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or que João tornou-se o mais conhecido


dos Evangelhos?

O
Por que o autor sagrado não se preocu-
Myer Pearlman pou em apresentar a genealogia de Jesus?
propósito de
(1898-1943). Educador, João é so-
teólogo e autor norte- Por que é o único evangelista a chamar Jesus de bremaneira
americano. Nascido o Verbo de Deus? prático. Quer
em uma família judaica não somente produzir fé
O que torna este Evangelho tão especial?
em Edinburgh, na em nós, mas demonstrar
Escócia, mudou-se Você encontrará as respostas neste livro, escri- a vida que essa fé deve
para os EUA em 1915 to por um israelita que, à semelhança de João, produzir. Os sete ou oito
vindo a se converter à fé também veio a reconhecer Jesus como o Filho milagres registrados são
evangélica pentecostal de Deus. Aproveitando sua experiência no ju- verdadeiros “sinais” (Jo
naquele país. Formou- daísmo, o pastor Myer Pearlman empresta um 2.11). Ainda mais, são
se pelo Central Bible sabor todo especial a este comentário. É um ju- símbolos da vida transmi-
Institute em Springfield. deu falando daquEle “que veio para o que era tida por Cristo.
Missouri, onde também seu, e os seus não o receberam”.
veio a lecionar. Além de
comentarista das lições
de escola dominical
da Assemblies of God,
escreveu diversas obras,
muitas delas publicadas no
Brasil pela CPAD.

JOAO - MYER PEARLMAN_14x21_aberta.indd 1 04/11/2020 09:07


Tradução: Gordon Chown

2ª edição

Rio de Janeiro
2020
Todos os Direitos Reservados. Copyright © 1995 para a língua portuguesa da
Casa Publicadora das Assembleias de Deus.

Segunda edição - Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus,


2020.

Autor: Myer Pearlman


Capa: Fábio Longo

CDD: 220 - Bíblia


ISBN: 978-65-86146-28-8

As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida,


edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário.

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Av. Brasil, 34.401 - Bangu, Rio de Janeiro - RJ
CEP: 21.852-002

2ª edição - 16ª impressão: 2020 - Tiragem: 1000


Índice
1. Jesus, Filho de Deus e Criador ....... 7
2. Os Primeiros Discípulos ................ 17
3. O Primeiro Milagre de Cristo ....... 27
4. Jesus e Nicodemos ......................... 37
5. Jesus e a Mulher Samaritana ......... 49
6. O Paralítico do Tanque de Betesda .. 59
7. Jesus, o Juiz que Há de Vir .......... 69
8. Jesus, o Pão da Vida...................... 79
9. Jesus na Festa dos Tabernáculos ... 91
10. Jesus, o Libertador ....................... 101
11. O Cego de Nascença ................... 109
12. Jesus, o Bom Pastor .................... 119
13. A Ressurreição de Lázaro ........... 131
14. Jesus é Ungido por Maria ........... 141
15. Jesus, o Rei dos Reis ................... 151
16. Jesus, o Servo .............................. 161
17. Jesus nos Dá o Consolador ......... 171
18. Jesus É a Videira ......................... 181
19. Jesus, o Intercessor ...................... 193
20. A Crucificação ............................. 203
21. Jesus, o Ressurreto ....................... 211
22. Jesus Dissipa as Dúvidas ............. 217
23. Jesus Aparece a Sete Discípulos
na Galiléia .................................... 227
1
Jesus, Filho de
Deus e Criador
Texto: João 1.1-14

Introdução
Em João 20.31, o evangelista declara o seu propósito,
que é oferecer uma série de evidências que comprovem a
natureza e a missão divinas de Jesus. Os primeiros 18
versículos do livro são um prefácio em que anuncia o seu
tema: “Como o Filho de Deus foi manifestado ao mundo”.
Este prefácio apresenta as três grandes idéias que percor-
rem o evangelho inteiro:
1. A revelação do Verbo, v. 1-4.
2. A rejeição do Verbo, v. 5-11.
3. A aceitação do Verbo, v. 12-14.

I - A Revelação do Verbo (Jo 1.1-4)


1. Seu relacionamento com Deus. “No princípio era o
Verbo”. Esta expressão nos leva de volta a Gênesis 1.1,
onde se lê: “No princípio criou Deus os céus e a terra.”
João nos informa que, na época da criação, o Verbo já
8 João, o Evangelho do Filho de Deus

existia: “E o Verbo estava com Deus”, existia em relacio-


namento com Deus, o que sugere a eterna comunhão entre
o Pai e o Filho. “E o Verbo era Deus” não significa que o
Verbo é o Pai, porque o Pai e o Filho, sendo um quanto à
sua natureza, são, porém, distintos quanto às suas persona-
lidades. O Verbo é da mesma natureza do Pai, ou seja,
divino.
A palavra do homem é o modo de ele se exprimir, de
se comunicar com outras pessoas. Pela sua palavra, faz
conhecidos seus pensamentos e sentimentos; pela sua pala-
vra, dá ordens e efetua a sua vontade. A palavra que ele
fala transmite o impacto do seu pensamento e caráter. Um
homem pode ser conhecido de modo completo pela sua
palavra, e até um cego pode conhecê-lo perfeitamente as-
sim. Ver a pessoa não daria muitas informações quanto à
sua personalidade a alguém que não a tivesse ouvido falar.
A palavra da pessoa é seu caráter recebendo expressão. Da
mesma forma, a “Palavra de Deus” (ou “Verbo de Deus”,
expressão que a tradução bíblica em português emprega
quando se trata de uma referência direta a Jesus Cristo na
sua vida terrena) é sua maneira de exprimir sua inteligên-
cia, vontade e poder. Cristo é aquele Verbo, porque Deus
revelou sua atividade, vontade e propósito através dele, e
porque é por meio dele que Deus entra em contato com o
mundo. Nós nos exprimimos por meio de palavras; o Deus
eterno se exprime através de seu Filho, que é “a expressa
imagem da sua pessoa” (Hb 1.3). Cristo é o Verbo de Deus
porque revela Deus, demonstrando-o pessoalmente. Ele não
somente traz a mensagem de Deus - Ele é, pessoalmente,
a mensagem de Deus.
Deus se revelara mediante a palavra dos profetas, e
através de sonhos, visões e manifestações temporárias. Os
homens, porém, ansiavam por uma resposta ainda mais
compreensível à sua pergunta: Como é Deus? Como res-
posta a esta pergunta, ocorreu o evento mais estupendo da
história do mundo: “E o Verbo se fez carne” (Jo 1.14). O
Jesus, Filho de Deus e Criador 9

