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See te aca Pee er er cect Pt eens rrr eee te ve eee ts Pert et et ‘alca plc em cargos piblos para resolver quests soils, mas oso Pert te et Pa act ites Seen eee een Pear) en a ee rT Posie rete nee ett Cotas an Cia) Se Mee ee eee peer ree met tar eect oe a ca Suc rd ee ete ee Ct ee ee ea) rer tte Tero Peete ad Cea Sere) + Err red oe MANO BROWN Fgh, daon que foam para a mas, ‘ug ds eral para bem stata de captal eno ods nem es, so mus, ‘Dzem quo una tia vind Aca come arava so cganaey com mas fiunsescaves lugranmala dei, ‘ie o estinca Brat, cia dos banoos Lagat haba por indos que pefeem a are & carat, Erquant fo, 8 pores, ata vez mas chogam ris unbsios. Opals esc coma esr, 2 it, o comic, ae, o massacre, = lle es ervitues aborbaest pests ‘pod Exist negos ido nas as ‘et darts capa 08 capeso at esto sangre a roca cos. Els se reparam para gra arena si tal ap quale, jamal o8 anos Ines croatia do sata rosorsodo niga Someta un conta fh que meso sou val esses séuos doluas, culos crosaran e9espaaram portato o Bras urs vam com rasa, cho 6 4 Tarde supers sles de mare ‘bjeta sm ama samp fio dominac” ‘Vier as pga a histria eo massac conta. Antigamente qllombes, hoe ota Somos ume grande fuséo, Ban quia. Aindscontauams distros, Inng a cai, vvendn om pra ore aac, rae, mee, ws, oka do casas amoroadss. Lberdae viata palo sister, carers ts de nooda Ames fe anes comands Hé mu fe noe ijlano deze asdtegas eas armas, cam boos, alas manga ita, ove ar cna manipula aquano fr precio nf somes um gree prema CAPAO PECADO a Srigiat alee FERREZ CAPAO PECADO CCopiesite © 2000 Fereée Agradecimentos ‘Dados Interacionais de Catalogagto na Publicaio (CIP) (Clara Braslelza do Livro, 2 Brasil) dive ‘Ana Maria Detthow de Vasconosios ‘Antinio Augusto Lopes Gongalves Ferréz Sen - (Chico Sence ‘Capio Pecado | Ferréz.- 20d. ~ Sto Paulo Laborteato Editorial, 2000 Coneeito Moral Djaima Campos Familia Ferraz ISBN §5.47917-01-3 4 Romance brasileiro 1 Titulo. een oe epee lamar Esteves Pereira eee coos Tran {Indices para catlogo sistemstico: Literatura Marginal 1, Romance Selo 20 Literatura braslira 869.935 Lourengo Mutarl 2, Sdeulo 20: Romances: Literatura brasileira 860.935, Mano Brown Maria Luiza Cotta Negredo ‘Outraverso Pal Osni de Xango Rael e Regiana Raimundo Fertesa da Siva Realidade Urbana “ao os dirt rsroados 8 io Jonge 0 guerreio [abortexto Baitoral Trauma Albuquerque Lins, 611 Apto,72 1DaSul ‘01230001 So Paato SP Smith ambi dos Palmares Tel: (@ext) 3664-7500 / Tlf 3825-7500 Emi labortestogig comb Home page: wworlabortexto.com br i Mas leno wes mais Asnoites em lao rode de amigos em volta do Postinho Falta algoém, Para nos alegrar novamente ‘Cantar aguela misca nova, que inka escrito hé pouco Falla algun, (Que vestia a humildade Mas ele nko vid mais Sorrindo, querendo ver televisio na nossa casa ‘Tomand caf, atento a tela ‘Marguinhos, meu amigo ‘Queria te dar um veo, mas como no poss, o dedio a vost ‘Marcos Roberto de Almeida 2571998 228199 Este livro €dedicado também a todas as pessoas que io tiveram sequer uma chance real ‘de ter uma vida digna; que néo puderam ser ¢ dadios, pois the impediram de ter direitos, mas Ihe foram cobrados deveres. Aqueles que foram rmaltratados fisicae psicologicamente pela nossa "oem informada policia brasileira’, aqueles que no foram