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Designagao e espaco de enunciagao: um encontro politico no cotidiano Eduardo Guimaraes DLIEL/Labeurb Universidade de Campinas (UNICAMP) A Cidade é um espago cada vez mais habitado por palavras. Séo placas sinalizadoras de diregio, de nomes de rua, outdoors, folhetos distribuidos por toda parte, antincios em alto-falantes, musica de variado tipo, luminosos de estabelecimentos comerciais de toda espécie. Podemos dizer que nesse conjunto tio heterdclito de materiais de linguagem tem lugar decisivo 0 que chamamos de designacio (GUIMARAES, 2002), este fato de significagio que costumamos associar aos nomes: Rua Getilio Vargas, Casas Pernambucanas, Apartamentos, Vagas, Pedreiro, Encanador, etc. Para melhor caracterizar 0 que considero como designagao vou lembrar aqui a distingdo que fago (GUIMARAES, 2002) entre referéncia, nomeagio e designacio. A referencia é um procedimento lingiifstico pelo qual se particulariza algo na enunciagio pela enunciacio. Por exemplo, se alguém diz O jegador esta sentado na segunda mesa & esquerda O sintagma nominal “o jogador” particulariza uma pessoa, indica-a. Tetras n° 26 — Lingua ¢ Literatura: Limites ¢ Fronteiras 53 ‘A nomeagio é 0 funcionamento semantico pelo qual algo recebe um nome. Por exemplo, se numa situagio dada e adequada o dono de um barco escreve sobre ele o nome Brisa, ele Ihe esti dando este nome, est4 nomeando o barco. A designacio é 0 que considero a significagao de um nome enquanto sua relagio com outros nomes e com o mundo recortado historicamente pelo nome. A designacio nio € algo abstrato, mas lingiiistico histérico. Ou seja, é uma relacio lingiiistica (simbélica) remetida ao real, exposta ao real. Por isso um nome nfo é uma palavra que classifica objetos, incluindo-os em certos conjuntos. Para mim, tal como considera Rancitre (1992), os nomes identificam objetos. Por exemplo, Jogador, no enunciado acima nio significa, simplesmente a relagio desta palavra com a pessoa que ele referiu, nem significa o conjunto das pessoas do conjunto dos jogadores. O que jogador designa é constituido pelas enunciagdes de que fez e faz parte e que predicam 0 que seja jogador. Neste sentido, o fato de jogador se referir a certa pessoa especificamente é parte daquilo que esta palavra designa. Mas o que esta palavra designa envolve também o fato de que ela pode estar em enunciados como: jogador, pela receptividade que tem, consegue muita projegao social Os nomes de espagos na cidade, e 0 que os acompanha, nfo sé ocupam lugar neste espaco de vida, como the dio sentidos e constroem de algum modo esta geografia. Idenficam-na. As designagdes tm, em geral, um papel muito importante que no se reduz a0 papel de indicar a existéncia de algo em algum lugar, nem mesmo ao de servir de rétulo para alguma coisa. Um nome, ao designar, funciona como elemento das relagées sociais que ajuda a construire das quais passa a fazer parte. Dar nome a algo (tal como defini acima a nomeagio) é dar-lhe existéncia histérica. Nao é trivial a velocidade com que uma data, 11 de setembro de 2001, passou rapidamente para a categoria do nome de um acontecimento. E enquanto nome apresenta-se sob a forma condensada 17 de setembro, inclusive em sintagmas nominais correntes como 0 11 de setembro. O nome ai aparece como um modo incontornavel de erigir algo em acontecimento da histéria. Mas nao pretendo aqui me deter neste aspecto da designagio. Nesta conferéncia vou refletir sobre o funcionamento de designagdes préprias do espaco urbano: nomes de estabelecimentos comerciais. Vou, especificamente, tratar de duas cenas enunciativas em que estes nomes funcionam. A primeira diz respeito ao funcionamento de estabelecimentos comerciais presentes em enderecos de restaurantes da cidade de Sio Paulo em matéria especifica sobre restaurantes em Sio Paulo. A segunda diz respeito ao funcionamento dos nomes de Lojas colocados na sua fachada. Neste tltimo caso vou utilizar nomes de Lojas de um Shopping Center da cidade de Campinas. ‘Programa de Pés-Graduagio