eterno Verbo de Deus tomou sobre si a natureza humana e


se fez homem, a fim de revelar o Deus eterno através de
uma personalidade humana (Hb 1.1,2). Assim sendo, dian-
te da pergunta “Como é Deus?”, o cristão responde: Deus
é como Cristo, porque Cristo é o Verbo - a expressão do
conceito que o próprio Deus faz de si mesmo.
2. Seu relacionamento com a criação. “Todas as coisas
foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se
fez”. “Ele estava no princípio com Deus”, ou seja, já na
época em que o Universo estava para ser criado (cf. Hb
1.2; Cl 1.16; 1 Co 8.6). A quem falou Deus em Gênesis
1.26?
3. Seu relacionamento com os homens. “Nele estava a
vida”. Ele dá vida a todos os organismos vivos, e guia todas
as operações da natureza. O Pai é fonte original da vida; e
toda a vida está reservada nEle, como numa cisterna de
armazenamento. O universo de coisas vivas veio a existir
por meio do Verbo, e é sustentado pelo seu poder. A cura
do paralítico (Jo 5.1-9) e a ressurreição de Lázaro são ilus-
trações do poder do Verbo.
“E a vida era a luz dos homens”. Toda a luz que já veio
aos homens mediante a consciência, a razão ou a profecia,
foi irradiada pelo Verbo de Deus, mesmo antes dele entrar
no mundo.

II - A Rejeição do Verbo (Jo 1.5-11)


1. Rejeitado como a luz dos homens. “E a luz resplan-
dece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.” A luz
era derivada do Verbo, e pela capacidade recebida da parte
dEle podiam reconhecer o que era útil à sua natureza espi-
ritual. Mesmo assim, fecharam os olhos à Fonte da luz,
como o olho doentio que rejeita a luz natural, embora aquela
fosse a vida deles. A queda foi um obstáculo, na história da
humanidade, ao entendimento da Palavra de Deus, porque
envolveu o mundo em trevas morais e espirituais, de tal
10 João, o Evangelho do Filho de Deus

modo que os homens, criados por Deus, não podiam mais


entender as instruções de seu Criador, tendo sido obscure-
cidas as suas mentes pelo efeito do pecado e da ignorância.
O pensamento básico do trecho é interrompido pelos
versículos 6-8, que enfatizam a posição de João Batista
como testemunha e refletor da luz, e não como Messias.
Alguns dos seus discípulos se apegaram tanto a ele que,
a despeito da advertência contida no testemunho que deu
de si mesmo em João 3.25-30, teimaram em sustentar
ser João Batista o Messias, e, posteriormente, formaram
a seita dos mandeus, da qual existem ainda seguidores
no Oriente.
Voltando ao pensamento básico: “Estava no mundo,
e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu”.
Os homens tinham tão pouco entendimento da origem
do seu ser, aprenderam tão pouco acerca da razão da sua
existência, que não reconheceram seu Criador quando
Ele surgiu no meio deles. A civilização romana regis-
trou seu nascimento, lançou-o no cadastro de pessoas
físicas para finalidades de impostos, mas não tomou o
mínimo conhecimento dEle como sendo o próprio Deus
revelado em seu meio.
2. Rejeitado como Messias de Israel. “Veio para o
que era seu, e os seus não o receberam”. Jesus ensinou
esta verdade na parábola dos lavradores maus (Mt 21.33-
43). Que tragédia! A nação que aguardava a vinda do
Messias, orando ardentemente por este acontecimento,
cantando e profetizando acerca da sua vinda, não quis
recebê-lo quando chegou! (Cf Is 53.2,3; Lc 19.14; At
7.51,52).

III - A Aceitação do Verbo (Jo 1.12-14)


1. O dom da filiação. “Mas, a todos quantos o recebe-
ram, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a
saber: aos que crêem no seu nome”. Estes vieram a ser
Jesus, Filho de Deus e Criador 11

filhos de Deus, não por serem descendentes de Abraão (“não


nasceram do sangue”), nem por geração natural (“nem da
vontade da carne”), nem pelos seus próprios esforços (“nem
da vontade do varão”). Sua adoção na família divina foi
um dom gratuito e sobrenatural da parte de Deus, mediante
uma nova vida implantada neles pelo Espírito Santo, como
será explicado adiante na entrevista de Jesus com
Nicodemos, no capítulo 3.
2. A visão da glória. “E o Verbo se fez carne, e habitou
entre nós”. Literalmente: “E o Verbo foi feito carne, e ta-
bernáculo entre nós”. O Filho de Deus habitou num taber-
náculo (“tenda”) entre nós, o tabernáculo sendo seu pró-
prio corpo (cf. Jo 2.19; 2 Co 5.1,4; 2 Pe 1.13,14). Assim
como a glória de Deus habitava no Tabernáculo antigo,
assim também, quando Cristo nasceu neste mundo, sua di-
vina natureza habitava no seu corpo como num templo.
“E vimos a sua glória” (caráter divino), não meramente
a glória externa revelada na transfiguração (2Pe 1.16,17),
mas, também, o esplendor do seu divino caráter. Não era
uma glória refletida, como a glória de um santo, e sim a
“glória do unigênito do Pai”. Um filho participa da mesma
natureza do pai; Cristo, como Filho de Deus, tem a própria
natureza de Deus. Este divino caráter estava “cheio de graça
e de verdade”. A graça é o favor divino, o amor inabalável
de Deus, a misericórdia divina, e a verdade não somente é
a fala leal, sincera e veraz, como também a conduta à al-
tura.
Por qual ato, ou meio, o Filho de Deus veio a ser Filho
do homem? Qual milagre poderia trazer ao mundo “o se-
gundo homem”, que é o Senhor do Céu (1 Co 15.47)? A
resposta é que o Filho de Deus entrou no mundo, como
Filho do homem, por meio da concepção no ventre de Maria
mediante o Espírito Santo, independentemente de pai hu-
mano. No fato do nascimento virginal baseia-se a doutrina
da encarnação (Jo 1.14).
12 João, o Evangelho do Filho de Deus