alfabetizados e, portant, no poderso leresta obra, queles que, num momento de dot sederam conta de que esto sazinhoseque o Esta do ébem pago, mas néo cumpre suas obrigagies, ‘Aqueles que padeceram num eito de hospital por rio tro dinheirosuficiente pata serem tatados comosereshumanos,queles que foram baleadose ‘esfaqueados pelos préprios manos de pobreza; Aqueles que sucumbiram & vontade de ter algo melhor poisestavam cansados de viverna mono- tonia,e resolveram assim ter aquilo que a midia clicou em suas mentes desde pequenos. Embora ‘minha profissio para essas pessoas no tenha 0 ‘menor sentido, este livre é também dedicado aelas. Universo Galixias Via-lictea Sistema solar Planeta Terra Continente americana “América do Sul Brasil Sio Paulo Sio Paulo Zona Su Santo Amaro Capio Redondo Bem-vindos ao fundo do mundo Petécio Hé uma pequena drvore na porta de um bar, to- dos passam e dio uma beliscada na desprotegida ér- vore. Alguns arrancam folhas, alguns $6 puxam e ou- tros, as vezes, até arrancam um galho. © homem que vive na periferia 6 igual a essa pequena érvore, todas, ppassam porelee arrancam-Ihealgo de valor. Apeque- na drvore 6 protegida pelo dono do bar, que poe em. sua volta uma armagao de madeira; assim, ela fica segura, mas sua beleza é escondida. O homem que vive na periferia, quando resolve buscar o que Ihe roubaram, posto atris das grades pelo sistema. Ten- tam proteger a sociedade dele, mas também escon- dem sua beleza, A luz dos postes; a oragao do idoso que pede para que Deus ilumine sta vida e a vida dos seus; 0 ‘menino que nao concilia 0 sono com a fome; 0 baru- Iho dos carros passando pela fresta do barraco, enco- bbrindoamsica do disco que fala de muitos na contra- iio daevolucio social, sendo seus destinos infrtiferos, ‘esendo seus futuros tao gloriosos e raros quanto um belo pér-do-sol. Fenstz muito rao um favelado parar para verasestre- Jas numa grande efarta cidade que s6 Ihe entrega ca- da dia mais a miséra, mas que é sua cidade. Uma ‘metrépole definidora ce destinos cruzados inutilmen- te ligados pela humildade e carinho que os cercam. Familia 6 sintonia, dizem os poetas urbanos so- broviventes do inferno para aqueles de mentes tristes, porém fascinadas em igual proporgio com as ilusbes ‘earnavalescas de um pais que Tuta por seus times de futebol, mas ndo lta pela sua dignidade Ponha no préximoa culpa de sua ganancia, ga que esse individiuo com certeza mais ganancioso que ‘voce, mas e dai? Que esses meninos que vive na ra se virem, que esses meninos que esto na rua se matem, mematem, te matem, porque quando um bem ‘do € gerado, 0 mal com certeza muitas vezes em do- bro volta Es6olhar ao redor e ver que eles G0 menos abragados a cada dia pelos seus, que eles nfo sio aco- lhidos carinhosamente em um late Sendo assim eles, nunca aleangario o padro socal imposto. ‘Alina éfina, muito tre: uma vida boa, um bom carro, um quarto todo mobiliado,talvez até um bar- co; mas e o Brasil? Que Brasil! (© mesmo Brasil que gera cada vez mais miserd veis, que gera um pequeno que € retirado pelas belas inios asseadas ecarinhosas de um médlico como se 0 retirasse de um casulo, eo traza vida dando-the um tapinha nas nédegas, para progredir com justiga e ‘igualdade com outros garotos na frgil linha da vida ‘Uma vida que o pequeno futuramente pensar que & sua, mas ndo é, pois