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DAO DE JING mecanizada, mas a agricultura, zemos a planta crescer, é a natureza; porém cabe-nos dara esta natureza as condicdes de crescimento. A idéia é a de dar condigées para que algo surja. Esta atitude € muito mais dificil do que 0 ativismo. £ ajudar sem aparecer, E, porém, o processo que Laozi considera natural. No cap. XXxIx Ié-se que Os governantes intitulam- se humildes, do mesmo modo como entre nos intitu- ___ lam-se servidores do Povo, uma vez que estes valores _ sao publicamente aceitos, embora, de fato, sejam ape- has titulos. E por fim uma pardfrase do cap. LVI: « Nao somos nés que fa- Quando o governo é yelado e nao aparente, entao 0 povo se desenvolve; quando 0 governo é ativista, 0 povo sealie- na. Oh ! a infelicidade ! E 0 abusar da felicidade. A felici- dade ! E a infelicidade que se supera! Quem é que conhece os limites de uma e da outra ? Quando estamos sem ordem, o que é normal passa por anormal; o que é bom passa por extravagante. A ilusao e 0 desnorteamento do homem estio durando e durando ... Por isso, o homem santo ordena sem comandar, determi- na sem isolar, corrige sem prejudicar e ilumina sem ofuscar. , ainda que de maneira sumiria, esclarecer alguns nceitos. ‘ a Se distinguirmos entre ciéncia humana e técnica ma, como entre saber € acao, considerando a ia humana como o conjunto dos conhecimentos, atizados ou nao, que o homem tem da realidade 333 PosFAcio em que est inserido - nao se excluindo ou alienando —ea técnica como 0 conjunto das processos pelos quais o homem age, conserva e transforma sua propria reali- dade, surge a questao de sua relacao. Primeiro contemplamos o mundo e depois agimos, ou primeiro agimos ¢ depois contemplamos o mundo? De acordo com a moderna psicologia, principalmente em Piaget, os esquemas perceptivos sao precedidos pelo sens6rio-motor. E a tese da inteligéncia pratica: primei- ro manipulamos 0 mundo, depois construimos nossos esquemas perceptivos. Antes aprendemos a escrever os ideogramas, s6 depois os reconhecemos na leitura. Da mesma forma poderiamos dizer que entre ser a técnica ciéncia aplicada ou ser a ciéncia a inditstria teorizada, parece ser verdadeira a ultima. Talvez uma concep¢ao média. Observemos com a lupa a seguinte senten¢a do ca- pitulo XXI: € assim examina 0 surgir de tudo BRR O ideograma yue J que dizer: “ver”, “vedor”, “parada”, “contar”, “comparar”, “inspeccionar”, “ins- pecgao”, “examinar”, “revista”, “experiéncia”, “passar em revista”, “passar pela experiéncia de”, “controlar”, “ler”, “passar por”, “atravessar”, “servico etc”. O sen- tido € que as coisas - aqui poderia ser também sé a humanidade - estao surgindo e 0 Dao as est exami- nando, perscrutando. Temos entao um esquema completamente inverso a0 platénico, em que o Demiurgo contempla as idéias ¢ depois faz as coisas, sempre inferiores As idéias! Aqui as colsas Surgem —nao importa aqui se o Dao é ou nao 334 DAO DE JING criador — e depois sio contempladas. Ainda que 05 dois casos trate-se de um ato tinico, ao ser analisado, a preeminencia ontolégica recai na comtemplacao, no platonismo; na a¢ao, no taoismo. Também na Biblia, antes foi feita a luz e depois Deus viu que era boa: E disse Deus: Faca-se a luz. E foi feita a luz. E viu Deus que a luz era boa. (Gn 1,3.4a) Certo que é uma forma de linguagem, mas ndo assi- milavel ao platonismo. Aquilo que chamamos modernamente tecnologia (logos da técnica), implica numa ciéncia da propria téc- nica, a concep¢ao de ponta do platonismo: encontram- Se as idéias e montam-se as maquinas e os aparelhos, os aparatos € os dispositivos. E Heidegger