IV - Ensinamentos Práticos
1. Cristo, a nossa Vida. “Nele estava a vida”. Cristo é
a verdadeira fonte de vida espiritual. “Eu vim para que
tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10.10). Para
esta finalidade o Filho de Deus tornou-se Filho do homem:
a fim de que os filhos dos homens possam ser feitos filhos
de Deus. “Quem tem o Filho, tem a vida”.
Esta vida de Cristo em nós precisa tomar a primazia;
enquanto subjugamos pela Fonte a vida do próprio-eu, sus-
tentamos a vida de Cristo em nós; quanto mais alimenta-
mos em nossa vida a de Cristo, a vida do próprio-eu vai
passando fome. Miguelângelo, o grande escultor, dizia das
lascas de mármore que iam caindo em grandes quantidades
no chão do seu estúdio: “Enquanto o mármore vai se des-
gastando, a estátua vai crescendo.” Enquanto nós, median-
te a abnegação, tiramos lascas da nossa velha natureza, a
vida de Cristo se torna manifesta em nossos corpos mor-
tais.
Cristo, para ilustrar esta verdade, fez alusão à prática da
poda: “Toda vara em mim que não dá fruto, a tira; e limpa
toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto” (Jo 15.2).
O objetivo da poda é canalizar a vida de partes inúteis para
partes úteis. A parte da planta que antes monopolizava o
vigor da planta sem dar resultados, de repente é cortada, a
fim de que a seiva vital passe de modo ativo às partes
frutíferas. A abnegação é um tipo de poda espiritual medi-
ante a qual as energias antes malbaratadas em atividades
pecaminosas ou sem proveito são postas a serviço da vida
espiritual.
Enquanto conservarmos nosso contato com Cristo, que
é a nossa vida, temos a vida abundante. Se deliberadamen-
te nos separamos dele, perdemos esta vida. A árvore não se
afasta da folha; é a folha que cai da árvore. Cristo não
abandona ninguém; são os homens que o abandonam.
Jesus, Filho de Deus e Criador 13

Como nutrir a vida divina que há em nós? Pela leitura


da Palavra, pela oração, observando diligentemente todos
os meios da graça.
2. Cristo, nossa Luz. “Ali estava a luz verdadeira, que
alumia a todo o homem que vem ao mundo” (Jo 1.9). Por
que Jesus é comparado à luz?
2.1. A luz é pura. Brilha nos lugares mais imundos sem
perder sua pureza. Cristo foi chamado “o amigo dos peca-
dores”, sem que a mínima mancha de pecado lhe tenha
maculado o caráter. A luz brilhou nas trevas, sem nunca
por elas ser vencida, obscurecida. Longe de afastá-lo dos
pecadores, sua pureza fez com que sentisse simpatia por
eles. Os verdadeiros homens de Deus sempre demonstram
ternura pelas pessoas que caíram em erros.
2.2. A luz é meiga. A luz pode tocar numa teia de ara-
nha sem fazer tremer um único fio. Cristo sempre demons-
trava meiguice ao tocar vidas quebradas, para sarar e não
para esmagar (cf. Mt 12.20). Todos os verdadeiros cristãos
são pessoas meigas, pacíficas (Tg 3.17). Muitas vezes o
conceito de poder se confunde com o da violência; a mei-
guice, porém, é um poder construtivo.
2.3. A luz revela. Quão grande é o alívio para o viajante
tateando na noite escura, quando rompe a aurora! Quão
grande a alegria para o peregrino nas sendas desta vida
quando a luz da revelação divina esclarece os problemas
da vida! “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não
andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8.12).
3. “O homem, este desconhecido”. Foi este o título que
o cirurgião e cientista Dr. Alexis Carrel, de renome mun-
dial, deu a um livro seu que teve enorme aceitação. Nele,
indica que as dificuldades pelas quais a humanidade passa
são devidas ao fato de que o homem, sábio quando se trata
de invenções, é proporcionalmente ignorante quanto à na-
tureza do seu próprio ser. Há algum tempo, um notável
biólogo fez uma declaração semelhante. Expressou o re-
14 João, o Evangelho do Filho de Deus

ceio de que a nossa civilização esteja caminhando para a


ruína porque o homem, com tantos conhecimentos quanto
ao emprego dos objetos materiais, ainda permanece sendo
um “mistério biológico”.
A razão por que o homem não conhece a si mesmo
é não conhecer o seu Criador. Assim como João escreveu:
“Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo
não o conheceu” (Jo 1.10). Jesus “sabia o que havia no
homem” (Jo 2.25). Sabe, também, o que é melhor para o
homem. Seu jugo é suave porque, diferentemente do jugo
do pecado, se adapta à alma.
4. Deus manifestado na carne. Narra-se a história de
um culto hindu, que, passeando despreocupadamente, foi
olhar de perto um formigueiro. Quando se abaixou, sua
sombra assustou as formigas e elas correram em todas as
direções. Tendo uma natureza simpática, o hindu pensou
consigo mesmo: “Gostaria de poder conversar com estas
pequenas criaturas, para dizer-lhes que não quero lhes fa-
zer nenhum mal”. Mais uma vez, aproximou-se delas, e
elas, como da primeira vez, se amedrontaram. Quando ele
recuou um pouco, recomeçaram as atividades do formiguei-
ro. Sua mente, como que brincava com o incidente: “Gos-
taria de poder falar àquelas criaturinhas”, voltou a pensar.
Então ocorreu-lhe o pensamento: “Não poderia falar com
elas mesmo se possuíssem inteligência; ainda que possuís-
sem uma língua, e que eu pudesse aprender tal língua, não
conseguiria me comunicar com elas, porque os meus pen-
samentos não são os pensamentos delas. Meus termos de
expressão não seriam compreensíveis a elas.” Sua imagi-
nação continuou trabalhando: “Se eu pudesse vir a ser uma
formiga como elas, e ainda reter minha própria personali-
dade e consciência, então, vivendo entre elas, conseguiria
comunicar-me, e elas entenderiam pelo menos alguma coi-
sa dos meus pensamentos”. O seguinte pensamento raiou-
lhe de súbito: “É exatamente isto que estes ensinadores cris-
Jesus, Filho de Deus e Criador 15