seu futuro € incerto e ameagado pelo fantasma da injustiga socal. Ele no sabe que 16 casio Peeazo aquele médico néo é seu pai, e que seu pai esté numa ‘obra, pois ndo Ihe dram o dia de folga. O médico se formou na USP, um recinto que era para 0 povo, mas jf foi reservado desde sua criagio para os playhoys. Seu pai se formou na vida, uma vida que era para todos, porém desde que a aboligio foi declarada, to- dos souberam reservar sua parte, menos ele € 0s seus. ‘A menina na janela sorri para o menino. Manda- busca, manda-busca, ele grta enquanto ela continua a fité-1o ea pensar numa casa, uma casa 86 sua; num uintal cheio de flores e num gatinho branco, com os olhos azuis, que ela retira de perto de seu pequeno filho para nao arranhé-lo. ‘Mas algum tempo depois ela é a culpada dos sonhos do menino terem ido por gua abaixo, € 0 {lcool completa o circulo de dor to comum por aqui. A crianga chora, 0 gato foge, ele espanca, ela desani- 1ma,¢ 0s sonhos acabam mais uma vez. Qual seré o lado real do monitor, o lado certo para se viver? Eles até tentam nos Iudibriar, mas a realidade é um pouco diferente, ena TV a gente vé que a vida é muito bacana pra quem tem umaboa porcen- tagem da riqueza nacional. ‘As mais belas miisicas ou as mais realistas pala- vas no vio te tirar de to cémoda vida, pois nada mais faz a menor diferenga. Todos véem, mas no que- remenxergar que o futuro nos reserva mais dor, enos- sa vida é como se estivéssemos sentados,olhando pela janela de um avido que esté caindo rapidamente. E tudo sempre esteve tio pertoe tao longe. ‘pobreza aquié passada de pai para filho, assim como a necessidade de se trabalhar dia e noite para 7 Pevnes ‘comprar tum po; um saco de arroz, um saco de fei- jlo. Mas € com amor e carinho que criamos nossos, filhos, sem nos darmos conta do local, dos amigos in- certos e das coisas que injetam aqui, armas e drogas. Embriagados continuaremos assim, andandono chao frio com os pés descalgos, um sorriso na boca ainda seca da corrida contra a lei. Toda uma naglo esta othando para uma janela eletrinica; através dela esti o pasado manipulado, e o que ninguém vé é a porta que fica ao lado, a porta do futuro, que esta trancada pela mediocridade dos nossos governantes. calor foi mais uma vez roubado do corpo ~ cle foi morto estava quase sem esperancas de ter ‘um bom futuro, pois queria ter algo, mas estava sem dinheiro, numa drea miserdvel onde todos cantar a _mesma cangio, que 6 tinica coisa que alguém jé fez exclusivamente para alguém daqui;certamente é algo sobre ador, a esperanca, a frustragio, ou algo tao espe- cifico que $6 poderia ser feito para os habitantes de ‘um lugar por Deus abandonado e pelo diabo batiza- do de Capio Pecado. 18 “Querido sistema’ vo pe até nd ler ‘as tudo ber, pelo menos via capa. Pimeira parte Antimero 1 sem troféu 1° Obrigado a Deus por me manter malandra~ mente vivo. 2 Obrigado Ferréa pelo espago cedido ao C. L. daZ.S, vulgo M. B. Estou no momento ouvindo "Lamento” co Tim Maia, + 1 loko que viveu a vida loka por néo concor- dar com as pilantragens do mundao. Sei Id qual que é, esse tinha m6 cara de Capio Redondo 6, mano. Pode ser pretensio minha, mas eu acho que Tupac e Bob Marley também tim a cara da nossa quebrada, ‘Sem pretensio, a gente aqui do Capo nunca ia conseguir chamar a atengao do resto do mundo, por queda