em Letras — PPGL/UFSM 54 Primeiro passo Para fazer as andlises que aqui apresentarei, considerarei primeiro o que é para mim espaco de enunciagio e, em seguida, indicarei meu procedimento geral de andlise da significacio. O espago de enunciagio Considerar a linguagem pela andlise do acontecimento da enunciago coloca para mim, no centro das ateng6es, a relacao entre a lingua e o falante, pois s6 ha linguas porque hé falantes e s6 hé falantes porque hé Kinguas. E esta relagio nao pode ser tomada como uma relaggo empirica. por exemplo, no Brasil se fala Portugués, na Franca, Francés, etc. Ou ainda, no Paraguai se fala o Espanhol e o Guarani. Esta relagio entre falantes ¢ linguas interessa enquanto um espaco regulado e de disputas pela palavra pelas linguas, enquanto espaco politico, portanto. Os falantes ndo sio os individuos, as pessoas que falam esta ou aquela ingua. Os falantes so estas pessoas enquanto determinadas pelas linguas que falam. Neste sentido, falantes no sio as pessoas na atividade fisico-fisioldgica, ou psiquica, de falar. Séo sujeitos da Iingua enquanto constituidos por este espaco de linguas e falantes que chamo espaco de enunciacao'. Deste modo considero que 0 falante, tal como o conceituo, é uma categoria lingtifstica e enunciativa. Neste ponto diferencio minha posigio da de Ducrot (1984). Mas num sentido muito preciso. Primeiro devo dizer que concordo que o falante, tal como Ducrot o conceitua (como figura fisico-fisiolégica e psiquica), nio é um personagem da enunciacdo. Minha diferenca est em que considero que o falante nio ¢ esta figura empirica, mas uma figura politica constituida pelos espagos de enunciagio. E nesta medida ela deve ser incluida entre as figuras da enunciagio. Os espacos de enunciagio so espacos habitades por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos a0 dizer e aos modos de dizer. Sio espacos constituidos politicamente pela equivocidade prépria do acontecimento: da deontologia® que organiza e distribui papéis, e do conflito, indissociado desta deontologia, que redivide 0 sensivel, os papéis sociais. Podemos tomar a questo do espaco de enunciagdo através de uma pergunta: 0 que é falar Portugués no Brasil? Sem duvida que o primeiro aspecto que devemos considerar é que o Portugués é a lingua oficial do Estado Brasileiro, e é, nesta medida, a Lingua Nacional do Brasil. Ou seja, é elemento de identificagio de sujeitos enquanto cidadios do Estado. Mas falar Portugués no Brasil é falar uma lingua que sio varias. Assim a relagdo dos falantes com a lingua esté regulada por uma relagio com a lingua do Estado, enquanto uma lingua, a lingua (una) do Estado. Esta relacio est4 por outro lado regulada pelo fato de que a lingua portuguesa nao é praticada na extensio do territério brasileiro em consonancia com esta Iingua una do Estado. Nao vou me deter aqui nestes aspectos porque no se trata do objeto desta conferéncia. Letras n° 26— Lingua ¢ Literatura: Limites ¢ Fronteiras 55 A anilise: unidade de andlise, a relagio integrativa Nossa unidade de andlise sio os enunciados. Para analisar o sentido das expresses lingiiisticas nos enunciados, utilizo o que Benveniste (1966)° considerou como o movimento intregrativo de uma unidade lingiiistica. Para ele, esta relagio (integrativa) dé o sentido da unidade, Ou seja, o sentido de um elemento lingiiistico tem a ver com o modo como este elemento faz parte de uma unidade maior ou mais ampla. Para mim, esta relacto de integragio de uma expresso em um enunciado sb pode ser analisada se consideramos que este enunciado ¢ enunciado em um texto. Deste modo, ao fazer uso da relago integrativa, a despeito de Benveniste ter dito que ela nio permitia passar do limite do enunciado, estou dizendo que hé uma passagem do enunciado para o texto, para o acontecimento, que nao é segmental. E esta é a relacio de sentido. * Primeira cena: o desenho politico do enderego Tomemos para pdr o problema o endereco de trés restaurantes encontrados na Veja Séo Paulo de 24 de setembro de 1997. [1] “Miski F-884-3193/7006, Alameda Joaquim Eugénio de Lima, 1690, Jardim Paulista (78 lugares). 