tãos querem nos dizer: que Deus se fez homem a fim de


revelar-se a nós e salvar-nos”. E, assim, sob a influência da
própria ilustração que ele mesmo viu, o hindu veio a acei-
tar a fé cristã.
A encarnação é um mistério que desafia a lógica. Para
nossa fé, porém, basta sabermos que Deus se revelou por
meio de Cristo, a fim de abrir-nos o caminho da salvação.
2
Os Primeiros
Discípulos
Texto: João 1.35-42
Introdução
O apóstolo João declara o propósito de escrever seu
evangelho: “Estes, porém, foram registrados para que creiais
que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome” (Jo 20.31). João transmite-nos
todo o volume de testemunho que o convenceu, e a outros
da sua geração, quanto à divindade de Cristo, e tem confi-
ança de que outros, igualmente, serão inspirados com a
mesma convicção.
O apóstolo apresenta três séries de testemunhos: 1) Os
milagres de Cristo, que chama de “sinais”, porque demons-
tram a divindade de quem os opera. Quantos milagres
operados antes da crucificação João registra no seu livro?
2) As asseverações de Jesus quanto à sua natureza e mis-
são. Note quantas vezes João registra as reivindicações de
Jesus, que começam com as palavras “eu sou”. 3) João
registra os testemunhos de outras pessoas - de João Batista,
dos primeiros discípulos e daqueles que receberam a cura
da parte de Jesus.
18 João, o Evangelho do Filho de Deus

Este trecho é um exemplo da terceira série de evidênci-


as. Citam-se aqui os testemunhos de João Batista e André,
irmão de Pedro.
Quando Jesus emergiu da vida particular para entrar
no ministério público, não tinha nenhum adepto ou se-
guidor. Deus, porém, enviara um profeta para preparar o
caminho diante dele - João Batista, para “preparar ao
Senhor um povo bem disposto” (Lc 1.17). Foi no meio
dos convertidos de João Batista que Jesus recebeu seus
primeiros discípulos. Nosso trecho bíblico conta como
três desses discípulos (inclusive o discípulo não menci-
onado pelo nome) deixaram a escola preparatória de João
Batista para se tornarem estudantes da escola superior
de Jesus.

I - Uma Declaração Que Chama a Atenção


(Jo 1.35,36)
“No dia seguinte João estava outra vez ali, e dois dos
seus discípulos [André e João]; e, vendo passar a Jesus,
disse: Eis aqui o Cordeiro de Deus”. Estudemos o significa-
do desta proclamação, examinando as palavras, uma por uma.
1. “EIS aqui o Cordeiro de Deus”. Literalmente, “veja”.
O evangelista apela ao pecador que veja o Crucificado e,
contemplando-o, lamente os pecados que causaram sua
morte.
2. “ Eis O Cordeiro de Deus”. Os sacrifícios de animais
não operavam a perfeita redenção, haja vista que sempre
tinham de ser repetidos. Nenhum sacerdote de Israel, can-
sado por causa do serviço ao redor do altar, poderia voltar
para casa, dizendo: “Minha esposa, finalmente ofereci o
sacrifício final; o povo está completamente perdoado e
purificado”. No entanto, qualquer um dentre os sacerdotes
que obedeciam à fé (At 6.7) poderia ter dito isso, porque o
Cordeiro perfeito, do qual os demais eram apenas símbo-
los, já fora oferecido (cf. Hb 10.11,12).
Os Primeiros Discípulos 19

3. “Eis o CORDEIRO de Deus”. O cordeiro era um


animal sacrifical; João, portanto, identificava Jesus com o
Sacrifício enviado da parte de Deus, “que tira o pecado do
mundo”. Leia Isaías 53, que é um ponto alto na doutrina
do sacrifício, por profetizar que o próprio Messias em pes-
soa haveria de se tornar a expiação pela raça humana.
Compare com Atos 8.32-35. Talvez João também se refe-
risse ao cordeiro da Páscoa (cf.1 Co 5.7). No início do pe-
ríodo da Lei, há o cordeiro da Páscoa, cuja aceitação por
parte da nação de Israel redimiu-a do meio da nação gen-
tia; quase no fim do período da Lei, há outro Cordeiro,
rejeitado pelos israelitas - e, por causa deste pecado, fo-
ram espalhados entre os gentios.
4. “Eis o Cordeiro de DEUS”. Uma das mais marcantes
diferenças entre a fé cristã e o paganismo é que os
adoradores pagãos trazem sacrifícios na tentativa de se
reconciliarem com os seus deuses, enquanto a mensagem
do Evangelho declara que o próprio Deus enviou um sacri-
fício em nosso favor a fim de nos reconciliar consigo (Rm
8.32; 2 Co 5.19). Deus trouxe a nós o sacrifício que nos
coloca mais perto de Deus, e até o Antigo Testamento
apresenta a expiação como sendo a dádiva da graça divina:
“Porque a alma da carne está no sangue; pelo que vo-lo
tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas
almas” (Lv 17.11).

