditames normativos, embora topograficamente alojados no Cédigo Civil, sejam havidos como prinepios ou como regras que transcendem a restrita esfera desta provincia jurfdica, para se qualificarem como disposigoes apli caveis integralmente em distintos ramos do Direito. Com efeito, de um lado, ini meras disposigdes residentes naquele diploma concemem ao vestibulo dos varios segmentos do Direito, isto é, assistem no patamar comum aos diferentes ramos em ) que ele se espraia; de outro lado, no Cédigo Civil hé miiltiplos artigos explicita e ificamente voltados para a regéncia : te de Dircito Administrativo, de questdes de direito publico, notada- Estas Si0 observagdes cedicas ¢ a indadas por autores da maxima suposieg, imeras vezes expendidas ¢ rag apt 97, Para que tao basilar prine{pio esti a saxo sri necessiro regra Nesse eludido na seara do Direito Admi- que explicit aise modiicasse a compostura, Donde. tiawte arg overtvelmente 0 negasse de, tirante a hips ot a , inte a hipste Ai tej inequvoco em afastar a responsabilidade do antate dorian oe oo ee dretamente contra o indviduo respon- THO danoso, haver-se-4 de concluir que agentes puiblicos idem com 0 proprio pattiménio, perante o agravado, se lhe howe causa- fo prejuizo mediante conduta contrétia ao Direite i Estas assertivas, por limpidas e confortada reputar pacificas, livres de questionamento, Alids, na tradigtio do Direito, antes de se por prinefpi dade do Estado, jf era assente a responsabliade do foncenare qu homes agido mal, lesando 0 administrado. Ou seja: a pessoa estatal poderia escapar & responsabilizac20; nao, porém, 0 agente direto do dano, aquela pessoa fisica cua conduta injurfdica agravasse terceiro ao desempenhar fungdes publicas. Veja se, 2 respeito, exemplificativamente, para a Inglaterra, Maria Graciela Reitiz™ ¢ H.R. Wade para 0s Estados Unidos da América do Norte, Frank Goodnow” e John Clarke Adams;* para a Alemanha, Fritz Fleiner® e Emnst Forsthoff:” para a Fran- ca, Francis Paul Bénoit'! e Jean Rivero. 7 's em bases tao relevantes, hiio de se 98. Por certo, a garantia de reparacdo do lesado simplesmente através do pa- triménio do funcionério causador do dano nio dé a0 administrado toda a protegao necesséria para acoberté-lo contra agravos que possam resultar da ago do Poder Piblico. Isto por uma tripla razao. Em primeiro lugar, porque, assaz de vezes, 0 agente piblico nao dispord de patriménio suficiente para responder pelo montante do dano. O vulto dos prejuizos que a atuagdo estatal pode causar, em varios casos, excederé as possibilidades de suprimento comportadas pelo patriménio do funcionédrio. Em segundo lugar, a responsabilidade do funcionétio cifra-se as hipsteses em que este haja atuado com dolo ou culpa, seja esta por negligéncia, imprudéncia ou 35, Responsabilidad del Estado, Eudeba, 1969, p. 123. 36, Dirtto Amministrativo Inglese, Milio, Giutlr, 1969. p. 371 37. Les Principes du Droit Administratif aux Etats-Unis, Paris, V. Giard et E. Briére, 1907, p. 454. 38. El Derecho Administrative Norteamericano, Buenos Aires, Eudeba, 1964, p. 84 39. Insituciones de Derecho Administrativo, Barcelona, Editorial Labor, 1933, p. 222. 40. Traité de Droit Administratif Allemand, Paris, Etablissements E. Bruylant, 1969, pp. 463 e's. 41. Le Droit Administratif Francais, Paris, Dalloz, 1968, pp. 178 e ss. 42, Droit Administraif, 2 ed., Pris, Dalloz, 1962, pp. 236-237, 0 a CURSO DE DIREITO: ADMINISTRATI f mpre 0 gravame econ6; impericia, impticando violagdo do Direito. Ora, 1°" Lett eal (comissivan, Co lesivo aos direitos do administrado SS ananeale feel a4 cer individuadamente, c q ‘omissiva) na qual se possa reconhecer, in ce Cot een uals especificos agentes como causadores do evento ‘seniio que 0 Servico estatal, ¢ perante situagdo em que mais nio se poder’ dizer s en i Ses que seria lic $i mesmo, fathou por haver procedido abaixo dos padroes ave ito dele es. perar dito resultando o dano softido. Vale dizer, 0 proprio servigo Como um todg € que haverd tido, por negligéncia, imprudencia ou impemsn Nor Cesempenho insaisfatrio, causador da