ponte Joo Dias pra cé outro mundo, téligado? Eu nem sei o significado do nome Capio e nem por que seria Redondo. Eu era bem pivetinho e jé ligava o nome Capio Redondo a sofrimento, 80% dos primeiros morado- res, ou quase primeiros, eram nordestinos, analfa- betos. Gente muito humilde, sofredora, que gosta da coisa certa Gente igual & minha mae. ‘So Paulo Massacra os + pobres e aqui no extre- ‘mo sul eu senti na pele o que é ser preto, pobre, filho 2a deme solteiranegra, que veio da Bahia com dozeanos de idade. Aprendi a nao gostar de polica, sei o que € andar muito loko tes, quatro dias direto e nem por {sso atravessar caminho de ninguém. No Capio Redondo é onde a fotondo tem inspi- ragio pra cartdo-posta. (s turistas nio vim gastar os délarese 05 poe- tasnuncamnem sequer ouviram falar pracitarnossam- bas-enredo. Capo Redondo é a pobreza, injustiga, ruas de terra, esgoto a oéu aberto, criangas descalcas, distri- toslotados, vefeulo do ML subindo e descendo pra la «prac, tensio echeiro de maconha o tempo todo, SioPaulonio éa cidade maravilhosa, eo Capio Redondo no lado sul do mapa, muito menos. ‘Aqui as histrias de crime néo tm romantismo ‘enem hersis. Mas, ai! Bu amo essa porral ‘Nomundao eu néo sou ninguém, masmo Capao Redondo eu tenho meu hugar garantido, moré mano? Vida longa aos guerreiros justos E assim que eu veo. “Animero 1 sem totes” Capao Redondo, uma escola. Mano Brown Gpitulo um Ai, mano! Eu bebo todo dia, c#té ligado? = Fumo pra cacete, mano, durmo sempre aqui ‘em frente & vendinha da Maria = Jé vide tudo aqui no Capo, coisa que até o diabo duvida, mano, cé téligado? ~ Sobrevivo comendo coisas que ganho, mano, e até reviro os lixo, & m6 treta com 0s cachorro, c& td ligado? — Ja fui esfaqueado duas vezes, mano; uma pelo Luis Negio e a tiltima foi pelo Sandrinho eo China, ‘uns moleque forgado da porra. = E agora vocé pensa: tudo isso e eu ainda t8 vivo, mano. Agora uma pa de maluco que comia bem pra caralho ja fol embora, 656 vooé pensar, oSenna, 0 Janio, o Joao Paulo, o PC Farias, a mie do Collor, 0 jrmdo do Collor,o Leandro, aquele da dupla sertaneja, é té ligado? Entio num é embagado, mano? Aj, eu ‘vou sair fora agora, vai ter um bot na brasa ld no Sal- danha, e hoje eu vou comer que nem um cachorro, falou Marquinhos, depois a gente se cruza. ae eee ™ aSiabrae, = Peawez ‘Valo Velho, o nome que estava em seu registro cde nascimento. Ele no sabia o significado do nome de seu bairro, mas admirava 0 campo onde os mole- {ques maiores jogavam futebol todos os dias. Sentiu muito mas nao teve escolha, e foi para o novo lugar ‘onde seu pai péde comprar um barraquinho. Era muito pequeno. Como antes, nfo entendia ‘nome do lugar; Capo Redondo era um nome mui- to estranho, e 0 que tinham the explicado era que o rome era tirado de um artefato indigena, pois os in- dios faziam um cestio de palha que tinha o nome de capio, e vendo essa drea de longe se tinha a impres- so de ser uma cesta. Colocaram 0 nome de Capao, Redondo, ou seja “uuma grande cesta redonda”, (O impacto da mudanga para o novo terreno da prefeitura foi amenizado pelo carinho dos novos ami- gos, afinal até as brincadeiras eram as mesmas; e se rum dia ele os conhecia, no outro jé estava passando por suas casas, sendo bem-vindo, por causa do seu jei- tinho educado e calmo, Seu aspecto sempre agradava as maes dos