II - Uma Apresentação Inesquecível (Jo 1.37-39)


1. Os discípulos que procuram. “E os dois discípulos
ouviram-no dizer isto, e seguiram a Jesus.” A congregação
de João começou a deixá-lo; ele, no entanto, não sentiu
ciúmes porque, afinal, foi justamente esta obra de apontar
às pessoas o Messias que viera fazer: “É necessário que ele
cresça e que eu diminua” (cf. Jo 3.25-30). O fiel obreiro
cristão conduz as pessoas a Cristo, e não a si mesmo.
2. A pergunta perscrutadora. “E Jesus, voltando-se e
vendo que eles o seguiam, disse-lhes: Que buscais?” O
20 João, o Evangelho do Filho de Deus

Senhor não deixa que ninguém o siga em vão; mostrará o


seu rosto àqueles que o seguem em sinceridade. Note que
as palavras “que buscais?” são um gracioso convite aos
que o procuram, para que abram o seu coração a Ele. Ele
a todos pergunta: “Que buscais?” Estão procurando verda-
de, poder, perdão, amor, paz, vitória, esperança, forças? Ele
pode nos oferecer tudo quanto buscamos e de que necessi-
tamos. Além disso, a pergunta é um desafio, no sentido de
ver se estamos procurando as coisas certas, porque ele
procura discípulos sinceros e que entendam o que estão
fazendo.
3. A pergunta tímida. “E eles disseram-lhe: Rabi (que,
traduzido quer dizer, Mestre), onde moras?” Apesar de se
sentirem um pouco acanhados na sua presença, os jovens
ficaram tão impressionados em seu primeiro contato com
Jesus que desejavam saber mais acerca dele; queriam saber
o seu endereço, visando a uma visita mais prolongada.
Lição: não devemos nos limitar a uma olhada passageira
em Cristo; devemos saber onde Ele habita, para que nos
receba como hóspedes.
4. O convite gracioso. “E ele lhes disse: Vinde, e vede.”
Este convite é a melhor resposta aos que duvidam e aos
interessados - é o apelo à experiência. Podemos dar às pes-
soas uma excelente receita culinária, e fazer grande esforço
de descrever quão delicioso é certo prato, mas nada se
compara com levar o próprio ouvinte a experimentar a
comida por si mesmo. “Provai, e vede que o Senhor é bom”
(Sl 34.8)

III - Uma Entrevista Que Transforma a Vida


(Jo 1.39)
“Foram, e viram onde morava, e ficaram com ele aque-
le dia”. O escritor inspirado não nos conta os detalhes
daquela inesquecível visita; sabemos, no entanto, que o
contato com o radiante Mestre contribuiu com algo de vital
Os Primeiros Discípulos 21

à vida de André. Nunca mais foi o mesmo depois daquela


entrevista. “Senti um calor estranho no meu coração”, dis-
se João Wesley, descrevendo seu primeiro contato vivo com
Cristo, e certamente André sentiu-se assim durante a sua
festa espiritual com o Mestre. Quem aceitar o convite de
Jesus (“Venha ver”) receberá outro convite (“Venha cear”).
O primeiro é para os que ainda não são do seu rebanho; o
segundo é para os que já entraram no seu aprisco.

IV - Uma Grande Descoberta (Jo 1.40)


André saiu daquela casa transbordando com uma pode-
rosa convicção e, enlevado pela descoberta que tanto o
emocionara, foi correndo falar com o seu irmão Pedro,
anunciando as novas que fariam palpitar o coração de qual-
quer verdadeiro israelita: “Achamos o Messias”. Muitos
judeus podem dizer, até hoje: “Cremos na vinda do Mes-
sias, oramos e ansiamos por aquele acontecimento”, mas
nenhum judeu que não crê em Jesus pode dizer, juntamen-
te com André: “Achamos o Messias”.
Note que André veio a ser testemunha de Cristo no dia
da sua conversão. As coisas maravilhosas que Cristo sus-
surra nos ouvidos do homem, em segredo, ficam ardendo
no seu íntimo até que ele conte aos outros.

V - Um Serviço de Amor (Jo 1.42)


André não se restringiu a contar as novas: queria que
seu irmão as experimentasse por si mesmo. Lemos, portan-
to: “E levou-o a Jesus” - o serviço mais gentil que uma
pessoa pode fazer a outra. Não é necessário que alguém
seja grande pregador ou gênio espiritual para assim fazer.
André começou o trabalho em seu próprio lar: “Este
achou primeiro a seu irmão”. O melhor preparo a um mis-
sionário é começar em casa; se não conseguimos levar
22 João, o Evangelho do Filho de Deus

outras pessoas a Cristo em nossa própria terra, como o


faremos em outras terras? Quando o endemoninhado liber-
to por Jesus quis seguir viagem com Ele, o Mestre respon-
deu: “Vai para tua casa, para os teus, e anuncia-lhes quão
grandes coisas o Senhor te fez, e como teve misericórdia
de ti” (Mc 5.19).

VI - Uma Recepção Graciosa (Jo 1.42)


“E, olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, filho de
Jonas; tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro).”
Cefas, em hebraico, quer dizer “pedra” ou “rocha”. O que
Cristo quis dizer com isto?
1. Na Bíblia, a mudança de nome freqüentemente sig-
nificava mudança da natureza da pessoa, da sua situação
ou experiência (Gn 32.28). Este encontro com Jesus se
constituiu em ponto crítico na vida de Pedro - a hora em
que ele passou a ser de Cristo.
Dan Crawford conta acerca do valor que os congoleses
dão a nomes:
“O homem que se transforma muda também de
nome. Um jovem perto de mim recebeu um aumento
salarial, e tomou dinheiro adiantado para comprar um
nome. Para ele, o nome era um patrimônio tão valioso
como um imóvel, pertencendo-lhe como se fosse seu
cachorro ou sua arma. O jovem queria comprá-lo so-
lenemente, à vista. Naturalmente que possuía nome,
mas achava seu nome de nascimento por demais in-
fantil: não é verdade que para dado por conjectura, e
sem o consentimento dele? Não é verdade que o nome
deve ser um legítimo reflexo do caráter da pessoa?...
Não é de se estranhar, portanto, que quando você diz
ao africano que no céu teremos uma nova natureza,
este responde: ‘Devemos, portanto, receber um nome
novo”’ (ver Ap 2.17).
Os Primeiros Discípulos 23

2. A mudança de nome foi, neste caso, uma promessa


de poder transformador. Talvez Pedro pensasse, consigo
mesmo, na presença do Mestre: “Como poderei eu, homem
de caráter fraco e instável, ser digno de entrar no reino do
Messias?” (cf. Lc 5.7,8). O Senhor, percebendo os temores
íntimos de Pedro, queria dizer: “Sei que o homem chama-
do Simão é conhecidamente impulsivo, impetuoso e instá-
vel. Tenha, porém, bom ânimo. Assim como sei quem é
você, assim também sei o que você será. Venha a mim
assim como você é, e eu o farei uma pedra firme no meu
Reino. Como sinal desta promessa, seu nome será Cefas.”
O Senhor sempre é o mesmo: recebe-nos em nossa fra-
queza, sabendo que poderá nos tornar fortes.
3. O novo nome foi sinal da autoridade de Cristo exercida
sobre Pedro, assim como um rei pode alterar o nome de
alguém que levou cativo (cf. Dn 1.7). Daquele momento
em diante, Pedro ficou pertencendo a Cristo e, com todo
amor, chamava-o de Mestre.