lesfo ao bem juridicamente protepi- Ue Suyeto agra. vado, Em casos que tais —e serdo legido - 0 administrado ficaria b descoberto por nio ser, obviamente, engajavel a responsabilidade de algum ou alguns especificos funcionérios, Demais disso, em uma terceira hipétes m administrado ficaria desvalido. E o caso de danos nos quais um bem juridicamen. te protegido e lesado pelo Estado, ainda que sem 0 intuito de fazé-lo, mediante comportamento licito, cauto, diligente, irrepreensivel. Pense-se ea atos juridicos. ou em atos materiais da seguinte compostura: fechamento do perimetro central da cidade a vefculos automotores, determinado com base em lei, € por razdes de in- teresse piiblico incontendivel (salubridade publica, tranquilidade ptiblica, ordem piiblica), e que acarreta, inevitavelmente, serifssimo gravame patrimonial aos pro- prietérios de edificios-garagem, edificados ¢ licenciados, inclusive, para a corres- pondente exploragdo econémica na érea interditada & circulagao dos citados vef- culos; nivelamento de rua que, pelas caracteristicas fisicas do local, resulta, de ‘modo inexordvel, em ficarem edificagdes marginais ao seu leito em nivel mais elevado ou em nivel inferior a ela, inobstante realizada a obra com todos os recur- 0s € cautelas técnicas, causando, destarte, depreciagio significativa aos prédios lindeiros afetados, além de acarretar insuperdveis incémodos a sua utilizagao. Situages deste jaez, como é claro a todas as luzes, demandam recomposigao patrimonial do lesado, para que nao seja ferido o preceito isondmico, exigente de igualitéria repartigdio dos encargos publicos. E bem de ver que a simples responsa- bilidade do funciondrio, cabivel tao s6 quando identificével conduta sua contraria a0 Direito, por comportamento deliberado ou por negligéncia, imprudéncia ou impericia, de nada serviria para enfrentar estas hipéteses, posto que nio estariam em pauta as condigdes suscitadoras de seu engajamento. ‘A fim de que os administrados desfrutassem de protecao mais completa ante comportamentos danosos ocorridos no transcurso de atividade publica — endo a fim de proteger os funciondrios contra demandas promovidos pelos lesados - € que se instaurou o prinefpio geral da responsabilidade do Estado, Ou seja: a difu- sdo ¢ acatamento, nos varios paises, da tese da responsabilidade estatal objetivo e significa tao sd a ampliagao das garantias de indenizagdo em favor dos lesados. se reproduzir-se-ia situagfo em que 9 Nada traz.consigo em favor do funciondrio, e muito menos em restrigio ao admi- nistrado em seu direito de demandar contra quem Ihe tenha causado dano. Em suma: a exposigo de um patriménio sempre solvente, como 0 0 do Es- tado, e bem assim a abertura de campo mais largo & responsabilizagiio, nada tem a ‘com qualquer propésito de ver iy eles intentaVeis pelos ag, comrarios ao Direito. com anto iSs0 exato, Tesponsabilidade do Por terceiros ~ que os agentes piiblicos com bem-conhecida, antes Eonstituigdo Francesa do ano VIII rbada por um dereto-lei de 18 de setembra pcs oes nio mais estava em vigor, mas 0 dispositivo sobrevivia com mos da concepefio francesa, se 2 4, segundo a qual normas Constit com a superveniente Constituigao Persistiam com vigor de | jgualmente, preceitos andlogos na Alemanha, nas le rae de Baden e Hesse, como noticia Forsthoft, Ta acitada Constituigao forga de lei, nos ter- tucionais compativeis lei ordinaria.* Houve, islagdes da Prissa, da Bavie- ml : ‘ gramento andlogo, e que haveria de perdurar até 1879." See Nao € dificil concluir que se a respor nisabilidade do Estado niio veio para escu- > k que 0s lesados almejassem propor contra eles, mas, como € de todos sabido, para ampliar a prote¢ao aos administrados, ndo faz qualquer sentido extrair de regra defensora dos direitos dos agravados a con clusio de que hes é interdito proceder contra quem, violando 0 direito, oi o pré- prio agente do dano, dato funcionério em face de demandas 100. Como acima se disse, 0 atual texto impositivo do principio geral da res- ponsabilidade do Estado substancia-se no art. 37, § 6, da