colegas: gordinho, cabelo todo encaraco- lado, e um éculos grande e preto que ele jé usava hi muito tempo. Tudo isso Ihe conferiam a aparéncia de ‘um pequeno cdf. ‘Mas o que mais agradava era que oseu temor no tinha se cumprido, 0s seriados e desenhos ainda eram ‘9s mesmos; e, por incrivel que pares, até as horérios haviam sido mantidos, e em sua pequena televiséo ppreto e branca ele se via numa realidade melhor. Enquanto 0 Zorro chamava seu amigo Tonto, 0s Flintstones e 0s Jetsons aprontavam no passado e no 26 futuro, 0 Pica-Pau nunca se dava mal, o gato Félix continuava engenhoso e tirando de tudo de sua bolsa magica, o gorila Maguila pedia para ser adotado, 0 Manda-Chuva sempre tapeava a policia local, mas ele nunca gostou de Eu Amo Lucy, achava que era para :menininha, Seus preferidos eram mesmo os herdis de ponta de desenhos e seriados como Supersomem, Batman, Fligper, Patrulha Estelar, Speed Racer, Jonny (Quest, Combs, Bonanza, Daniel Boone, Rin Tin Tin, © 03 superseriados japoneses, Rabb Gigante, Vingadores do £Expapo, Spectreman.O fenomenal Ultraman pareciafra- co quando a luz.em seu peito comecava a piscat, mas como Ultraseven nao tinha nada de frescura néo, ele cortava os monstros no meio, arrancave-lhes a cabeca depois voltava pra base como o humano Kenji, sem nenhum remorso. A série era to pesada que $6 pas- sava& noite, efoi proibida em quase todos os estados americanos, sendo liberada s6 para 0 Havel. Rael acordava sempre as cinco da manha, horé- ro que presenciava seu pai é arrumado e sentado na cadeira, tomando café, esperando alguns minutos para ir trabalhar. Sua mae sempre Ihe trazia café com leite na cama, e ele ndo sabia que essa era a época mais feliz da sua Era véspera de Natal, 0s ts em volta da drvore brilhante, se é que se pode chamar um cabo de vas- soura em um pote de margarina com cimento e qua- {ro varetas de bambu com pedagos de algodiona pon- ta de érvore de natal Rael perguntou por que Natal tom Arvore de Natal e Papai Noel. =F porque com o passar do tempo, ohomem foi esquecendo espirito real do Natal, entio fez. essa invengio toda, meu fio 2 Ahi ei. Foi mais um suspiro que uma demons- tragio de entendimento. EE eram ja vinte horas. (lugar dos presentes estava vazio. Eera quase Natal ~O, 2, tem alguém no portio! exclamou Dona Maria. Zé Pedro correu seguido por seu filho, por seu gato Raul e por seu cachorro Renato e mais algumas sombras Ocarteiro, coma carta na mao, esperava pacien- temente, imaginando mais uma caixinha. Zé no deu, Zé ndo tinha, pegou a carta rapidamente e entrou. =O que que € véio? perguntou Dona Maria, abalada. =F da Metaleo! espondeu Seu Zé, reconhecen- doo simbolo da empresa onde trabalhava. = Abre véio, abre. ~Abre, abre,abre, gritavam mie e filho em coro com o latido do cachorro. O gato estava atento, ‘contesido do envelope era um cartéo de Natal. ‘Todos pensaram juntos, a firma se importa com 0 Z6, com certeza ele é muito especial Seu Zé colocou o cartao na érvore e foi dormir, acompanhado de todaa familia. Acama de solteiro era apertada para os tes, mas eles sempre davam um ji to, o problema mesmo era a coberta, que néo dava pra cobrir os pés ea cabeca. ‘Mas Rael era muito curioso, eno conseguia dor mir Algo oincomodava, Levantou-selentamente, acen- ddeu a luz, foi até a arvore, pegou o cartio e resolven Jer, pois quando