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Dislexia Na Escola
Dislexia Na Escola
ARTIGO sdESPECIAL
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Dislexia na escola: iDentificação e possibiliDaDes De intervenção
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social podem estar comprometidos e, portanto, No ensino infantil, tal dificuldade pode se
é importante que sejam valorizadas e avaliadas, manifestar principalmente por falta de interesse
já que podem interferir no desempenho global pelas rimas; palavras mal pronunciadas; per
da criança. sistência da “linguagem de bebê”; dificuldade
Na fase adulta, a evolução da dislexia é varia em aprender (e lembrar o nome das letras) e
da e os estudos, quando comparados à infância dificuldade em saber o nome das letras do pró
e adolescência, são escassos. Sabese, porém, prio nome16.
que há indivíduos que conseguem concluir o Nas séries iniciais do ensino fundamental,
ensino superior, quando recebem intervenção as seguintes características normalmente são
adequada. Porém, outros abandonam a escola identificadas: dificuldade em entender que as
muito cedo, muitas vezes sem sequer receber o palavras são “divididas em partes”; incapacida
diagnóstico. Infelizmente, no nosso meio, esse de de associar letras a sons; erros de leitura (sem
segundo grupo é mais comum. Isso porque, na conexão entre fonemas/grafemas por exemplo,
prática clínica, o que se observa é que a difi ler panela, em vez boneca), incapacidade de
culdade com a leitura e escrita normalmente ler palavras mesmo simples; reclamações e ou
é identificada ainda na fase precoce e, a partir recusa em situações em que tenha que ler.
desta, se inicia um longo percurso de avaliações Em se tratando de intervenção, há consenso
isoladas, com especialistas variados. de que o ensino infantil e as séries iniciais re
Como resultado, não é incomum o adoles presentam uma “janela de oportunidades” para
cente chegar ao final do ensino fundamental se prevenir problemas com a leitura (assim como
com hipóteses diagnósticas diversas, abrangen outros problemas de aprendizagem). Além disso,
do desde transtornos psiquiátricos (tais como na ausência de intervenção se observa aumen
TDAH) até problemas intrínsecos à criança e sua to de discrepância de desempenho, quando
família (como, por exemplo, desmotivação, pro comparado aos seus pares, ao longo das séries
blemas emocionais, falta de empenho, prejuízos posteriores.
emocionais e problemas de ordem familiar). O Sendo assim, é importante que se identifi
agravante, neste caso, é que a intervenção em que no ensino infantil os sinais sugestivos de
fase tardia é muito mais difícil de ser realizada, alterações que possam prejudicar a aquisição da
não só porque envolve fatores relacionados ao leitura e escrita e, nesses casos, se implemente
funcionamento e maturidade cerebral, mas tam intervenção adequada às alterações encontradas.
bém porque outras comorbidades psicológicas Em se tratando dos aspectos linguísticos, várias
e/ou psiquiátricas (externalizantes ou interna possibilidades e métodos são encontrados na lite
lizantes) podem estar associadas ao transtorno. ratura, aqui se faz referência à proposta de Adams
Diante disso, temse a dimensão da impor et al.17, que tem como objetivo estimular o de
tância do papel da escola, principalmente do senvolvimento fonológico das crianças menores.
professor, na prevenção e condução adequada do
processo de ensinoaprendizagem de crianças Estimulação da consciência fonológica
que tenham dificuldade com a leitura/escrita, • Estimular a habilidade das crianças pres
secundária (ou não) à dislexia. Tal aspecto será tarem atenção aos sons de forma seletiva,
abordado nos tópicos seguintes. ou seja, discriminação e denominação de
sons diversos (reais ou gravados), iden
INTERVENÇÃO NA DISLEXIA tificação e sequências de sons e sons
Ensino infantil e séries iniciais faltantes em uma sequência anterior;
Conforme já mencionado anteriormente, localização de sons diversos; ouvir um
pesquisas demonstram que o déficit no processa determinado som e associálo à sua fonte;
mento fonológico é a principal causa da dislexia. identificação de frases sem sentido; per
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conseguem decodificar e soletrar palavras com e dificuldade com a gramática, incluindo o uso
precisão, mas tem problemas no entendimento inadequado dos tempos verbais27.