VII - Ensinamentos Práticos


1. A maior necessidade do homem. Sacrifícios, alta-
res e templos em todas as terras e época testificam esta
verdade: os homens sempre sentiram o fato de as coisas
andarem erradas no seu relacionamento com o poder
superior, e que a apresentação de um sacrifício com der-
ramamento de sangue é necessária para retificar a situ-
ação. Cada pessoa que honestamente examinar o seu pró-
prio coração sentir-se-á constrangida a dizer “Amém!” à
declaração bíblica: “Pois todos pecaram e destituídos
estão da glória de Deus” (Rm 3.23). Muitos remédios
têm sido oferecidos para curar a falta de harmonia que
há na alma humana; João Batista, porém, apontou o re-
médio divino: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o peca-
do do mundo!”
24 João, o Evangelho do Filho de Deus

2. Uma pergunta perscrutadora. “Que buscais?” Esta


pergunta sugere duas lições. 1) A necessidade de termos
nítida consciência de qual é o nosso objetivo na vida.
Muitas pessoas são levadas à deriva pela vida, impulsi-
onadas pelas circunstâncias; sabem quais as suas neces-
sidades imediatas; não podem, porém, apontar um obje-
tivo supremo para atingir, nem mencionar um grande
propósito que controle a sua vida. Jesus, para despertar
nas pessoas o reconhecimento de quão fútil é a vida que
vão levam, pergunta-lhes: “Que buscais?” 2) A pergunta
desafia as pessoas a se tornarem discípulos sérios. Mar-
cos Dods escreve:
“Cristo deseja ser seguido com toda a seriedade. Tan-
tos o seguem porque uma multidão está indo atrás dele,
levando outras pessoas consigo; tantos o seguem porque
está na moda, sem possuírem opinião própria; muitos o
seguem como por experiência, e vão ficando para trás
quando surge a primeira dificuldade; muitos seguem com
idéias errôneas quanto àquilo que esperam da parte dEle...
Cristo não manda ninguém embora simplesmente pela
sua lentidão em entender quem é Ele e o que Ele tem
feito pelos pecadores. Com esta pergunta, no entanto,
nos faz entender que aquela atração vaga e misteriosa
que, qual ímã escondido, atrai a ele as pessoas, deve ser
trocada por uma compreensão nítida quanto ao que nós
mesmos esperamos receber dEle para suprir as nossas
necessidades. Ele não rejeitará pessoa alguma que res-
ponda, com sinceridade: “Buscamos a Deus, buscamos a
santidade, buscamos serviço contigo, buscamos a ti.”
3. “Vinde, e vede”. É um desafio aos que duvidam e
questionam. Certo cristão aceitou o desafio de um não-crente
para debater com ele em público. Depois do discurso do
não-crente, o cristão, sem falar uma palavra, tirou uma
laranja do bolso, descascou-a, comeu-a e depois pergun-
tou: “Bem, como estava a laranja?” “Como vou saber?”,
Os Primeiros Discípulos 25

retrucou o não-crente. “Nem sequer provei dela”. Respon-


deu o crente: “Como o senhor pode conhecer o Cristianis-
mo quando não o experimentou?”
Um interessado pode ouvir e ler acerca de Cristo; o
melhor caminho, no entanto, é chegar diretamente a Ele
para experimentar seu poder. Para se explicar aos índios da
floresta tropical o que é o gelo, mais valeria um pedaço
para examinarem do que uma hora de preleções sobre o
assunto.
4. Testemunho de Cristo. O testemunho de André su-
gere três lições: 1) “Este achou primeiro a seu irmão”.
Quanto mais estreitos os laços de parentesco entre quem
testemunha e quem ouve, mais enfático será o testemu-
nho. Há mais força de convicção entre os que se conhe-
cem intimamente do que na mensagem falada em públi-
co. Quando alguém encontra Cristo de forma tão real
que sua alegria é tão óbvia como quando encontra um
excelente emprego ou vaga universitária, seu testemu-
nho não deixará de convencer aos que o conhecem. 2) O
testemunho pessoal é prova da convicção pessoal; quan-
do alguém tem profunda convicção, não pode ficar tran-
qüilo até compartilhá-la com outra pessoa. 3) O teste-
munho pessoal faz parte do plano de Deus para a evan-
gelização do mundo. No século que se seguiu à era apos-
tólica, não houve notícia de “grandes” evangelistas e mis-
sionários; não há registro de campanhas evangelísticas
abrangendo cidades inteiras. A Igreja, no entanto, cres-
ceu com ritmo veloz. A explicação é que cada cristão
considerou ser dever e privilégio testemunhar de Cristo.
O escravo testemunhava perante seu dono; o operário,
ao seu companheiro; o vendedor, aos seus fregueses; o
filho, aos pais. Os pastores, evangelistas e missionários
se destacam na liderança da obra de ganhar almas para
Cristo, mas não podem ficar sem a colaboração dos mem-
bros das suas congregações.
3
O Primeiro Milagre
de Cristo
Texto: João 2.1-11
Introdução
O milagre da transformação da água em vinho ilustra o
propósito do Evangelho de João, a saber: despertar a fé na
divindade de Cristo e em Cristo, como o Messias. João nos
conta como este milagre o convenceu, juntamente com os
demais discípulos, da natureza divina de Cristo (2.11), e
registra o incidente para que a nossa fé também possa ser
despertada e aumentada.