11h/20h (sab. até 18h; dom. até 17h; fecha seg,). Cez todos. TC, T, Tr e V. Estac. c/manobr.” (p. 9) [2] “Churrasco’s F531-4141, Avenida Roque Petrella, 265, Brooklin Paulista (250 lugares). 12h/Oh (sex. e sb, até 1h). Cc: V. Estac. c/manobr.(p. 15) [3] “Monte Libano F.229-4413, Rua Cavalheiro Basili Jafet, 38, 10. andar, centro (50 lugares). 11h/15h30 (fecha s4b, e dom,). T: todos” (idem) A questao é, o que estes trés nomes designam? Para responder a esta pergunta fago inicialmente a descrigdo do enderego em que o nome esté. Tomando a questo do sentido constituido pela relago integrativa observamos a relagio deste nome com o texto em que estio. As trés seqiiéncias apresentam um nome préprio (Miski, Churrasco’s, Monte Libano) seguidos, cada um, de uma descrigdo que se mostra como uma descrigio do que © nome préprio refere. Tomando a questio do sentido constituido pela relacio integrativa no texto podemos ver ai outros aspectos da constituigo do sentido. Cada uma destas seqiiéncias tem um nome proprio que é reescriturado numa descricio que, em verdade, funciona metonimicamente. E pela contigitidade que a descrigio & descrigl0 do nome. E sendo descrigio do nome faz este nome significar, significando assim o que & sua referéncia, Vejamos como se constituem estas descriges. Elas incluem um endereco; a indicagio de telefones; a indicagdo de espaco (numero de mesas, lugares); tempo de ‘Programa de Pés-Graduagao em Letras ~ PPGL/UFSM 56 atendimento; aceitagio ou no de cartées de crédito; a aceitagio ou no de Tickers restaurante; existéncia de estacionamento, ou nao, com manobrista, ou nao. Assim estas descrigdes dizem que X é igual ap+q+r ... E ao dizerem esta identidade desdobram um conjunto de predicados. Ou seja, esta descrigio ¢ uma qualificagio do nome préprio, ¢ uma colocagio em movimento do sentido do nome préprio, por uma reescrituracio, E através desta reescrituragio cada um destes restaurantes é predicado por um certo grau de refinamento, de “distingio”. Por exemplo: tm estacionamento e manobrista e aceitam cartes de crédito e nao Tickets, aceitam ambos, ou aceitam s6 Tickets e fecham aos s’bados e domingos (fechar aos stbados e domingos rememora o sentido do restaurante que atende pessoas durante a jornada de trabalho). Assim temos trés nomes que significam, designam, diferentemente: Churrasco’s esté predicado por sé aceitar Cc e apresentar manobrista; Miski, por aceitar Cc e T e ter manobrista, além de nao abrir na segunda-feira; Monte Libano, por s6 aceitar T e no funcionar aos sabados e domingos. Deste modo aquilo que este nomes designam esté predicado por estas reescrituragdes, politicamente. Sob 0 modo neutro do enderego este enderecamento qualifica diferentemente estes trés restaurantes, significando uma divisio social de seus freqiientadores. Os do Monte Libano so aqueles que trabalham ¢ usam Ticket restaurante, os de Miski sio os que saem aos finais de semana para comer, pagam com Ce tém carro; o fato de receber também T coloca o restaurante na relagdo com os que no trabalho tém carro, Ce, etc. Os do Churrasco’s so os que tém carro e nfo usam Ticket restaurante. Como forma de projetar esta andlise sobre 0 espaco da cidade tomemos um aspecto dos trés enderegos. Churrasco’s esté na Avenida Roque Petrella, no Brooklin Paulista; Miski, na Alameda Joaquim Eugénio de Lima, no Jardim Paulista; e Monte Libano esta na Rua Cavalheiro Barili Jafet, no Centro. Nestes enderegos encontramos trés nomes que produzem uma diviséo do espago piblico da cidade: alameda, ma, avenida, Ou seja, 0 espago da cidade, ao lado de ser um espago que se deve dividir é um espago que ao se dividir é significado de modos diferentes. Se pardssemos nos textos e em uma concepgio referencial I6gica ou pragmitica da linguagem dirfamos simplesmente que os espagos da cidade so categorizados diferentemente e tém nomes segundo estas categorias, Deste modo os nomes classificariam os objetos, colocando-os em seu conjunto, Uma concepgio deste tipo