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Queridos amigos,

Etienne Gilson escreveu quatro paragráfos


notáveis sobre Santo Agostinho:

"Do ponto de vista da filosofia


moderna, a prova da existência de
Deus é uma das ambições mais altas
da metafísica. Nenhuma tarefa é mais
difícil, a tal ponto que alguns a
estimam como impossível."

"Mas para Santo Agostinho, ao


contrário, parecia uma tarefa tão fácil
que bastaria empenhar-se nisto. Santo
Agostinho considerava a existência de
Deus evidente para o homem que
conservasse um coração puro, uma
razão reta e uma fé dócil aos
ensinamentos da revelação, mas difícil
demonstrá-la aos corações
endurecidos e às razões que aspiram
bastar-se a si mesmas."

"Estes insensatos, porém, deveriam ser


abandonados à sua propria cegueira?
É surpreendente qual a prova racional
da existência de Deus que Agostinho
proporia ao insensato."

"Ao contrário de tudo o que


poderíamos esperar, Agostinho não se
empenharia em demonstrar-lhe a
existência de Deus convencendo-o, mas
tentaria em primeiro lugar
manifestar-lhe a verdade das
Escrituras que ensinam a existência de
Deus."

Durante muitos anos considerei estas


palavras de Etienne Gilson.

Considerei também os numerosos amigos


e familiares que todos temos e que não crêem
e não praticam os mandamentos.

Considerei também as palavras daquelas


pessoas que admiram Jesus e seus
ensinamentos, e com um sorriso tão amável
mas tão cheio de tristeza, nos dizem que
gostariam de crer, mas não o conseguem.
Não se orgulham disso, mas o confessam
com tristeza. Gostariam de crer, invejam os
que crêem, mas não conseguem.

Considerando tudo isto, considerando as


palavras de Etienne Gilson, considerando o
exemplo de Santo Agostinho, considerando
amigos e conhecidos, e alguns de modo
especial, e considerando os que admiram os
que crêem mas que não alcançam o dom da
fé, pensei em propor uma prática com a
Palavra que não exige a fé, nem a observância
dos mandamentos, mas que poderá conduzir
a ambas.

Baseia-se no capitulo quarto do Evangelho


de São Marcos.

Marcos era apenas um menino quando


conheceu pessoalmente Jesus. Jovem,
acompanhou São Paulo em suas primeiras
viagens apostólicas fora da Judéia. Adulto,
acompanhou São Pedro a Roma onde foi seu
fiel ajudante. Já bem maduro em idade, e
principalmente na fé, tornou-se bispo de
Alexandria. Ali, na segunda maior cidade do
Império Romano, realizou um trabalho tão
admirável que não por acaso foi no Egito que
surgiriam mais tarde os primeiros padres do
deserto.

A prática que lhes envio em seguida é um


presente de Natal para todos os que a
receberem.

Podem sugeri-la aos amigos que desejam a


fé mas não a alcançam. Aos que gostariam de
ser cristãos mas não conseguem abandonar o
pecado. Ou aos indiferentes que aceitariam,
por nossa amizade, fazer uma pequena
experiência.

Talvez todas estas pessoas concordem em


fazer a experiência mais pela amizade que
têm para conosco do que por outro motivo.
Isto não importa.

É possivel que, se a aceitarem, cheguem a


ouvir a voz de Deus que fala em nós e
experimentar o brilho daquela Luz que
ilumina todo homem (Jo 1, 9), de que São
João nos dá testemunho em sua carta (I Jo.
1,5) e que resplandeceu em Jesus no monte
da transfiguração (Mt. 17, 2). Ela os
convidará à fé e lhes abrirá o caminho da
vida.

Desejo a todos um feliz Natal.


UMA PRÁTICA COM A
MEDITAÇÃO DA PALAVRA

Jesus ensinou que “o Reino de Deus é


como um homem que lança a semente à
terra, e que dorme e se levanta noite e dia, e
a semente brota sem ele saber como”.

“Porque a terra por si mesma produz,


primeiramente, a erva, depois a espiga, e
por último o trigo graúdo na espiga”.

“E quando o fruto está maduro, mete logo


a foice, porque está chegado o tempo da
ceifa” (Mc 4, 26-29).

“O que o semeador semeia é a palavra”


(Mc 4, 14).

Esta é a palavra com que Jesus ensinou os


apóstolos durante três anos e meio.

Desta palavra Jesus disse aos apóstolos,


durante a última ceia, que eles haviam se
tornado puros por causa da palavra que Ele
lhes havia anunciado durante aqueles anos
(Jo. 15, 3).