seu pai olhava o cartio ele s6 esta Canio Presse fingindo entender o escrito, pois tinha vergonha de ficar dizendo que era analfabeto. Rael leu o cartio: “Um Feliz Natal ¢ que seja feliz, vocé e toda a familia, 60 que nés da METALCO desejamos a todos ‘noscos funcionérios, Amor & Paz!” E Rael continuou a observar 0 cartdo, notou que atrés havia letrinhas mindsculas, e, curioso, as les. “Cartio comprado de associagées beneficentes ‘com efeito de abate no imposto de renda”’ Era Rael sdbio e entendew aquilo ra Zé Pedro humilde e dormia trangiilo. Era mais uma familia comum. ra um Natal de paz. Rael carregou aquilo consigo, mas com o tempo isso se tomou algo insignificante. Suas perdas eram constantes e aparentemente interminaveis: 0 primei- 10 amigo a morrer Ihe causou um baque e tanto, mas a morte dos outros dois fora menos desgastante, af- nal Rael estava crescendo. A necessidade de roupas ¢ cde um material melhor para a escola o fez.comegar @ ‘rabalhar numa padaria. Nos finais de semana, ele fa- 2ia curso de datilografia no mutirio cultural. ‘Naquele quinto dia do més foi seu pagamento, seu primeiro pagamento. Ele chegou em casa todo oF- sgulhoso, e jg havia separado a parte de sua mae, mas elando se encontrava na cozinha, isso erasinal de que jf estava dormindo, Rael foi conferir ¢ estava certo, Dona Maria dormia, enrolada na tinica coberta da ca- sa. Também,o descanso naquela hora era mais do que ‘merecido, pois trabalhava em casa de familia como iaristae ainda realizava oservigo de casa. Rael voltou ’ Sapa : Fenntz para a cozinha, pegou a chaleira, pegou um copo € derramou 0 pouco de café que tinha em seu interior. Bebeu o café meio enojado, poi liquido negro estava sgelado; procurou fésforo para acender 0 fogio, mas rio achou,e se lembrou que seu pai sempre esquecia ascaixasde fsforo nosbares quando jéestava de fogo. Ficou nervoso coma embranca dasbebedeiras deseu pai foi dormir. Gpitulo dois No dia seguinte, quando abriu os olhos, racioci- ‘nou rapidamente. O quarto estava muito claro, per- ‘ebeu que perdera a hora, tinha que estar na padaria as cinco horas em ponto. Correu para a cozinha, pe- 0U 0 reldgio em cima do caixote e viu que jé era mais, ‘de meio-dia; seus ombros deram uma leve inclinagio e ele desfaleceu na cama, estava completamente de- sanimado, Como iria explicar um atraso daquele, logo nos primeiros dias de servico? Ficou pensando, pe- ou os éculos, impou as lentes na camiseta e decidit, que nao ia ld se explicar, e no dia seguinte quando fosse normalmente trabalhar, falaria que estava doen- te, meio gripado. Pegou alguns cals que continham seus jogos preferidos e foi rumando para a Travessa Santiago. ‘Cumprimentou os dois amigos que estavam encosta- dos no poste: Panetone e Amaral, que eram irmaos, ‘mas nadia parecids. Rael passou, eles pediram que ele ddesse um tempo ali, mas ele explicou que ia ver se 0 Matcherros ou se 0 Cebola estavam acordados e se retirou; andou mais um pouco e adentrou a casa de Matcherros. Seu Lucas estava no sofé, como sempre, com um cigarro na mio e a caneca de café na outra. 