diria que as palavras alameda, rua, avenida, e as sequiéncias [1] a [3] sdo reférenciais, O que elas fazem indicar onde algo esté, ¢ ra, alameda, avenida sto nomes de espacos empiricamente diferentes na cidade. Estas seqiiéncias seriam assim s6 enderegos na cidade. Elas diriam unicamente que algo est em tal rua, em tal alameda, em tal avenida. E como jé vimos, niio é bem isso que ocorre. Nao é dificil encontrar nas cidades um espago nomeado rua € outro alameda, por exemplo, que nio tenham, do ponto de vista fisico, especial diferenca. Em verdade o que difere uma ma de uma alameda & que estes dois espacos sio diferentes porque designados diferentemente. Designagio construida por uma histéria enunciativa que podemos Jetras n° 26 — Lingua ¢ Literatura: Limites e Fronteiras 57 entrever pela propria presenca de alameda para nomear um espaco num bairro referido como Jardim Paulista, enquanto rua nomeia, nos exemplos acima, um espago num bairro referido como centro. Retomando a anilise das trés seqiiéncias em questio vemos em [1] especificacdes como “(S4b. até 18h; Dom. até 17h; fecha Seg)”, “Cc. Todos” e “V.Estac. c/manobr.”. Estas especificagdes reescrituram “Alameda Joaquim Eugénio de Lima”. Ou seja “(S4b. até 18h; Dom. até 17h; fecha Seg.” e “Cc. Todos, V.Estac. c/manobr.” sio especificagdes de “Alameda Joaquim Eugenio de Lima” enquanto uma caracterizagio de Miski. E nesta medida esta reescrituragio de Alameda, pelas especificacées acima, predica Alameda, assim constituindo o que ela designa diferentemente de “Rua Cavalheiro Barili Jafer®. Esta tiltima é reescriturada, enquanto reescritura “Monte Libano”, por “(Fecha Séb e Dom)”, “T: todos”. Nao havendo, como j4 vimos, nenhuma referéncia a estacionamento e muito menos a manobrista. Além do mais esta reescrituracio estabelece uma oposigao flagrante entre T (Ticket restaurante) e Cc (Cartéo de crédito) C/ Manobrista, que aqui rememoram sentidos opostos da divisio social. Deste modo palavras como ma, alameda, avenida, no designam simplesmente um certo tipo de espaco da cidade, pelas diferencas fisicas que tais palavras descreveriam. O que elas designam é, assim, algo construfdo enunciativamente que em verdade constréi continuamente 0 objeto designado sob a aparéncia de ser uma palavra para um objeto desde sempre. Estas nomeagées constituem uma identificagio dos espagos designados. Ou seja, se os espagos de uma cidade séo chamados ra, somente, ou se sibo chamados rua (um certo mimero) e alameda (outro), tal como em [3] e [1], temos duas cidades identificadas diferentemente. Ou seja, os nomes desses espacos nao sio uma classificagdo objetiva dos espacos da cidade. Nomear de ma, alameda, avenida, etc constituir a identificagio dos espacos com a cidade e vice-versa. Antes de concluir esta parte, observemos algo que diz respeito diretamente ao espaco de enunciacio: Miski nao é uma palavra da Lingua Portuguesa; Churrasco’s se forma de uma palavra da Lingua Portuguesa, com a morfologia do Inglés sobreposta ao plural do Portugués; Monte Libano se forma com palavras da Lingua Portuguesa, sendo uma delas a tradugdo do nome de um Pais, cuja cozinha é distinta da brasileira. ‘Vé-se como © conjunto dos nomes indica que 0 espaco de enunciacio, a partir do qual se nomeia, é um espaco enunciativo lingiiisticamente internacionalizado. Ou seja, a relagio Iinguas/falantes constiuti aqui falantes afetados por esta internacionalizagio lingiiistica. Nomear, no Brasil, estes estabelecimentos é uma cena enunciativa que se di num espaco de enunciacZo em que o falante nfo é simplesmente o falante de Portugués. Tomando em conjunto a questéo dos nomes préprios analisados, assim como 0 funcionamento de nomes como rua, alameda, avenida, vemos que o modo de significar 0s espacos da cidade mostra que eles sio espacos politicos. Vejamos como. O espago que se da como objetivo, por uma descrigao (referéncia), atende a objetividade estabilizada do discurso administrativo, que nomeia oficialmente os espagos Programa de Pés-Graduagio em Letras — PPGL/UFSM 58 da cidade. Ao