Constituigao Federal, de acordo com o qual: “As pessoas juridicas de direito piblico e as de direito privado prestadoras de servigos piiblicos responders pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado 0 direito de regresso contra o respon- sivel nos casos de dolo ou culpa”. Que se Ié no sobredito regramento? Que estatui ele? Tao s6 e unicamente que 0 Poder Pablico respondera pelos danos causados pelos funcionérios, enquanto tais,e que ficam sujeitos a acio de regresso promovida pelo Estado, se agiram com dolo ou culpa. Outorga-se af, ao particular lesado, um direito contra o Estado, 0 que eviden- temente no significa que, por tal razao, se Ihe esteja retirando 0 de acionar 0 48.Cf. ao respeito, Francs-Paul Benoit, Droit Administra, Dallon, 1968. pp. 718-719, 44, CE. Eduardo Garcia de Enterria, Curso de Derecho Administrativo, 2 ¢4,, vol. 1, Civitas, 198, p. 327, = SS on CCURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO funcionério. A atribuigdo de um beneficio juridico nio significa subtragdo de outro direito, salvo quando com ele incompattvel. Por isso, como sempre muito bem sustentou 0 Prof, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, cujas ligdes também nesta matéria prazerosamente seguimos, “a vitima pode propor ago contra o Estado, contra o funcionério, a sua escolha, ou contra ambos solidariamente, sendo certo que se agit contra 0 funcionério deverd provar culpa ou dolo, para que prospere a demanda”.’ direito de regresso é protetor do interesse do Estado. Prevé forma de seu ressarcimento pela despesa que Ihe haja resultado da condenacao. Também nele nada ha de protegio ao funciondrio, A indicagao da via pela qual 0 Poder Pablico vai se recompor nio é indicagdo, nem mesmo implicita, de que a vitima nao pode acionar 0 funcionério. Na cabega do artigo e em seu pardgrafo s6 ha preceptivos volvidos A defesa do administrado e do Estado, ndio se podendo vislumbrar intengbes salvaguardadoras do funcionério. “A circunstancia de haverem acautelado os interesses do primeiro e do segundo nao autoriza concluir que acobertaram 0 agente ptiblico, limitando sua responsabilizagdio no caso de aco regressiva movida pelo Poder Pablico judi- cialmente condenado”.** Daf que o Supremo Tribunal Federal, no RE 90.071, publicado na RDA 142/93, de outubro-novembro/1980, frisou com hialina clareza esta conclusio, as- sim sintetizada na ementa do Acérdao: “O fato de a Constituicao Federal prever direito regressivo as pessoas juridicas de direito piblico contra o funcionério res- ponsavel pelo dano ndo impede que este tiltimo seja acionado conjuntamente com aquelas, vez que a hipstese configura tipico litisconsércio facultativo”. (O Relator, Min. Cunha Peixoto, averbou com absoluta preciso: “E a interpretagao do dispositivo constitucional, no sentido de permitir, facul- tativamente, admissibilidade da ago também contra o funcionétio, autor do dano, sobre nfo acarretar nenhum prejuizo, quer a Administragio, seja ao funcion: mais se coaduna com os prinefpios que disciplinam a matéria, Isto porque a Admi nistragio, sobre nao poder nunca isentar de responsabilidade a seus servidores, vez {que niio possui disponibilidade sobre o patriménio puiblico nao se prejudica com a integragio do funciondrio na lide, j4 que a confissao dos fatos alegados pelo autor, por parte do funcionério, afetaria sua defesa, e nao a da Administracao, cuja res- ponsabilidade se baseia na teoria do risco administrativo. “Ao funcionério interessa intervir na ago, néo s6 para assegurar 0 justo valor da indenizacdo, como também para evitar as despesas de dois processos: 0 movido contra a administrago e a desta contra ele.” E de ressaltar igualmente a concisa e exata fundamentagao do voto do Min. Décio Miranda: “Sr. Presidente, o art. 107, e respectivo parigrafo tinico, da Cons- 4S, Prineipios Gerais de Direito Administrativo, vol. Il, Ed. Forense, 1974, pp. 481-482. 46. Cf. Celso AntOnio Bandeira de Mello, Ato Adminisirativo e Direitos dos Administrados, Ed RT, 1981, pp. 168-169.

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