I - A Feliz Ocasião (Jo 2.1,2)


“E, ao terceiro dia (do incidente em 1.51), fizeram-se
umas bodas em Caná da Galiléia, e estava ali a mãe de
Jesus. E foi também convidado Jesus e os seus discípulos
(ver capítulo 1) para as bodas.” A presença do nosso Se-
nhor no casamento sugere as seguintes lições:
1. Jesus aprova a vida social. Jesus não era um religi-
oso sombrio com rosto desagradável que se esquivava do
contato com as pessoas. Comia juntamente com fariseus e
28 João, o Evangelho do Filho de Deus

publicanos com sociabilidade imparcial. Não consta ter


recusado a hospitalidade de quem quer que seja, a ponto de
os formalistas levantarem a acusação de ser ele “glutão e
bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores”. Não
era verdadeira a acusação, mas pelo menos ressaltou a
verdade de que Cristo não aborrecia o convívio de grupos
sociais, e que gostava de estar com pessoas. Procurava a
companhia das pessoas a fim de espalhar a sua influência
e doutrina, e para deixar que as pessoas o conhecessem e,
por meio dele, à graça de Deus. O Senhor Jesus acreditava
em “separação” tão profundamente como os próprios
fariseus (que formavam o partido “da separação”); mas,
enquanto estes se afastavam dos pecadores e continuavam
a dar guarida ao pecado no coração (Mt 23.25-28), Jesus se
conservava separado do pecado e dava as boas-vindas aos
pecadores, a fim de salvá-los. Noutras palavras, ele estava
interiormente separado dos pecadores, enquanto mantinha
com eles contato exterior. Devemos seguir seu exemplo
nesta matéria. Somos o sal da terra, mas, a fim de sermos
eficazes, precisamos entrar em contato com aquilo que
precisa ser salgado; para sermos pescadores dos homens,
devemos ir para onde estão os peixes; para sermos luz do
mundo, devemos aparecer e brilhar.
2. Cristo aprova o casamento. Nenhum relacionamento
humano tipifica um mistério espiritual tão profundo (ver Jo
3.29; Mt 9.15; 22.1-14; 25.10; Ap 19.7; 22.17; 2 Co 11.2).
É digno, portanto, da mais elevada honra. Cristo previu,
também, que surgiriam na igreja aqueles que menospreza-
riam o casamento (1 Tm 4.3), ou que não perceberiam toda
a dignidade e honra da família cristã. Lição prática: a pre-
sença de Cristo é essencial ao casamento feliz.
3. Cristo aprova a alegria inocente. Embora nosso
Senhor fosse homem de dores, carregando, lá no íntimo, o
fardo do pecado e da tristeza do mundo inteiro, parece que
era o lado alegre da sua natureza que ele apresentava às
O Primeiro Milagre de Cristo 29

pessoas. Seu nascimento foi anunciado como boas-novas


de grande alegria. Uma das suas exortações favoritas era:
“Tende bom ânimo”; a palavra “alegria” ocupava um lugar
de honra no seu vocabulário. Não há dúvida de que Ele
dirigia os pensamentos dos homens às realidades solenes
da vida, mas, ao mesmo tempo, oferecia-lhes gozo inefável
e cheio de glória. Uma ilustração do Reino dos Céus que
Ele freqüentemente citava era a de um banquete de casa-
mento, e quando os discípulos de João queriam saber por
que os de Jesus não jejuavam, empregou a mesma ilustra-
ção: “Então chegaram ao pé dele os discípulos de João,
dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes,
e os teus discípulos não jejuam? E disse-lhes Jesus: Podem
porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o
esposo está com eles? Dias, porém, virão em que lhes será
tirado o esposo, e então jejuarão” (Mt 9.14,15).

II - A Falta Embaraçosa (Jo 2.3-5)


“E, faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não têm
vinho.” O esgotamento do suprimento de vinho pode ter
surgido por três razões: o número inesperado dos discípu-
los de Cristo, o prolongamento da festa por sete dias, se-
gundo o costume ou as dificuldades financeiras do noivo e
da noiva.
1. A sugestão ansiosa. Maria, decerto, tem íntima cone-
xão com a família que celebrava o casamento, como se
percebe do seu conhecimento da falta de vinho e das or-
dens que deu aos serventes. A falta de vinho em tal ocasião
seria uma desonra para o hospedeiro e para o casamento
que estava sendo festejado. Assim, Maria sussurrou, ansi-
osamente, a informação: “Não têm vinho”. Lembrando-se
das declarações proféticas feitas acerca da grandeza do seu
Filho (Lc 1.30-35), ela acreditava ter ele poderes suficien-
tes para suprir a necessidade e tirar o hospedeiro do emba-
raço. Maria, vendo o seu Filho cercado pelos seus discípu-
30 João, o Evangelho do Filho de Deus

los, sente a esperança secreta que nutria em silêncio duran-


te tantos anos irromper em ardor flamejante, e volta-se a
ele, demonstrando uma bela fé em seu poder para ajudar,
mesmo na pequena necessidade do momento. Será que ela
já presenciara alguma manifestação do seu poder
miraculoso? Leia o versículo 11.
2. A firme ressalva. “Disse-lhe Jesus: Mulher, que te-
nho eu contigo? ainda não é chegada a minha hora”. Tal
linguagem não dá a entender nenhuma falta de respeito
porque a palavra “mulher”, equivalente a “senhora”, foi a
mesma que Jesus dirigiu a ela nos momentos finais de sua
vida terrestre: “Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19.26). Era
um termo de respeito que se empregava até quando se di-
rigia a uma rainha.
Mesmo assim, a linguagem dá a entender uma mudança
de relacionamento entre Jesus e Maria. Ela já não era “mãe”,
e sim “mulher”. O período de sujeição a Maria chegou ao
fim. Ele agora é o Messias, o Servo do Senhor, e seu re-
lacionamento é o de Messias e discípulo (cf. At 1.14).
Jesus, por assim dizer, indicava: “É verdade que o rela-
cionamento natural entre nós é o de mãe e filho; lembre-se,
porém, de que a minha vida é vivida na esfera de um re-
lacionamento mais alto (cf. Lc 2.48,49). Como Filho de
Deus, devo doravante agir e trabalhar segundo o tempo e
a maneira que meu Pai manda. O tempo e a maneira do
meu ministério dependem de considerações mais altas do
que as de carne e sangue” (cf. Mt 12.46-50).
Muitas vezes acontece que uma mãe chega ao reconhe-
cimento, talvez doloroso, de que quem foi seu “menino”
entrou numa esfera de vida mais ampla, além de influência
e controle, da qual ela não pode participar.
3. A humilde aquiescência. Maria rapidamente enten-
deu a situação e aceitou-a com doçura e humildade; em
seguida, disse aos serventes: “Fazei tudo quanto ele vos
disser”. Sua fé lançou mão daquela pequena centelha de
esperança - “ainda não” (v. 4) - e fê-la transformar-se em
O Primeiro Milagre de Cristo 31