Quando os havia conhecido, Jesus havia-


lhes dito: “Se permenecerdes em minha
palavra, sereis verdadeiramente meus
discípulos, conhecereis a verdade e a
verdade vos tornará livres” (Jo, 8, 31).

O apóstolo João comentou a este respeito


dizendo que “aquele que guarda a sua
palavra, verdadeiramente nele o amor de
Deus se tornou perfeito” (I Jo. 2, 5).

E, na última ceia, Jesus pediu ao Pai que


santificasse os seus discípulos na verdade, e
acrescentou: “A tua palavra é a verdade”
(Jo. 17, 17).

Esta palavra é o que Jesus apresentou aos


apóstolos durante os três anos e meio em que
estêve com eles, e da qual ele diz: “Não vos
chamo mais de servos, mas de amigos,
porque dei-vos a conhecer tudo o que ouvi
de meu Pai” (Jo. 15, 15).
Esta palavra está disponível para nós hoje,
porque a pedido do próprio Jesus, no-la foi
transmitida pelos seus apóstolos. Ela está no
livro que chamamos de Novo Testamento.

Esta palavra é a semente que, plantada no


coração do homem, regada por meio do
Espírito Santo, faz nele germinar o Reino de
Deus. Por isso é que Jesus ensinava que o
Reino de Deus é como um homem que lança
a semente à terra, que dorme e se levanta
noite e dia, e a semente brota sem ele saber
como.

Na parábola do semeador Jesus explica


também que não basta apenas semear a
palavra. Ela somente frutifica se for plantada
no terreno fértil. A parábola do semeador
está explicada no capítulo 4 do Evangelho de
São Marcos. Para entender o que será
explicado adiante será conveniente ler três
ou quatro vezes com atenção todo o capítulo
4 do Evangelho de São Marcos.

Na parábola do semeador Jesus ensina


que o semeador semeia muitas sementes,
mas poucas são as que produzem fruto,
porque a maioria cai em terreno impróprio.
Algumas caem na estrada, outras em
terrenos pedregosos, outras em terrenos com
espinheiros. Para que a semente caia no
terreno correto é preciso primeiro vencer
todos estes obstáculos. Até mesmo para
entender o que está escrito no capítulo 4 de
Marcos será preciso vencer todos estes
obstáculos Podemos, então começar por este
mesmo capítulo. Leia o capítulo 4 do
Evangelho de Marcos. Vamos entender, pela
prática, como, na maioria das vezes, a
semente cai em terreno impróprio e não
poderá germinar.

Para isto será preciso separar três


momentos distintos no dia. Em cada um
deles vamos semear a palavra e em cada um
deles vamos vencer cada um dos três
obstáculos, até encontrar o terreno fértil
onde a palavra poderá produzir fruto e fazer
germinar o Reino de Deus.

Em um primeiro momento leia, ou ouça,


três vezes, quatro vezes, ou quantas vezes
forem necessárias, todo o capitulo 4 do
Evangelho de Marcos, para que, usando toda
a sua atenção, memorize o enredo e os
detalhes do capítulo. Tenha certeza que, mais
adiante, no mesmo dia, em um segundo
momento, poderá relembrar o enredo do
capítulo apenas usando a memória. Deste
modo, algo da palavra terá que ter sido
guardado dentro de nós. Os pássaros que
voam ao redor não poderão ter levado tudo o
que foi semeado. Uma boa parte da semente
terá que ter ficado conosco em nosso
coração. Não se pode ter deixado cair tudo na
beira da estrada para os pássaros levarem.

Em um segundo momento, procure


relembrar tudo, na sequência, sem usar o
texto ou o áudio, mas apenas a memória,
refazendo o enredo como se fosse um texto
ou uma gravação interior, e usando este
depósito para meditar e tentar entender o
sentido do enredo. Depois desta meditação,
alguma verdade deve ficar guardada conosco
além do próprio texto bruto. Note que, se
Jesus ensinava em parábolas, era para que
fossemos obrigados a buscar um outro
sentido que não o sentido imediato da
parábola. Jesus procedia assim para que
pudéssemos aprender que, mesmo quando
Ele não nos fala em parábolas, a realidade é
sempre mais profunda do que as palavras.
Portanto, a mesma coisa também acontecia
quando depois, em particular, Jesus
explicava as parábolas aos seus discípulos.
Quando conseguimos começar a passar das
palavras para a realidade, isto significa que a
palavra começou a dar suas raízes.
Começamos a vencer o segundo obstáculo do
terreno pedregoso.