também critica esta concep¢ao, como a ilusao do Ocidente, de que a ~ tecnologia seja ciéncia aplicada: [Como a esséncia da técnica moderna baseia-se no disposi- tivo (Ge-stell), entao este necesita aplicar a ciéncia exata da natureza. Dai se origina a aparéncia enganadora de que a técnica moderna seja ciéncia natural aplicada.] Weil das Wesen der modernen Technik im Ge-stell beruht, ~ deshalb muss diese die exakte Naturwissenschaft verwenden. Dadurch entsteht der triigerische Schein, als sei die moderne Technik angewandte Naturwissenschaft. ‘Assim, ao conceito classico de técnica, como deixar ir ser, cultivar ser, temos 0 moderno conceito de logia como montagem e fabricacao das idéias, pla- no. E cabe a Heidegger o mérito de ter contestado RTIN HEIDEGGER, Die Technik und die Kehre, Neske Verlag, 1962, p. 23. Aaui ‘desenvolver 0 complicado tema da diferenca entre a maquina ¢ o apare 10. industrial da maquina e a da informstica. Basicamente € bens materiais de consumo, na maquina ¢ inform: a diferenca entre ago, bens de 335 PosFACIO a caracterizacao de materialista a moderna tecnologia - o que caberia a técnica -, todavia desmascara-la como fundamentalmente niilista, sendo a bomba atémica, a desintegracao da matéria e do materialismo, seu prin- cipal simbolo. Uma refutacao do materialismo pelo niilismo! Essas preliminares fazem sentido porque pretende- mos mostrar uma impressionante analogia entre Laozi, © critico origindrio do projeto da transformagao do mundo pelo homem, e Heidegger, 0 critico crepuscular do mesmo processo. No capitulo LXxIV, ao dizer-se que quando 0 povo nao teme a morte, por ndo ter mais consciéncia das suas consequiéncias, e assim nao da valor a vida, esta- mos no caos social. Todavia, se 0 povo tivesse temor € respeito pela morte, entdo a questdo seria de como executar 0 “criminoso”. Entretanto, o estranho é que 9 “criminoso” € indicado pelo mesmo ideograma qi J que aparece no capitulo LvuL. Ora, este ideograma significa: “extraordinario”, “estranho”, “desconcertan- te”, “marayilhoso”, “surpreendente”. Quer dizer que da mesma maneira como no capitulo Lvm fala-se do homem habil e engenhoso para conduwzir as armas, aqui © criminoso, que deverd ser condenado a morte, é 0 homem engenhoso, habil, inovador, inventor, revolu- ciondrio; justamente aquele homem que nao se pauta pela regularidade (cf, cap, LVI). £ 0 transformador e inovador da ordem social, o inventor técnico, Este deve ser eliminado! O lenho tosco sem nome, simbolo da natureza nao eee € nem pensada ou analisada (sem nome), “presenta a negacao de todo o artificial, de tuda aquilo que passa pela cultura do homem, Posteriormente, até DAO DE JING mesmo a domesticacdo dos animais"* como antinatural. No cap. XXVIII, diz-se que o homem santo per- manece lenho tosco, isto é, permanece em seu natural. Por isso tem dominio sobre os técnicos. E como se o dominio da técnica, a telacao livre com o mundo da técnica, devesse ser feita pelo nao-técnico: a grande ___regéncia nao faz Cortes, nao se especializa. fe) Nocap. XXXII, volta-se ao mesmo tema: é Preciso _ parar a especializacao; no cap. XXXVIL, o lenho tosco sem nome € o Estado em que se supera a gula do mun- , © querer engolir o mundo. Mas 0 capitulo mais importante para a questao é ocap. LI. O Grande Diciondrio Chinés, em quarenta volu- es”, indica que a expresso Jie Ran JR significa ande” ou “teimoso”. O sentido, porém, é de um er especial, todo daquele que o possui, que se tem uma Carapa¢a, que é um dos sentidos do ideo- a fie. O sentido do primeiro pardgrafo do cap. LI é o a Linte: "se eu (alguém) tiver um saber todo meu, especial, e