chama viva. Com firme confiança, apesar da suave chama-


da de atenção recebida, Maria deixou tudo nas mãos de
Jesus. Nós também devemos nos submeter a Ele, confian-
do que atenderá às nossas petições, e isto como e quando
lhe convier.

III - O Suprimento Milagroso (João 2.6-10)


“E estavam ali postas seis talhas de pedra, para as pu-
rificações dos judeus (para lavarem-se cerimonialmente) e
em cada uma cabiam dois ou três almudes (ou metretas,
medida correspondente a 38 litros). Disse-lhes Jesus: Enchei
d’água essas talhas. E encheram-nas totalmente.”
1. A realidade. As circunstâncias do milagre dissipam
qualquer dúvida quanto à sua realidade: as talhas eram
especificamente para água, não havendo a possibilidade de
se sugerir a presença de sedimentos no fundo que empres-
tassem o gosto de vinho à água; sua presença ali era nor-
mal, e não premeditada, de acordo com o costume dos
judeus de lavagem (Mt 15.2; Mc 7.2-4; Lc 11.38); a quan-
tidade era enorme, muito mais do que se poderia ter trazido
secretamente; as talhas estavam vazias, e os empregados
sabiam que foi com água que passaram a enchê-las.
2. O mistério. O processo pelo qual a água foi transfor-
mada em vinho era divino; nenhuma palavra foi escrita sobre
o método da operação do milagre, nem sequer se menciona
que o milagre foi operado; simplesmente nos é informado
o que aconteceu antes e depois do milagre. Jesus não enun-
ciou qualquer palavra de ordem, nem empregou qualquer
meio: bastava o silencioso exercício da sua vontade para
que a matéria se transformasse segundo o seu beneplácito.
A operação do poder criador do Senhor Jesus foi feita
mediante sua simples vontade íntima.
3. A admiração. “E, logo que o mestre-sala provou a
água feita vinho [não sabendo donde viera, se bem que o
sabiam os serventes que tinham tirado a água], chamou o
32 João, o Evangelho do Filho de Deus

mestre-sala ao esposo, e disse-lhe: Todo homem põe pri-


meiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então o
inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho”. O mes-
tre-sala, dirigindo o andamento da festa, não aludia a qual-
quer excesso da parte das pessoas presentes naquela festa
específica, porque Jesus não teria abençoado com sua pre-
sença qualquer bebedice. Simplesmente faz alusão ao costu-
me normal, mediante o qual os hóspedes, depois de uma su-
ficiência de vinho superior, já não poderiam discernir a infe-
rioridade do vinho oferecido no fim da festa.

IV - O Propósito Superior (Jo 2.11)


O propósito imediato de Jesus em operar o milagre era
libertar um jovem casal do embaraço e da vergonha. O
versículo 11 sugere o propósito superior do milagre: a re-
velação da glória de Cristo. “Jesus principiou assim os seus
sinais em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os
seus discípulos creram nele”. Foi esta a primeira demons-
tração do poder milagroso de Jesus, revelando a sua natu-
reza divina. Irromperam-se agora, visivelmente, a divina
natureza e a glória que antes se escondiam sob o véu de
carne, e os discípulos viram “a sua glória, como a glória do
unigênito do Pai” (1.14). O milagre revelou a operação do
poder criador, cuja origem somente poderia ter sido de Deus.
1. Aumentou-se a fé dos discípulos. “E os seus discípu-
los creram nele”. Já tinham crido; senão, não seriam discí-
pulos (1.50). Agora, porém, sua fé ficou mais profunda e
mais forte. Acreditavam em Jesus, porém agora mais do
que nunca. Nossa fé é aumentada (Lc 17.5) ao ver o Se-
nhor operando em poder milagroso.

V - Ensinamentos Práticos
1. Poder através da obediência. Quando Jesus mandou
os serventes encherem as talhas d’água e levarem-nas até
P
or que João tornou-se o mais conhecido
dos Evangelhos?

O
Por que o autor sagrado não se preocu-
Myer Pearlman pou em apresentar a genealogia de Jesus?
propósito de
(1898-1943). Educador, João é so-
teólogo e autor norte- Por que é o único evangelista a chamar Jesus de bremaneira
americano. Nascido o Verbo de Deus? prático. Quer
em uma família judaica não somente produzir fé
O que torna este Evangelho tão especial?
em Edinburgh, na em nós, mas demonstrar
Escócia, mudou-se Você encontrará as respostas neste livro, escri- a vida que essa fé deve
para os EUA em 1915 to por um israelita que, à semelhança de João, produzir. Os sete ou oito
vindo a se converter à fé também veio a reconhecer Jesus como o Filho milagres registrados são
evangélica pentecostal de Deus. Aproveitando sua experiência no ju- verdadeiros “sinais” (Jo
naquele país. Formou- daísmo, o pastor Myer Pearlman empresta um 2.11). Ainda mais, são
se pelo Central Bible sabor todo especial a este comentário. É um ju- símbolos da vida transmi-
Institute em Springfield. deu falando daquEle “que veio para o que era tida por Cristo.
Missouri, onde também seu, e os seus não o receberam”.
veio a lecionar. Além de
comentarista das lições
de escola dominical
da Assemblies of God,
escreveu diversas obras,
muitas delas publicadas no
Brasil pela CPAD.

JOAO - MYER PEARLMAN_14x21_aberta.indd 1 04/11/2020 09:07

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