daquilo que leram9. A dificuldade recorrente na escrita pode fazer
Estudo desenvolvido com 50 escolas inglesas, com que o aluno com dislexia evite escrever,
envolvendo 1.553 crianças e adolescentes do tenha problemas em realizar cópias de forma
ensino primário e secundário, demonstrou que adequada e apresente um estilo de escrita ma
5,3% das crianças do ensino primário e 5% do en nual inadequado27.
sino secundário foram identificados como sendo Dificuldades ortográficas também são fre
“maus compreendedores”. Tal dado, segundo os quentes; mais precisamente, é comum que es
autores, sugerem que o prejuízo na compreensão creva foneticamente, omita o meio ou o final da
da leitura pode ser um distúrbio distinto comum, palavra e escreva letras ou sílabas na sequência
que permanece escondido nas salas de aula6. incorreta27.
Caracteristicamente, esse tipo de aluno cos Diante de tantas dificuldades, é esperado
tuma apresentar, desde a fase precoce, compro que a criança com dislexia tenha dificuldade na
metimento da linguagem oral e boa habilidade compreensão da leitura27. Nesse sentido, o pro
cesso interventivo deve levar em consideração os
fonológica, o que os capacita a decodificar ade
fatores envolvidos nessa habilidade, de modo a
quadamente. Entretanto, nos primeiros estágios
se atuar de forma eficaz junto a essa população.
da aprendizagem da leitura, tais crianças já
Inicialmente, é importante que se tenha
demonstram dificuldades básicas com a lingua
percepção de que na compreensão da leitura
gem, tais como vocabulário, gramática, sintaxe,
múltiplos processos cognitivos estão envolvidos,
problemas com inferência e uso da linguagem
ou seja, primeiro é preciso que se reconheça as
figurativa, assim como com o monitoramento
palavras e as associe aos conceitos armazenados
da compreensão e conhecimento da estrutura
na memória. Paralelamente, se desenvolve ideias
do texto24,25. significativas do texto e se extrai a conclusão,
É importante então que o professor, na sua fazendose a relação entre o que foi lido e o que
prática, se atente para os seguintes aspectos: se sabe até então. Funções corticais (tais como
crianças com dificuldade nos aspectos fonológicos atenção e memória), cognitivolinguísticas e
são consideradas de risco para desenvolverem afetivos (autoconceito, autoestima, motivação,
dificuldade na decodificação, enquanto aquelas etc) também intervém nesse processo e, por essa
que têm prejuízo na linguagem têm risco para razão, devem ser considerados ao se elaborar
desenvolverem dificuldade de compreensão da proposta de intervenção.
leitura. As crianças clinicamente diagnosticadas Do ponto de vista prático, existem diversas
com distúrbio específico de linguagem geral abordagens que o professor e/ou psicopedagogo
mente têm dificuldade em ambos os processos26. podem seguir como base de elaboração para um
Outro ponto a ser ressaltado diz respeito às programa interventivo sistematizado no contexto
características normalmente encontradas nas escolar. Neste artigo será apresentada a proposta
crianças com dislexia, ou seja, essas podem apre desenvolvida por Arandiga & Tortosa28, a seguir
sentar comprometimento na leitura, na escrita descrita, por se considerar que aborda várias
e na ortografia. habilidades que estão normalmente comprome
Em relação à leitura, destacase: leitura lenta tidas no aluno com dislexia.
e silabada, confusão nas letras que têm forma
semelhantes (u/n, por exemplo), confusão na Dificuldade na habilidade de decodificação
leitura de palavras semelhantes, omissão de a) No processamento fonológico: não reco
palavras, erros na leitura de palavras semanti nhece ou identifica determinadas letras;
camente semelhantes (exemplo, ler gato, em vez não associa o grafema com o fonema; subs
de cão), erros na leitura de palavras polissílabas titui, omite ou inverte a leitura de palavras.