quisesse agir conforme a ordem do Grande Curso, entao s6 temeria _ po-lo em pratica. m outras palavras, dando um exemplo, se um po- incompetente estivesse no poder, entao o melhor ‘que nada fizesse. Contudo, ele tera que mostrar , € isso € 0 pior. Pode-se perceber pela scents pitulo que tudo deveria ser simples, todavia, p 6 . Seria reprovada po adaucsa. com imais foi um deu domestic js foi um processo que se de ser singul. esticagdo dos animais fol vm rsd 1, nao tendo depois progredido muito We aes vn Bn Cid (rae cn chr), orbs on 0 fe Estudos Chineses Avancados, Repdblica da China, ve M, 337 PosFACIO la necessidade dos governantes executarem seu saber, seus projetos de governo, tudo desanda. Nao € a ordem natural. Vejamos agora 0 paralelo com Heidegger. Em seu livro Gelassenheit (serenidade, placidez, 0 carater do deixar-ser), critica, em 1955 — talvez tenha sido o tinico na €poca — uma reuniao de cientistas portadores do pré- mio Nobel, na ilha de Mainen que haviam declarado que, com 0 uso pacifico da energia nuclear, abria-se uma nova era de paz e felicidade para a humanidade. Diz Heidegger: [Pois se reconheceu logo que a energia atémica também pode ser usada para fins pacificos. Entao os fisicos atémicos e seus técnicos esto, hoje, por toda parte, a fim de concretizar 0” uso pacifico da energia atémica em planejamentos de grande extensio.] Denn man erkannte sogleich, dass die Atomenergie sich auch fir friedliche Zwecke nutzbar machen lasst. Darum sind heute die Atomphysik und deren Techniker iiberall dabei, die friedliche Nutzung der Atomenergie in weit ausreifenden Planungen zu verwirklichen'*. O terrivel nao € o saber especializado, o terrivel é que este deverd ser concretizado. Todos reclamam que se deve mostrar servico, e é€ justamente isso que é criticado por Laozi. Temos aqui © sentido de técnica como algo natural. A natureza é técnica: nasce ser, ao homem cabe deixar surgir, deixar vir a ser. Para isso, é preciso excluir o saber inventivo, 0 saber do individuo genial — 0 criminoso da ordem so- cial, segundo Laozi. Nem é preciso falar do pensamento técnico, calcu- lador e numerante: : om “MARTIN HEIDEGGER, Gelassenhelt, Neske Verlag, 1959, pp. 16-7. 338 = Se Dio DE ING muitas palavras e ntimeros o limitam (v) Sa Enquanto isto, Pitagoras, exatamente 0 contrario. Terminemos este segmento com mais uma Pardfra- se, do cap. LIM: na Magna Grécia, dizia Se eu dispusesse de um saber me pela ordem natural das efetuar este saber. especializado, e quisesse reger- Colsas, 0 que temeria € ter que O grande curso é direto, mas as pessoas gostam dos desvios, A corte esta muito bem cuidada e limpa, mas os campos estao abandonados e com muito mato, € os celeiros esto bem vazios. As pessoas da corte andam vestidas com seda floreada de Tetrados, portam espadas afiadas, comem e bebem cm gran- de quantidade, tem bens e riquezas em profusio. Isto é0 que se chama roubalheira. Nao é certamente o que seria normal e natural segundo o curso das coisas. ica da Economia 7 \qui também trata-se da economia mais simples sivel, economia tribal, de comunidade, limitando-se sencial para a sobrevivéncia. O ideal da pobreza nitaria. i: Enquanto que na miséria faltam até mesmo os bens absisténci 4 apenas os bens estrita- subsisténcia, na pobreza ha apenas ee hecessrios para a sobrevivéncia materia’. A nuncia ao supérfluo, ha libertacao do supértluo. no cap. Ill, as primeiras trés sentengas apregoam aa tie trario da sociedade de consumo: a nao compe 1 nao valorizacdo dos h bens custosos, do luxo; a J, ico de novas necessidades € desejos. 339

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