mesmo tempo 0 discurso da midia do lazer repercute esta estabilidade da divisio desigual do social. Ou seja, os sentidos dos espacos da cidade so sentidos de uma divisio redivisio constante do social. Redivisio que se expande e se resignifica. E isto é significado tanto pelos nomes comuns quanto pelos nomes préprios, como pudemos ver neste capitulo. A. significagio desta redivisio constante do social se faz pelo funcionamento da lingua nos acontecimentos de enunciagio. Segunda cena: de cidadao a consumidor Os nomes dos estabelecimentos comerciais sio um modo de nomear os estabelecimentos para que possam ser referidos tanto por seus proprietérios quanto por seus fregueses ou pelas pessoas em geral. Se tomamos estes nomes como nomes na cidade, nomes urbanos, é interessante pensar o que eles sio se considerados a partir de sua colocagio em luminosos ou aplicagdes na entrada destas mesmas lojas, Tratase de um dizer publico, no espago publico. E o dizer em publico é um dizer cuja enunciagdo se dd sempre por algum processo de amplificagio material do dizer. Observemos alguns casos: a) a imprensa escrita se.realiza pela reprodugdo massiva de cada uma das edigdes periddicas que realiza; b) a televisio se realiza pela repeticao de seu sinal por toda uma extensio geografica; ¢) um comicio ou ato politico exige instrumentos capazes de amplificar a voz para que seja ouvida por todos que estejam no espago em que se dé; d) uma propaganda em vias piblicas se dé pela ampliagio da imagem nos Outdoors que se repetem em diversos pontos de uma cidade ou estrada. Da mesma maneira, o nome de uma loja se apresenta através da ampliagio do nome, de uma diagramacSo, de uma iluminagdo capazes de configuré-lo para uma leitura A distincia. Ou seja, o modo de exposigio material do nome 4 leitura é constitutivo do sentido desse nome, em outra palavras, é constitutivo de sua interpretagdo. Isto pode ser melhor considerado se levamos em conta nomes especificos de lojas. Vou, entio, analisar um conjunto de nomes de lojas de uma das pragas do Shopping Center Iguatemi de Campinas. Sdo estes os nomes das Lojas: 1, Ringo Il Cabelos 2. Lider 3. Creazioni D’Ascenzi 4. Arapua Shopping 5, Papel Magia Papelaria & Informética 6. COMMCENTER 7. TOK ESTOK 8. Rovelon Jetras n° 26— Lingua e Literatura: Limites ¢ Fronteiras 59 9. Telesp Celular 10. Colombo 11. Garbo. 12. Fashion Land 13. Triton 14. Brooksfield 15, Praga do Café 16. Montanhés Chocolate de Campos de Jordéo 17, Sonnil Bijouterias 48. Crotton Sandujches e saladas Fasamos, inicialmente, uma descrigio dos aspectos morfossintéticos morfofonoldgicos deste conjunto de nomes. 1. Os nomes sio formados de a) nomes comuns : Lider, Montanhés, Garbo, Arapui, Triton, ~ b) nomes préprios: Colombo ¢) sintagma nominal: Praca do Café, Creationi d’acenzi, Fashion Land d) nome e nome aposto: Ringo II Cabelos, Papel Magia e) sigla mais nome aposto: Telesp celular f) composigio: Tok e Stok, Broksfield, COMMCENTER 2) Nome seguido de determinacio: Arapua shopping; Papel Magia papelaria 8 informética, Montanhés o chocolate de Campos de Jordao, Sonnil Bijouterias, Crotton sanduiches e saladas h) apresentam nomes de Iinguas diferentes: italiano: Creazioni D'Ascenzi; Inglés: Fashion Land, Brooksfied; francés: Crofiton; além do portugués. Os nomes podem misturar duas linguas: Crotiton Sanduiches ¢ saladas 2. Apresentam as seguintes caracteristicas morfofonolégicas (grificas) a) Sao apresentadas em tamanho Grande, em luminosos b) Apresentam jogo de cores: ‘COMMCENTER (COMM, em azul; CENTER, em vermelho) ©) Baseiam-se em onomatopéias: Tok e Stok 4) Utilizam letras préprias das relagbes comerciais: E e & (Tok ¢ Stok, Papelaria & informatica) Podemos aprofundar esta andlise para cada um destes nomes ¢ assim a compreensio do funcionamento destas designagdes. © detalhamento da anilise pode ser feito pela interpretagio da descri¢io acima na cena enunciativa apresentada no inicio desta parte. Programa de Pés-Graduagaa em Letras — PPGL/UFSM 60 Tomemos aqui o caso de nomescomo @QCOMMCENTER . TOK’ STOK no Shopping Center Iguatemi de Campinas. O fato de se buscar uma leitura & distancia, capaz de levar a encontrar a loja no espaco do Shopping nifo sé est4 ligado ao tamanho (corpo) das letras, mas também a um certo modo de grafé-las e de escrever (poderia dizer desenhar) este nome. No caso de COMMCENTER vemos um jogo de cores e de espessuras de letras e partes da palavra que representa o prdprio processo de composicao da palavra, Trata-se no caso de um proceso de aglutinagio. Esta aglutinagdo integra na palavra composta uma palavra como commensal (comercial) e a0 mesmo tempo a palavra communication (comunicagio) que se aglutinam a center (centro). E aqui este processo se dé sobre palavras da lingua inglesa, e cuja escrita € muito préxima das palavras em Portugués, o que mostra que a nomeagio de lojas se realiza num espaco de linguas e seus falantes (espago de enunciag4o) globalizado. E como se os falantes fossem af falantes das linguas em circulagio internacional neste momento. Por outro lado TOK E STOK representa uma simetria entre o primeiro segmento TOK e o segundo STOK, ambos terminados por K. E esta simetria se dé como a sugerir a leitura em voz alta da palavra e assim significa 0 que o efeito onomatopaico af coloca: o sentido da madeira. Por outro lado, o articulador dos dois segmentos é um E préprio da linguagem comercial, o que inscreve no nome o sentido do comércio. Isto, mais a onomatopéia, significa comércio de méveis, que é também significado pela alusio que stok faz & palavra inglesa stock que significa esfogue, uma palavra tipicamente comercial. A forma grifica do nome é um predicado do nome, a0 lado de outros predicados que 0 nome posto na entrada da loja reine. A forma gréfica é parte do que faz 0 nome significar, designar, Para os dois casos que estamos analisando, podemos dizer: a) para COMMCENTER a forma gréfica significa uma contemporaneidade garantidora de modernidade e qualidade; b) para TOK E STOK a nobreza da madeira e a espontaneidade da onomatopéia afetada pela internacionalidade da alusio a stock. E assim que estes nomes, enquanto marca, estio nas lojas correspondentes para identificd-las e nfo para referi-las. Nao hd como pensar 0 nome sem sua configuraco grafica e 0 que ela af significa enquanto nome piiblico. Neste sentido, os nomes de estabelecimentos comerciais, enquanto elemento de marketing, sio modos de identificar dugares comerciais. Isto nos leva a um aspecto importante da configuragio da cidade contemporinea: a de ser um espaso configurado como lugar de consumidores. O que reduz, quanto ao aspecto aqui colocado, 0 cidadio ao consumidor, ¢ afeta o sentido do espago piiblico com o sentido do privado, pela determinagio da pessoa enquanto possivel comprador, na sua relago pessoal com aquele de quem poderd comprar o que considera que deseja. Tetras n° 26 — Lingua e Literatura: Limites ¢ Fronteiras 61 Notas ' Um maior desenvolvimento da questio do espaco de enunciagio e de seu cariter politico pode ser encontrado em Guimaraes (1997, 2000, 2002). 2 Tomo aqui esta nogdo a partir da formulagdo que lhe deu Ducrot (1972) em Dire et ne pas dire, > Em “Os niveis da andlise lin Referéncias Bibliograficas , BENVENISTE, E. (1966) Problemas de lingiiistica geral I. Campinas: Pontes, 1988. DUCROT, O. (1972) Princfpios de semantica lingiiistica - dizer e nao dizer. Sio Paulo: Cultrix, 1977. DUCROT, O. (1984) O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1988. GUIMARAES, E. (1997) Politica de linguas na América Latina, Relatos, 7. Projeto Histéria das Idéias Lingiifsticas no Brasil, Unicamp, 2001. GUIMARAES, E. (2000) O politico e os espagos de enunciagio. Conferéncia no I Encontro Nacional Linguagem, Histéria, Cultura, Caceres: UNEMAT. GUIMARAES, E. (2000a) Sentido e acontecimento, Gragoaté. Niterdi: UFF. GUIMARAES, E. (2002) Semintica do acontecimento. Campinas: Pontes. RANCIERE, J. (1992) Os nomes da histéria. Sio Paulo: Educ/Pontes, 1994. Programa de Pés-Graduagio em Letras - PPGL/UFSM 62

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