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identificar alterações nas habilidades de orientação geral, serão descritas a seguir al
avaliadas e investigar se há fatores de gumas recomendações, que foram baseadas na
risco para transtornos de aprendizagem. proposta da International Dyslexia Association1:
Implementase, então, um programa de • Dar tempo extra para completar as tarefas;
instrução, voltado para as alterações en • Oferecer ao aluno ajuda para fazer suas
contradas. Em se tratando de leitura, por anotações;
exemplo, são trabalhados os seus princi • Modificar trabalhos e pesquisas, segundo
pais componentes, ou seja, consciência a necessidade do aluno;
fonêmica, compreensão, fluência e vo • Esclarecer ou simplificar instruções es
cabulário. Nesse nível, estudos demons critas, sublinhando ou destacado partes
tram que a instrução é suficiente para a importantes para o aluno;
maioria dos estudantes que apresentam • Reduzir a quantidade de texto a ser lido;
dificuldade em leitura e escrita. • Bloquear estímulos externos (visuais, por
• Nível 2 (intervenção suplementar): nesse exemplo), se o aluno tende a distrairse
nível permanecem os alunos que não com facilidade com os mesmos. Podese
fizeram progresso no nível 1. A eles são usar como recursos: cobrir esses estímulos
dadas instruções suplementares. O moni (numa folha ou planilha por exemplo), au
toramento aqui também é implementado, mentar o tamanho da fonte e/ou aumentar
de modo a verificar a resposta à instrução. o espaçamento entre as linhas;
Alternativas diferenciadas, relacionadas • Destacar (com caneta apropriada) as in
ao aumento da frequência e intensidade formações essenciais em textos e livros, se
da intervenção, por exemplo, são imple o aluno tiver dificuldade em encontrálas
mentadas, se o aluno não fizer progresso sozinho;
suficiente. • Proporcionar atividades práticas adicio
• Nível 3 (Intervenção intensiva): perma nais, uma vez que os materiais normal
necem os alunos que não evoluíram mente não as fornecem em número su
no nível 1 e 2. A esses é dada instrução ficiente para crianças com dificuldade
individualizada e o monitoramento do de aprendizagem. Tais práticas podem
progresso pode indicar necessidade de incluir exercícios práticos; jogos instruti
ensino especializado. vos, atividades de ensino em duplas, pro
Ressaltase que o RTI requer rigor na avalia gramas de computador, etc;
ção e intervenção, com o uso de método sistemá • Fornecer glossário dos conteúdos e guia
tico, cientificamente comprovado. Com relação para ajudar o aluno a compreender a lei
à avaliação, por exemplo, testes e instrumentos tura. Esse último pode ser desenvolvido
específicos devem ser utilizados, não com o parágrafo a parágrafo, página a página
intuito de se fazer diagnóstico, mas sim para ou por seção;
identificar áreas que necessitam ser trabalhadas • Usar dispositivo de gravação. Textos, li
por meio de intervenção dirigida. vros, histórias e lições específicas podem
ser gravadas. Assim, o estudante pode re
Adaptações em sala de aula produzir o áudio para esclarecer dúvidas.
Além dos aspectos anteriormente abordados, O aluno pode, ainda, escutar e acompa
são necessárias também adaptações variadas nhar as palavras impressas e, assim, pode
no contexto escolar, de modo que o aluno possa melhorar sua habilidade de leitura;
evoluir no seu processo acadêmico. Tais adap • Utilizar tecnologia assistiva e meios alter
tações devem ser implementadas, segundo as nativos, como “tablets”, leitores eletrôni
características e necessidade do aluno. Para fins cos, dicionários, audiolivros, calculadoras,
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o risco de se produzir fracasso escolar, com todas adolescente pode necessitar de atenção, muitas
as consequências que isso envolve. vezes individualizada.
Ressaltase, ainda, que o processo de inter Apesar de todos os entraves vivenciados no
venção escolar não se encerra quando a criança nosso contexto educacional, considerase que a in
com dislexia aprende a codificar e decodificar tervenção psicopedagógica adequada no contexto
palavras e textos, já que a compreensão na lei escolar é possível e viável, desde que haja estudo
tura geralmente está prejudicada. Assim sendo, constante, formação continuada e, principalmente,
durante todo o processo educativo, a criança e/ou envolvimento e perseverança por parte da escola.
SUMMARY
Dyslexia at school: early identification and possibilities of intervention
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