30 Sebati at Bai, Seu Lucas, tudo bem? perguntou Rael, a0 mesmo tempo que sentava no sofa ~ Tudo bem, Rael, 6 com mas dor no bucho, mas acho que & por causa do café. E foda, eu tomo essa tmerda o dia intero, = Mas eu néo sabia que café prejudicava tanto assim, Seu Lucas. mas quando eu tomo, os nervo chega pul & porque também o café que a Silvinha usa é muito for fe. Além disso, cla mete mais de trés colheres de p6e ‘© resultado é esse af, um café saido diretamente do pintano. ~Osenhortfalando que nem o Matcheros, tudo dele & do pitano.E por falar niso, cad ele? ~Téldem cima, todo embrulhado quenem uma _mimia, Foi dormir tarde de novo, e agora sei lé que hora vai levantar. =E que eu trouxe uns eds pra gente jogat, mas nem vou acordélo, senio ele fica reclamando o dia todo que os olhos dele to ardendo. “Faz o seguinte, Rael, dé um tempo ai, que 0 Cebola ta chegando da escola ff. Mas, Seu Lucas cleo vai trabalhar hoje ndo? =Nio, hoje nao, hoje é folga dele. =O que que osenhor est assistindo? ~Ahleut6 vendo esse programa, cle passa umas comida muito louca, sabe? Sim, eu sei qual é esse programa passa todo dia; € duma loir, tem até umas fofocas de uns aris- tas, nfo tem? perguntou Rael com tom de ironia Tem sim, € um cara barbudo, meio viado que Canto Preavo dele eu tiro e ponho na Band. Pra que, Rael, que eu quero saber se tal fulano langou disco novo, ou se tal ciclano #4 comendo as vadias que fica rebolandoe di- zendo que é artista? Eu tiro do canal mesmo, eu que- ro que eles todos se fodam! ~Té certissimo, Seu Lucas, esses malucos af ga~ ham dinheiro as nossas custas, é carro importado, chapéx de dois mil délares e.. Mas Rael no concluiua frase, pois Cebola abriu ‘a porta com tudo, assustando até seu pai, que pergun- tou por que aquele apavoramento todo; eee disse meio ofegante que ouvira falar que o Seu Pedrinho lé da Sedinha estava avisando os moradores que a prefeitu- raestava pra tirar as familias da favelinha. Seu Lucas permaneceu quieto e, quando Rael tentou pronunciar alguma coisa, foi impedido pelo gesto brusco de Seu Lucas que se levantou rapidamente, pegou sua blusa ce saiu correndo como um doido. Rael e Cebola jogaram vieo game até anoitecer. (Quando Rael estava quase indo embora, Matcherros acordou e eles comecaram a conversar. Combinaram de ir a0 baile da News Black Chic, no patio da escola José Olimpio; o som da equipe era muito bom e vinha ‘gente Id do Valo Velho, Piraporinha, a. Ingé, Pirajus- sara, Morro do S, Pg. Regina, Pq, Arariba, Sao Luts, Buraco do Sapo, Pq, Feranda e de varias quebradas, ppois os bailes e rolés noturnos eram cada vez mais raros na periferia, Todo baile que surgia ndo passava de duas semanas e acabava, ou era por causa de mor- te ow por causa dos policais, Inclusive na Cohab ti nha um som em frente ao bar do Quitos, tinha noite Sees mei pda sce ere SG, ta rE atebabaoter ; baile, 0 som jé tinha mais de anos e era muito dificil, sair alguma confusio, até que numa sexta-feira, quan- doo som estava lotado, uma viatura da Rota veio em, toda velocidade e partiu pro meio do povao, sem mais ‘nem menos. Mais de dez pessoas foram atropeladas e ‘uitas acabaram com contusdes, pois foram pisotea- das na correria. © Quitos, que era dono do bar, ¢ 0s, vvizinhos ligaram pra policia; chegaram varias viatu- as, masos tenentes acabaram senclo coniventes, e até hoje nao deu em nada, s6 resultou no fim do baile. Rael curtiu o som da equipe até a meia-ncite, rio podia ficar mais pois tinha que acordar cedo € vender muito pio na Vivenda das Pousadas. Aten-

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