Em um terceiro momento, distinto dos


anteriores, vá para um lugar tranquilo, pode
ser um quarto mais reservado, uma capela ou
uma igreja, e esqueça-se de todos os seus
pensamentos e de todas as suas aflições. Não
só os pensamentos sobre mundo e os
problemas que há no mundo, mas também
das suas próprias aflições, dos seus próprios
temores e das suas próprias ansiedades, e
tente recolher-se em seu interior, em um
recinto de silêncio. Durante algum tempo
estaremos mortos para o mundo e seus
problemas. Com isto estamos tentando
vencer o último obstáculo, que é o
espinheiro. Em seguida, no silêncio, fixe a
sua atenção em um só aspecto mais relevante
do que havia meditado no segundo
momento. Use o foco da atenção na palavra
para aumentar o recolhimento já alcançado e
esquecer-se de tudo o mais. É neste
recolhimento que o Espirito Santo costuma
nos ensinar sobre a palavra com a sua luz.
Este é o terreno fértil de que falava Jesus.
Deposite as sementes, que haviam sido
guardadas no primeiro momento e polidas
no segundo, no silêncio do terreno fértil
deste recinto interior. Este é o lugar onde
Jesus diz que a palavra frutifica trinta,
sessenta ou cem por um. É aí que começa o
Reino de Deus. Aguarde que neste silêncio a
semente da palavra possa, dia após dia,
começar a germinar. À medida em que isto
venha a acontecer, se o Espirito Santo
mostrar algo mais profundo que Ele queira
lhe ensinar, não feche o coração quando
ouvir a sua voz. Ele quererá lhe mostrar,
principalmente, quem é Cristo.
Haja o que houver, não deixe de fazer esta
prática um só dia.

Jesus dizia que o Reino de Deus é “como


um grão de mostarda que, quando se
semeia na terra, é a menor de todas as
sementes que há na terra; mas depois que é
semeado, cresce e torna-se maior que todas
as hortaliças, e cria grandes ramos, de
modo que as aves do ceú podem vir pousar
à sua sombra” (Mc. 4, 30-32).

Em uma outra parábola, encontrada no


Evangelho de São Mateus, Jesus diz que o
Reino dos Céus é como uma rede que foi
lançada ao mar. Quando ela é puxada, os
anjos escolhem e separam os peixes (Mt 13,
47-50).

Os primeiros cristãos interpretaram esta


parábola dizendo que a rede são as Sagradas
Escrituras, o mar é o mundo e os peixes
somos nós. Só há chance de sermos
escolhidos para o Reino de Deus se formos
primeiro enredados pela palavra. É ali que
começa a nossa salvação.
Sobre os três momentos de ler e ouvir, de
relembrar e meditar, e de semear no silêncio
do recinto interior, é importante enfatizar
que não devem ser momentos seguidos. O
ouvir, por exemplo, pode ser de manhã, o
relembrar e meditar ao meio dia, e o semear
à tarde. Ou o ouvir à noite, o relembrar ao
acordar, e o semear no fim da manhã. Ou o
ouvir à tarde, o relembrar à noite, e o semear
logo ao acordar.

Podem-se experimentar várias alternativas


para que cada um veja qual a que melhor lhe
convém.

Mas é importante é que não sejam três


momentos imediatamente consecutivos. É a
memória que deve ser a corda viva que irá
interligar estes momentos. E isto deve ser
assim porque temos que aprender a amar a
Deus não apenas com a inteligência e a
vontade, mas também com toda a memória.
Os santos padres eram muito enfáticos neste
ponto.
A palavra ideal para começar é o capítulo 4
do Evangelho de São Marcos. No dia seguinte
podemos repetir a prática com o mesmo
capítulo 4 de Marcos.

Mas depois convém passar, um capítulo


após o outro, por todo o Novo Testamento. O
Novo Testamento contém aquele “tudo” que
Jesus ouviu do Pai, e que quis transmití-lo a
nós, porque considerou-nos dignos de sua
amizade, e o fêz primeiro aos seus apóstolos,
e depois, através deles, a todos nós.

Os livros do Novo Testamento podem ser


utilizados na seguinte ordem.

Primeiramente o Evangelho de São


Marcos, seguido do de Lucas, de Mateus e de
João.

Depois os Atos dos Apóstolos.

Depois as epístolas de São Paulo, na sua


provável ordem cronológica: Primeira a
Tessalonicenses, Segunda a Tessalonicences,
Primeira a Coríntios, Segunda a Coríntios,
Gálatas, Romanos, Efésios, Filipenses,
Colossenses, Primeira a Timóteo, Segunda a
Timóteo, Tito, Filêmon e Hebreus.

Depois as cartas dos demais apóstolos:


Tiago, Primeira de Pedro, Segunda de Pedro,
Judas, Primeira de João, Segunda de João e
Terceira de João.

Finalmente, o livro de Apocalipse, último


escrito do Novo Testamento.

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